A percepção do consumidor diante dos riscos alimentares: A importância da segurança dos alimentos

Resumo: Nas últimas décadas os consumidores cada vez mais experimentam mudanças substanciais no setor alimentício, em decorrência de diversos fatores, dentre eles, o fenômeno da globalização, os diferentes hábitos e costumes, e a rapidez da informação. A questão da segurança dos alimentos é um instrumento que deve ser observado por todos, tendo em vista as conseqüências danosas que pode resultar para o consumidor, tal como doenças, ferimentos, etc. além dos prejuízos econômicos para os estabelecimentos, pela perda dos clientes para outros concorrentes. Assim, cada vez mais o consumidor tem-se preocupado com a sua saúde e qualidade de vida. Com a industrialização progressiva e a liberação dos mercados ocorreram diversas mudanças no setor alimentício, tanto na produção quanto na comercialização. E, após alguns episódios sanitários no final da década de 1990, além dos desastres ecológicos, uma onda de acidentes sanitários, principalmente de alimentos contaminados, tais como metanol no vinho, salmonela em ovos, chumbo no leite em pó, benzeno em água mineral, dioxina em frangos (gripe aviária) e uso ilegal de hormônios em carne bovina (doença da vaca louca), que se teve uma maior preocupação com a qualidade sanitária dos alimentos, adquirindo conceito de segurança alimentar. Essas crises fizeram com que os consumidores alterassem radicalmente sua percepção sobre a segurança sanitária dos alimentos. O presente artigo parte do pressuposto de que a existência de assimetria informacional no setor alimentício provoca uma demanda, por parte dos consumidores, por informações corretas sobre a qualidade dos alimentos. É em decorrência da necessidade de se obter informações mais claras a respeito dos mecanismos organizacionais que possam garantir a segurança em alimentos, que justifica esse artigo. Com a introdução, o artigo está estruturado em seis partes, incluindo esta introdução. A primeira trata do comportamento do consumidor; a segunda trata do ato de consumo e as novas tendências; a terceira descreve o risco alimentar sob o ponto de vista dos consumidores; a quarta trata da segurança dos alimentos e a última são as considerações finais.


Palavras-chaves: consumidores, direito à informação, alimentos seguros.


Abstract: In recent decades consumers increasingly experiencing substantial changes in the grocery, due to several factors, among them, the phenomenon of globalization, different habits and customs, and the speed of information. The issue of safety food is an instrument that must be observed by all, with the harmful consequences that can result for the consumer, such as diseases, injuries, etc. in addition to economic losses for establishments, for the loss of customers to other competitors. So, increasingly the consumer has been concerned about their health and quality of life. With the gradual industrialization and the release of markets occurred several changes in grocery, both in production and in marketing. And, after some health episodes at the end of the decade from 1990, apart from ecological disaster, a wave of health accidents, mainly from contaminated food, such as methanol in wine, salmonella in eggs, milk powder in the lead, benzene in mineral water, dioxin in chickens (avian influenza) and illegal use of hormones in beef (of mad cow disease), which had greater concern about the health quality of food, acquiring concept of food security. These crises have made consumers radically altered their perception about the safety food. This article assumes that the existence of asymmetry informational in the grocery leads to a demand on the part of consumers, for correct information on food quality. It is due to the need to obtain clearer information about the organizational mechanisms that can ensure security in food, which justifies this article. With the introduction, the article is divided into six parts, including this introduction. The first deals with consumer behaviour, the second is the act of consumption and new trends, the third describes the risk food from the point of view of consumers, the fourth is about food safety and the last are the closing comments.


Key-Words: consumers, right to information, safety food.


Sumário: 1) Introdução; 2) Comportamento do Consumidor; 3) O Ato de Consumo e as novas tendências; 4) Risco Alimentar sob o Ponto de Vista dos Consumidores; 5) Segurança dos Alimentos; 6) Considerações Finais; 7) Referência Bibliográfica.


1. INTRODUÇAO


Nas últimas décadas os consumidores cada vez mais experimentam mudanças substanciais no setor alimentício, em decorrência de diversos fatores, dentre eles, o fenômeno da globalização, os diferentes hábitos e costumes, e a rapidez da informação.


A questão da segurança dos alimentos é um instrumento que deve ser observado por todos, tendo em vista as conseqüências danosas que pode resultar para o consumidor, tal como doenças, ferimentos, etc. além dos prejuízos econômicos para os estabelecimentos, pela perda dos clientes para outros concorrentes. Assim, cada vez mais o consumidor tem-se preocupado com a sua saúde e qualidade de vida.


Com a industrialização progressiva e a liberação dos mercados ocorreram diversas mudanças no setor alimentício, tanto na produção quanto na comercialização. E, após alguns episódios sanitários no final da década de 1990, além dos desastres ecológicos, uma onda de acidentes sanitários, principalmente de alimentos contaminados, tais como metanol no vinho, salmonela em ovos, chumbo no leite em pó, benzeno em água mineral, dioxina em frangos (gripe aviária) e uso ilegal de hormônios em carne bovina (doença da vaca louca), que se teve uma maior preocupação com a qualidade sanitária dos alimentos, adquirindo conceito de segurança alimentar. Essas crises fizeram com que os consumidores alterassem radicalmente sua percepção sobre a segurança sanitária dos alimentos, ao mesmo tempo em que acarretaram reflexos imediatos e graves para as economias dos países envolvidos (SILVA &AMARAL, 2004).


Os consumidores que, no passado, tinham em sua concepção a idéia “sadia” de como os alimentos eram produzidos, sobretudo aqueles que tenham tido algum contato com o meio rural; hoje, as novas gerações de consumidores, perdem qualquer referência de como é produzido os alimentos que ingerem especialmente aqueles com alto grau de transformação, com a introdução de novas tecnologias no processo da industrialização.


A segurança alimentar está relacionada com a presença de perigos associados aos gêneros alimentícios no momento do seu consumo (ingestão pelo consumidor). Como a introdução desses perigos pode ocorrer em qualquer etapa da cadeia alimentar, torna-se essencial à existência de um controle adequado ao longo da mesma. Conseqüentemente, a segurança alimentar é assegurada por meio dos esforços combinados de todas as partes que integram a cadeia alimentícia.


As tecnologias utilizadas, os métodos e processos produtivos que muitas vezes expõem as populações à contaminação e intoxicação, assim como à presença de perigos ou contaminantes químicos, biológicos ou físicos nos alimentos e produtos agropecuários, é uma realidade que deve ser enfrentada e solucionada a contento para que a dignidade e salubridade de produtores e trabalhadores rurais sejam preservadas, bem como o pleno direito de acesso a alimentos saudáveis e livres de qualquer fator adverso (Andrigueto et al, 2008).


Frente às incertezas e aos riscos, foi criado o Codex Alimentarius, um programa conjunto da FAO/OMS, que estabelece normas de segurança para alimentos, com o objetivo de proteger a saúde dos consumidores e garantir práticas eqüitativas no comércio de alimentos.


Nos últimos tempos, o consumidor brasileiro tem se decepcionado na sua busca por alimentos seguros e de qualidade. Ainda, preocupa-se pelo fato de que a mesma qualidade e segurança alimentar contida nos produtos agropecuários exportados nem sempre correspondem ao que se distribui no mercado interno brasileiro. Na visão atual do consumidor, o conceito de qualidade de um alimento engloba não só as características de sabor, aroma, aparência e padronização do alimento, mas também a preocupação em adquirir alimentos que não causem danos à saúde.


A globalização de mercados, instaurada a partir da década passada, aliada às correntes e demandas de uma população mundial cada vez mais conscientizada e ativa na busca de seus direitos, culminou na necessidade de um indicador com identidade visual própria, reconhecido a nível internacional, que assegurasse a produção dentro das demandas das Boas Práticas Agrícolas – BPA exigidas pela sociedade. Aliam-se às BPA os selos de certificação de qualidade de produto e de ambiente. Países da União Européia como Espanha, França, Itália e outros, apoiados nas diretrizes da Organização Internacional de Luta Biológica e Integrados Contra os Animais e as Plantas Nocivas – OILB, desenvolveram na década de 1980 o conceito de Produção Integrada – PI, visando atender as exigências dos consumidores e das cadeias de distribuidores e supermercados, em busca de alimentos sadios e com ausência de resíduos de agrotóxicos, ambientalmente corretos e socialmente justos, motivados por ações de órgãos de defesa dos consumidores.


Portanto, de alguma forma a atuação dos cidadãos reflete nos regulamentos e controles do Governo nos produtos alimentícios. Com isso, se pode inferir que, estudar o comportamento do consumidor diante da avalanche que se tem nos dias atuais de novos alimentos no mercado é importante, para que o desenvolvimento do setor agroalimentar brasileiro seja mais competitivo, não somente para o mercado interno, mas principalmente, para atender a demanda crescente do mercado externo. A alimentação, como qualquer outra atividade humana, não está isenta de riscos e nunca esteve, porém essas contingências são atualmente melhores conhecidas, e com meios mais eficazes para medir-las, controla-as, preveni-las e evitar-las na medida do possível frente aos mecanismos organizacionais e marco regulatório criados para isso.


O presente artigo parte do pressuposto de que a existência de assimetria informacional no setor alimentício provoca uma demanda, por parte dos consumidores, por informações corretas sobre a qualidade dos alimentos. É em decorrência da necessidade de se obter informações mais claras a respeito dos mecanismos organizacionais que possam garantir a segurança em alimentos, que justifica esse artigo. Com a introdução, o artigo está estruturado em seis partes, incluindo esta introdução. A primeira trata do comportamento do consumidor; a segunda trata do ato de consumo e as novas tendências; a terceira descreve o risco alimentar sob o ponto de vista dos consumidores; a quarta trata da segurança dos alimentos e a última são as considerações finais.


2. O COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR


Nas últimas décadas os consumidores cada vez mais experimentam mudanças substanciais em seu comportamento, em decorrência de diversos fatores, dentre eles, o fenômeno da globalização, os diferentes hábitos e costumes, e a rapidez da informação. Constantes mudanças caracterizam as sociedades modernas, a exemplo das tecnológicas, sócio-culturais e demográficas, e ainda, competitivas (LIMA FILHO, 1999). As primeiras caracterizam-se pelos ganhos de qualidade e maior conveniência para o consumidor. As mudanças sócio-culturais e demográficas refletem o crescente interesse de estudiosos na área de marketing, ao focarem suas pesquisas na tentativa de identificar nichos ou segmentos de mercado. Finalmente, as mudanças competitivas decorrem do fenômeno da globalização, onde as organizações globais procuram expandir seus mercados através da entrada em diversos países.


Os aspectos que envolvem o ato de consumo são cada vez mais importantes. O papel do consumidor passa a ser fundamental no que se refere à segurança dos alimentos (para a saúde e para o meio ambiente), no controle da sua produção, certificação de sua qualidade, garantia de sua origem (rastreando-se a sua produção), rotulagem, entre outros. E isto tem se refletido nas políticas de segurança dos alimentos da FAO, através das normas do Codex Alimentarius.


Ainda, diante da importância do estudo do comportamento do consumidor, várias áreas do conhecimento científico se interessam por tal fenômeno e o investigam, tais como: Economia, Direito (com destaque para o Código de Defesa, do Consumidor, Lei nº 8.078/90), Administração (Marketing), Psicologia, Sociologia, dentre outras.


Blackwell et al. (2005) entendem que, “o comportamento do consumidor é a força motriz na formação de cadeias de fornecimento antenadas com o mercado”. Quando um consumidor irá adquirir um novo produto, geralmente faz uma comparação do que ele pretende adquirir com aquilo que já possui. Consumidores compram coisas quando acreditam que a habilidade do produto em solucionar problemas vale mais que o custo de comprá-lo, transformando o reconhecimento da necessidade não satisfeita no primeiro passo da venda de um produto.


Além da necessidade, os consumidores ainda adquirem produtos por desejo, entretanto, as empresas precisam estar atentas ao custo desses produtos, para que isso ocorra com eficácia, fazendo com que os mesmos sejam compatíveis com seu alvo, já que alguns consumidores deixam de adquirir o que desejam por motivos econômicos, suprindo, assim, apenas sua necessidade, ainda que seus desejos existam. Quando a necessidade surge, o consumidor recorre aos meios de coleta de informações (MAZZUQUETTI, SHIKIDA & QUEIRÓZ, 2007).


Nos dias atuais, para que uma empresa possa atuar em algum mercado, há a necessidade de ter o conhecimento sobre o comportamento do consumidor. Este deve ser entendido como “as atividades diretamente envolvidas na obtenção e no consumo de produtos, incluindo o processo de decisão que ser precede dessas ações” (SPERS, 2003).


Gade (1998) comenta que no processo de decisão o consumidor possui duas formas de escolha, direta ou indireta. Na primeira, para adquirir um produto ou objeto cujo valor máximo está predeterminado, o consumidor terá que, de “forma direta”, comparar outros atributos entre as opções como: qualidade, acesso, benefícios, garantias, entre outros. Destaca ainda, de uma segunda forma que, caso haja no mercado uma grande variedade do produto desconhecido a ser adquirido, para efetuar a escolha o consumidor utilizar-se-á de um processo “indireto”, ou seja, ele ira adquirir aquele que tenha a marca mais conhecida ou a mais cara, usando das características aparentes do produto como indicadores de comparação.


O consumidor é o elo final e o mais importante de qualquer cadeia agroindustrial, pois é ele quem sustentará todo o sistema. A partir dessa visão, pode ser atribuída a importância do consumidor, pois ele transmite, através da sua escolha de compra, quais os atributos de qualidade que deseja e quanto está disposto a pagar por eles.


Em face de tantas incertezas, os consumidores vêm exigindo alimentos com maior qualidade, além de exigirem algumas garantias, tais como, certificados confiáveis que atestem e garantam a existência desses atributos nos alimentos por eles adquiridos. Segundo Andrigueto et al (2008):


“O aperfeiçoamento dos mercados consumidores, a mudança de hábitos alimentares e a procura por alimentos seguros vêm pressionando os sistemas produtivos para atenderem às novas demandas, o que pode ser comprovado pelas seguintes atitudes: (i) movimento dos consumidores, principalmente europeus, na busca de frutas e hortaliças sadias e com ausência de resíduos de agroquímicos perniciosos à saúde humana e (ii) cadeias de distribuidores e de supermercados europeus,  normas do setor varejista europeu, representados pelo EUREPGAP (Euro-Retailer Produce Working Group – EUREP for Good Agriculture Pratices – GAP), agora conhecido por GLOBALGAP, que tem pressionado exportadores de frutas e hortaliças para o atendimento a regras de produção que levem em consideração: resíduos de agroquímicos, meio ambiente e condições de trabalho e higiene.”


Aspectos antes pouco valorizados no consumo, como segurança alimentar, higiene, qualidade e confiabilidade dos produtos, especialmente no setor de alimentos, cada vez mais passaram a serem fatores de grande relevância para a tomada de decisão no momento da compra. Hoje o consumidor está preocupado em saber de onde vem o alimento consumido e como é produzido. E, sendo o consumidor final o objetivo último e primordial de qualquer sistema produtivo, as mudanças pelas quais passam afetam, em maior ou menor grau, todos os setores do sistema em questão. “Mais do que nunca, compreender o consumidor é reconhecida como uma necessidade vital não apenas para as empresas, mas para toda a organização que se assuma como orientada para o mercado” (VIEIRA, 2004).


Também tem adquirido status cada vez maior à questão da saúde, principalmente quando se tem notícias de que algum produto colocado no mercado não está em conformidade com as normas de segurança e higiene, a exemplo do uso indevido de aditivos químicos no leite no Brasil[1] e a doença da vaca louca na União Européia (ESCRIBANO & BOENTE, 2000 (I)).


Diante de tantas modificações, o comportamento do consumidor tem-se alterado em todo o mundo. Na União Européia, as atitudes dos consumidores mudaram muito após os episódios sanitários, com uma perda de confiança dos produtos. Assim, foram criados órgãos que são responsáveis pela questão da segurança dos alimentos.


Já no Brasil, apesar de haver uma extensa legislação a respeito, a questão da segurança dos alimentos não é tratada com mais seriedade. A preocupação maior vem por parte das organizações não governamentais, como o IDEC, do que propriamente pelo Governo.


Tolledo, Batalha e Amaral (2000) destacam que os consumidores devem aumentar a demanda por atributos de qualidade dos alimentos, pois apenas ações de inspeção e regulamentação governamentais isoladas são insuficientes para a garantia da segurança dos produtos, pois conforme destaca o IDEC “a estrutura e atuação governamental se caracteriza pela fragmentação das políticas, desintegração, desarticulação nas ações locais e federal e, sobretudo, baixa efetividade na defesa dos consumidores[2].


3. Ato de Consumo e as novas tendências


O homem sempre dependeu da natureza para se alimentar. Em sua fase nômade, cerca de 90% da história da humanidade, comia frutas silvestres, nozes, raízes e a carne dos animais que caçava, consumindo apenas o que era possível extrair da natureza, sem destruir ou modificar significativamente o ecossistema. Quando a humanidade passou a adestrar animais e a plantar, homens e mulheres se fixaram a terra (era sedentária) – se deu o início da produção de alimentos, ainda em pequenas quantidades para suprir apenas as necessidades básicas dessa pequena sociedade.


Com a evolução do tempo, foram surgindo técnicas para o manejo do solo (rotação de áreas, rotação de culturas, etc.), com o objetivo de evitar o empobrecimento por meio da aplicação de nutrientes. O esterco dos animais e outros materiais orgânicos (folhas, galhos, cascas etc.) demonstraram serem bons fertilizantes naturais.


Com o surgimento das primeiras cidades e o conseqüente aumento do consumo de alimento, começaram a ocorrer desmatamentos e surgiram as monoculturas. O processo de industrialização (no final do século XVIII) intensificou-se nos séculos XIX e XX, alterou o relacionamento direto e próximo que existia entre o ser humano e a natureza. As pessoas começaram a migrar em massa para as grandes cidades. As aglomerações urbanas em torno das fábricas demandam alimentos para quem não os produz diretamente, aumentando a necessidade de produção de excedentes e transformando a economia rural.


Assim, nas últimas décadas têm ocorrido importantes modificações na produção e processamento dos alimentos. A partir do momento que a agricultura toma um grau de importância maior, quando se transforma numa indústria para alimentar uma população que não para de crescer, começa a utilizar métodos artificiais, como fertilizantes e pesticidas químicos, engenharia genética, irrigação e hormônios para acelerar crescimento de animais, disseminados, principalmente a partir da Revolução Verde, aumentando ano a ano a produtividade e a produção de diversas cultivares, tais como, oleaginosas, tubérculos, frutas, etc.


O programa teve início em meados do século XX, quando o governo mexicano convidou a Fundação Rockefeller, dos Estados Unidos, a fazer estudos sobre a fragilidade de sua agricultura. A partir daí, cientistas criaram novas variedades de milho e trigo de alta produtividade, aumentando vertiginosamente a produção dessas culturas no México. Essas sementes foram, em seguida, introduzidas e cultivadas em outros países, também com ótimos resultados, principalmente através de programas de cooperação entre as instituições de pesquisa, a exemplo da Embrapa no Brasil. A idéia primordial do aumento da produtividade teve como intenção o crescimento da produção sem atingir a estrutura fundiária.


O modelo se baseia na intensiva utilização de sementes melhoradas, particularmente sementes de híbrido (milho), insumos (fertilizantes e agrotóxicos), mecanização e diminuição do custo de manejo. Também é creditado à Revolução Verde o uso extensivo de tecnologia no plantio, na irrigação e na colheita, assim como no gerenciamento de produção. Com essa nova tecnologia, os pesquisadores prometiam, com esse conjunto de tecnologias, aumentarem as produtividades agrícolas e resolver a fome nos países em desenvolvimento.


Com a introdução das técnicas preconizadas pela Revolução Verde, no Brasil houve um aumento significativo da produção de alimentos. A partir da década de 1990, a disseminação dessa tecnologia em todo território nacional, permitiu que o país experimentasse um surto de desenvolvimento agrícola, com o aumento da fronteira agrícola, a disseminação de culturas em que o país é recordista em produtividade (como soja, milho, algodão, entre outros), atingindo recordes de exportação.


Para conseguir esses resultados foi necessário muito investimento em P&D das espécies produtoras, com pesquisas em melhoramento genético, fisiologia, patologia das plantas, técnicas de cultivo, solos, fruticultura, zootecnia, etc.


Conseqüentemente, aproximadamente em meio século, houve um crescimento extraordinário no consumo de carnes, leite, ovos, pescados, frutas, hortaliças, em geral, de todos os alimentos, segundo se pode comprovar pela disponibilidade de alimentos produzidos no Brasil.


No entanto, nas últimas décadas, houve o aumento da ingestão de gorduras e proteínas, acarretando o desequilíbrio na alimentação humana, principalmente, o aumento da obesidade, considerada atualmente como um dos mais graves problemas de saúde pública, em países desenvolvidos e em países em desenvolvimento. Percebe-se assim, que a alimentação tem mudado em todo o mundo, como parte da cultura também está mudando. Em nome da ilimitada autonomia do desejo humano, a sociedade de consumo de massa foi, paradoxalmente, impulsionada pela indústria de alimentos.


Bleil citando Alain Touraine (1998), informa que:


“Sentimos que o poder está em toda parte e que a sociedade é menos regida por instituições que se baseiam no direito e na moral que pelas exigências da concorrência econômica, pelos programas dos planificadores ou pelas campanhas de publicidade. A sociedade, que é ao mesmo tempo técnica e poder, divisão de trabalho e concentração de recursos, torna-se cada vez mais estranha aos valores e às demandas dos atores sociais. Se a idéia de sociedade de massa ou de consumo substitui a de sociedade industrial, é porque ela constata a separação entre o mundo da produção e o universo de consumo, ao passo que a sociedade industrial definia ainda o ser humano como trabalhador, portanto nos mesmos termos que o sistema de produção.”


No entanto, os novos produtos alimentares, criados pela indústria, têm conquistado um público crescente, principalmente nos grandes centros onde também o fast-food é uma realidade para milhões de consumidores ao redor do mundo. Já com relação a pratos preparados, a realidade é outra.


Em Aragon na Espanha foi realizada uma pesquisa para verificar o perfil dos consumidores de pratos preparados. Nesta pesquisa foi constatado que o número de consumidores deste tipo de alimentos é de 37,9% da amostra analisada, entre pessoas de 25 e 45 anos, com uma renda mensal media de 1500 euros. Os principais produtos que compram são: massas, croquetes, batatas, empanadas e pescados, adquiridos mensalmente em mercados e hipermercados. Suas principais motivações para a compra são: comodidade, evitar fazer seu próprio alimento e para solucionar imprevistos. O consumo de carne preparadas tem uma porcentagem de 22,9% superior a carne empacotadas pelo fornecedor, sendo uma opção atrativa para o consumidor (GARRIDO, URQUIZU & VICENTE, 2008).


Hoje os alimentos são produzidos de forma diferenciada, por técnicas que permitem fazer alimentos de materiais diferenciados, barateando custos de produção, utilizando e reutilizando alimentos, obtendo nutrientes sintéticos, utilização de medicamentos, não somente para tratamento de enfermidades, mas também para induzir o crescimento, através de antibióticos.


Desde o início da segunda metade do século passado se conhece o fato de que algumas moléculas de antibióticos – quando usadas como aditivos em alimentos para animais – permitem uma melhora de desempenho dos animais, particularmente de aves e de suínos. Vários trabalhos científicos foram desenvolvidos confirmando este benefício. Assim, tem sido repetidamente comprovado que o uso de aditivos antimicrobianos produz em aves e suínos: aumento do ganho de peso, diminuição do tempo necessário para que se atinja o peso considerado como ideal para o abate, diminuição do consumo de ração, aumento da eficiência alimentar, melhora das qualidades organolépticas e da conservação dos alimentos para animais, e dentre tantos outros, prevenção de patologias infecciosas e parasitárias e diminuição da mortalidade. Efeitos como estes vêm tornando a produção animal mais eficiente e reduzindo os custos de produção.


Também são usadas moléculas para acelerar o metabolismo de maturação de frutas, fixar melhor as gorduras, controle de maturação de alguns alimentos e frutas, conservação, enriquecer com nutrientes alguns alimentos ou impedir que bactérias ou leveduras se desenvolvam durante a exposição do alimento no mercado.


Há o aumento de alimentos enlatados e pré-cozidos, que a princípio, precisam de conservantes para garantir a vida útil no mercado, o que requer maior garantia de sua produção e distribuição. Hutton (2003) afirma que a utilização de aditivos e conservantes para a manipulação dos alimentos são fatores que acabam causando certa desconfiança nos consumidores europeus. Cerca de 70% num grupo de 10 consumidores europeus admitiram que confiam somente nos alimentos in natura (pescados, carnes, leite, frutas e hortaliças, incluído ovos e queijos), conforme apontado no Eurobarómetro. Entende ainda o consumidor que somente terão confiança nas agencias e autoridades sobre segurança dos alimentos quando estas informam suficientemente sobre a segurança dos alimentos para que possam livremente decidir o que comprar e o que comer. Por isso os legisladores devem prestar atenção na necessidade de entender o comportamento dos consumidores, no que refere a sua opinião sobre os diferentes riscos.


No Brasil, uma pesquisa feita na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) põe em evidência importantes mudanças no padrão de consumo alimentar no Estado de São Paulo. Os resultados atestam que, nas últimas três décadas do século XX, houve um declínio no consumo de alimentos básicos, como cereais e derivados, e de frutas e hortaliças, ao passo que se verificou um aumento da participação de alimentos de baixo teor nutricional, como biscoitos e refrigerantes. O estudo constatou ainda um aumento na disponibilidade de alimentos de origem animal, como carnes e leite. Apesar de a tendência apresentar características positivas devido ao aumento no consumo de proteínas e de cálcio, tais alimentos também constituem fontes de gordura animal e de colesterol, nutrientes danosos à saúde quando consumidos em quantidade excessiva, segunda aponta o estudo.


Atualmente muito se tem discutido a utilização da engenharia genética moderna para a produção de alimentos, principalmente, em decorrência da escassez de informações e certas omissões em relação à nova tecnologia, em virtude de ainda não existirem suficientes respostas cientificas totalmente confiáveis. A comunidade científica é bastante dividida, entretanto a maior parte dos debates é ideológica. Uns acreditam que a moderna biotecnologia irá salvar a fome no mundo, outros entendem que as implicações econômicas, ecológicas e éticas precisam ser mais bem discutidas e definidas para estabelecer limites.


Há diversas pesquisas no Brasil que usam a biotecnologia moderna, tais como: alface com vacina contra leishmaniose, frutas e hortaliças mais ricas em vitaminas e soja que produz insulina ou hormônio do crescimento, entre outras. Essas pesquisas têm por objetivo incorporar novas qualidades sob o ponto de vista agronômico. Essas culturas contam com um ou dois genes externos, codificando proteínas que são expressas em pequenas quantidades e conferindo características tais como (SHARMA et al., 2002; AUMAITRE et al., 2002): resistência a herbicidas; resistência a insetos pela introdução de proteínas de inseticidas bacterianas (toxina do Bt); esterilidade masculina, facilitando o cruzamento de híbridos; introdução de fatores abióticos antiestresse, favorecendo a tolerância à sanilidade, solos com muito alumínio; aumento do metabolismo de amido e outros açúcares; alteração da senescência; incorporação de fatores nutricionais, como a manipulação genética de carotenóides.


Pesquisas também são feitas com a manipulação genética em animais com propósitos alimentícios, transformados com genes relacionados ao crescimento (tais como, hormônio de crescimento somatotropina, hormônio do fator de liberação, fator de crescimento insulínico, principalmente em bovinos). No caso de peixes, além dessas características, tais como a tolerância ao frio, resistência a doenças e esterilidade (MACLEAN, 2003). Além disso, suínos, bovinos e caprinos geneticamente modificados têm sido criados com novas enzimas em seu epitélio intestinal para aumentar a eficiência na utilização de ração. Como exemplos, citam-se os animais que expressam a fitase  para aumentar a absorção de fósforo ou enzimas que catalisam a síntese da cisteína (KLETER e KUIPER, 2002).


Mas, conforme apontado por Dória (2008), indica que:


…um simples tomate, um frango, o boi, tal qual existem hoje, são construções, produtos da engenharia humana; não são produtos naturais no sentido de coisas desenvolvidas pela natureza sob ação da seleção natural. Já Darwin nos mostrou isso com clareza, ao estudar a seleção artificial que prossegue, em linha reta, até a engenharia genética moderna, cuja meta é acentuar os caracteres úteis das coisas vivas e, acima de tudo, a sua produtividade. Essa diretriz industrial impregna nossas vidas. Os produtos que consumimos parecem tão normais ou “naturais” que sequer nos perguntamos, por exemplo, o que seja a “canola”. Imaginamos uma planta bucólica, estampada no rótulo de um óleo de fritura com baixo teor de “trans”. Choca-nos saber que, na verdade, se trata de uma mera sigla – CANadian Oil Low Acid- de modo que dizer “óleo de canola” é mera cacofonia. A planta da qual ele se origina é a colza, usual na geração de um óleo industrial que foi responsável, no passado, por verdadeira tragédia alimentar na Espanha. Claro, na variedade agora produzida parece inocente, mesmo considerando que boa porção da colza tem origem na transgenia.


Entretanto, um estudo realizado na Universidade de Gante, na Espanha conclui que:


No todos los consumidores perciben que el uso de la tecnología MG en la producción de alimentos sea un peligro para la seguridad alimentaria, y los que lo perciben, no todos lo hacen por las mismas razones o con la misma intensidad. Sin embargo, la percepción de la seguridad de los alimentos MG tiene un impacto significativo sobre las actitudes de los consumidores frente a estos alimentos. Cuanto más seguros se perciba que son los alimentos MG, menos negativas serán las actitudes frente a ellos. Las actitudes generales hacia la tecnología, hacia la prueba de nuevos alimentos y hacia los alimentos actuales están relacionadas positivamente con la percepción de la seguridad de los alimentos MG. Claramente, los consumidores que están insatisfechos con la producción actual de alimentos, que se caracteriza por un alto grado de aporte tecnológico, se caracterizan por una percepción baja o muy baja de la seguridad de los alimentos tecnológicos tales como los alimentos MG, lo cual a veces lleva a una aceptación muy baja de dichos alimentos. Por lo tanto, aumentar la aceptación de los alimentos MG implica mejorar la percepción por parte de los consumidores de la seguridad de estos alimentos. A este respecto, es esencial la comunicación por parte de los políticos y de otras partes interesadas, a fin de hacer frente a las preocupaciones de los consumidores sobre la seguridad de los alimentos MG. Esta comunicación debería basarse en las indicaciones apuntadas, con respecto al origen e impacto de la percepción de la seguridad de los alimentos MG.”


Segundo estudo de Hallman et al. (2004), sugerem que a população norte-americana, em geral, tem pouco conhecimento a respeito dos alimentos transgênicos e das leis de segurança alimentar e rotulagem, embora conheçam bem as agências responsáveis por fiscalizar e controlar os alimentos. Entre os norte-americanos que conhecem um pouco sobre o assunto, percebeu-se grande incerteza e dificuldade em ter uma opinião concreta e definida sobre o assunto.


Orati (2006) cita o trabalho de Hossain et al (2002), avalia a disposição dos consumidores em  comprar alimentos transgênicos que contenha qualquer beneficio adicional, através de um estudo com modelo logístico envolvendo as dimensões de características socioeconômicas e valores pessoais de cidadãos norte-americanos. Os resultados do trabalho citado indicaram que os consumidores mais jovens, com maior conhecimento em biotecnologia, com elevado grau de educação são geralmente mais dispostos a adquirir produtos advindos de transgenia. Ainda, o trabalho apresenta que, consumidores com maior confiança em P&D e no Governo são mais dispostos a comprar alimentos transgênicos. Por outro lado consumidores céticos sobre empresas de biotecnologia e com fortes crenças religiosas são menos prováveis a aceitar esses tipos de alimentos.


É natural que os consumidores tenham dúvidas em relação a sua segurança, já que não há referências quanto ao seu histórico de segurança ou formas de administrar possíveis riscos. Segundo à crítica de Dória (2008), sobre a confiança alimentar:


Quando os mecanismos industriais falham, inclusive no seu marketing, aparece o aspecto artificial, “ameaçador”, da estrutura produtiva que nos separa da velha natureza. Os episódios da “vaca louca” e da gripe aviária mostraram a fragilidade dessa forma de encapsulamento industrial dos alimentos, aprofundando o desejo de uma vida “mais natural” como forma de restaurar a confiança perdida. No processo sem volta, slow food, produtos de “terroir”, “orgânicos” e uma infinidade de outras denominações buscam aproveitar comercialmente a oportunidade criada pela própria crise de confiança na indústria alimentar. se perdemos a confiança na indústria alimentar, isso não quer dizer que recuperamos a capacidade de reconstruir o alimento “sadio”. Apenas transferimos a fé pública para selos, rótulos, marcas, etiquetas informativas e outras declarações de agentes públicos sobre a qualidade do produto. Mas, afinal, não foram esses mesmos agentes públicos que falharam tantas vezes, como no episódio da “vaca louca”? Por que agora mereceriam crédito irrestrito? Seriam as ONGs certificadoras merecedoras da confiança que o Estado perdeu?


Diante das incertezas, a União Européia tem como princípio de sua regulamentação a respeito de segurança dos alimentos o mecanismo da rastreabilidade (trazabilidad) para toda a cadeia alimentar. Entende que, com a adoção desses mecanismos haverá uma maior gestão no controle de qualidade e segurança dos alimentos produzidos. Já no Brasil o tema da segurança dos alimentos ainda precisa ser amadurecido, construindo conceitos de qualidade do alimento a ser incorporado, ao definir as características desejadas nos produtos, não somente sob o ponto de vista sanitário, como também organoléptico.


As tecnologias utilizadas nas fases da produção do alimento (desde a produção de insumos até a distribuição atacadista) podem ser adquiridas ou copiadas, e o produtor que não tem acesso a elas, por falta de recursos ou de escala, está seriamente prejudicado. Mas saber o que o consumidor deseja, conhecê-lo, saber como está mudando e levar essa informação a todo elo produtivo é uma vantagem bastante importante, tanto para firmas individuais quanto para a agroindústria.


4. RISCO ALIMENTAR SOB O PONTO DE VISTA DOS CONSUMIDORES


Problemas relacionados ao consumo, produção e circulação de alimentos tornaram-se temas freqüentes na agenda governamental brasileira nos últimos anos e vêm preocupando chefes de Estado e organismos internacionais em todo o mundo. O termo segurança alimentar é, atualmente, alvo de políticas públicas, campanhas e programas nacionais, constituindo uma área interdisciplinar que exige cada vez mais a ação integrada de profissionais de diversas categorias, como engenheiros, agrônomos, nutricionistas, biólogos, médicos, sociólogos, economistas, dentre outros.


Neste sentido, a partir do momento que a qualidade dos alimentos passa a ser uma das maiores preocupações dos consumidores, no Brasil, o Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC – constantemente demonstra que existe uma situação inaceitável com relação a esse problema, decorrente dos altos níveis de contaminação química e microbiológica, de fraudes e de informação imperfeita e assimétrica na rotulagem dos produtos colocados nos mercados.


Produzir e fornecer alimento seguro são fatores que desafiam os diversos agentes envolvidos na cadeia de agroalimentos. O recolhimento de produtos alimentares pela indústria, em razão de contaminação, tem-se tornado cada vez mais freqüente, seja esta causada por microrganismos patogênicos, parasitas, contaminantes, seja por materiais estranhos, ou qualquer outra causa.


Do ponto de vista dos consumidores, várias são as preocupações quanto aos riscos sanitários e a certeza de que se esses produtos não são adequadamente controlados e que poderão ocorrer episódios dramáticos como o que sucedeu com o mal da vaca louca (BSE – Encefalopatia Espongiforme Bovina), gripe aviária, as contaminações das carnes e leite pelas dioxinas e os benzopirenos nas gorduras, o que veio chamar a atenção para a necessidade de maior controle na produção agroalimentar e também da relação que existe com a poluição ambiental. Os consumidores manifestaram-se preocupados e exigiram maiores informações e maior controle dos alimentos que são colocados à sua disposição nos mercados.


As inovações tecnológicas também geram fascínio para os consumidores, ofuscando alguns dos problemas que podem estar contidos no processo de produção de alimentos, como o emprego abusivo de substâncias químicas e tóxicas, o uso de aditivos, a degradação de ecossistemas etc.


Portanto, a proteção do consumidor, a ser conferida através da normatização do direito do consumidor, configurou-se numa necessidade premente para todas as nações desenvolvidas ou em desenvolvimento, instando a adoção de medidas preventivas, coercitivas e punitivas, visando a assegurar ao consumidor proteção à vida, à saúde, à liberdade de escolham e à igualdade de condições nos contratos (DONATO, 1993 citado por VIEIRA & VIEIRA JUNIOR, 2005).


A tutela conferida aos consumidores resumia-se em duas ordens: uma destinada a prevenir e evitar danos, subdividida em norma de intimidação e punição no âmbito penal e através de normas de controle direto da fiscalização, a ser realizada pela ordem administrativa; outra, visando à compensação dos danos causados através de sua reparação exercida no âmbito civil.


O direito do consumidor abrange não somente as relações de consumo como também os crimes contra a economia popular; a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo e a conseqüente legislação sobre a intervenção no domínio econômico; bem como apresenta uma nova visão e maior amplitude jurídica das responsabilidades por danos causados não só diretamente ao consumidor, mas também ao meio ambiente, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.


No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor assegura como direito ao consumidor em seu art. 31 que “a apresentação de produtos deve assegurar informações corretas e claras sobre suas características, qualidades, composição e origem”.


O dever de informar é de suma importância para o mercado de consumo[3]. O cumprimento do dever de informar pelo empresário é aspecto que permeia todos os grandes assuntos referidos pelo Código: a inversão do ônus da prova relaciona-se ao direito da informação; definição de fornecimento perigoso, por exemplo, é função da adequabilidade e suficiência das informações prestadas sobre os riscos à segurança e a saúde dos consumidores; há defeito de comercialização na improbidade de informações acerca do uso do produto ou serviço; considera-se vicio de qualidade o descompasso entre as informações constantes de publicidade, embalagem, rotulagem ou recipiente e a realidade de fornecimento; toda a disciplina da publicidade tem como referência o conteúdo veiculado nas mensagens.


O princípio da transparência está expresso no caput do art. 4º do CDC, traduzindo na obrigação do fornecedor de dar ao consumidor a oportunidade de conhecer os produtos e serviços que são oferecidos e, também, gerará no contrato a obrigação de propiciar-lhe o conhecimento prévio de seu conteúdo. Ainda, está complementado pelo princípio do dever de informar, previsto no inciso III do art. 6º, e a obrigação de apresentar previamente o conteúdo do contrato previsto no art. 46 do CDC.


O direito de informação também está previsto na Constituição Federal e pode ser contemplado de três maneiras: o direito de informar, o direito de se informar e o direito de ser informado.


O direito de informar é uma prerrogativa concedida às pessoas físicas e jurídicas, disposto no caput do art. 220, que dispõe in verbis: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”. Esta norma é complementada pelo art. 5º, IX que expressa: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou de licença”. Mas estes dispositivos não são absolutos, visto que a própria norma constitucional impõe limites, através do art. 5º, inciso X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.


São invioláveis, diz o texto. Logo, o direito de informar não pode transpor os limites estabelecidos nessa norma. Não pode violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. O direito de se informar é uma prerrogativa concedida às pessoas. Decorre do fato da existência de uma informação. O texto constitucional no inciso XIV do art. 5º, assegura primeiramente esse direito no que respeita à informação em geral, mas garante o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional. Esse é um limite. Entretanto, o direito de ser informado, no âmbito constitucional, é menos amplo do que no sistema infraconstitucional de defesa do consumidor. O direito de ser informado nasce, sempre, do dever que alguém tem de informar.


Basicamente, o texto magno estabelece o dever de informar que tem os órgãos públicos. No que tange ao dever de informar das pessoas em geral e das pessoas jurídicas com natureza jurídica privada, é o Código de Defesa do Consumidor que estabelece qual a obrigatoriedade ao fornecedor.


Com efeito, na sistemática implantada pelo CDC, o fornecedor está obrigado a prestar todas as informações acerca do produto ou do serviço, suas características, qualidades, riscos, preços, etc., de maneira clara e precisa, não se admitindo falhas ou omissões. Trata-se de um dever exigido mesmo antes do inicio de qualquer relação. A informação passou a ser um componente necessário do produto e do serviço, que não podem ser oferecidos no mercado sem ela. Assim, a soma dos princípios, compostos de dois deveres – o da transparência e o da informação -, fica estabelecida a obrigação de o fornecedor dar cabal informação sobre seus produtos e serviços oferecidos e colocados no mercado, bem como das cláusulas contratuais por ele estipuladas.


5. SEGURANÇA DOS ALIMENTOS


Durante os últimos 20 anos os intercâmbios internacionais de produtos agrícolas e de alimentos aumentaram mais que o dobro, estabelecendo novos desafios e oportunidades para os agricultores dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, assim como para os operadores comerciais e para instituições que tratam da questão da segurança dos alimentos.


Com o aumento do comércio internacional, foi necessário redefinir o papel do comércio tradicional e de sua organização estratégica. Este reposicionamento deverá assegurar a existência de uma alternativa competitiva e que complemente as redes de distribuição, garantindo uma indispensável pluralidade na distribuição de produtos agroalimentares. Os avanços tecnológicos nos métodos de produção agrícola, as novas tecnologias para o preparo dos alimentos, as embalagens dos produtos e a crescente preocupação com o meio ambiente são aspectos que cada vez mais estão presentes nos debates sobre a necessidade em se legislar sobre a questão da qualidade na segurança dos alimentos para o consumidor a nível internacional.


Com a globalização e a troca cada vez mais comum de informações, os consumidores estão se tornando mais exigentes com a qualidade dos produtos que adquirem. Para atender a estas novas exigências, as empresas sentem a necessidade de adotar sistemas para melhor fiscalizar e controlar a questão da qualidade de seus produtos, tanto no aspecto de qualidade quanto nos aspecto do impacto ao meio ambiente. E no setor de alimentos, para que o produtor ou empresário possam se inserir neste mercado globalizado, novas normas e padrões de qualidade surge para estabelecer novos parâmetros.


Assim, a segurança dos alimentos sob o aspecto sanitário desempenha um importante papel para o consumidor. Após os episódios sanitários que ocorreram no final dos anos de 1990 e inicio de 2000, mais do que nunca, a segurança dos produtos alimentares constitui uma preocupação central aos olhos dos cidadãos e das entidades responsáveis, bem como uma condição necessária ao reforço da proteção dos consumidores.


Para a FAO a inocuidade e a qualidade dos alimentos e a proteção dos consumidores frente às inseguranças alimentares estão diretamente relacionadas com os direitos humanos propugnados pela instituição, repercutindo social e economicamente para todos os Estados Membros signatários da Organização[4]. Entende ainda a FAO para o abastecimento da população crescente, a produção de alimentos deve ser seguro e de boa qualidade, elemento fundamental para o desenvolvimento sustentável dos recursos agropecuários nacionais. Todos os consumidores têm o direito a adquirir alimentos seguros e boa qualidade.


Portanto, cada vez mais há a necessidade de que o Estado fiscalize toda a cadeia alimentar de modo global (do campo à mesa), para garantir que o consumidor irá adquirir um alimento com informações claras e seguras sobre o produto. Ao mesmo tempo, a sociedade de hoje deseja ter uma variedade cada vez maior de produtos disponíveis a fim de que possa escolher o que consumir, e que estes sejam saudáveis, uma vez que há a preocupação cada vez maior com a saúde.


A FAO define alguns parâmetros para o controle dos alimentos a serem observados pela legislação e regulamentação alimentares por todas as autoridades nacionais e locais dos Estados Membros, com o fim de proteger o consumidor e garantir que todos os alimentos, durante a sua produção, manipulação, armazenamento, elaboração e distribuição, sejam inócuos, saudáveis e aptos para o consumo humanos, cumpram os requisitos de inocuidade e qualidade e estejam rotulados de maneira precisa e objetiva, de acordo com o disposto em lei.


Ainda, para a FAO, o sistema de controle dos alimentos é um marco institucional oficial, a nível nacional e sub-nacional, para garantir a segurança e a qualidade dos alimentos fornecidos. Os elementos centrais do sistema integrado de controle dos alimentos são: gestão do controle dos alimentos; legislação, regulamentação ou normas alimentares; garantia da qualidade e boas práticas; serviços de laboratórios; informação, educação, comunicação e capacitação.


 Entretanto, para que um alimento seja considerado seguro há a necessidade de estes sejam mais fiscalizados, através de um marco regulatório eficiente, com mecanismos organizacionais adequados e controle de sua produção (trazabilidad ou rastreabilidade). Mas para isso, o consumidor exige que os alimentos mantenham suas propriedades naturais, apesar da incorporação de inovação tecnológica. Ele quer produtos novos, mas que mantenham seus atributos naturais (sabor, textura, etc), sem, contudo, haja aumento dos preços. As estratégias para reduzir os riscos mais importantes ao longo da cadeia alimentar devem ser incorporadas nas orientações dos sistemas de inocuidade dos alimentos. Esses sistemas, dos países desenvolvidos como dos países em desenvolvimento, enfrentam obstáculos sem precedentes decorrentes das mudanças de hábitos no consumo de alimentos, na crescente urbanização, nas novas técnicas de produção de alimentos, da globalização e das necessidades de se adaptar a novas tecnologias.


O termo alimento seguro possui várias definições na literatura científica. Segundo a as normas da ISO 22000, considera-se alimento seguro quando se tem a idéia de que ele não será perigoso ao consumidor quando preparado e/ou consumido adequadamente. Esse conceito está relacionado à ocorrência de perigos que são “agentes biológicos, químicos ou físicos ou condição do alimento que tem um potencial de causar um efeito adverso à saúde” (INTERNATIONAL…, 2005).


Segurança de alimentos é o termo usado para se referir à prática de medidas que permitam o controle da entrada de qualquer agente que promova risco à saúde ou integridade física do consumidor. Portanto, ela é conseqüência do controle de todas as etapas da cadeia produtiva, desde o campo até a mesa do consumidor.


Segundo Spers (2003), a segurança dos alimentos é um tema que interessa a diversos agentes econômicos, dos consumidores e de algumas organizações não governamentais (ONGs), que surgem em um ambiente institucional com o intuito de pressão, decorrente de uma percepção da probabilidade de risco à sua saúde e/ou ao meio ambiente ao consumirem produtos adulterados ou contaminados.


O conceito de qualidade de alimentos, na visão do consumidor, nada mais é do que a satisfação de características como sabor, aroma, aparência, embalagem, preço e disponibilidade. Muitas vezes é desconhecida a condição intrínseca de “segurança alimentar”, quando se refere a aspectos relacionados à influência deste alimento sobre a saúde do consumidor. Parece contra-senso, já que alimentos são consumidos para fornecer nutrientes, ou seja, manter a saúde dos consumidores.


No entanto, para se definir a segurança em alimentos, é importante diferenciar o termo. Sob o enfoque quantitativo (food security) refere-se ao abastecimento adequado de uma determinada população, que pode ser obtida por meio do aumento da renda familiar, conjuntamente com uma oferta adequada de alimentos via aumento da produção interna ou aumento da importação de alimentos. Um outro sentido de segurança em alimentos é sob um enfoque qualitativo (food safety), ou seja, a garantia que o consumidor irá adquirir um alimento com atributos de qualidade que sejam do seu interesse, entre eles sua saúde e segurança. Em francês, é utilizado termo sureté (security) e sécurité (safety). Entretanto, na Espanha o uso do termo seguridad alimentaria é utilizado para os dois significados.


Para FAO, o Codex Alimentarius, define como sendo a garantia em se consumir um alimento isento de resíduos que prejudiquem ou causem danos à saúde. Ainda existe o termo “segurança alimentar global” referindo-se aos dois tipos: food security e food safety.


Afirma Spers, (2005) que, a segurança alimentar está relacionada à confiança do consumidor em receber uma quantidade suficiente de alimentos para a sua sobrevivência ou do país em poder fornecer esta quantidade, enquanto a segurança do alimento significa a confiança do consumidor em receber um alimento que não lhe cause riscos à saúde ou ao meio ambiente.


No entanto, o conceito de segurança alimentar, no sentido de safety food, tem evoluído nos últimos 25 anos. Nos anos de 1970 e 1980, o conceito era mais focado na questão do controle microbiológico, posteriormente e como conseqüência do aumento da capacidade analítica, se caracteriza por uma crescente sensibilização sobre os riscos emergentes. Para um futuro próximo e imediato é previsível que o conceito seja focado na questão nutricional, desenvolvimento e funcionamento do organismo humano.


Mas, desde que o homem começou a produzir seus alimentos ele já tem a preocupação com a segurança dos mesmos. Inventaram o processo de defumação para conservar por mais tempo as carnes. Posteriormente, foi inventado o salgamento dos alimentos. Mas foi com a Revolução Industrial que os problemas de segurança dos alimentos (food safety) aumentaram, em decorrência da urbanização houve o aumento da demanda por alimentos (ROBERTS, 1991). Nesse período, cresce também a adulteração nos alimentos.


O histórico da aplicação de sistemas de segurança alimentar iniciou na década de 1950, com a indústria de alimentos adaptando as Boas Práticas (BP) da indústria farmacêutica, dando um grande passo para melhorar e dinamizar a produção de alimentos seguros e de qualidade. Com as Boas Práticas de Fabricação (BPF), começou-se a controlar, segundo normas estabelecidas, a água, as contaminações cruzadas, as pragas, a higiene e o comportamento do manipulador, a higienização das superfícies, o fluxo do processo e outros itens. Observou-se um esforço, que ainda hoje continua em muitas indústrias, para controles e adequação da estrutura de fabricação de alimentos.


Em 1965, John Kennedy anunciou nas Declarações de Direitos Humanos, são direitos fundamentais do homem a questão da qualidade e segurança alimentar e, após vinte anos a ONU, confirma esses direitos.


Com relação aos controles de processo, derivando do sistema FMEA (failure, mode, effect analisys), foi criado um Sistema de Gestão de Segurança Alimentar, sendo que a metodologia mais utilizada foi a Metodologia HACCP (Hazard Analysis and Critical Control Points)[5], que em português se designa do Sistema de Avaliação dos Perigos em Pontos Críticos de Controle (APPCC) e, que tem por objetivo a identificação e controle dos perigos específicos que se prendem com a alimentação – quer sejam de natureza biológica, química ou física – e que são susceptíveis de comprometer a segurança dos produtos alimentares.


Nas décadas de 80 e 90, organismos internacionais – como a Food and Agricultural Organization (FAO) e o Codex Alimentarius – passaram a recomendar o sistema para as indústrias de alimentos. No Brasil, o Sistema APPCC foi introduzido na década de 1990 pela Secretaria de Pesca (SEPES) do Ministério da Agricultura e, em 1993, os Ministérios da Agricultura e Saúde expediram portarias exigindo o uso do sistema.


Indústrias de alimentos, ao contratarem serviços de auditoria em sistemas de qualidade, como ISO 9000, nos chamados referenciais externos eram solicitadas a demonstrar adequação à Legislação, destacando-se a adequação a BPF e APPCC. O mesmo ocorrendo com empresas exportadoras, principalmente de carnes, que, ao receberem visitas técnicas de inspeção, começaram a ser cobradas por adequação a estes sistemas, demonstrada através de auditorias externas, realizadas inicialmente por técnicos do Ministério da Agricultura e atualmente também por empresas certificadoras.


Os princípios da APPCC foram inseridos de forma a contemplar os conceitos de um sistema de segurança do alimento. A partir da públicação da ISO 22000 (Food safety management systems – Requeriments for any organization in the food chain) em 2005, é possível a realização da certificação do sistema APPCC de maneira mais uniforme em todo mundo, especificando os requisitos para o Sistema de Gestão da Segurança do Alimento (SGSA)[6]. Esta norma tem por finalidade assegurar que os alimentos estejam seguros para o consumo final, através da ótica da “cadeia produtiva de alimentos” (food chain), padronizando internacionalmente as normas de segurança dos alimentos. Propicia também, a implementação e certificação do Sistema APPCC/HACCP que adota os requisitos de um sistema de gestão alinhado com os padrões da ISO 9001 em qualquer organização envolvida na cadeia produtiva de alimentos. É aplicável a todas as organizações, independente de tamanho, as quais estão envolvidas em qualquer etapa da cadeia e pode ser acompanhada através do uso de recursos internos e/ou externos.


A segurança alimentar está relacionada com a presença de perigos associados aos gêneros alimentícios no momento do seu consumo (ingestão pelo consumidor). Como a introdução desses perigos pode ocorrer em qualquer etapa da cadeia alimentar, torna-se essencial à existência de um controle adequado ao longo da mesma. Conseqüentemente, a segurança alimentar é assegurada por meio dos esforços combinados de todas as partes que integram a cadeia alimentar.


As organizações que pertencem a cadeia alimentar abrangem desde os produtores de alimentos para animais e produtores primários, passando pelos fabricantes de gêneros alimentícios e pelos operadores e sub-contratados encarregados do transporte e da armazenagem, até aos postos de venda (em conjunto com as organizações inter-relacionadas, tais como os fabricantes de equipamento, de material de embalagem, de agentes de limpeza, de aditivos e de ingredientes).


Também se refere à segurança do alimento a alimentação saudável (vegetais e frutas), atendendo aos novos anseios dos consumidores. Há em todo o mundo um crescente interesse pelo papel desempenhado na saúde por alimentos que contém componentes que influenciam em atividades fisiológicas ou metabólicas, ou que sejam enriquecidos com substâncias isoladas de alimentos que possuam uma destas propriedades, tendo em vista que nas últimas décadas, novas tecnologias, como a biotecnologia, engenharia genética, processamento de alimentos, inovações de produtos e produção em massa habilitaram os cientistas de alimentos a planejar novos produtos saudáveis.


Há em todo o mundo um crescente interesse pelo papel desempenhado na saúde por alimentos que contém componentes que influenciam em atividades fisiológicas ou metabólicas, ou que sejam enriquecidos com substâncias isoladas de alimentos que possuam uma destas propriedades, os quais estão sendo chamados “alimentos funcionais”[7] e que estão invadindo os mercados, tendo em vista as perspectivas de ganhos nesta área[8].


Está havendo, hoje em dia, um grande aumento da expectativa de vida para a população global de seis bilhões de pessoas que está, por sua vez, conduzindo a um grande aumento de pessoas idosas, aumentando assim os níveis da necessidade por dietas relacionadas a prevenir ou combater doenças. A par disso, as pessoas estão, desde tenra idade, se preocupando com a alimentação funcional, isto é, alimentos que auxiliem na prevenção de doenças ou deficiências.


Naturalmente, todos os alimentos são funcionais, uma vez que nos proporcionam sabor, aroma e valor nutritivo. Entretanto, nos últimos tempos o termo funcional está sendo aplicado a alimentos com uma característica diferente, a de proporcionar um benefício fisiológico adicional, além das qualidades nutricionais básicas encontradas. Ainda, são vistos como promotores de saúde e podem estar associados à redução ao risco a certas doenças. Entretanto, os cientistas esclarecem que sozinhos não podem garantir uma boa saúde, apenas melhorar a saúde quando fazem parte de uma dieta contendo uma variedade de alimentos, incluindo frutas, vegetais, grãos e legumes.


Para Spers (2003), “entre os principais fatores que influenciam e culminaram ao aumento da exigência por atributos de segurança nos alimentos, por parte dos consumidores, do governo e das instituições privadas, pela segurança e pela gestão de qualidade de alimentos, está a industrialização e a urbanização, o aumento da competitividade, o desenvolvimento da pesquisa cientifica, a globalização e as mudanças e novas demandas dos consumidores”.


Portanto, segurança alimentar está relacionada à confiança do consumidor em receber uma quantidade suficiente de alimentos para a sua sobrevivência ou do país em poder fornecer esta quantidade, enquanto a segurança do alimento significa a confiança do consumidor em receber um alimento que não lhe cause riscos à saúde.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS


A demanda mundial de alimentos busca atributos de qualidade e responsabilidade social. Assim, o diferencial do produto agroalimentar deve, necessariamente, assegurar a comprovação e a confiança do consumidor, através de sistemas estruturados e formalizados que propiciem os procedimentos de avaliação da conformidade, identificação de origem e a rastreabilidade (identificados, especificados, formalmente descritos e homologados mediante protocolos de normas técnicas) de processos produtivos adotados.


Os controles sanitários realizados devem ser equilibrados recaindo não somente sobre os produtos industrializados, mas também sobre os produtores das matérias primas. É importante ter o conhecimento de todos os elos da cadeia alimentar, pois quando houver algum acidente sanitário, fica mais fácil identificar onde ocorreu o problema, mesmo que para isso haja o aumento de custos de transação. Assim, o Governo deverá ter um controle eficiente de toda a cadeia, pois tem uma enorme responsabilidade na questão da segurança dos alimentos para com a sociedade.


Entretanto, o Brasil tem começado a tomar mais consciência da importância da segurança dos alimentos, pois começou a quebrar alguns paradigmas, tendo em vista que os órgãos responsáveis por garantir a inocuidade dos alimentos estão realizando um trabalho integrado e programado não só para o consumidor brasileiro, mas para o de outros países, dada a importância do país como grande exportador desses produtos, a exemplo da articulação entre Ministérios da Agricultura, da Saúde e da Justiça e Ministério Público para “garantir o direito sagrado do consumidor de ter alimentos saudáveis em sua mesa”. Como resultado desse trabalho, foi detectada a presença do agente causador da doença de Chagas; da adulteração do leite, ocorrida em Minas Gerais no segundo semestre de 2007; e dos fungos causadores do “beribéri”, provenientes da estocagem incorreta de arroz por pequenos produtores no Maranhão.


Deve haver no Brasil maior agilidade para mudar o marco regulatório referente à segurança dos alimentos e sistemas de produção agropecuária, se adequando às modificações que tem ocorrido em razão da globalização. Mas, o legislador precisa ter consciência de que essas normas têm que ser eficazes, criando instrumentos apropriados para cumprimento das mesmas. Deve haver informação e formação adequadas aos destinatários das normas, apoio técnico e econômico para o cumprimento, caso haja investimentos e custos importantes. De nada adianta criar normas que não tenha aplicabilidade prática. Essa legislação deve estar baseada em critérios científicos, evitando o protecionismo comercial de interesses econômicos. Mas para a concretização do exposto, é essencial que haja uma política que apóie firmemente a pesquisa pública e privada e o desenvolvimento de equipes cientificas capazes de assessorar os órgãos legislativos e de fiscalização.


A segurança do alimento é um direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem quando diz que “todas as pessoas tem direito a uma alimentação eficiente e saudável, sendo um dever garantir a segurança dos alimentos em todos os níveis exigidos pelos consumidores”, requerendo um compromisso absoluto dos setores produtivos, processadores e comerciais, que constituem juntamente com os consumidores um dos elos da cadeia alimentícia, compartindo a responsabilidade em se alcançar ao máximo a segurança dos alimentos.


 


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VIEIRA, V. A. Consumerismo: uma revisão nas áreas de influencia do comportamento do consumidor. (Dissertação) Curso de Administração de Empresas e Comércio Exterior da Universidade Paranaense (UNIPAR), Campus Francisco Beltrão, Paraná. 2004.

 

Notas:

[1] Foi divulgado pela mídia que após 6 meses da operação “Ouro Branco” da Polícia Federal brasileira, decorrente da investigação da denuncia realizada de adulteração do leite, 552 empresas de laticínios respondem processos acusadas de crime contra a saúde pública e contra as relações de consumo. Os indícios de adulteração são a presença de produtos como sacarose e cloreto, usados para mascarar um produto de má qualidade, que, segundo algumas opiniões, já pode ter sido realizada a adulteração pelos próprios produtores, pois a cadeia é bastante extensa. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/23/ult23u2000.jhtm. Acesso em 24/04/2008.

[2] Disponível em: http://www.rlc.fao.org/es/nutricion/codex/pdf/paz08.pdf. Acesso em: 23/04/2008.

[3] A informação é o principal instrumento para o consumidor nortear suas decisões no mercado de consumo. O empresário é obrigado a dar o conhecimento necessário sobre seus produtos ou serviços antes de o consumidor obrigar-se por contrato.

[4] Conforme destacado pela Reunião Mundial sobre Alimentação (CMA) em 2002, destacando que “..é direito de todas as pessoas ter acesso a alimentos saudáveis e nutritivos”.

[5] Este sistema teve como primeira aplicação de seus princípios na fabricação da alimentação para astronautas da NASA, já que a possibilidade de intoxicação seria danosa à saúde e aos custos “astronômicos” de insucesso das missões espaciais.  

[6] A norma combina elementos-chaves gerais reconhecidos para garantir a segurança de alimentos ao longo da cadeia incluindo: comunicação interativa, gerenciamento do sistema, controle de ameaças à segurança de alimentos através de programas pré-requisitos, planos de HACCP, melhorias contínuas e atualização do sistema de gestão.

[7] Alimento funcional é definido pela Secretaria de Vigilância Sanitária – ANVISA, do Ministério da Saúde, como sendo “aquele alimento ou ingrediente que, além das funções nutritivas básicas, quando consumido como parte da dieta usual, produza efeitos metabólicos e/ou fisiológicos e/ou efeitos benéficos à saúde, devendo ser seguro para consumo sem supervisão médica” (RDC 18/99). Disponível em: http://www.ANVISA.gov.br/alimentos/comissoes/tecno.htm. Acesso em: 22/11/2007.

[8] Nos Estados Unidos, esse mercado movimenta cerca de 15 bilhões de dólares por ano. Na Europa existe, ao contrário dos Estados Unidos, um interesse maior por alimentos funcionais do que por suplementos alimentares sendo um mercado totalmente heterogêneo com respeito a tudo: comportamento nutricional, dietas, legislação, educação, poder de compra, etc., sendo, pois um mercado ainda em desenvolvimento para os alimentos funcionais. O comportamento do mercado brasileiro de alimentos funcionais é semelhante ao mercado Europeu dando-se ênfase aos aspectos educacionais e de poder aquisitivo, fatores complicadores da expansão do mercado.


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Adriana Carvalho Pinto Vieira


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