Da impossibilidade de ação coletiva passiva no sistema de proteção do consumidor

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No campo das ações coletivas, existe interessante divergência doutrinária no que se refere à possibilidade, ou não, da existência das chamadas ações coletivas passivas. Que espécie de ações seriam essas? Os legitimados pelo art. 82 do CDC podem figurar como réus em uma ação coletiva?


No Brasil, consoante jurisprudência do STJ, diversos são os diplomas legais que permitem a defesa de interesses coletivos, v.g. a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.249/92), a Lei da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), a Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 12.016/09), o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03) e Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) os quais, segundo a jurisprudência do STJ, compõem o “microssistema de tutela de interesses transindividuais” (vide REsp. 510.150/MA, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 29/03/2004).


No que toca ao objeto deste breve estudo, ou seja, o consumidor, nada obstante sua defesa por meio da Ação Civil Pública estivesse expressamente prevista na Lei nº 7.347/85, foi a Constituição Federal de 1988 que a estatuiu, embora timidamente, como direito fundamental, ao dispor no art. 5º, XXXII, que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”.


O mandamento constitucional foi devidamente cumprido com a edição da Lei nº 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), sendo que o diploma consumerista tratou de cuidar, em seu Título III, da defesa do consumidor em juízo, que pode ser exercida tanto individualmente quanto coletivamente. E ainda, foi a primeira legislação a definir o que são direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme dicção do seu art. 81, in verbis:


Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.


Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:


I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;


II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;


III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”


Pois bem. O art. 1º do CDC dispõe que “o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII


, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Ao ser assim proclamado, o CDC inderrogáveis pela vontade das partes, bem como é um microssistema com função social que, nos dizeres de LEONARDO DE MEDEIROS GARCIA, “não só procuram assegurar uma série de novos direitos aos consumidores, mas também possuem a função de transformar a sociedade de modo a se comportar de maneira equilibrada e harmônica nas relações jurídicas.” (In Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011)


Nesse contexto, não há como se admitir que os legitimados para a propositura de ações coletivas para a defesa de direitos e interesses dos consumidores figurem no pólo passivo de uma ação coletiva, sob pena de se esvaziar a ratio essendi do código consumerista. A finalidade do CDC é proteger e defender o consumidor, e não prejudicá-lo.


Para ilustrar a questão, o autor acima citado nos fornece o seguinte exemplo:


“Seria possível o ajuizamento de ação por indústria pretendendo declarar que seu produto não é defeituoso e que por isso não causa danos? Ou ainda pretendendo declarar que determinada cláusula contratual não é abusiva? Qual seria a eficácia dessas decisões? Caso sejam julgados procedentes tais pedidos, teriam o efeito de impedir a propositura posterior de uma ação coletiva contra a indústria ou contra o fornecedor que se utiliza do produto ou contrato?” (op. cit. pág. 458)


Segundo GARCIA, duas são as correntes doutrinárias que tratam do tema. A favor da possibilidade de ação coletiva passiva estão Ada Pelegrini Grinover, Pedro Lenza, Fredie Didier Jr. e Hermes Zanetti, os quais sustentam, em suma, que a autorização para tanto estaria situada no art. 5º, § 2º da Lei da Ação Civil Pública, que faculta ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes e, além disso, haveria tal possibilidade por força das convenções coletivas de consumo, previstas no art. 107 do CDC, as quais, caso não sejam observadas, darão causa a uma lide coletiva, importando, necessariamente, na colocação de um dos representantes das respectivas categorias de substituidos no pólo passivo da lide (op. cit. pág. 459).  


Com o devido respeito aos doutos entendimentos arrolados, pode até ser que, do ponto de vista processual (formal), exista autorização legislativa para admitir os legitimados do art. 82 do CDC no pólo passivo das lides coletivas. Contudo, sob o ângulo do direito material, atrelado à exegese sistemática, e observado o diálogo das fontes, tratado com propriedade pela profª CLÁUDIA LIMA MARQUES, as ações coletivas passivas em que figurem interesses coletivos dos consumidores são inadmissíveis.


Utilizando o exemplo fornecido por GARCIA, a sentença que eventualmente declarasse que o produto de determinada indústria não é defeituoso, ou que determinada cláusula contratual não é abusiva, violaria frontalmente as normas consumeristas, na medida em que importaria, por ricochete, na declaração de que as normas do CDC não são de ordem pública e interesse social. Seria, verdadeiramente, o mesmo que derrogar Tais normas!


Nessa toada, o fornecedor munido de uma declaração dessa espécie, com efeitos erga omnes, estaria livre para cometer uma série de abusos no mercado de consumo, uma vez que estaria protegido pelo manto da coisa julgada, o que, obviamente, redundaria em prejuízo do consumidor. Todos os deveres juridicamente impostos ao fornecedor pelo CDC restariam mitigados, quiçá completamente extintos, uma vez que, caso declarado que seu produto não é defeituoso, certamente diminuiria os cuidados necessários para que esse mesmo produto, em sua concepção, se apresentasse seguro.


Manter um produto de qualidade no mercado de consumo demanda altos investimentos em tecnologia, controle de qualidade etc., sendo que, obtendo a declaração de inexistência de defeitos em seu produto, o fornecedor provavelmente pouparia gastos dessa natureza em relação ao produto declarado como não defeituoso.   


Contudo, o argumento mais robusto a corroborar a impossibilidade de ação coletiva passiva nos é fornecido por PEDRO DA SILVA DINAMARCO, e radica na regra etiquetada no art. 472 do CPC, dispondo que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”.


E conclui sua lição afirmando:


“(…) no plano constitucional, a admissibilidade da presença de uma associação no pólo passivo, como substituto de terceiros, violaria a garantia individual do contraditório de da ampla defesa (art. 5º, inciso LV), bem como a do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV). Assim, é inimaginável que os efeitos de uma sentença, em qualquer processo, possam prejudicar o indivíduo sem que lhe seja dada a ampla oportunidade de se defender e de lançar mão dos recursos inerentes àqueles princípios constitucionais.” (DINAMARCO, Pedro da Silva. Ação Civil Pública. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 270, apud GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 458).


Destarte, assiste razão à doutrina que sinaliza no sentido da impossibilidade de ação coletiva passiva, uma vez que, admiti-la, importará no esvaziamento da finalidade do Código de Defesa do Consumidor, que á a efetiva proteção e defesa deste que é a parte reconhecidamente vulnerável nas relações de consumo. Em outras palavras, deve-se conferir o mais longo alcance às normas do CDC, de modo que cumpra fielmente seu desígnio e faça jus a seu nomem juris.



Informações Sobre o Autor

Vitor Vilela Guglinski


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