A suspensão cautelar do exercício de função pública ou atividade privada como alternativa à prisão preventiva

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Com a reforma introduzida no Código de Processo Penal pela Lei nº 12.403/2011 e com a ampliação do rol das medidas de cautela, agora é possível a decretação da suspensão cautelar do exercício de função pública ou atividade econômica ou financeira (artigo 319, inciso VI), nas hipóteses em que houver justo receio de sua utilização para o cometimento de crimes, atendido os demais pressupostos previstos pelo artigo 282 da norma processual penal.


Salutar a medida introduzida pela nova lei, pois não eram raros os casos em que, diante de dúvida razoável e à ausência de “medida de cautela de meio termo”, restava mantida a prisão em flagrante delito ou era decretada a prisão preventiva, ao argumento de que solto o indiciado ou acusado poderia continuar a praticar os crimes de mesma natureza ou mesmo dificultar a persecução penal, criando obstáculo à produção de provas, ocultando documentos, exercendo alguma espécie de constrangimento em testemunhas ou na própria vítima, etc.


A continuidade da atividade profissional ou o exercício da função pública seria elemento facilitador para a obstrução de provas ou para a reiteração criminosa, já que o suposto autor do crime se manteria no local de trabalho, podendo se utilizar novamente dos mesmos instrumentos que o levaram a pratica do crime, além de permanecer com livre acesso a arquivos, documentos e registros que de algum modo poderia interessar à investigação do crime.


Tal presunção em alguns casos aliada à suposta gravidade do crime ou crimes cometidos, conduzia à decretação da prisão preventiva a pretexto da insuficiência da concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, para assegurar a efetividade da persecução penal.


A medida sempre gerava grande polêmica, notadamente nos crimes praticados contra a administração pública e em matéria de criminalidade econômica (crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem tributária, por exemplo).


E também não foram poucas as situações em que, decretada a prisão preventiva sob aqueles argumentos, após a impetração de sucessivos habeas corpus, era reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça ou somente no Supremo Tribunal Federal que a custódia provisória fora desproporcional e inadequada para o caso concreto, e, em algumas situações, após meses da decretação da prisão cautelar.


Com o advento da modificação legislativa, pensamos que, em casos como estes, a incidência da prisão cautelar será naturalmente reduzida.


Isto porque, se o crime cometido estiver diretamente relacionado à função pública exercida ou a atividade econômica ou financeira, havendo necessidade de assegurar a efetividade da persecução penal ou impedir, desde logo, a reiteração da atividade criminosa, poderá ser decretada a medida de cautela prevista no artigo 319, inciso VI do CPP, sem prejuízo da decretação de outra medida de cautela em complemento, como a proibição de acesso ou freqüência a determinados lugares (artigo 319, inciso II) e a proibição de manter contato com pessoa determinada por circunstâncias relacionadas ao fato (artigo 319, inciso VI), cautelas que poderão se apresentar mais eficazes, adequadas e proporcionais em se tratando de crimes praticados contra a administração pública ou contra a ordem econômica e financeira, evitando-se, quando possível, a decretação da prisão preventiva.


Havendo justo receio do cometimento de novas infrações penais pela permanência no local de trabalho, que poderia utilizar-se das facilidades do cargo para tal finalidade, principalmente quando o agente do fato delituoso ocupa posição de destaque no órgão ou repartição pública, ou na instituição na qual exerça atividade de natureza econômica ou financeira, adequada é a medida de suspensão da função ou atividade exercidas pelo acusado ou réu.


Poderá ocorrer, todavia, que somente o afastamento do cargo ou função não se mostre suficiente, dado o circulo de influência do acusado ou réu e a facilidade não somente de acesso ao local de trabalho, mas também a pessoas que com ele mantém estreita ligação e poderiam auxiliá-lo na ocultação de provas, manipulação de documentos e registros de interesse para a persecução penal ou mesmo colaborando para persuadir testemunhas de acusação. Em situações assim, razoável seria também se pensar na determinação de proibição de acesso ou frequência às dependências do órgão público de lotação ou da instituição e suas filias ou sucursais, como medida apta (em reforço) e conveniente à investigação criminal ou para a instrução da ação penal.


No que respeita a proibição de manter contato com pessoa determinada, também como medida de reforço, pela sua natureza, imprescindível, que a decisão proceda à individualização de quem esteja sob efeito de alguma espécie de constrangimento, submetido a qualquer ordem de coação ou ameaça cometida pelo acusado ou réu. A determinação de proibição de contato, portanto, poderá ser determinada em relação à própria vítima ou mesmo alguma testemunha do fato criminoso. Nesta hipótese, como se constata, a proibição poderá ter por finalidade não somente evitar que novo delito seja praticado contra a vítima, mas também tem em conta assegurar a eficácia da persecução penal, impedindo que o acusado ou réu possa por qualquer meio influenciar no ânimo e convicções da testemunha ou vítima da ação criminosa.


Em síntese, segundo pensamos, a medida cautelar de suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, nas hipóteses já referidas, decretada isoladamente ou em conjunto com a proibição de freqüentar determinados lugares ou de ter contato com pessoas determinadas, poderá substituir satisfatoriamente a prisão preventiva quando em face de crimes contra a administração pública, ou contra a ordem econômica e financeira, e, ainda, nos delitos praticados contra a ordem tributária.


Importa salientar que, se no curso da investigação ou instrução criminal se revelar ineficaz ou forem descumpridas as determinações impostas como decorrência daquelas medidas cautelares, será sempre permitida a decretação da prisão preventiva (artigos 282, § 4º e 312, parágrafo único, do CPP).



Informações Sobre o Autor

Arnaldo Quirino de Almeida

Pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra-PT, IBCCRIM-SP) e em Direito Penal e Processual Penal (Universidade Presbiteriana Mackenzie, SP), Assistente de Desembargador Federal no TRF-3ª Região em São Paulo, Professor de Direito Processual Penal e Teoria Geral do Processo.


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