Direito Público e Direito Privado: Uma eterna discussão

Resumo: A partir da Filosofia do Direito analisa-se a divisão Direito público e direito privado, buscando elencar a visão de diversos jusfilósofos sobre o tema, que é entendido como uma significação imaginária do Direito.


Palavras-chave: teoria do direito, direito como significação imaginária do Direito, direito público e direito privado, Castoriadis


Sumário: Introdução, 1. Origem da classificação, 2. A classificação moderna tradicional, 3. A insatisfação dos juristas com a classificação (Kelsen, Radbruch, Ross, Reale e Tércio Sampaio), 4. Direito privado e direito público: uma classificação como significação imaginária do Direito, 5. Problemas da divisão e a questão do privado e do público, 6. A divisão e a questão da oposição indivíduo e Estado, 7. O direito doméstico, um direito fora da regulação do direito privado: uma crítica feminista, 8. Discussão sobre a dificuldade da classificação direito público e direito privado a partir de casos, Considerações finais, Bibliografia


Introdução


O estudo do Direito forma-se com uma série de temas que são repetidos por diversas correntes filosóficas e ideológicas e que são vistos de forma diferente. Um mesmo tema é entendido de maneiras diferentes, apesar disso não ser muito destacado, privilegiando-se a continuidade e a tradição. Essa condição é freqüente em uma especial matéria dos estudos de Direito, que é a Teoria Geral do Direito, que buscava em sua origem estabelecer temas gerais que permeavam os estudos de direito específicos. Essa matéria tem em sua origem uma busca por um direito racionalizado e positivista, que procurava uma semelhança com a pretensa objetividade das ciências exatas e biológicas. Os temas da Teoria Geral do Direito são interessantes para apontar como as diversas concepções de Direito estão presentes nos estudos de Direito e como estas não são realçadas.


O objetivo desse texto é estudar uma das classificações dada ao Direito no âmbito de uma teoria geral do Direito, que é a divisão entre direito privado e direito público, a partir da análise de diferentes posições de autores da Filosofia do Direito. A hipótese levantada é de que a concepção de Direito adotada por cada diferente visão da filosofia do Direito afeta o tratamento dado ao tema do direito privado x direito público. Apesar de idéias diferentes quanto à classificação do Direito, esse tema se mantém em diversos filósofos do Direito, apontando para uma necessidade de retomar temas da tradição, mesmo quando estes são abertamente considerados pouco importantes.


Entende-se aqui que os temas utilizados no estudo de Teoria Geral do Direito são significações imaginárias sociais, nos termos da obra de Cornelius Castoriadis. Assim, classificações do direito são instituídas socialmente e tem um caráter marcado por cada sociedade de que fazem parte, negando a universalidade pretendida pela Teoria geral do Direito. O Direito é uma instituição imaginária social, assim como o dinheiro, Deus ou a economia. A divisão direito público e direito privado, como significação imaginária social, foi sofrendo alterações ao longo do tempo e cada concepção de direito apresentou a sua versão. Essa significação imaginária é formada pela sociedade, que engloba tanto a concepção de uma pessoa não versada em direito, a concepção do magistrado e também a concepção dos juristas. Destaca-se nesse trabalho as diferentes concepções dos juristas sobre a classificação direito público e direito privado, não deixando de destacar que essa concepção imaginária poderia ser também analisada a partir de outros sujeitos sociais.


Por entender a polarização direto público x direito privado como uma significação imaginária social é que este artigo busca abordar o tema como uma questão filosófica e não propriamente da teoria geral do Direito. Este é um tema que possui toda uma construção filosófica, social, temporal e social por trás. Desvelar essa construção não altera o tema em si, mas aponta para uma diferente concepção de Direito nas mais variadas versões dadas a esse tema, mostrando que o Direito é uma construção social e histórica.


1. Origem da classificação


Os textos que tratam da classificação do direito em direito público e privado, como um tema da Teoria Geral do Direito, identificam a origem dessa classificação em textos referentes ao Direito Romano. O Direito Romano a que se referem é o Direito Romano compilado por juristas do século XIX, como Savigny. Esse direito Romano tem muito da interpretação dada pelos autores do século XIX do que deveria ser o Direito.


A distinção é dada nos livros que tratam de direito romano, sem as dúvidas que os jusfilósofos colocam atualmente em seus textos. O principal critério utilizado para a distinção do direito público e direito privado, no âmbito do Direito romano é a presença ou não do Estado, tornando as normas obrigatórias para todos ou não. Esta posição pode é registrada por Thomas Marky em seu livro Curso elementar de Direito Romano:


“Por outro lado, examinando as classificações sistemáticas, encontramos a distinção entre direito público e direito privado. O primeiro regula a atividade do Estado e suas relações com particulares e outros Estados. O direito privado, por sua vez, trata das relações entre particulares: Publicum ius est quod ad statum rei Romanae spectat, pri- vatum quod ad singulorum utilitatem pertinet (Inst. 1.1.4 – D. 1.1.1.2). Relacionada ainda com esta distinção é aquela de ius cogens e de ius dispositivum (direito cogente e direito dispositivo). Cogente é a regra que é absoluta e cuja aplicação não pode depender da vontade das partes interessadas. Tem que ser obedecida fielmente; as partes não podem excluí-la, nem modificá-la. Neste sentido os romanos diziam: ius publicum privatorum pactis mutari non potest (D. 2.14.38): o direito público não pode ser alterado por acordo entre particulares. Assim, para que houvesse compra e venda, precisava-se do acordo das partes sobre a mercadoria e preço. As partes não podiam alterar essa regra, celebrando compra e venda sem estipular o preço, por exemplo. O direito dispositivo, por sua vez, admitia uma autonomia de vontade dos particulares: suas regras podiam ser postas de lado ou modificadas pela vontade das partes. Assim, na compra e venda, o vendedor respondia pelos defeitos da coisa vendida. Essa era uma regra dispositiva, pois, por acordo expresso, as partes podiam excluir essa responsabilidade do vendedor”[1].


Há uma discussão entre os autores de Direito Romano que coloca em primeiro na história o direito privado ou o direito público. Um dos grandes problemas dessa discussão é a utilização de termos anacrônicos ao Direito Romano para se pensar o direito, como por exemplo, o conceito de Estado. O conceito atual de Estado é o conceito do Estado moderno, em que há um monopólio do poder na figura do governante (seja qual tipo de governo for) e esse Estado detém também o monopólio da produção legislativa (ou pelo menos tem a prevalência dessa produção). Esse conceito não se adéqua ao mundo romano antigo e se pode no máximo pensar em uma aproximação do conceito de Estado, mas não sem fazer a ressalva que o conceito atual não é o mesmo utilizado pelos romanos antigos. É sobre essa prevalência e a questão do Estado que Jhering vai discutir e defender a primogenitura do direito privado em relação ao direito público, pois o Estado foi criado depois. Nas palavras de Jhering:


“Segundo uma opinião propagada, que a primeira vista parece sedutora, o direito privado, nos tempos antigos, dependia completamente do Estado e só se libertou pouco a pouco dessa escravidão. Mas as considerações, acima desenvolvidas, conduzem a aceitar, precisamente, o contrário, isto é, a completa independência que em sua origem teve o direito dos particulares relativamente ao Estado. A aparência de verdade, que aquela opinião contém, consiste nas formas públicas de que se rodeava o direito privado da época mais antiga e na ausência de oposição das diversas partes do direito, do qual já tivemos freqüentes vês de falar. Mas estas formas provam precisamente, que o Estado, como tal, nada tinha a ver com o direito privado, porque se empregavam para criar, entre ambos, uma relação, que anteriormente não existia. A falta de oposição, que acabamos de mencionar, não consiste em que o Estado domine o direito privado, senão em que este domina aquele; isto é, que o direito particular não se edifica, segundo os princípios do direito público, senão que o Estado está constituído, segundo os princípios do direito privado. Seria contrariar completamente a historia, admitir que o direito privado tenha tido origem no próprio Estado. O sentimento da independência individual é a noção primária absoluta. Só depois de luta penosa, e grande, o princípio do Estado triunfa”[2].


2. A classificação moderna tradicional


Pode-se dizer que há dois grandes critérios para classificar os direitos em público e privado: o critério do interesse e o critério da soberania ou dominação. Esses critérios dividem os dois principais grupos teóricos: teoria do interesse e teoria da dominação. Porém, há autores que preferem utilizar os dois critérios para classificar um direito como privado ou público.


A teoria do interesse tem como um de seus fundadores Jhering e a escola da jurisprudência dos interesses. As normas são divididas em normas com interesse privado e normas com interesse público. A questão não está no sujeito a que a norma é destinada, mas sim no interesse da norma. O interesse implica um remetente para a norma, mas não se fala mais em sujeito. Esta é a formulação da divisão dada por Jhering, nas seguintes palavras:


“Os direitos privados e os direitos públicos não se distinguem entre si pela diversidade de seus sujeitos; o sujeito para os dois é a pessoa natural, não havendo entre eles mais que uma só distinção, a de que os direitos privados se relacionam exclusivamente com o particular, enquanto que todo mundo participa dos direitos públicos. A expressão que serve para designar essa relação exclusiva, é proprium (pro privo); a que indica os interesses comuns do povo, é populicum, publicum, popularis”[3].


Jhering defende a idéia que esses interesses não são excludentes no Direito Romano, uma vez que o interesse público é formado pelo interesse de todos os indivíduos, tornando-se um interesse geral:


“Se os indivíduos, isoladamente, devem ser considerados como sujeitos dos direito públicos; se o interesse geral não é outra coisa que os interesses de todos e, por conseqüência, também o de cada um, conclui-se que cada qual tem o dever e o direito de defender esses interesses e de impedir sua violação, ou, se esta já existe, exigir a satisfação devida, do mesmo modo que para os seus interesses privados.”[4]


Porém, a polarização dos interesses com a cisão entre o Estado e o indivíduo nas sociedades modernas, que tem seu ápice no liberalismo, levam a dois interesses quase que opostos. Interesses do Estado são transformados em direito público e interesses do indivíduo em direito privado. A visão de Jhering do direito romano de interesses complementares não tem mais lugar, como ressalta Tércio Sampaio:


“A idéia remonta às concepções modernas que vão opor sociedade e indivíduo, cada qual com seus respectivos interesses. Os da sociedade, representados pelo Estado, são comuns, neutros em face dos egoísmos particulares, e envolvem a gestão da coisa pública, de toda a economia nacional. (…) De qualquer modo, o que estas teorias acentuam é a diferença buscada pela Era Moderna entre o social privado e o social público, o âmbito da riqueza privada e o âmbito da propriedade e riqueza comuns.”[5]


Essa antítese decorre de uma visão do Estado como um outro, que não tem relação com os indivíduos. Diversos fatores podem ter contribuído para esse distanciamento, entre eles a representação política. Jhering chega a afirmar em um texto dedicado ao direito moderno, que há uma antítese entre o interesse público e o privado, ao falar das sociedades e associações:


“Chama-se público ( p´o  pulicum, publicum) aquilo que é destinado a todos, ao povo, o que a todos é patente. A antítese de publicum é privatum, proprium (quod próprio est), isto é, o que é destinado ao homem privado, o que cada um tem para si só e de que exclui os outros. Toda a antítese gira em torno da comunidade ou do exclusivismo do interesse. E ela a base do direito publico e do direito privado”[6].


Uma teoria que pensa direito privado e direito público como antítese, auxilia a classificação do direito em dois termos. Porém, quando o sustentáculo dessa visão, qual seja, uma teoria liberal e individualista, sofre diversos abalos, surge uma grande dificuldade de se manter a classificação de direito privado e direito público. Somente quando a teoria liberal e individualista sofre abalos é a classificação torna-se problemática, uma vez que há uma relação implícita de dependência.


Há também a teoria da relação de dominação, ou seja, da soberania, que sustentam a classificação de direito público e direito privado. Ao contrário da teoria dos interesses, o foco dessa teoria é exatamente o sujeito. O Estado é colocado aqui como aquele que dá normas para todos visando o bem comum e o indivíduo como aquele que recebe as normas e as obedece, pois sob ele recai uma força, uma coação. Tércio Sampaio ressalta nessas teorias a questão da dominação e da inexistência de paridade entre Estado e indivíduo:


“As teorias da relação de dominação, por fim, vêem, formalmente, nas relações do direito público e o jus imperii do Estado, que se põe superiormente aos entes privados. Estes, ao contrário, guardam relações de paridade, um não pode imperar sobre o outro, Assim, nas relações sociais ressalta-se o monopólio da força pelo Estado e, em conseqüência, a concentração e centralização do poder de impor condutas. Também aqui vemos presente um topos relevante da Era Moderna, a concepção do poder como relação de comando e a unidade do Poder Público com base na noção de soberania”[7].


A partir dos critérios de relação de dominação e do critério da prevalência do interesse, os autores passaram a classificar os diversos tipos de Direito em público e privado. Devido à conceituação do que se entendia como direito privado e direito público, havia alguns direitos que não tinham lugar em nenhuma dessas esferas. Isso era mais recorrente com os direitos mais modernos, o que levou diversos autores a apontar para uma crise da classificação, como será visto no item abaixo. Há outros autores que defendem que está ocorrendo uma publicização dos direitos privados. Uma parte dessas preocupações decorre da dificuldade de classificar os novos direitos que surgem e outra decorre os próprios conceitos de público e privado utilizados.


Há autores como Paulo Dourado Gusmão que visando resolver o problema da classificação criou um terceiro tipo de direito, que é o direito misto. Com uma terceira possibilidade o autor pretende resolver o problema da classificação dos direitos públicos e privados. Gusmão define o direito misto:


“O direito é misto quando tutela interesses privado e público, ou, então, quando é constituído por normas e princípios de direito público e de direito privado ou, ainda, de direito nacional e de direito internacional. Generalizando, direito em que, sem haver predominância, há confusão de interesse público ou social com o interesse privado. Nele se confundem esses interesses, fazendo com que o princípio de liberdade nele não impere. As partes, muitas vezes colocadas em nível de igualdade jurídica, estão submetidas a princípios iderrogáveis, estabelecidos na lei, protetores do interesse social. Subdivide-se em: direito marítimo (§ 119), direito aeronáutico (§120), direito econômico (§ 122), direito social (§ 126), direito agrário (§ 125), direito de família (§ 128), direito industrial (§ 129), direito falimentar (§ 130) e direito do trabalho (§ 123). No direito misto, em certos casos, estão presentes normas de direito público e de direito privado, como ocorre, por exemplo, no caso do direito marítimo (§ 119).”[8]


O objetivo do texto não é resolver o problema da dificuldade, mas mostrar que ela é decorrente de uma concepção de direito adotada e longe de ser uma classificação derivada da técnica, que classifica os direitos. A intenção do texto é mostrar que essa classificação é uma questão filosófica que tem por trás toda uma construção social e histórica.


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3. A insatisfação dos juristas com a classificação (Kelsen, Radbruch, Ross, Reale e Tércio Sampaio)


Quase todos os autores modernos que se dedicam a estudar a classificação direito público e direito privado entendem que essa classificação apresenta uma série de problemas e há uma crescente insatisfação frente a sua utilização. Não se trata de uma visão específica de uma escola do direito, mas de uma insatisfação geral, que muitas vezes não está explicitada, como nos casos em que os autores retiram o tema da discussão de seus textos. Juristas tão diversos como Kelsen, Radbruch, Ross, Miguel Reale e Tércio Sampaio se mostram descontentes quanto à classificação, mas continuam a apresentar em seus livros, apontando para diferentes motivos da insatisfação. Há um grande número de autores que propõe essa divisão do direito, apresenta-se aqui apenas alguns deles, privilegiando os jusfilósofos (e não os juristas) e englobando autores brasileiros. A apresentação do pensamento desses jusfilósofos sobre o tema não tem o objetivo de um compêndio, mas sim de trazer exemplos de como o tema da divisão do direito público e privado é um tema filosófico e engloba o conceito de Direito defendido por cada jusfilósofo.


Kelsen é um dos autores que mantém o tema da divisão direito público e direito privado, para afirmar que essa distinção não é possível. Isso ocorre devido à definição de Direito dada por Kelsen, que entende como Direito somente o Direito Estatal, não havendo, portanto, esfera do direito que não esteja regulada pelo Estado e possa se chamar de privada. Para o jurista de Praga o negócio jurídico de âmbito privado, também é regulado pelo Estado, e, portanto, não teria sentido chamá-lo de direito privado, uma vez que há interferência Estatal, tornando esse direito um direito também público. Nas palavras de Kelsen:


“Se concebermos a distinção decisiva entre Direito público e privado como distinção de dois métodos de criação do Direito, se reconhecermos nos chamados atos públicos do Estado aqueles mesmos atos jurídicos que nos aparecem nos negócios jurídicos privados (….) então não se nos afigurará de forma alguma paradoxal que a Teoria Pura do Direito, do seu ponto de vista universalista – sempre dirigido ao todo da ordem jurídica como sendo a chamada vontade do Estado – veja também no negócio jurídico privado, tal como no comando da autoridade, um ato do Estado, quer dizer, um fato de produção jurídica atribuível à unidade da ordem jurídica.”[9]


Kelsen faz questão de frisar que essa divisão não tem sentido no âmbito da Teoria Pura do Direito, uma vez que entender um direito como privado seria entendê-lo como um não-Direito, dado a definição de que o direito é formado de normas dadas pelo Estado[10]. Kelsen não pretende afirmar que somente há um direito público, mas não pode aceitar a definição de um direito privado, como um direito que não é regulado pelo Estado e sim pelos particulares. Assim, pode-se dizer que Kelsen inclui os ‘direitos privados’ como o negócio jurídico como direito e a distinção se dissolve, por isso para o jusfilósofo essa divisão não tem sentido.


O jurista entende que afirmar que há uma esfera privada é afirmar uma liberdade/desvinculação perante o Direito[11], criando assim, uma esfera de não regulação estatal. Kelsen credita a doutrina constitucional essa busca de liberdade frente ao Direito, ou melhor, em face da lei, com o intuito dos órgãos administrativos e governamentais não precisarem necessariamente se vincular à lei[12].  


Kelsen faz uma importante crítica à teoria que aceita a divisão entre direito público e privado, quando afirma que nos dois direitos está presente a vontade estatal, que ele chama de dominação política[13]. O direito privado não seria assim, o âmbito da vontade privada e a-político (termo utilizado pelo próprio Kelsen)[14], mas um campo em que a vontade estatal também está presente.


 Radbruch afirma que essa distinção entre direito público e direito privado tem caráter a priori, uma vez que uma norma jurídica pode ser alocada em qualquer um desses campos[15]. Esse a priori não quer dizer que em todos os tempos essa divisão tenha ocorrido, nem que sempre se deu uma separação clara e distinta desses termos[16].


O jurista alemão representante da corrente da filosofia dos valores entende que a distinção direito privado e direito público são formas estilísticas do direito:


“Algumas vezes, o Direito público é uma pequena faixa protetora que rodeia o direito privado, coração de todo o Direito; outras vezes, o Direito privado é, ao contrário, a margem deixada pela iniciativa privada no campo cada vez mais extenso do Direito público, margem que tende a diminuir cada vez mais, a medida que o tempo passa”.


A divisão direito público e direito privado e a preponderância de um ou de outro é utilizada por Radbruch para descrever uma linha do tempo do direito, apontando para uma ‘evolução da história’ com a síntese desses termos:


“Pode afirmar-se, em suma, que nada caracteriza melhor uma determinada ‘ordem jurídica’ do que a relação em que dentro dela são colocados, um em face do outro o direito público e o privado e o modo como ai são distribuídas entre estes dois domínios as diversas relações jurídicas. A superação do feudalismo coincidiu, como se sabe, com o aparecimento da consciência desta distinção entre direito público e privado. Mais tarde, o ‘Estado polícia’ e o desenvolvimento que o acompanhou tiveram a caracterizá-los a liberação do direito público de todas as impurezas do direito privado. Mais tarde ainda, e inversamente, caracteriza-se a evolução que conduz ao “Estado de Direito” (Rechtsstaat) pela liberação do direito privado de todas as limitações e restrições juspublicísticas até ai existentes. E assim – pode finalmente dizer-se- é ainda uma transformação idêntica e, como as anteriores, constitutiva duma época, aquela a que estamos assistindo hoje. Esta caracteriza-se por sua vez, por uma idêntica transição dum direito liberal para um direito social, em que o direito privado e particularmente a propriedade e a liberdade contratual, voltam de novo a sofrer numerosas e importantes limitações impostas pelo direito público”[17]


Radbruch entende que a divisão teve seu momento ao longo da história, mas que cada vez mais o direito se torna uma combinação de normas públicas e privadas[18]. O direito que expressa essa combinação, segundo Radbruch, é o direito social:


“Dentro de uma ordem jurídica de caráter social o direito público e o privado não se acham, portanto, ao lado um do outro, separados por uma fronteira rigorosa. Pelo contrário, tendem a confundir-se e a invadir-se reciprocamente. É, sobretudo, nos novos domínios do direito do trabalho e do direito econômico que esta confusão e recíproca invasão melhor se deixam notar.”


Ross inicia a sua explicação sobre a divisão direito público e privado indicando que esse é um tema que tem relevância para a ciência do Direito, pois ela leva a um esquema racional de sistematização[19]. O jurista não coloca em questão o direito privado, mas sim o direito público, que define:


“O direito público, por conseguinte, pode ser definido como o direito concernente à posição jurídica das autoridades pública: sua constituição, competência e deveres. O direito público, portanto, consiste exclusivamente em normas da competência e em normas de conduta ligadas às mesmas, isto é, relativas ao exercício da competência”[20].


Para Ross, não é todo direito normalmente classificado como público, que pode ser aceito como direito público, isso porque há alguns critérios ligados à norma de competência. Essa definição de direito público, também denominado por Ross de “direito público relativo às autoridades públicas”[21], que trata da organização do poder do Estado, não incluir o direito penal, direito administrativo especial e o direito processual. Esses direitos não têm a característica dada por Ross do direito público. Para Ross, ocorre um problema das definições de direito público e direito privado, como aponta nesse trecho:


“A grande incerteza e confusão que reina nas idéias correntes acerca do direito público, se explica, provavelmente, pelo fato de que o conceito de público é interpretado de forma negativa, como um repositório para todo o direito que não seja direito privado. O direito privado é, então, caracterizado implicitamente como o direito cuja observância pode ser assegurada por meio de processos civis entre particulares. Entretanto, se o direito público for definido daquela maneira ampla e negativa, não constituirá, como vimos, uma esfera homogênea. Inversamente, se limitarmos o direito público ao direito que a organização e exercício da autoridade pública, e definirmos o direito privado negativamente em relação a ele, o conceito de direito privado perderá toda coerência e significado”[22].


Porém, o autor parece não abandonar a definição de direito público como direito das autoridades públicas, uma vez que essa tem relação com a sua definição de Direito. Ross busca uma conceituação do Direito que não dependa de uma metafísica e entende o direito como um fato social, dando mais relevância à vigência das normas. Assim, Ross constrói sua teoria empirista, afirmando que o direito tem normas de conduta e normas de competência. Essas últimas podem ser entendidas como normas de direito público, no sentido que Ross dá a elas.


Ross entende que a divisão entre direito público e privado não consegue abarcar todos os direitos possíveis e sempre haverá dificuldade em se utilizar essa classificação. Essa questão insolúvel é apontada pelo autor, nos seguintes termos:


Se, com o intuito de conferir coerência aos conceitos, optarmos por tomar os dois termos em seus significados admissíveis, isto é, direito público como direito que se refere ao status das autoridades públicas e direito privado como direito que pode ser assegurado por processos civis entre pessoas particulares, enfrentaremos, então a dificuldade de que os termos privado e público sugerem uma divisão exaustiva que inexiste. Se conservarmos a terminologia – e é difícil não fazê-lo, temos que frisar que os dois termos não implicam uma divisão fundamental em duas partes da totalidade do material do direito.


Em consonância com isso, todas as tentativas levadas a cabo até o presente para definir a distinção entre direito público e direito privado como uma divisão fundamental, tem se mostrado insustentáveis”[23].


Reale também apresenta a divisão do direito entre direito público e privado, como uma das diversas possibilidades de classificação do direito entendido como uma ciência[24]. Para Reale a divisão clássica entre direito público e privado dada pelos romanos, com base no critério da utilidade pública ou particular da relação[25] necessita ser revista na modernidade. Para isso, o autor faz uma distinção com base no conteúdo e outra com base no elemento formal:


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Tércio Sampaio apresenta o tema direito público x direito privado em seu livro “Introdução ao estudo do Direito” como uma das grandes dicotomias do sistema estático das normas. O jurista paulista entende que essas grandes dicotomias (direito privado x direito público, direito objetivo x direito subjetivo) são topoi, pois não se pode classificar as normas com uma tipologia rigorosa, evocando uma saída pela retórica. Diz o autor:


“De fato, a profusão de normas não permite sua organização teórica na forma de uma definição genérica que se especifica lógica e rigorosamente em seus tipos. As diversas classificações e seus critérios surgem ao sabor dos problemas que a dogmática enfrenta na decidibilidade, os quais exigem distinções sobre distinções. Os critérios mencionados são então topoi, isto é, lugares comuns, pontos de vista comumente aceitos que permitem classificações regionais e provisórias, sem alcançar uma sistematicidade abrangente”[26].


Assim, para Tércio Sampaio, os temas recorrentes no Direito podem ser considerados como um topoi, ou seja, como uma figura retórica que se utiliza de pontos de vista comum para formar um pensamento problemático e buscar a verdade. Os topos são figuras conhecidas da retórica de Aristóteles e que no Direito foram especialmente desenvolvidos por Viehweg, que entende que eles têm “uma extraordinária importância no sentido da fixação e da construção de um entendimento comum” [27]. Este entendimento de Viehweg auxilia entender a repetição dos mesmos temas nos estudos de Direito. Porém, pensar temas de direito como topoi faz com que se minimize a formação histórica dos conceitos e da dependência de que eles têm da concepção de Direito adotada.


Para esclarecer o topoi do direito público x direito privado, Tércio Sampaio retoma a divisão de esfera privada e esfera pública a partir da visão de Hannah Arendt da Antiguidade clássica, em especial da sua divisão entre labor e trabalho. A ligação das esferas do trabalho e do labor e o lugar de ação é trazida para o universo do direito:


“Quando Ulpiano, pois distinguia entre jus publicum e jus privatum certamente tinha em mente a distinção entre a esfera do público, enquanto lugar de ação, do encontro dos homens livres que se governam, e a esfera do privado, enquanto lugar do labor, da casa, das atividades voltadas à sobrevivência”[28].


Apesar de retomar a divisão no Direito romano é o Estado moderno que é apontado pelo autor, como aquele que realmente marca a distinção entre direito público e direito privado. O jurista cita que o direito da Antiguidade era muito mais um direito privado[29], e que é com a figura do Estado que surge a oposição do direito público e privado:


“Juridicamente, o Estado, um verdadeiro organismo (burocrático) de funções, um ente abstrato, produto do agir político transformado em fazer, guarda perante os indivíduos uma relação de comando supremo: soberania. O direito, explicado pela soberania, torna-se comando, relação de autoridade no sentido do poder. A distinção entre o poder soberano e sua esfera e o poder dos indivíduos em suas relações marca, assim, a distinção entre esfera pública e privada e, por conseguinte, entre direito público e privado”[30].


Para Tércio Sampaio, portanto, a distinção entre a esfera do direito dos governantes e os direitos dos indivíduos governados tem relação e a divisão direito público e privado tem íntima relação. O direito público é o direito da administração pública, ou seja, do Estado, enquanto que o direito privado é o direito do indivíduo frente às imposições estatais.


Porém, não é somente o nascimento do Estado que propicia essa dicotomia dos direitos, mas também o capitalismo, que provoca uma mudança de sentido da esfera público e privada, transformando a esfera privada, como aquela ligada à atividade econômica


A evolução dos direitos combina na explicação de Tércio Sampaio, o aspecto do Estado como locus do direito soberano e a divisão labor e trabalho, de Arendt, indicando que o mundo moderno o direito torna-se técnica:


“E o direito, que na Antiguidade era ação, diretivo para ação, âmbito do encontro dos homens pela palavra e que, depois, na Era Moderna, tornou-se comando, norma soberana que regula o fazer social, torna-se agora labor, algo como uma regra técnica de organização da atividade contínua do homem na produção de bens de consumo para a sobrevivência”[31].


Se nesse sentido o direito está ligado à técnica, ele também está ligado à decisão e por isso ainda precisa da distinção entre direito público e privado, segundo Tércio Sampaio. O direito apresenta princípios gerais, mas também há princípios específicos de cada ramo do Direito e é com base nesses princípios, divididos em grupos distintos, é que as normas são interpretadas. Deste modo, a divisão não é somente uma divisão entre normas, mas critério para decidir:


“A distinção permite sistematização, isto é, o estabelecimento de princípios teóricos, básicos para operar as normas de um e outro grupo, ou seja, princípios diretores do trato com as normas, com suas conseqüências, com as instituições a que elas referem, os elementos congregados em sua estrutura. Esses princípios decorrem, eles próprios do modo como a dogmática concebe direito público e privado”[32].


 Assim, Tércio Sampaio afirma que o objetivo da divisão entre os diferentes tipos de direito, pela dogmática jurídica, é: “criar condições para a decidibilidade com certeza e segurança”[33]. Por esse motivo, segundo Tércio Sampaio, a distinção ainda é mantida. Nas suas palavras:


“Não obstante as dificuldades, a distinção entre direito público e privado subiste como instrumento tópico de sistematização, bem como as classificações de seus ramos. Pelos efeitos jurídicos, sua operacionalidade não pode ser desprezada. Dizer se uma norma (e a situação normada) é pública ou privada é importante para determinar os efeitos apropriados e quais os princípios que os regem sistematicamente”[34].


A dogmática jurídica sente dificuldade de explicar novos ramos do direito que surgem e não se enquadram nos conceitos de direito público e privado, porém continua a utilizar-se da distinção, por sua “operacionalidade pragmática” ou “como instrumento sistematizador do universo normativo para efeitos de decidibilidade”[35]. Por outro lado, Tércio Sampaio, indica um desconforto com a divisão entre direito público e privado, ao dizer que ela deve ser utilizada, “inobstante a falta óbvia de rigor”[36]. É essa falta de rigor, que não permite que a classificação direito público e direito privado situe-se no âmbito de uma filosofia do Direito, que para o autor é pautada pela racionalidade, e figure no âmbito da retórica, por isso é um topos.


Esse pequeno panorama da visão dos jusfilósofos sobre a classificação direito público e direito privado aponta para pensamentos diferentes e conflitantes. Ao adotar um ponto de vista, não se pode adotar outro. Assim, não se pode adotar a classificação na visão de Kelsen e Ross ao mesmo tempo, pois são excludentes. Esse é um dos grandes erros de muitos estudantes de direito, que tentando não desagradar ninguém, entendem que toda combinação é possível.


Buscando resolver alguns problemas gerados pelas classificações acima, propõe-se um outro ponto de vista, utilizando-se para isso de um outro conceito de Direito, qual seja: o direito como instituição imaginária social, segundo os pressupostos ontológicos de Cornelius Castoriadis.


4. Direito privado e direito público: uma classificação como significação imaginária do Direito


A classificação em esferas de direito privado e direto público pode ser entendida como uma significação imaginária social que ordena o modo de se entender o Direito, que é uma instituição imaginária social. Essa significação não é uma significação central da sociedade, ou seja, não é aquela que dá a orientação da sociedade, “mas que “são, no abstrato, em sua forma, transitórias”[37]. Porém, essa divisão dá sentido ao que se entende como Direito atualmente, logo a classificação direito privado e direito público é um fragmento da instituição maior que é o Direito. Castoriadis entende como instituição aquilo que dá sentido a uma sociedade:


“Aquilo que mantém uma sociedade reunida é evidentemente sua instituição, o complexo total de suas instituições particulares, aquilo que chamo a “instituição da sociedade como um todo” – tomando aqui a palavra instituição no sentido mais amplo e mais radical: normas, valores, linguagem, instrumentos, procedimentos e métodos de fazer frente às coisas e de fazer coisas e ainda, é claro, o próprio indivíduo, tanto em geral como no tipo e na forma particular que lhe dá a sociedade considerada (…)”[38].


As instituições são significações imaginárias sociais e tem por isso uma referência no tempo e no espaço, não se reduz a linguagem, não tem uma função específica, nem pode ser explicada pela estrutura. A divisão direito público e direito privado é uma significação imaginária porque é criada pelo homem, não se esgotando no elemento racional e é também social, porque está ligada ao direito ocidental moderno. Castoriadis entende como significação imaginária e social:


“Denomino imaginárias essas significações porque elas não correspondem a – e não se esgotam em – referências a elementos ‘racionais’ ou ‘reais’, e porque são introduzidas por uma criação. E as denomino sociais, pois elas somente existem enquanto são instituídas e compartilhadas por um coletivo impessoal e anônimo”[39].


A divisão direito público e direito privado são diferentes no tempo, apesar dos juristas utilizarem-se dela como algo atemporal. Cada época irá significar diferente essa divisão, o que pode ser visto atualmente na afirmação de uma crise da divisão, nos mais diferentes jusfilósofos e juristas. A pretensa atemporalidade da divisão busca remeter o direito a uma dimensão universal, ao mesmo em tempo que enfatiza uma tradição inventada (muito recentemente no século XIX e não propriamente na Grécia Antiga ou na Roma Antiga). Os estudos de Direito tem encarado o direito como algo transcendental, no sentido que parece ter vindo de fora da sociedade, porque se têm entendido direito como norma ou mesmo um sistema (ou conjunto) de normas e essas como vindas do legislador, que está apartado da sociedade. Reafirmar o caráter específico do direito (não universal) e transitório causa certo desconforto frente a um passado em que o direito não era positivado e encarado como costume. Porém, esse direito transitório, não-universal, que não se restringe ao positivado pelo Estado, tem batido cada dia mais a porta dos juristas, que não sabem o que fazer quando o que chamam de exceção tem de ser encarado como regra.


Pode-se dizer que a arbitrariedade existente na divisão entre direito público e privado é dada muito mais pela arbitrariedade da racionalidade do Direito. A própria racionalidade é uma significação imaginária social, para o qual se atribui uma técnica que parece desconectada de qualquer sujeito que conhece, ou seja, pretende-se neutra e apolítica. A racionalidade parece atualmente como arbitrária, pois perdeu a significação dada a ela até pouco tempo atrás, qual seja, de um porto seguro da razão, para se tornar apenas forma. Nesse sentido diz Castoriadis:


“O que se dá como racionalidade da sociedade moderna, é simplesmente a forma, as conexões exteriormente necessárias, o domínio perpétuo do silogismo. Mas nesses silogismos da vida moderna, as premissas tomam seu conteúdo do imaginário; é a prevalência do silogismo como tal, a obsessão da ‘racionalidade’ separada do resto, constitui um imaginário em segundo grau. A pseu-racionalidade moderna é uma das formas históricas do imaginário, ela é arbitrária em seus fins últimos na medida em que estes não dependem de nenhuma razão, e é arbitrária quando se coloca como fim, visando somente uma ‘racionalização’ formal e vazia. Nesse aspecto de sua existência, o mundo moderno é atormentado por um delírio sistemático – do qual a autonomização da técnica desencadeada, e não está ‘a serviço’ de nenhum fim determinável, é a forma mais imediatamente perceptível e a mais diretamente ameaçadora”[40].


Se o Direito perde o status de ciência com esse sentido de racionalidade, ele passa a ser somente técnica, ou seja, forma. Encarado como técnica, o Direito fica circunscrito agora: as classificações, aos conceitos dogmatizados e a uma interpretação que restringe a criação. Porém, essa interpretação do direito mascara que o Direito é social, que ao mesmo tempo, determina a sociedade. O direito, como outras instituições imaginárias sociais não se restringe à forma, pois é criação radical, que permite a todo tempo o novo, o caos e o abismo.


5. Problemas da divisão e a questão do privado e do público


Um dos grandes problemas da classificação em direito público e privado ocorre por não existir uma outra esfera para direitos com características intermediárias. Essa bipartição que não dá conta de abarcar os novos direitos tem levado a pelo menos a uma tripartição ou mesmo a descrença a respeito da classificação. Essa bipartição entre direito público e direito privado é localizada inicialmente no direito romano, pelos historiadores do Direito Romano. Porém, esses conceitos tal quais se conhece hoje, não tem a mesma significação dos tempos antigos.


Diversos historiadores e filósofos cuidaram da questão da esfera pública e esfera privada, possibilitando um outro olhar para o direito público e privado, como: Habermas, Foucault, Richard Sennett, Norbert Elias, dentre muitos outros. Utiliza-se nesse texto as considerações de Cornelius Castoriadis. O filósofo franco-greco Castoriadis entende que a bipartição entre esfera pública e esfera privada decorre de uma interpretação de alguns filósofos sobre o mundo grego antigo. Castoriadis entende que Arendt foi uma das filósofas que ajudou a divulgar a concepção de duas esferas, unindo duas das três esferas que Castoriadis entende que existia no mundo grego antigo sob o signo da democracia. É nesse sentido a afirmação de Castoriadis:


“Não é minha culpa (espero que A.Heller me perdoe) se o pleno desenvolvimento das três esferas e sua distinção/articulação em um sentido democrático tem lugar, pela primeira vez, na Grécia. Foi lá que, ao mesmo tempo em que se afirmou a independência do oikos, foi criada uma agora (esfera pública/privada) livre, e que a esfera pública/pública tornou-se verdadeiramente pública. (Estes dois últimos aspectos são confundidos nas discussões atuais, desde H. Arendt, sob o título de ‘espaço público’)”[41]


Castoriadis afirma que há três esferas, que podem ser melhor distinguidas na democracia: esfera privada, esfera privada/pública e esfera pública/pública, denominadas respectivamente por: oikos, agora e ecclesia[42]. O filósofo explica cada uma das esferas nas seguintes palavras:


A oikos, a casa-familia, a esfera privada, é o campo no qual, formalmente e em princípio, o poder não pode nem deve interferir. Assim como as demais questões deste campo, mesmo isso não pode e não deve ser tomado em sentido absoluto: a lei penal proíbe atingir a vida ou a integridade corporal dos membros da família e a instrução das crianças é obrigatória até mesmo nos governos mais conservadores, etc.


A agora; o mercado-lugar de reunião, é o domínio no qual os indivíduos encontam-se livremente, discutem, contratam entre si, publicam e compram livros, etc. Ainda aqui, formalmente e em princípio, o poder não pode nem deve intervir – mas também aqui, de qualquer forma, a questão não pode ser tomada em sentido absoluto. A lei impõe o respeito aos contratos privados, proíbe o trabalho infantil, etc. De fato, não se terminaria nunca de enumerar os pontos nos quais as disposições pelas quais o poder, mesmo nos Estados mais ‘liberais’ (no sentido do liberalismo capitalista), intervém neste domínio (exemplo do orçamento, que será evocado mais adiante).


A ecclesia, termo utilizado aqui metaforicamente, é o lugar do poder, o domínio público/público. O poder compreende os poderes, e estes devem ser simultaneamente separados e articulados”[43].


A distinção de Castoriadis em três esferas permite ir além da distinção do direito público e direito privado, incluindo a possibilidade de um direito privado/público, que é o direito da Agora e restabelecendo o espaço de um direito privado/privado, que está restrito as relações do oikos. Assim, grande parte dos novos direitos que não tem acomodação na classificação bipartite, ganham um lugar como direito. A classificação de Castoriadis das três esferas não garante uma divisão precisa, sem a confusão das esferas, pois elas podem ocorrer em diversas sociedades. Porém, a divisão das esferas em: oikos, agora e ecclesia está presente na democracia, que a define como: “regime em que a esfera pública torna-se verdadeiramente e efetivamente pública- pertencente a todos e efetivamente aberta à participação de todos”[44].


A partir da distinção entre oikos, agora e ecclesia, propõe-se aqui a divisão dos ramos do direito. Essa classificação tenta preservar a tradição de separar os ramos do Direito e as esferas, mas o melhor seria analisar cada norma específica de cada ramo. Isso porque cada ramo do Direito pode conter normas das diversas esferas, por exemplo: o Direito do Trabalho apresenta normas relativas à Agora, como as normas relativas ao piso salarial de cada categoria, que são estabelecidas entre empregados e empregadores; mas também possui normas de caráter da ecclesia como as que garantem a saúde do trabalhador com equipamentos de proteção ou mesmo que delimitem a jornada de trabalho, restringindo a sua prorrogação além daquilo que a sociedade entende como razoável.  


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Essa divisão proposta não deixa de ser arbitrária, tentando resgatar um pouco da visão tradicional. Isso porque entende-se aqui que todo o direito é de uma forma público, uma vez que é social. A oposição deixa de existir, quando o conceito de direito adotado como direito público é o direito social, diferente da visão liberal que define o direito público como direito estatal. Se todo direito é público, no sentido proposto acima, o sentido da classificação tradicional se desfaz.


6. A divisão e a questão da oposição indivíduo e Estado


 Na classificação tradicional moderna entendia-se que há uma oposição entre sociedade e indivíduo e uma outra oposição quanto aos interesses entre Estado e indivíduo. Há uma série de pressupostos nas definições de direito público e direito privado, que entendem o direito privado como o direito do indivíduo e o direito público como o do Estado.


Grande parte dos textos de filosofia do Direito e de teoria geral do Direito faz referência ao “nascimento” do Direito a partir de uma explicação teórica da evolução das pequenas sociedades para as grandes e das relações entre os indivíduos para a relação com o Estado. Há uma constante oposição entre indivíduo e Estado, para explicar como o direito que tinha um caráter somente privado, passa a ter uma parte caráter público com a criação do Estado. Trata-se de uma explicação controversa, que pode ser feita somente a partir de alguns exemplos da sociedade ocidental, mas que não garantem um modelo universal como se pretende.


A oposição, muito corrente entre os doutrinadores do Direito, de sociedade e indivíduo, não passa de mais uma construção dos doutrinadores, que chega a desafiar a lógica, uma vez que a sociedade é formada de indivíduos, ou melhor, pessoas. É nesse sentido que fala Castoriadis sobre a polaridade indivíduo sociedade:


“A polaridade não se situa entre o indivíduo e a sociedade- porque o indivíduo é a sociedade, um fragmento ao mesmo tempo em que é uma miniatura ou, melhor ainda, uma espécie de holograma do mundo social -, ela se situa entre a psique e a sociedade. A psique deve ser, bem ou mal, domada, aceitar a ‘realidade’ que lhe é – para começar e, em certo sentido, até o fim – radicalmente heterogênea e estranha. Esta ‘realidade’ e sua aceitação são obra da instituição”[45].


De acordo com Castoriadis a oposição não pode ocorrer entre indivíduo e sociedade, mas entre psique do homem isolada e a sociedade, que o torna homem, ou seja, indivíduo de uma sociedade. Assim, é a sociedade que irá formar o homem e não o conjunto de homens que forma a sociedade. A perspectiva de Castoriadis é muito diferente e crítica às teorias contratualistas sociais às quais atribui a construção da oposição individuo/Estado (sociedade): 


“Entre os Antigos compreende-se claramente, e constantemente se repete, que a sociedade forma o indivíduo. As citações se multiplicam: Simônides, Tucídides, Aristóteles. De onde o peso enorme colocado sobre a Paidéia, a educação no sentido mais amplo do termo, dos cidadãos. –Nos tempos Modernos subsiste ainda, herança certamente do cristianismo e do platonismo, a posição de um indivíduo-substância, ontologicamente autárquico e auto-produtor, que entra num contrato social (nocional certamente, transcedental se preferirmos), estabelecendo acordos com outros para fundar uma sociedade ou um Estado (teria ele a possibilidade de não fazê-lo, mesmo de modo nocional ou transcendental?). Daí as idéias do indivíduo contra o Estado ou a sociedade, e da sociedade civil contra o Estado”[46].


Essa associação direta entre aquilo que é social e o que é Estatal leva a um ocultamento daquilo que é público, no sentido mais antigo do termo. Esse ocultamento permite aos doutrinadores do direito chamar de direito público, àquilo que está mais próximo de algo a ser definido por direito governamental/estatal. Essa dicotomia também some com o termo sociedade. Isso leva a errônea conclusão que sociedade é o Estado e assim, somente haveria sociedade com o Estado. A sociedade não ser reduz ao Estado e há muitas sociedades que não tem Estado e outras que entendem que esse não é necessário. A diferenciação sociedade e Estado é assim apresentada por Castoriadis:


“Pode haver, houve e esperamos que haja novamente, sociedades sem Estado, a saber, sem aparelho burocrático hierarquicamente organizado, separado da sociedade exercendo domínio sobre ela. O Estado é uma criação história que podemos datar e localizar (…) Uma sociedade sem Estado é possível, concebível, desejável. Mas uma sociedade sem instituições explícitas de poder é um absurdo, na qual caíram tanto Marx como o anarquismo”[47].


O Estado é definido por Castoriadis como uma como instituição segunda, que distingue o poder explicito, do que é Estado, distinguindo-o da sociedade[48]. O Direito tem sido definido por muitos jusfilósofos como Direito Estatal, mas não se pode mudar o adágio Ubi sociatas, ibi jus (onde houver sociedade, há direito), para Ubi Estado, ibi jus.


7. O direito doméstico, um direito fora da regulação do direito privado: uma crítica feminista


Dificilmente o direito brasileiro apresenta uma crítica feminista da Filosofia do Direito. Porém, estudos críticos norte americanos tem proporcionado a voz de mulheres sobre temas da Filosofia do Direito, em especial a uma crítica do Direito liberal de Rawls. O ponto de vista da crítica feminista coloca em discussão paradigmas que são repetidos constantemente no Direito e que levam em consideração uma conformação de mundo que não integra em condição igual as mulheres.


Carole Pateman em seu artigo “Uma crítica feminista da dicotomia público e privada” coloca em discussão o status da esfera doméstica, que nas teorias liberais ficou para fora da sociedade civil[49]. Outras feministas como Susan Baker também discute a questão das esferas frente a uma sociedade que as encara a partir dos consolidados ‘direitos dos homens’[50].


Algumas feministas apontam o problema da supressão da esfera doméstica das preocupações públicas e, portanto, de uma regulação estatal ao liberalismo. Will Kymlicka entende que esse problema não decorre do liberalismo, mas sim de uma concepção romântica da esfera privada, que foi posteriormente incorporada pelo liberalismo. Kymlicka explica essa tênue distinção, que tem implicações fundamentais para o direito:


A divisão liberal original de público e privado foi suplementada nos últimos cem anos por uma segunda distinção, que separa o pessoal ou íntimo do público, na qual o ‘público’ inclui Estado e sociedade civil. Esta segunda distinção surgiu primariamente entre os românticos, não os liberais, e na verdade, surgiu, em parte, em oposição à glorificação liberal da sociedade. Enquanto os liberais clássicos enfatizam a sociedade como domínio básico da liberdade pessoal, os românticos enfatizavam os efeitos da conformidade sexual sobre a individualidade (…) Portanto, os românticos viam como públicas todas as associações formais com outros, exceto as relações intimas como amizade e o amor.


Embora esta segunda distinção de público e privado tenha surgido em oposição ao liberalismo, os liberais modernos aceitaram boa parte da visão romântica e tentaram integrar sua ênfase sobre as pressões sociais à ênfase liberal clássica sobre a liberdade social (…) Como resultado, o liberalismo moderno está interessado não apenas em proteger a esfera privada da vida social, mas também em conseguir um domínio dentro da esfera privada no qual os indivíduos possam  ter privacidade. A vida privada, para os liberais, significa agora envolvimento ativo nas instituições da sociedade civil, como enfatizavam os liberais clássicos, e o isolamento pessoal ante a vida social ordenada, como enfatizam os românticos”[51].


Assim, pode-se dizer que a esfera privada não abarca a esfera doméstica, que fica sem espaço de regulação estatal. O direito privado, de acordo com as teorias liberais, regulamenta o espaço das relações privadas, mas não das relações do oikos. Isso tem relevância para uma crítica feminista, uma vez que a mulher tem sido colocada no espaço do oikos pela sociedade moderna, sendo dele responsável parcial ou integralmente. Coloca-se, portanto, em discussão a pouca proteção legal à mulher no interior desse oikos, uma vez que raramente o direito estatal chega lá. A questão da igualdade entre mulheres e homens também se torna um assunto delicado, quando se pensa não somente na igualdade de direitos no espaço público, mas também no espaço doméstico.


Esse espaço doméstico é aquele do Oikos e não propriamente um espaço privado, que aqui pode ser entendido como o da Agora. O espaço do Oikos desaparece (ou míngua) do Direito moderno, pois dificilmente sofria regulação. Isso começou a mudar lentamente nas últimas décadas com a luta pela igualdade de direitos e a inclusão de novos sujeitos de direito, como as mulheres, crianças e velhos. O espaço do oikos passa a ser regulado por um direito que não pode ser tido como um direito privado, no sentido das antigas leis civis, que tinham como sujeito o homem/adulto/proprietário.


Essa mudança de paradigmas vem afetando não somente a concepção de público e privado, mas também mudando o caráter do direito, que passou a englobar novamente um direito da esfera privado/privado, ou seja, do oikos, do doméstico. Isso requer um olhar diferente para levar a política para o oikos e as questões do oikos para a Agora.


8. Discussão sobre a dificuldade da classificação direito público e direito privado a partir de casos


A filosofia do Direito tem sido influenciada pela discussão de casos para testar as diferentes teorias filosóficas. Apresenta-se aqui alguns casos em que a classificação direito público e direito privado se desfaz, apontando para sua construção social e na crença no âmbito dos juristas de sua utilidade.


Um dos casos mais discutidos no âmbito da discussão é a classificação do Direito do Trabalho. Autores mais antigos tendem a classificar o direito do Trabalho como um direito privado, devido o caráter de contrato que há entre o empregado e o empregador. Há autores que evocam que essa classificação se deve a original aproximação do Direito do Trabalho e do Direito civil, pois viam semelhança da locação de serviço e o contrato de trabalho. Essa aproximação não é aceita por muitos autores, que entendem que a aproximação não é possível, uma vez que o contrato de trabalho está dentro de um direito social (como o direito do trabalho era originalmente chamado) e com caráter público. Grande parte dos doutrinadores da atualidade de Direito do Trabalho ficam no meio termo, afirmando que o Direito do Trabalho possui normas de caráter privado, mas também de caráter público. A discussão sobre o caráter do Direito do Trabalho é intensa, porém é difícil autores modernos afirmarem o caráter público do Direito do Trabalho, isso porque há um pressuposto de que direito público é direito estatal. O Direito do Trabalho é um direito público no sentido de que é um direito social, do povo, do público, no domínio da Ágora.


O Direito Civil também está cheio de exemplos em que o que era antes entendido como direito privado passou a ser entendido como um direto público, no sentido de que tem relevância para o social. Um exemplo clássico é a introdução da necessidade do respeito à função social do contrato. O contrato que antes era tido como um direito privado no sentido de estipulado pelas partes com muito pouca interferência Estatal, ganhou o caráter público, no sentido de que o contrato deve satisfazer as partes, mas também a sociedade. Os novos princípios para contratar colocam em xeque o dogma da liberdade dos contratos e da autonomia da vontade, que agora devem estar adequados ao bem comum social.


Porém, pode-se colocar em discussão a própria classificação mais tradicional dada ao direito público e direito privado em um Estado liberal, que pretende a mínima interferência em especial no âmbito do oikos. Destaca-se dois exemplos em que o direito privado individual é desconsiderado como tal e entendido como um direito da Ágora, com uma grande conotação pública. O primeiro caso é sobre o direito de propriedade de bens móveis e o segundo caso é sobre a liberdade de amar.


O direito à propriedade é entendido como um dos exemplos do direito privado, porém há grandes intervenções do Estado quanto a esse direito, que vai desde o respeito à função social da propriedade até a supressão da propriedade. Dois dos casos mais discutidos nesse sentido são: usucapião e a desapropriação. Mas há outros casos, menos conhecidos e não menos polêmicos, como a intervenção estatal a pedido do Ministério Público (muitas vezes sem um processo) para “limpeza de casas atoladas de lixo”, em casos de pessoas que tem colecionismo ou como é mais conhecida, síndrome de Diógenes. Nesses casos, pessoas que acumulam coisas (propriedade) em suas casas, são destituídas de seus bens, sem que haja processo judicial, quando a sociedade entende que a pessoa não pode ter propriedade sobre aquilo que quer possuir. Pode-se alegar que a acumulação de “lixo” é socialmente prejudicial, mas não se pode esquecer que a própria definição de lixo é relativa, uma vez que os colecionistas não atribuem esse status a seus objetos. Essa “propriedade-lixo” não é respeitada como um direito privado, porque a sociedade (incluindo nela o Ministério Público) não a entende como propriedade. Nesses casos, tem prevalecido o que a sociedade entende como o que deve ser protegido, deixando de lado o valor liberal da propriedade no direito.


A legislação estatal tem entrado na esfera do oikos, intervindo na liberdade de amar. O amor que não era uma esfera regulada pelas leis do estado, passa a ser, em uma tentativa desesperada de criar uma regulação jurídica para uma esfera que antes era pautada principalmente pelas normas sociais ou mesmo religiosas. O amor dos pais aos filhos é atualmente regulado pela legislação, existindo a figura do dano moral por abandono afetivo parental. Se com as regras de um direito liberal bastava-se alimentar o filho, provendo-o com bens suficientes para a sua vida, atualmente o novo direito entende que apenas os alimentos físicos (bens) não são suficientes. O amor que era antes oferecido passa a ser exigido na esfera do Estado.


Essa tentativa de regular com o direito a esfera do oikos, que antes não ocorria, também aponta para uma juridicialização excessiva da vida privada e para um esvaziamento das outras esferas de regulação da vida social. Todas as regras passam a ser regras jurídicas, pois mínguam as regras sociais. Castoriadis entende que essa mudança para uma regulação jurídica do oikos, indica uma mudança social em que: os papéis sociais foram altamente transformados e que os conceitos antigos não dão mais conta de descrever a realidade.


“Ninguém sabe mais hoje o eu significa ser cidadão; mas ninguém sabe nem mesmo o que significa ser homem ou uma mulher. Os papéis sexuais dissolveram-se, não se sabe mais em que consistem. Antigamente isto era sabido nos diferentes níveis da sociedade, de categoria, de grupo. Não estou afirmando que era bom, estou me colocando em um ponto de vista descritivo e analítico (…) O  mesmo acontecia no jogo sexual: debochamos na França (com razão, acho) da juridicidade ridícula dos americanos, com suas histórias de assédio sexual (que não tem mais nada a ver com os abusos de autoridade, de posição patronal, etc.), com suas regulamentações detalhadas, publicadas pelas universidades sobre o consentimento explícito exigido da mulher a cada etapa do processo, etc. – mas que não vê a insegurança psíquica profunda, a perda das referências de identificação sexual que esta juridicidade tenta pateticamente atenuar?”[52].


Do mesmo modo que há uma esfera de liberdade que não pode ser perdida no oikos, há também um espaço novo para intervenção do Estado. A intervenção do jurídico na esfera do oikos, regrando as relações entre os familiares para buscar evitar a violência doméstica é visto como um ponto positivo nessa mudança. Porém, a intervenção para exigir o amor do filho ao pai e na sua recusa uma indenização econômica por essa falta, parece não dar conta de resolver o problema do oikos.


Considerações finais 


A divisão do Direito entre direito público e privado corrente na Teoria Geral do Direito é uma construção social histórica que tem se mostrado corroída e vem sendo colocada em discussão por muitos jusfilósofos. A existência dessa divisão entre direito público e privado traz uma discussão filosófica, à medida que lida com o conceito de direito, de racionalidade e de técnica. Assim, a velha questão da divisão do direito ganha novo fôlego para não cair no lugar comum da mera técnica. Essa divisão faz parte do entendimento do direito atual e é uma instituição imaginária social, que tem um lado de simbólico muito mais forte do que seu lado funcional e de racional. Por ser uma significação imaginária do Direito a divisão não é própria do direito, ou seja, não é essa classificação que define o direito, mas é como o direito tem sido apresentado na sociedade atual.


 


Bibliografia

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REALE, Miguel. Lições preliminares do Direito. 22ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

 

Notas:

[1] MARKY, Thomas. Curso elementar de Direito Romano. p, 12

[2] JHERING, R. O espírito do Direito Romano. p, 161.

[3] JHERING, R. O espírito do Direito Romano. p, 156

[4] JHERING, R. O espírito do Direito Romano. p, 156

[5] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.1.). p, 138

[6] JHERING, R. A evolução do Direito (. p, 207

[7] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.1.). p, 138

[8] GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. p, 224

[9] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 380

[10] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 380

[11] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 381

[12] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 381

[13] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 382

[14] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito (Cap. VI , 37) p, 382

[15] RADBRUCH, Gustav. Introducción a la Filosofia del Derecho – breviários (Cap. VI, 22) p, 91

[16] RADBRUCH, Gustav. Introducción a la Filosofia del Derecho – breviários (Cap. VI, 22) p, 90

[17] RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito (Cap.17) p, 258

[18] RADBRUCH, Gustav. Introducción a la Filosofia del Derecho – breviários (Cap. VI, 22) p, 93

[19] ROSS, Alf. Direito e Justiça (Cap. VIII, 44) p, 239.

[20] ROSS, Alf. Direito e Justiça (Cap. VIII, 44) p, 241

[21] ROSS, Alf. Direito e Justiça (Cap. VIII, 44) p, 242

[22] ROSS, Alf. Direito e Justiça (Cap. VIII, 44) p, 244

[23] ROSS, Alf. Direito e Justiça (Cap. VIII, 44) p, 245

[24] REALE, Miguel. Lições preliminares do Direito (Cap. XXV) p, 335

[25] REALE, Miguel. Lições preliminares do Direito (Cap. XXV) p, 335

[26] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.3.). p, 132

[27] VIEWEG, David. Tópica e Jurisprudência. p, 41.

[28] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.). p, 134

[29] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.2). p, 142

[30] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.). p, 133

[31] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.). p, 137

[32] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.1). p, 137

[33] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.2). p, 142

[34] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.2). p, 144

[35] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.). p, 137

[36] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito (4.2.4.). p, 137

[37] CASTORIADIS, C.Instituições primeiras da sociedade e instituições segundas. In: Encruzilhadas do labirinto IV. p, 169

[38] CASTORIADIS, C. O imaginário. In:Encruzilhadas do labirinto II. p, 237

[39] CASTORIADIS, C. O imaginário. In:Encruzilhadas do labirinto II. p, 239

[40] CASTORIADIS, C. A instituição imaginária da sociedade. p, 188

[41] CASTORIADIS, C. Encruzilhadas do labirinto V: feito e a ser feito, p, 69-70

[42] CASTORIADIS, C. Encruzilhadas do labirinto V: feito e a ser feito, p, 69

[43] CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. In: Encruzilhadas do labirinto IV, p, 265.

[44] CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. In: Encruzilhadas do labirinto IV, p, 264

[45] CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. In: Encruzilhadas do labirinto IV, p, 257.

[46] CASTORIADIS , C. Encruzilhadas do labirinto IV p, 196.

[47] CASTORIADIS, C. A democracia como procedimento e como regime. In: Encruzilhadas do labirinto IV, p, 256

[48] CASTORIADIS, C. Poder, política e autonomia. In: Encruzilhadas III, p, 133

[49] PATEMAN, C. “Feminist critiques of the public/private dichotomy”. In: Disorder of Women (cap.6) p. 118- 140  (também há trecho no livro: Sourcebook on feminist jurisprudence p. 143-146)

[50] Ver: Susan Baker no artigo: “Risking Difference: Reconceptualizing the Boundaries between the Public and Private Spheres”. In:  Women and public policy: the shifting boundaries between the public and private spheres.

[51] KYMLICKA, Will. Filosofia política contemporânea. p, 332

[52] CASTORIADIS, C. A ascensão da insignificância, In: Encruzilhadas do labirinto IV. p, 107


Informações Sobre o Autor

Gisele Mascarelli Salgado

Pós Doutora em Direito pela FD-USP Doutora e Mestre em Direito pela PUC-SP bacharel em História Direito e Filosofia
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