Resumo: O artigo busca discutir os limites de atuação do Administrador Judicial na função auxiliar jurisdicional no âmbito dos processos concursais falimentares e recuperacionais de sociedades empresárias.
Abtsract: The article aims to discuss the limites of the Trustee in the auxiliary role during the bankruptcy proceedings as well as judicial rebound
Sumário: 1 Introdução. 2 O Administrador Judicial e sua função auxiliar. 3 Tendência Jurisprudencial do TJMG. 4 Principais conclusões. 5 Principais Conclusões
1 Introdução
A Lei 11.101/05 (LRF) que regula os procedimentos falimentares e de recuperação judicial e extrajudicial de sociedades empresárias prevê nos artigos 21 a 25 as principais normas disciplinadoras da função atribuída ao administrador judicial como órgão auxiliar ao juízo falimentar na eficaz condução do procedimento de recuperação judicial e falência das sociedades empresárias.
A antiga lei de falências e concordatas (Decreto 7.661/45) previa a figura do síndico na falência e do comissário na concordata como pessoas eleitas por um dos maiores credores do devedor. Esta previsão ocasionava, na prática, freqüentes confusões e reiteradas confrontações de interesses devido ao fato de um mesmo credor agir como síndico ou comissário frente a outros credores da mesma sociedade falida ou em concordata.
O advento da nova LRF trouxe em seu bojo a profissionalização da função do administrador judicial como órgão necessário ao auxílio do juízo falimentar na condução dos ritos processuais da recuperação judicial e falências. Não somente figurando como fiscal do procedimento jurisdicional, o administrador judicial passou a assumir a função de acompanhar pari passu a execução do plano de recuperação judicial da sociedade em crise, uma vez aprovado pelo Poder Judiciário e credores, bem como realizar os atos de gestão investidos de natureza econômico-financeira e administrativa em prol da pretendida celeridade do processo falimentar.
Nos sábios ensinamentos doutrinários de Waldo Fazzio Júnior, o administrador é um “auxiliar qualificado do juízo. Inserto no elenco dos particulares colaboradores da justiça, não representa os credores nem substitui o devedor falido” (FAZZIO JR, 2005. p. 326).
No mesmo sentido, pronuncia-se Sebastião José Roque, citando Miranda Valverde, “o administrador (…), é órgão ou agente auxiliar da Justiça, criado a bem do interesse público e para a consecução da finalidade do processo da falência. Age por direito próprio em seu nome, no cumprimento dos deveres que a lei lhe impõe” (ROQUE, 2005, p. 198).
Coroando o ententendimento doutrinário sobre a caracterização do administrador judicial, na renomada obra dos doutos professores Osmar Brina Corrêa-Lima e Sérgio Mourão Corrêa Lima na obra sobre os comentários à nova lei de falência e recuperação de empresas, de maneira brilhante, o doutor Mauro Rodrigues Penteado expõe: “Os graus preferenciais de formação acadêmica indicados na Lei para pessoas físicas não são, portanto, os únicos requisitos de que deve estar dotado o administrador judicial, como se deduz da parte final do dispositivo comentado, em que o diploma legal igualmente andou bem, ao manter, com evidente aprimoramento, a regra constante no art. 60, §5º, do Decreto-Lei revogado, permitindo que a administração e fiscalização dos procedimentos de recuperação e falência possam ser levados a cabo por pessoa jurídica, com o acréscimo de que deve ser “especializada”. O requisito, para ambos, administrador-pessoa física e administrador-pessoa jurídica, diz respeito à especialização na fiscalização de empresas em situação de crise econômico-financeira, na recuperação (art. 47), ou na administração, preservação, otimização e utilização produtiva de seus bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, na falência (art. 75)” (IN: PENTEADO, 2009, p. 163)
2 O Administrador Judicial e sua função auxiliar
A figura do administrador judicial, com o advento da LRF, a passou a ser revestida de credibilidade necessária ao regular processamento do feito, confortando os credores, principais interessados na celeridade processual e o juízo falimentar, com a certeza de atuação profissional, fiscalizada e imparcial na busca da satisfação dos interesses creditórios perante a sociedade falida ou submetida à recuperação judicial.
Dentre as principais questões que emergem da atuação do administrador judicial, reside na necessária exegese interpretativa do artigo 21 da LRF em vista a qualificar técnica e academicamente o profissional a ser nomeado pelo juízo falimentar para auxílio jurisdicional em vista a gestão da massa falida e fiscalização do plano de recuperação.
O administrador judicial, sendo pessoa física ou jurídica especializada, atuando investido na função de órgão auxiliar do jurisdicionado falimentar deverá, funcionalmente, adotar medidas de diversas naturezas durante os processos de recuperação judicial e falimentar. Essas medidas poderão abarcar desde atos meramente administrativos a medidas jurídicas propriamente ditas, sem prejuízo de ações de caráter econômico-financeiro a serem adotadas deverão objetivar a minimização do ônus da sociedade empresária falida ou em crise, e atender os interesses difusos das diversas classes de credores.
Diante da vasta gama de atos a serem praticados pelo administrador judicial no curso do processo judicial, surgem posicionamentos doutrinários divergentes quanto à qualificação técnica necessária e exigível do profissional apto a atuar no auxílio da justiça.
Alguns doutrinadores comercialistas conservadores defendem a imprescindibilidade da formação jurídica do administrador judicial, sustentando a tese de que este profissional deva possuir, necessariamente, bacharelado em Direito e experiência advocatícia. Já os doutrinadores comercialistas progressistas defendem a necessidade de o administrador judicial possuir conhecimentos técnicos abrangentes não afetos apenas à matéria jurídica, devendo para tanto, possuir formação em áreas relacionadas à gestão de sociedades empresárias, tais como administração de empresas, economia e contabilidade.
Indubitavelmente, quanto melhor qualificado o profissional engajado na função de administrador judicial, seja por sua formação acadêmica em áreas afetas ao direito empresarial, seja por possuir conhecimentos em administração de empresas, economia e contabilidade, melhor este profissional poderá atuar como auxiliar-fiscal do Poder Judiciário no curso da lide.
Adicionalmente à formação jurídico-gerencial, as experiências profissionais pelas quais o administrador judicial tenha vivenciado ao longo de sua carreira serão sempre bem vistas pelo Poder Judiciário e bem recebidas pelos credores e interessados no processamento falimentar e recuperacional, em prol do célere deslinde da lide.
Inobstante os conhecimentos acadêmicos e experiências profissionais enriquecedoras inerentes à atuação como administrador judicial, mister ressaltar a importância deste profissional já ter atuado em tal função em processos falimentares ou recuperacionais, fato que corroborá com o conhecimento prático no processamento do feito em busca da eficácia e pleno atendimento dos anseios do juízo falimentar, dos credores e, principalmente, do interesse público em prol da consecução da função social da empresa.
Precipuamente, caberá ao juiz falimentar, baseando-se em sua experiência profissional, conhecimento técnico da matéria e avaliação do processo judicial o qual estará julgando, avaliar a natureza e complexidade que as gestões da falência e recuperação exigirão do administrador judicial.
Após análise prévia e avaliação da complexidade e dificuldades do processo judicial, o juiz falimentar, à seu critério, imbuído da função jurisdicional de satisfação dos interesses dos credores e preservação da empresa, nomeará profissional idôneo, tecnicamente qualificado com comprovada experiência prática na seara falimentar, em vista a atuar como auxiliar judicial na administração da falência e na fiscalização do plano de recuperação da sociedade em crise.
O juiz falimentar, a partir da nomeação de profissional de sua estreita confiança, outorgar-lhe-á a função de administrador judicial com poderes de fiscalização, que deverão ser exercidos de maneira responsável, isenta de privilégios e em nome próprio, devendo o administrador judicial agir em prol da comunhão de interesses dos credores na falência e em vista à fiel consecução do plano de recuperação judicial.
O poder de fiscalização atribuído ao administrador judicial pelo juízo falimentar não lhe permite interferir em atos administrativos sem o devido processo legal e autorização judicial para tal, nem ao menos ter livre acesso à sede da sociedade recuperanda a seu livre critério, ou participar de reuniões internas ou externas dos gestores da sociedade em recuperação quando esta ainda está sob as rédeas daqueles que gerenciam usa operação.
Caso exercício este poder diferentemente do pretendido pelo juízo falimentar ou com desempenho profissional aquém do esperado pelos interessados do deslinde do processo, o juiz, Ministério Público ou qualquer credor interessado, nos termo do artigo 31 poderá determinar ou requerer sua substituição ou destituição da função auxiliar-fiscal.
3 Tendência Jurisprudencial do TJMG.
Corroborando com esse entendimento, vale trazer à colação decisão recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proferida pelo Desembargador Guilherme Luciano Baeta Nunes, integrante da 18ª Câmara Cível, que, por unanimidade, permitiu a destituição do Administrador Judicial em razão da desobediência à ordem judicial, conforme o arresto abaixo:
“Ementa: Processual Civil – Administrador Judicial – Descumprimento de Ordem Judicial – Desobediência – Destituição do Cargo – Possibilidade. 1. Sendo o Juiz o condutor do processo e considerando o poder discricionário que lhe permite nomear o Administrador Judicial, configurada a injustificada desobediência à ordem judicial, legítima é a destituição do administrador com a conseqüente nomeação do substituto que, nos termos da lei, deverá bem e fielmente desempenhar esse relevante múnus. 2. O fato de o Administrador Judicial, nomeado em substituição àquele que foi destituído, já ter funcionado nos autos como perito, além de não acarretar qualquer prejuízo aos litigantes, em nada compromete o exercício do novo múnus público a ser desenvolvido; pelo contrário, apenas realça a confiança que o julgador tem em relação ao profissional nomeado. Agravo N° 1.0024.96.074689-9/001 – Comarca de Belo Horizonte – Agravante(S): Banco BMG S/A – Agravado(A)(S): Com. Lara Ltda. e Outro(A)(S)”
Enriquecendo a argumentação jurídica a respeito do tema, o Exmo. Sr. Desembargador-Relator soma ao voto o abaixo:
“A decisão agravada, como se vê, limita-se à destituição do Administrador Judicial e a nomeação do Sr. Paulo Eustáquio dos Anjos.
Referida decisão, além de formalmente perfeita, também não viola qualquer norma legal, pelo que não está a merecer a reforma postulada pelo agravante.
O preenchimento do cargo de Administrador Judicial se dá através de pronunciamento do Juiz dirigente do feito que, ex officio, tem a prerrogativa de nomear profissional idôneo e de sua confiança.
E a esse mesmo Juiz que discricionariamente, sem qualquer interferência externa, nomeou determinado profissional para o exercício do múnus de Administrador Judicial, também é permitido deliberar, de ofício ou por provocação de uma das partes, sobre a destituição do administrador do cargo que lhe fora confiado.
No caso, a destituição do Administrador Judicial anterior, não se deu por mero acaso ou capricho.
O referido administrador ao deixar de cumprir determinação judicial a ele dirigida, incorreu em falta grave, haja vista que, a partir do momento que passou a desobedecer à ordem judicial, deixou de merecer a confiança do Juiz, o que por si só já é suficiente a fomentar a sua imediata destituição do cargo.
E o Administrador Judicial no exercício do múnus público a ele confiado não é dado deliberar sobre a legalidade ou não do comando judicial por ele a ser cumprido. Quando muito, deverá dirigir-se ao Juiz, pedindo orientação ou alertando-o sobre alguma conseqüência, ou mesmo interpondo recurso contra a ordem que entende ilegal, hipótese essa que não se confunde com a renitente desobediência em cumprir a determinação do Juiz.
Por outro lado, o fato de o Administrador Judicial, nomeado em substituição àquele que foi destituído, já ter funcionado nos autos como perito, além de não acarretar qualquer prejuízo aos litigantes, em nada compromete o exercício do novo múnus público a ser desenvolvido. Pelo contrário, apenas realça a confiança que o julgador tem em relação ao profissional nomeado.
Portanto, em sendo o Juiz o condutor do processo, e considerando o poder discricionário que lhe permite nomear o Administrador Judicial, configurada a injustificada desobediência à ordem judicial, legítima é a destituição do administrador, com a conseqüente nomeação do substituto que, nos termos da lei, deverá bem e fielmente desempenhar esse relevante múnus.
Não é de se perder de vista que o Administrador Judicial desenvolve suas atribuições mediante a direção e supervisão do próprio Juiz. Rompida a relação de confiança e obediência, prudente e incensurável é que seja ele destituído do cargo.
Com essas considerações, Nego Provimento ao Recurso.
Da análise do Acórdão em referência, podemos extrair que a tendência jurisprudencial do tribunal mineiro coaduna com os termos do que já restou exposto neste artigo, no que tange a nomeação do administrador judicial: a escolha do profissional cabe ao juiz, considerando os critérios subjetivos de confiança técnica e ética do mesmo, tudo isso, dada a relevância do administrador ao deslindes das demandas em questão.
4 Principais Conclusões
O administrador judicial, para executar seu papel auxiliar-fiscalizatório de maneira eficaz, deverá utilizar-se de ferramentas gerenciais de avaliação e controle de gestão lhes disponibilizadas pelos gestores da sociedade recuperanda. A utilização dessas ferramentas possibilitará ao administrador judicial mensurar a pertinência e adequação das medidas adotadas pelos administradores legais da sociedade com vistas ao atendimento do plano de recuperação judicial. Após a avaliação realizada pelo administrador judicial quanto a pertinência das medidas adotadas pelos gestores da sociedade em atendimento ao plano, o auxiliar judicial, considerando temerárias as ações praticadas pelos administradores legais da sociedade, e autorizado judicialmente para tal, poderá adotar medidas de gestão em vista a minimizar os efeitos dos atos desconformes praticados pelos gestores da sociedade recuperanda, evitando que a execução do plano de recuperação judicial falhe por estar alicerçado em premissas gestionais infundadas, decorrentes de dados financeiro-contábeis deturpadores da real situação financeiro-patrimonial da sociedade em crise.
Ao administrador judicial lhe é atribuída a função adicional de atuar ativamente em prol dos interesses dos credores, em vista à preservação da sociedade empresária, para que esta, superada a fase de iminente bancarrota, possa voltar a gerar riqueza para seus sócios, empregados e colaboradores, permitindo, desta feita, a manutenção da fonte produtora de bens e serviços, geradora de empregos e pagadora de tributos.
Em que pese o exposto, apontamos que a Lei nº 11.101/05 inovou ao tratar diferentemente a figura do administrador judicial como órgão auxiliar ao juízo falimentar na busca da eficácia dos processos de recuperação judicial e falimentares, exigindo-se deste auxiliar qualificado do juízo, características outrora despercebidas no antigo Decreto-Lei 7.661/45, tais como profissionalismo, comprovado conhecimento técnico em matérias jurídico-falimentares, econômico-financeiras e gerenciais. Ademais, a nova LRF exige do administrador judicial atuação focada, visando viabilizar a preservação da sociedade empresária e pleno atendimento dos credores e interesse público, possuindo a função de auxílio ao juízo falimentar notória relevância para a proteção dos interesses coletivos e difusos, por sua atuação está revestida de aspectos fundamentais de legitimo interesse público.
Com a nova LRF, o administrador judicial passa a ter, no procedimento falimentar, a função de agir em prol dos interesses dos credores, maximizando e preservando a massa falida em vista ao atendimento do deslinde falimentar.
Na recuperação judicial, o administrador atuará de forma a convergir os interesses difusos que circundam a sociedade recuperanda, em prol do cumprimento do plano de recuperação judicial em vista a possibilitar que a sociedade supere a situação de crise econômico-financeira a qual se sucumbe.
Informações Sobre o Autor
Bernardo Bicalho de Alvarenga Mendes
Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos Pós-graduado em Gestão de Finanças pela UFMG e Direito da Economia e Empresa pela FGV Graduado em Direito pela PUC-MG e Administração de Empresas pelo Centro Universitário UNA Professor-assistente de Direito Comercial do Centro Universitário UNA