Efetivação das decisões do Tribunal Penal Internacional em face da soberania estatal

Resumo: Esse artigo busca fazer uma análise sobre a possibilidade da aplicação prática das decisões do Tribunal Penal Internacional. Tem início o artigo apresentando a evolução histórica do conceito de soberania e a posição que se encontra tal ideia atualmente. Após, apresenta o Direito Internacional Penal, sua Evolução e os principais tribunais internacionais. Feitas essas conceituações iniciais, passa-se então a discutir o Tribunal Penal Internacional e seu princípio da responsabilidade penal internacional do indivíduo, bem como de que forma a noção de soberania se apresenta diante desses institutos. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e documental, por meio de revisão de literatura. Após o estudo, chega-se a certeza de que a soberania pode ser relativizada em prol da efetivação das decisões do Tribunal Penal Internacional, embora na prática isso seja difícil de ocorrer, mas a evolução do Direito Internacional Penal ruma para a efetivação dessa ideia.

Palavras-chave: Direito Internacional Público. Direito Internacional Penal. Tribunal Penal Internacional. Soberania

Abstract: This article aims to make an analysis about the possibility of effective applicability of the decisions from the International Criminal Court. The article begins by presenting the historical evolution of the concept of sovereignty and the current position of that idea. After that, it presents the International Criminal Law, its evolution and the main international courts so far. After these initial concepts, move on then to discuss the International Criminal Court and its principle of international criminal responsibility of individuals, as well as how the idea of sovereignty stands before these institutes. The methodology used was the bibliographical research, through literature review. After the study, the author arrive at the certainty that sovereignty can be relativized in favor of the effectiveness of the decisions of the International Criminal Court, although in practice it is difficult to occur, but the evolution of international criminal law heads for the realization of this idea.

Keywords: International Law. International Criminal Law. International Criminal Court. Sovereignty.

Sumário: Introdução; 1. Soberania; 1.1 Breve evolução histórica do conceito; 1.2 A soberania na atualidade; 2. Direito Internacional Penal; 2.1 Conceito e breve evolução histórica; 2.1.1 Direito Penal e Direito Internacional Público; 2.1.2 Direito Internacional Penal e Direito Penal Internacional; 2.2 Os crimes internacionais; 2.3 Os Tribunais ad hoc: de Breisach a Ruanda; 2.3.1 Breisach e Versalhes; 2.3.2 Nuremberg; 2.3.3 Tóquio; 2.3.4 Ex-Iugoslávia; 2.3.5 Ruanda; 3. O Tribunal Penal Internacional; 3.1 Características e princípios fundamentais; 3.1.1 Características; 3.1.2 Princípios fundamentais; 3.1.2.1 Princípio da Legalidade; 3.1.2.2 Competência, jurisdição e Princípio da Complementariedade; 3.2 Regra da Responsabilidade Penal do Indivíduo; 4. A soberania relativa e as decisões do Tribunal Penal Internacional; Conclusão; Referências Bibliográficas.

Introdução

O conflito internacional faz parte da história da humanidade desde seus primórdios. Da mítica Guerra de Troia, relatada nos poemas de Homero aos recorrentes embates entre Israel e Palestina, o homem criou sua civilização cimentada com a morte de seus semelhantes.

No entanto, a despeito da belicosidade inerente ao ser humano, a necessidade de uma regulamentação e da existência de uma justiça que seja aplicada às relações interestatais, aos crimes cometidos no âmbito internacional, em especial nos conflitos armados, é crescente.

Esse clamor foi representado por Henry Dunant e Gustave Moinier, idealizadores do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, que ajudaram o mundo a dar os primeiros passos para a regulamentação convencional dos conflitos armados e a afirmação de um direito internacional humanitário, ambos baseados em acordos internacionais (JANKOV, 2009). Também chamado de jus in bello (direito da guerra, em oposição ao jus ad bellum, direito à guerra), o Direito Internacional Humanitário é um ramo do Direito Internacional Público cuja função primária é limitar a violência na condução de conflitos armados.  Como acrescenta Mezzanotti,

“[…] é objetivo do Direito Internacional Humanitário evitar que os efeitos dos conflitos atinjam pessoas que não participam das hostilidades, tais como civis, prisioneiros, ex-combatentes, feridos, etc” (MEZZANOTTI, 2007, p. 97).

Com isso, MAZZUOLI (2011), citando o trabalho de Jorge de Miranda, destaca que, na medida que se desenvolvem as regras de proteção internacional dos direitos humanos, agiganta-se a importância da criação de tribunais internacionais de variada natureza para decidirem sobre as mais diversas questões envolvendo aspectos ligados às violações dos direitos humanos.

Inobstante a existência desse período de jurisdicionalização das relações internacionais contemporâneas,

“[…] um sério problema que atualmente se coloca no Direito Internacional Público diz respeito à concreta efetividade da proteção internacional dos direitos humanos, quando está em jogo a ocorrência de crimes bárbaros e monstruosos contra o Direito Internacional (os chamados delicta iuris gentium) que ultrajam a dignidade de toda a humanidade, tais como o genocídio, os crimes contra a paz, os crimes de guerra e os crimes de agressão” (MAZZUOLI, 2011, p. 27).

As primeiras soluções para esse problema destacado por Valério Mazzuoli surgiram com a criação dos tribunais internacionais ad hoc (após o fato) de Nuremberg, Tóquio, para a ex-Iugoslávia e Ruanda, que consubstanciavam o poder de punição do Direito Internacional – tendo como base, tratados internacionais anteriores e definições criadas especialmente para cada caso – em relação àqueles crimes que afetam a humanidade como um todo, assim chamados crimes internacionais, culminando com o Estatuto de Roma de 1998, que criou o Tribunal Penal Internacional.

Como bem fala MAZZUOLI (2011), uma das principais virtudes do Estatuto de Roma de 1998 reside na consagração do princípio segundo o qual a responsabilidade penal por atos violadores do Direito Internacional deve recair sobre os indivíduos que os perpetraram, deixando de ter efeito as eventuais imunidades e privilégios que tais indivíduos possam ostentar.

Com isso, é importantíssima a submissão dos Estados partes do TPI à sua jurisdição, seja para entregar os acusados a julgamento, seja para cumprir as decisões do órgão. Em outras palavras, os conceitos clássicos de soberania estatal, como o de Jean Bodin, segundo o qual a soberania é vontade suprema e incondicionada do Estado na sociedade (BONAVIDES, 2006, p. 133), devem ser postos de lado em prol de um bem maior, o bem da comunidade, ideia esta ainda rejeitada por vários países.

Isto posto, o presente trabalho pretende trazer à tona este tema tão pouco estudado nas universidades brasileiras, que é o Direito Internacional Penal. O foco no Tribunal Penal Internacional permitirá uma análise objetiva da sua formação histórica e dos seus princípios e elementos constituintes, em especial o princípio da responsabilidade penal internacional dos indivíduos e a importância de uma nova visão da soberania estatal no mundo moderno, visando determinar qual hipótese se aplica atualmente: a responsabilização individual penal internacional pode ser aplicada, tornando relativa a soberania estatal ou tal ideia é impraticável. O desenvolvimento se dará por meio de pesquisa bibliográfica, documental e revisão de literatura, utilizando-se o método dedutivo-comparativo para se chegar à conclusão deste estudo.

1. Soberania

Segundo Bonavides (2006), para muitos doutrinadores, “soberania” é um termo histórico e relativo.

Histórico porque a Antiguidade desconheceu tal conceito em suas diversas formas de organização política, como por exemplo, a polis grega. A noção de soberania surgiu apenas com o advento do Estado moderno.

Relativo porque, embora no início tenha sido tomada por um elemento constitutivo do Estado, essa é uma posição pouco defendida hoje, especialmente sob o prisma do Direito Internacional, uma vez que existem Estados soberanos e não soberanos.

Bonavides (2006) cunha então dois conceitos para soberania: (a) do ponto de vista externo, soberania é apenas a qualidade do poder, algo que a organização estatal pode ter ou não; (b) já a soberania interna, por sua vez, fixa a noção de predomínio que o ordenamento estatal exerce num certo território e numa determinada população sobre os demais ordenamentos sociais.

1.1 Breve evolução histórica do conceito.

Apesar dessa abordagem mais direto dos conceitos de soberania, sua ideia é demasiado complexa para se ignorar o cenário histórico que lhes deu origem.

Como lembra Bonavides (2006), o Estado antigo na concepção grega era a comunidade social perfeita, a única organização política, a qual abrangia toda a vida social do homem, sendo assim caracterizado por Aristóteles como autarquia: literalmente, um autogoverno.

Para os antigos gregos, continua o autor, o Estado representava o ambiente social onde todas as necessidades humanas poderiam ser satisfeitas, “aquela esfera dotada, em suma, de indispensável autossuficiência na qual se desenrolava o plano de vida do cidadão grego” (Bonavides, 2006, pag. 134). Assim, a Cidade-Estado grega desconhecia o conflito interno dos poderes sociais, a rivalidade de grupos ou partidos políticos que poderiam vir a ameaçar a integridade estatal.

A Idade Média tentou copiar apenas algumas coisas da organização política greco-romana. Para Bonavides, o Santo Império Romano-Germânico foi apenas abstração, “justificando assim a frase de quem afirmou que pouco tinha ele de santo e quase nada de romano e muito menos de germânico” (Bonavides, 2006, pag. 134).

Desta forma, essa organização imperial, que havia se estendido a quase toda a cristandade, era composta, entre o Império e o indivíduo, por vários poderes intermediários autônomos. Como bem destaca Bonavides (2006), a Idade Média é historicamente caracterizada como o longo período no qual a própria ideia de Estado se viu posta d elado ante a multiplicidade e a competição de poderes rivais.

Além dessa unidade de poder político praticamente inexistente, o Imperador ainda disputava a supremacia política com a Igreja Católica. Os poderes intermediários e autônomos destacados por Bonavides estavam sujeitos à autoridade do Império, pelo menos nominalmente. Somente este, na figura do Imperador, não estava sujeito a nenhuma jurisdição. Assim, diz Bonavides (2006), o princípio da soberania começa historicamente por exprimir a superioridade de um poder, sem nenhum laço de sujeição. A soberania era tomada como o mais alto poder, do latim supremitas, traço esse usado para distinguir o Estado dos demais poderes rivais naquele período.

Para Bonavides (2006),a França é o palco que gerou o conceito de soberania. A expressão souveraineté (soberania) é francesa. O primeiro grande teórico da soberania interna vem a ser Jean Bodin. Ao definir a República, Bodin fez da soberania seu elemento inseparável: “République est un droit gouvernement de plusieurs menages et de ce que leur est commun avec puisance souveraine”, ou “a República é o justo governo de muitas famílias, e do que lhe é comum, com poder soberano” (Bodin, 1583 apud Bonavides, 2006, pag. 135).

Essa teoria formulada por Bodin, em uma explicação mais simples dada por Lloyd (2000), diz que é da natureza de todo e qualquer Estado independente possuir um poder legislativo supremo e esse poder era supremo em dois aspectos: por saber que não reconhecia nenhum poder superior a ele e que sua autoridade era irrestrita. Essa teoria, em meados do século XVIII, quando os Estados Nacionais foram plenamente reconhecidos, foi tida como definitiva, noção que durou até o início do século XX.

1.2 A soberania na atualidade

Apesar dessas considerações mostrarem o panorama histórico do surgimento da ideia de soberania, é sua face externa que merece destaque a partir de agora. De fato, a soberania, em seu desenvolvimento moderno, possui dois aspectos distintos, externo e interno.

Para Lloyd (2000), o aspecto interno é o do supremo legislador nacional. Já seu aspecto externo, por outro lado, é semelhante à posição “do monarca absoluto sob um sistema tradicional de direito, que reivindica muito menos o poder de mudar a lei do que a total liberdade de ação para agir de acordo com sua vontade ou desejo” (Lloyd, 2000, pag 214). Da mesma forma, os Estados nacionais recém-formados reivindicaram total liberdade nas suas relações mútuas, tanto na guerra quanto na paz.

Assim, continua Lloyd (2000), na esfera das relações internacionais, a soberania do Estado significou que cada um era inteiramente livre para regular suas relações com outros Estados, incluindo o direito de declarar guerra ou mesmo de anexar o território do Estado derrotado.

Esse estado de ilegalidade que existia nas relações entre essas nações independentes, como lembra Ferrajoli (2002), levou ao desenvolvimento da teoria do direito natural como um meio de regular esses Estados, sendo seu primeiro expoente o espanhol Francisco de Vitoria, no século XVI. Foi estabelecida a teoria de que as nações, tal como os indivíduos antes do nascimento da sociedade civil, encontrava-se em estado de natureza em relação umas às outras, de modo que eram diretamente governadas pelo direito natural. A partir disso, tiveram início diversas tentativas de elucidar quais as normas que o direito natural impunha às nações ditas soberanas em suas relações mútuas, tendo o direito internacional moderno aí sua origem, em um momento de aparente equilíbrio entre soberania externa e relações interestatais.

Essa visão da soberania externa atinge seu auge, e, ao mesmo tempo, seu fim na primeira metade do século XX, com as duas grandes guerras (1914-1945). Para Ferrajoli (2002), seu fim é sancionado, no direito internacional, pela Carta da ONU, de 26 de junho de 1945, e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas.

Como destaca Ferrajoli (2002), esses dois documentos transformaram a ordem jurídica do mundo (pelo menos no que diz respeito às normas), levando do estado de natureza, sem nenhuma lei que limitasse os Estados, ao estado civil. A soberania passa a se submeter a duas normas fundamentais, a paz e a tutela dos direitos humanos, tornando-se inconsistente sua própria noção.

É nesse cenário que a soberania passou a ser vista como mais um empecilho para as relações interestatais do que uma característica inerente aos Estados. Ferrajoli (2002) destaca que, ao menos na teoria do direito, a soberania revelou-se um pseudoconceito, semelhante até a uma norma de categoria antijurídica. Para o autor, sua crise começa no exato momento em que a soberania, tanto interna quanto externa, entra em contato com o direito, dado que “ela é a negação deste, assim como o direito é sua negação” (Ferrajoli, 2002, pag. 44).

Isso ocorre porque a soberania é a ausência de limites e de regras, ou seja, é o contrário daquilo em que o direito consta. Tendo isso em vista, Ferrajoli (2002) diz que a história jurídica da soberania é a história de uma antinomia entre dois termos – direito e soberania —, logicamente incompatíveis e historicamente em luta entre si.

Atualmente, na esfera internacional, a soberania e sua antinomia voltaram a ser um tema recorrente.

“Hoje, a mesma antinomia é reproposta – de fato, ainda sem solução, por via das lacunas de garantias contra os atos ilícitos dos Estados que violam a paz e is direitos fundamentais – no direito internacional. E se expressa não apenas no plano jurídico, mas também no plano político. Após a descolonização promovida pelas Nações Unidas, o paradigma do Estado soberano estendeu-se no mundo todo, E, todavia, o antigo princípio vitoriano da igual soberania dos Estados, sancionado pelo artigo 2 da Carta [da ONU], e hoje, mais do que nunca, desmentido pela concreta desigualdade entre eles, fruto inevitável da prevalência da lei do mais forte e, portanto, pela existência de soberanias limitadas, repartidas, dependentes, endividadas, diferenciadas. Falar em ‘Estados soberanos’, se já não é aceito no plano da teoria do direito, também não o é no plano da teoria política. De feto, o que entrou irreversivelmente em crise, bem antes do atributo da soberania, é precisamente seu sujeito: o Estado nacional unitário e independente, cuja identidade, colocação e função precisam ser repensadas à luz da atual mudança, de fato e de direito das relações internacionais”. (FERRAJOLI, 2002, pag.45).

Como bem fala o autor, a noção de soberania absoluta não mais pertence ao ordenamento jurídico contemporâneo, devendo tal ideia ser afastada, se não de todo, pelo menos no que diz respeito à proteção da paz e da justiça da comunidade internacional.

2 Direito internacional penal.

2.1 Conceito e breve evolução histórica

Embora atualmente não exista uma definição universalmente aceita do que vem a ser “Direito Internacional Penal”, o mesmo pode ser definido como a “disciplina que obriga abriga o conjunto de normas e princípios que tipificam os crimes internacionais, julgam os acusados e punem os culpados por esses crimes”. (CRETELLA NETO, 2008, pag. 24). Um conceito simples, mas abrangente, de modo que uma análise das áreas que o originaram, o Direito Penal e o Direito Internacional Público, se faz necessária.

2.1.1 Direito Penal e Direito Internacional Público

A missão do Direito Penal pode ser resumida na proteção de bens jurídicos fundamentais ao indivíduo e a sua comunidade, por meio de regras, leis e normas, que definem e punem condutas “ofensivas à vida, a liberdade, à segurança, ao patrimônio e outros bens declarados e protegidos pela legislação”. (CRETELLA NETO, 2008, pag 23). Por esse ponto de vista, essa ciência jurídica foi, provavelmente, uma das primeiras a ser registrada na História humana.

O Livro do Gênesis (2.16/17) traz o primeiro binômio crime/punição documentado pelo Cristianismo ao relatar a expulsão de Adão e Eva do Paraíso por comer o Fruto Proibido. Também o Livro dos Mortos egípcio (1580 a.C.).), as leis da cidade babilônica de Eshunna (1780 a.C.), o brâmane Código de Manu (2º séc. a.C. – 2º séc. d.C.) e a legislação de Hamurábi (1793-1750 a.C.) contém proibições a determinadas condutas, conforme leciona Cretella Neto (2008)

Já o Direito Internacional Público é relativamente mais recente, pois sua origem pode ser situada na época da chamada paz de Westfália, em 1648.

Os chamados Tratados de Westfália, celebrados entre 14 e 24 de outubro de 1648 (de Osnabrück e Münster), colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos; com origem mais religiosa que política, a partir de 1635, tal conflito havia se transformado em uma verdadeira luta de influências, travada entre França e Espanha, da qual participaram outras nações.

Surge nesse encontro entre o Direito Penal e o Direito Internacional Público, o Direito Internacional Penal, cuja diferença entre Direito Penal Internacional deve ser discutida agora.

2.1.2. Direito Internacional Penal x Direito Penal Internacional

Avançando até as ordens jurídicas nacionais dos últimos dois séculos, o direito penal foi, aos poucos, adquirindo um prolongamento internacional, especialmente na medida que os Estados buscavam reprimir a criminalidade “internacionalizada”

“[…]Esse aspecto internacional do Direito Penal interno surge do reconhecimento de que o Direito Penal nacional pode regular condutas dirigidas contra a ordem interna do Estado marcadas por elementos estrangeiros, como a nacionalidade do acusado, a nacionalidade da vítima (…). Neste sentido, o surgimento do Direito Penal Internacional corresponde à necessária evolução do Direito penal interno para além das fronteiras territoriais do Estado, como resultado do interesse de proteção da ordem pública” (JANKOV, 2009, pg.1).

Segundo Lombois (1979 apud Cretella Neto, 2008), a principal característica do Direito Penal Internacional é que as normas aplicáveis são de Direito Interno, normas essas que se projetam para fora da esfera repressiva interna em razão de um elemento estrangeiro qualquer.

O Direito Internacional Penal, por sua vez, abrange o Direito Penal Material, o Processo Penal e a Execução, segundo a metodologia do Direito Internacional Público, ou seja, pode ser considerado o “Direito dos Crimes Internacionais” (Cretella Neto, 2008, pag. 27).

Para finalizar essa conceituação:

“O Direito Internacional Penal é um corpo de regras internacionais destinadas tanto a proibir os crimes internacionais quanto à impor aos Estados a obrigação de processar e punir ao menos alguns destes Crimes. Ele também regula os procedimentos internacionais para processar e julgar pessoas acusadas destes crimes” (CASSESE, 2003, apud JANKOV, 2009, pag. 5).

No entanto, para que se possa falar na real existência de um Direito Internacional Penal, são necessários, segundo Cretella Neto (2008), dois requisitos: a elaboração de um núcleo de normas penais voltadas à proteção dos direitos internacionais e a criação de órgãos de Justiça Internacional permanentes, que permitam a repressão à tais crimes.

2.2 OS CRIMES INTERNACIONAIS

Apesar da grande evolução do Direito Internacional Penal nas últimas décadas, ainda não existe um Código de Crimes Internacionais. Até o momento, a doutrina jurídica específica para os crimes internacionais, que forneça padrões gerais de responsabilidade para os crimes contra a comunidade internacional é quase inexistente.

Para completar esse quadro, um Tribunal Penal Internacional de caráter permanente só foi instituído em 1998, tendo entrado em vigor somente em 2002. Ainda assim, é de fundamental importância para o prosseguimento desse estudo entender os crimes internacionais, por mais (frequentemente) rudimentar que seja sua conceituação.

Segundo Cretella Neto (2008), entre 1815 e 1985, 312 instrumentos multilaterais foram criados, abrangendo 22 categorias de crimes internacionais.

“[…]A evolução dessas diferentes categorias de crimes e as convenções aplicáveis a essas condutas, no entanto, constituem um processo ad hoc, caracterizado pela falta de uniformidade e de harmonização entre as diversas convenções”.(CRETELLA NETO, 2008, pag. 29.)

Um dos mais antigos tratados sobre crimes internacionais é a Convenção para a Abolição da Escravatura e do Tráfico de Escravos por Terra e Mar, concluído em Saint-Germain-en-Laye, em 1919, o que representou o ápice do movimento pela criminalização da escravatura, que teve início no século XIX, mais precisamente com a abolição da escravatura pela Inglaterra, em 1807.

O Tratado de Versalhes, de 1919, por sua vez, dispôs que o governo alemão reconhecia o direito das potências aliadas de processar indivíduos que fossem acusados de “crimes contra as leis e costumes da guerra perante tribunais militares” (artigo 228), bem como estabeleceu a responsabilidade individual do Kaiser Guilherme II (artigo 227),

Diversas convenções multilaterais vieram sem seguida, dentre as quais, segundo Cretella Neto (2008), merecem destaque as destinadas à abolição da escravatura e do tráfico de escravos, de 1926, a Convenção para a Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas Perigosas, de 1936. No entanto, como destaca o autor, assim como outros instrumentos internacionais, seu ponto fraco era a ausência de normas para sua efetivação

Os dispositivos da Carta de Nuremberg, de 1945, reconhecidos como parte do Direito Internacional por meio da resolução 95, de 11/12/1946, afirmaram que o genocídio era crime de Direito Internacional, o que sujeitava seus autores à responsabilidade penal individual.

Decorridos mais de 50 anos dos julgamentos de Nuremberg e Tóquio, os crimes internacionais, segundo o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, são os seguintes:

– O genocídio (art. 6);

– Os crimes contra a Humanidade (art. 7);

– Os crimes de guerra (art. 8) e

– A agressão, delito esse que ainda não foi tipificado pelo TPI.

Também chamados de “crimes nucleares do Direito Internacional Penal”, esses quatro serão abordados com mais profundidade adiante. Importante destacar, porém, que esses não são os únicos crimes internacionais existentes: a doutrina enumera 25 categorias de crimes internacionais, como “tortura”, “pirataria”, dentre outros. No entanto, seu estudo não é o objeto deste trabalho.

Esses quatro crimes nucleares distinguem-se dos demais pelo caráter coletivo, público que possuem, tornando-se “crimes internacionais por natureza” (LAMBOIS, 1979, apud CRETELLA NETTO, 2008, pag. 54). Ainda segundo o autor, esses crimes são os únicos nos quais o atual Direito Internacional atribui uma responsabilidade. Os demais crimes teriam um caráter mais privado, preferindo-se remetê-los às ordens jurídicas nacionais para que estas estabeleçam as responsabilidades penais individuais.

Cretella Neto (2008) e Jankov (2009) findam por dividir os crimes internacionais em: strictu sensu, que são diretamente sancionáveis com base no Direito Internacional; os outros crimes internacionais são punidos com fundamento em legislação nacional. Também chamados de condutas de criminalidade internacional indireta, esses últimos casos são praticamente “jogados” pelo Direito Internacional aos Estados, que são obrigados a declarar criminosas certas condutas.

De acordo com essa classificação, o genocídio, os crimes contra a Humanidade e os crimes de guerra são do primeiro tipo; crimes contra o tráfego aéreo e a tortura, do segundo tipo.

Finalizando essa breve análise, para ser considerado crime internacional, três elementos devem estar presentes:

“- A norma que a conduta criminosa viola deve provir de tratados ou dos costumes internacionais, inculpando o indivíduo de forma independente de leis nacionais;

– A norma que tipifica o crime deve ter sido elaborada para que o acusado seja julgado perante um tribunal internacional, ou com base no princípio da jurisdição universal, caso julgado por um tribunal nacional, e

– A convenção internacional que determinou a responsabilidade individual pela conduta criminosa com base no Direito Internacional costumeiro deve ter sido ratificada por expressiva maioria de Estados”. (Bernhardt, 1992 apud Cretella Neto, 2008, pag. 63)

De forma mais simples, esses elementos levam a entender que se pode identificar a internacionalidade de uma conduta criminosa na medida em que provoca consequências no plano internacional, ou seja, na medida em que afeta as obrigações, direitos, ou ainda os interesses de mais de um Estado.

2.3 Os tribunais penais ad hoc: de breisach a ruanda.

Conceituado o Direito Internacional Penal e definido o Crime Internacional, uma análise de sua aplicação é essencial.

Como mostrado anteriormente, a ausência tanto de uma codificação concreta como de uma corte internacional permanente até bem pouco tempo atrás, significa que a única forma de manifestação do Direito Internacional Penal era vista nos tribunais penais ad hoc, militares em sua maioria.

Ao todo, existiram cinco comissões internacionais de investigação, quatro tribunais internacionais ad hoc e três processos determinados por convenções internacionais desde 1975. No entanto, como todos esses processos estavam ligados aos conflitos que os originaram, é necessária uma certa análise histórica para entendê-los.

2.3.1. Breisach e Versalhes

O primeiro tribunal militar internacional que se tem registro foi criado em 1474, para o julgamento de Peter von Hagenbusch, em Breisach, Alemanha, onde foi julgado por uma corte do Sacro Império Romano-Germânico, composta por 28 juízes. As acusações eram de crimes contra as leis de Deus e da Humanidade, que teriam sido cometidos pelo cavaleiro quando comandava as tropas durante a ocupação militar daquela cidade, bem como tratamento desumano dado à população civil que vivia na região.

Depois desse episódio em Breisach, a questão de uma justiça internacional só viria à tona novamente ao final da Primeira Guerra Mundial. Com o término do conflito, houve grande clamor popular para o julgamento dos considerados responsáveis pela guerra.

Durante a Conferência de Paz de Paris, em 1919, foram debatidas as possibilidades de realização de julgamentos, em especial do Kaiser Guilherme (Wilhelm) II, criminosos de guerra alemães e oficiais turcos, por crimes contra a humanidade.

As investigações feitas pela comissão de Paris/1919 terminaram em 1920. Foi apresentada uma lista com 895 supostos criminosos de guerra, que deveriam ser julgados pelo eventual tribunal Aliado. A Comissão de Investigação, conforme relata Bassiouni (1997), também buscou acusar oficiais turcos e outros indivíduos por crimes contra as leis da humanidade, baseados na chamada Cláusula Martens, presente no preâmbulo da Convenção de Haia de 1907, que diz o seguinte:

“Até a elaboração de um código de leis de guerra mais completo, as Partes Contratantes doravante declaram que, em casos não incluídos nas Regulações adotadas por elas, os habitantes e os beligerantes continuam sob a proteção e mando dos princípios do Direito das Nações, uma vez que eles resultam do uso estabelecido pelos povos civilizados, das leis da humanidade e dos ditames da consciência pública.” (BASSIOUNI, 1997. pag. 4, tradução nossa).

Ao final das discussões, foi firmado um Tratado de Paz entre os Aliados, Poderes Associados e Alemanha, em Versalhes, em 28 de junho de 1919. No artigo 227 desse tratado, era prevista a criação de um Tribunal Penal Internacional ad hoc para julgar o Kaiser, por haver iniciado a guerra, e, nos artigos 228 e 229, estava previsto o julgamento dos militares alemães, acusados de violar as leis e os costumas da guerra..

No entanto, esses artigos, tão revolucionários para a época, não foram implementados. O Kaiser procurou asilo na Holanda, onde o monarca era primo de Guilherme II. Como relata Bassiouni (1997), os Aliados pediram a rendição do monarca alemão, mas tanto ele quanto seu anfitrião se recusaram. Como resultado, não houve um pedido formal de extradição, muito menos um processo judicial em que tal pedido poderia ser negado. Ao fim desse “embate”, os aliados culparam a Holanda usaram essa desculpa para não prosseguirem com a implantação do Tribunal.

No que se refere aos demais acusados de crimes de guerra, o seu julgamento foi delegado ao Reichsgericht (a Suprema Corte alemã) em 1921. Assim, uma lista com 895 criminosos foi reduzida para 45, e desse número, apenas 12 oficiais alemães foram julgados. Muitos doutrinadores consideram esses “Julgamentos de Leipzig” uma das grandes vergonhas do direito internacional.

2.3.2. Nuremberg

As atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial atiçaram a necessidade de processos internacionais após a vitória Aliada. Em 1942 foi estabelecida a Comissão das Nações Unidas para Crimes de Guerra. Composta por representantes de 17 países, foi o primeiro passo para o estabelecimento de um tribunal internacional pós-guerra.

Segundo Bassiouni (1997), enquanto a Comissão coletava evidências, os quatro maiores poderes aliados tinham que tomar uma decisão quanto à questão do processo e julgamento dos criminosos de guerra, em especial os líderes do regime Nazista, tema este da Declaração de Moscou, assinada em 1943 por Churchill, Stalin e Roosevelt. Relembra o autor que a Inglaterra era favorável à execução sumária dos grandes criminosos de guerra, como Hitler e Himmler, alegando que “sua culpa era tão negra que estava além do alcance de qualquer processo judicial”. (Bassiouni, 1997, pag. 10, tradução nossa). Em contrapartida, os Estados Unidos, França e URSS buscavam um tribunal internacional para processar esses criminosos, o que acabou prevalecendo, de modo que o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg foi instituído em 1945.

Como bem traz Piovesan (2012), o Tribunal de Nuremberg tinha competência para julgar os crimes ao longo do nazismo, tendo sua composição e seus procedimentos básicos fixados pelo Acordo de Londres.

Nos termos do artigo 6º do Acordo de Londres, são crimes sob a jurisdição do Tribunal que demandam responsabilidade individual: a)crimes contra a paz (planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão ou para a guerra, em violação aos tratados e acordos internacionais ou participar de um plano comum ou conspiração para a realização das referidas ações); b)crimes de guerra (violações ao Direito Humanitário e ao Direito costumeiro da guerra); e c)crimes contra a Humanidade (crimes de guerra cometidos contra população civil antes ou durante a guerra, perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos.

No entanto, como bem destaca Bassiouni (1997), os julgamentos não foram sem falhas. A União Soviética usou o tribunal para reescrever a história: eles julgaram alemães por crimes cometidos pelos soviéticos, tais como o desaparecimento de aproximadamente 15.000 prisioneiros poloneses. A Grã-Bretanha temia que os julgamentos fossem utilizados como propaganda e auto-justificação pelos nazistas, o que se provou realidade quando Goering derrubou todos os argumentos da acusação apenas com retórica e atrasou o próprio julgamento por vários dias.

O Tribunal de Nuremberg indiciou 24 pessoas, das quais 22 foram julgadas. Três foram absolvidas, doze foram sentenciados à morte por enforcamento, três foram condenados à prisão perpétua. Os demais receberam sentenças que variavam de 10 a 20 anos (Hermann Goering cometeu suicídio no final de seu julgamento). Ocorre que todos os acusados eram alemães, nenhum outro nacional de outros países do Eixo europeu foi indiciado; da mesma forma, nenhum militar Aliado foi processado contra crimes de guerra contra alemães. Nas palavras de Bassiouni, “esses procedimentos, mesmo com o justo respeito aos acusados, foram unilaterais” (Bassiouni, 1997, pag. 13, tradução nossa).

Não obstante as diversas críticas que recebeu, o significado do Tribunal de Nuremberg é duplo: “não apenas consolida a ideia da necessária limitação da soberania nacional, como reconhece que os indivíduos têm personalidade jurídica na esfera internacional, contraindo direitos e obrigações”. (PIOVESAN, 2012, pag 74).

2.3.3. Tóquio

O julgamento dos crimes de guerra cometidos no chamado Fronte do Pacífico também foram julgados, nos moldes de Nuremberg (de fato, seus estatutos eram idênticos).

Em Moscou, em dezembro de 1945, foi criada a Comissão do Extremo Oriente (CEO). Ao contrário da Comissão de Crimes de Guerra das Nações Unidas, no entanto, a CEO não era um corpo investigativo e sim político, que visava estabelecer uma política de ocupação no Japão e coordenar as políticas aliadas no Extremo Oriente.

Conforme Bassiouni (1997), o controle sobre a ocupação estava com o general Douglas MacArthur, então Supremo Comandante das Forças Aliadas no Pacífico. Praticamente toda a justiça no Extremo Oriente refletia suas visões pessoais e perspectivas políticas.

Em 19 de janeiro de 1946, o General MacArthur promulgou uma ordem criando o Tribunal Militar Internacional para o Extremo Oriente em Tóquio.

Bassiouni (1997) lembra que os participantes do Tribunal de Tóquio foram escolhidos em uma base representativa, agindo como representantes de seus respectivos governos e não em capacidade individual. Isso acabou levando para a politização do órgão, o que terminou por afetar a justiça administrada pelo mesmo. Os processos eram fraudulentos em sua maioria: os indiciados eram escolhidos seguindo critérios políticos e seus julgamentos eram invariavelmente injustos. Outros, destaca o autor, como militares Aliados, sequer foram listados entre os investigados. A execução das sentenças era inconsistente, controlada pelo General MacArthur, que detinha o poder de dar clemência, reduzir sentenças e libertar criminosos de guerra condenados.

O resultado desses problemas: nenhum dos 25 condenados pelo Tribunal de Tóquio cumpriu a sentença, sendo todos libertados até o início dos anos 1950. Mesmo sendo um clone do Tribunal de Nuremberg no papel, na prática esse Tribunal não teve nenhum outro significado que não uma demonstração de força dos EUA, sem nenhuma relevância direta para a Justiça Internacional.

2.3.4. Ex-Iugoslávia

Iugoslávia (terra dos eslavos do Sul) é o termo que designava três entidades políticas separadas que existiram na Península das Bálcãs durante a maior parte do século XX, então composta pelos atuais Estados da Eslovênia, Croácia, Macedônia, Bósnia Herzegóvina, Sérvia e Montenegro.

Fato crucial que levou aos conflitos étnicos da região foi o decreto presidencial de Milosevich, de março de 1989, pelo qual foi revogado o estatuto especial de autonomia das províncias de Vojvodina e Kosovo, anteriormente reconhecido pela constituição iugoslava. Isso aumentou bastante o poder político e militar da Sérvia, o que findou por ameaçar as demais repúblicas vizinhas.

As hostilidades na região, conforme relembra Cretella Neto (2008), começaram em 25 de maio de 1991 com as declarações de independência da
Croácia e da Eslovênia. Em junho do mesmo ano, o Exército Federal interveio na Eslovênia, começando combates na Croácia por volta da mesma época.

Em 13 de julho de 1992, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a resolução 764, que declarava que os atos de violência perpetrados na ex-Iugoslávia constituem crimes internacionais, cujo cometimento gera responsabilidade penal individual.

Já em 25 de maio de 1993, por meio da resolução 827, foi criado o Tribunal Penal Internacional para a ex Iugoslávia (TPI-ex-I), com sede em Haia, Holanda.

Suas competências, conforme leciona Cretella Neto (2008), são:

– Ratione materiae: graves violações das Convenções de Genebra de 1949, violação das leis e costumes da guerra, genocídio e crimes contra a humanidade;

– Ratione temporis: crimes cometidos desde 1991;

– Ratione personae: crimes cometidos por pessoas físicas, e;

– Ratione loci: crimes cometidos no território da antiga Iugoslávia..

Seu mais famoso acusado foi Slobodan Milosevic, presidente da República Federal da Iugoslávia, preso em Belgrado, em 1/04/2001, e cujo julgamento se iniciara em 12/02/2002. Conforme preleciona Cretella Neto (2008), a ele foram imputados crimes praticados na Bósnia-Herzegóvina, Croácia e Kosovo, sendo o primeiro Chefe de Estado acusado de crimes de guerra. No entanto, durante o julgamento, Milosevic foi encontrado morto em sua cela, na prisão das Nações Unidas, em 11 de março de 2006, sendo seu processo encerrado três dias depois.

2.3.5. Ruanda

Pouco tempo depois da criação do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, o Conselho de Segurança da ONU, por meio da resolução 955, de 8 de novembro de 1994, criou o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR), cuja finalidade era contribuir para o processo de reconciliação nacional em Ruanda e para a manutenção da paz na região.

Ruanda foi palco do chamado “Genocídio de Ruanda”, o massacre de 800.000 a 1.070.000 membros da tribo Tutsi e Hotus moderados, conforme lembra Cretella Neto (2008), o que se deu em uma série de atos praticados, principalmente, por duas milícias Hutus, a Interahamwe e a Impuzamugambi, durante um período pouco superior a três meses, a partir de 06/04/1994.

Os massacres somente se encerraram quando um movimento rebelde, dominado por Tutsis, sob a liderança da de Paul Kagame, derrubou o governo Hutu e tomou o poder. De acordo com Cretella Neto (2008), por medo de represálias, milhares de Hutus fugiram para o Zaire Ocidental, que passou a se chamar de República Democrática do Congo.

As competências do TPIR são:

– Ratione materiae: genocídio, crimes contra a humanidade, violações ao Art. 3 tanto da Convenção de Genebra de 1948, quanto do Protocolo II de 1977;

– Ratione temporis: crimes cometidos entre 1/11/1994 e 31/12/1994;

– Ratione personae: crimes cometidos por ruandeses no território de Ruanda e nos territórios dos Estados vizinhos; crimes por não-ruandeses em Ruanda;

– Ratione loci: crimes cometidos em Ruanda, por ruandeses ou não, e nos territórios dos Estados vizinhos (por ruandeses).

3. O tribunal penal internacional

Aprovado em julho de 1998, em Roma, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional tinha por finalidade instituir um Tribunal Internacional Criminal de caráter permanente, dotado de personalidade jurídica própria, com sede em Haia, Holanda.

O estatuto do TPI é composto por um total de 128 artigos, com um preâmbulo e 13 partes: I – Criação do Tribunal; II – Competência, admissibilidade e direito aplicável; III – Princípios Gerais do Direito Penal; IV – Composição e administração do Tribunal; V – Inquérito e procedimento criminal; VI – Julgamento; VII – as penas.

3.1 Características e princípios fundamentais

3.1.1 Características

Conforme destaca Mazzuoli (2011), o Tribunal Internacional Penal (TPI) possui características próprias, diferentes daquelas presentes em outros tribunais internacionais, podendo se destacar três, como se verá a seguir.

Segundo o autor, a primeira característica é não ter o Tribunal sido constituído por um tratado comum, mas sim por um tratado especial de natureza centrífuga, o que o faz possuir natureza supraconstitucional, cujas normas superam todo tipo de norma de direito interno. Mazzuoli (2011) prossegue explicando que tratados ou normas de direitos humanos centrífugos são os que regem as relações jurídicas dos Estados ou dos indivíduos com a jurisdição universal. São chamados de centrífugos porque são tratados que fogem da jurisdição comum, retirando o sujeito ou o Estado de seu território para levá-lo à justiça universal. Em outras palavras, são tratados de direitos humanos que regulam situações que fogem dos limites da jurisdição doméstica da qual um Estado é parte, conduzindo o Estado ou sujeito a um órgão jurisdicional global. Como bem fala Mazzuoli (2011), o único órgão jurisdicional com alcance universal existente atualmente é o TPI, daí sua supraconstitucionalidade face aos ordenamentos estatais.

Para Mazzuoli (2011), a segunda grande característica do Tribunal é sua independência, uma vez que seu funcionamento não depende de nenhuma decisão externa, podendo demandadas nacionais de Estados não partes no Estatuto. Foi exatamente isso que ocorreu em julho de 2008, quando foi formulado um pedido de prisão cautelar contra o ditador do Sudão, Omar el Bashir, acusado de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, tendo a ONU estimado as baixas em 300 mil, sendo que 35 mil eram agricultores de três tribos. Segundo Mazzuoli (2011), em 4 de março de 2009, tendo acatado parcialmente o pedido (foi afastado o crime de genocídio), foi expedido o primeiro mandado de prisão contra um Chefe de Estado em exercício, de país não parte do Estatuto, com o objetivo de pôr fim às atrocidades massivas que estavam ocorrendo no maior país da África.

Por último, Mazzuoli (2011) destaca como terceira característica do TPI a de funcionar como justiça automática, pois diferente de outros tribunais internacionais (Corte Internacional de Justiça ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, por exemplo), ele não depende, para seu funcionamento, de qualquer aceitação do Estado da sua competência jurisdicional, passando a operar automaticamente desde sua entrada em vigor, em 1º de julho de 2002. Para o autor, isso significa dizer que, mesmo tendo o Estatuto de Roma de 1998 exigido ratificações dos Estados para entrar em vigor, o mesmo dotou o TPI de poderes que o possibilita exigir o cumprimento de uma ordem de prisão à pessoa que se encontra em território de um estado não signatário do Estatuto.

3.1.2 Princípios Fundamentais

Analisar os princípios fundamentais do Direito Penal Internacional frente ao Tribunal Penal Internacional é uma tarefa um tanto quanto complexa, uma vez que, apesar da presença daqueles na elaboração do Estatuto de Roma ser inegável, sua abordagem e interpretação sofreram mudanças significativas, como destaca o seguinte doutrinador:

“Discutir sobre o TPI e os princípios tradicionais do Direito Internacional Penal parece meio que contraditório, uma vez que o recém-formado TPI, à primeira vista, não tem nenhuma relação com esses princípios. Na verdade, acredito que a própria ideia de uma Corte Penal Internacional permanente, entendida como um instrumento judicial eficiente para combater a impunidade em escala global nos casos de sérias violações aos direitos humanos é, per definitionem, incompatível com princípios do direito internacional pena em seu sentido tradicional, uma vez que tais princípios, em particular da reciprocidade, dupla criminalidade, ne bis in idem, especialidade, não-extradição por certas ofensas (políticas), não-extradição de nacionais, são baseados no conceito de uma soberania quase absoluta dos estados, um princípio que sempre constituiu um grande obstáculo para a cooperação internacional em âmbito criminal e é oposta à própria ideia de um TPI com jurisdição universal”. (AMBOS, 2000, pag. 413)

Apesar disso, Ambos (2000) diz que é exatamente o contrário que ocorre. O TPI mostrou que é possível haver um diálogo – pelo menos inicial – entre duas ideias distintas (soberania e responsabilidade criminal internacional), o que se devem, em grande parte, à forma como interpretados seus princípios.

Assim, como destaca Boiteux (2007), são fundamentos da Corte Penal Internacional: a busca pela Paz Perpétua, a Soberania, a Cidadania, a Reserva Legal e a Complementariedade. Os princípios regentes do TPI serão apresentados adiante.

3.1.2.1 Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade, ou da reserva legal, é um princípio básico reconhecido pelo direito internacional. Como relembra Boiteux (2007), está previsto em vários outros instrumentos, como a Declaração dos Direitos do Homem e no Pacto de San Jose da Costa Rica, embora tenha sido interpretado de forma bem “liberal”, para se dizer o mínimo, pelos Tribunais Militares Internacionais de Nuremberg e Tóquio.

Ambos (1999) lembra que o Tribunal de Nuremberg rejeitou o argumento da defesa, segundo o qual a persecução dos criminosos de guerra era ex post facto, o que violava o princípio do nullum crimen sine lege praevia (e scripta), uma vez que não eram tipificados nenhum dos crimes dos quais os oficiais nazistas estavam sendo acusados.

Para Toledo (1994) apud Boiteux (2007), a concepção atual desse princípio provoca seu desmembramento em quatro outros princípios, que podem ser resumidos da seguinte forma: lex praevia, ou proibição de leis retroativas que agravem ou fundamentem a punibilidade; lex scripta, proibição da fundamentação ou agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário; lex stricta, proibição da analogia in mala partem; e lex certa, proibição de leis penais indeterminadas.

No Estatuto de Roma de 1998, o princípio da legalidade está previsto no artigo 22, que exige que não haja crime sem lei prévia e veda a analogia in mala partem, sendo a dúvida resolvida em favor do réu. Além disso, destaca Boiteux (2007), o artigo 24 estabelece que o TPI somente terá competência para julgar os crimes previstos no Estatuto após sua entrada em vigor, prevendo expressamente a retroatividade da norma penal mais benéfica.

O princípio da legalidade também se estende às penas, como previsto no artigo 23. No artigo 77, por sua vez, consta a limitação da pena de prisão para, no máximo 30 anos, sendo admissível a prisão perpétua apenas se for justificada pelo elevado grau de ilicitude do fato e pelas condições pessoais do condenado. Nesse mesmo artigo, estão previstas penas de multa e confisco, bem como perda de bens provenientes do crime.

Conforme destaca Boiteux (2007), diferentemente dos sistemas legalistas, nos quais a pena para cada delito é limitada por uma escala penal, o TPI aproxima-se do “sentencing” anglo-saxão, pois é estabelecido tão só um limite máximo de pena, aplicável a todos os crimes.

Inobstante às diversas críticas que a ausência de previsão de uma escala penal fechada para cada crime violaria o princípio da legalidade em relação à pena, Boiteux (2007) lembra que não se trata apenas de uma lei interna, mas sim de um tratado aprovado por meio de compromissos entre diferentes culturas e tradições jurídicas: seria impossível usar apenas a tradição romano-germânica de aplicação penal, sem conciliá-la com outros sistemas de igual importância.

Desta forma, finaliza Boiteux (2007), considera-se que a adoção pelo Estatuto de um sistema híbrido entre direito costumeiro e direito legislado justifica a opção por interpretar o princípio da legalidade segundo o direito penal internacional. A opção pelo sistema de “sentencing”, típico do direito anglo-saxão, a exemplo dos tribunais internacionais ad hoc, apenas segue outra tradição jurídica.

3.1.2.2 Competência, Jurisdição e Princípio da Complementariedade

Relembra Boiteux (2007) que a competência do Tribunal Penal Internacional baseia-se no princípio de que o mesmo foi criado com o consentimento daqueles que irão se submeter à sua jurisdição, ou seja, que os Estados partes concordaram que o TPI teria competência para julgar os crimes indicados no artigo 5º, devendo ser respeitada a complementariedade, nos termos do artigo 12.

No entanto, para que o TPI possa exercer sua jurisdição, conforme Boiteux (2007), devem ser avaliadas as condições prévias ao exercício da jurisdição, que são indicadas no artigo 12. Tal artigo prevê os seguintes critérios para atribuição de competência: i) ratione materiae – crimes previstos no artigo 5º do Estatuto (genocídio, crimes de guerra, contra a humanidade e agressão; ii) ratione temporis – delitos cometidos após a entrada em vigor do Estatuto de Roma e após a participação do Estado-parte; iii) ratione loci – crime praticado no território do Estado-parte ou a bordo de um navio ou aeronave pertencente a um desses Estados; iiii) ratione personae – nacionalidade do acusado.

No que se refere ao princípio da complementariedade, como destaca Boiteux (2007), este é uma inovação do Estatuto de Roma de 1998, referido no §10 do preâmbulo, expressamente previsto no artigo 1º e detalhado no artigo 17. Diferente dos tribunais ad hoc, nos quais a jurisdição internacional se sobrepõe às nacionais, a jurisdição do TPI é complementar a estas.

Para que o caso ou situação seja admitido pelo TPI, ele tem que se enquadrar nas hipóteses definidas pelo artigo 17, ou seja, (a) se não tiver sido objeto de inquérito ou procedimento criminal no estado que possuísse essa competência, não tendo sido levado adiante por falta de capacidade para tanto, causada, por exemplo, por colapso de seu Judiciário; (b) se tal Estado tenha decidido não processar essa pessoa, por falta de vontade ou por inabilidade; (c) tal indivíduo tenha sido absolvido perante a Corte Nacional, quando isso tenha acontecido com o objetivo de evitar sua condenação e barrar a atuação do Tribunal.

De acordo com o Estatuto de Roma, continua Boiteux (2007), cabe aos Estados tomarem todas as medidas, no nível interno, para investigar, acusar e julgar suspeitos de crimes graves contra a humanidade. Com isso, a jurisdição do TPI é complementar, pois só será acionada se o tribunal nacional não tiver condições de atuar no caso.

Outro aspecto determinante para que se estabeleça a competência do TPI é a gravidade do crime (art. 5º, 1). Assim, o Tribunal só será competente para julgar crimes que tenham sido praticados no âmbito de um ataque generalizado ou sistemático (artigo 7º, 1) e, nos crimes de guerra, quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política, ou como parte de uma prática de larga escala visando esse crime (artigo 8º, 1).

Interessante ressaltar que as questões relativas ao estabelecimento da competência do Tribunal, conforme lembra Boiteux, tem conexão direta com o mérito da acusação, o que significa uma atuação prévia aprofundada das possibilidades de atuação do tribunal logo no início do processo.

3.2 Regra da responsabilidade penal internacional do indivíduo

Como dito anteriormente, uma das principais virtudes do Estatuto de Roma de 1998 é a consagração do princípio que diz que a responsabilidade penal por atos violadores do Direito Internacional deve recair sobre os indivíduos que os perpetraram, passando a ignorar-se eventuais privilégios, imunidades ou até mesmo cargos oficiais que tais pessoas venham a possuir.

Segundo Mazzuoli (2011), o Tribunal Penal Internacional, nos termos do artigo 25 do Estatuto, tem competência para julgar e punir pessoas físicas, sendo individualmente responsável que cometer um crime da competência do mesmo. Assim, ficam excluídos da jurisdição do TPI qualquer sujeito de direito que não seja um ser humano (Estados, empresas, organizações internacionais, etc).

Segundo o Estatuto de Roma, leciona Mazzuoli (2011), será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: (a) cometer tal crime individualmente, em conjunto ou por intermédio de outro, quer essa pessoa seja ou não criminalmente responsável; (b) ordenar, solicitar ou instigar a prática desse crime, de forma consumada ou tentada; (c) com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de alguma forma na prática ou na tentativa de prática do crime, fornecendo meios para sua prática; e (d) contribuir, de alguma forma, para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo em comum.

O Estatuto de Roma repete a conquista do Estatuto do Tribunal de Nuremberg, no que tange às prerrogativas dos cargos oficiais ocupados por aqueles que praticaram crimes internacionais. Nos termos do artigo 27, § 1 do Estatuto de Roma, a competência do Tribunal aplica-se igualmente a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na sua qualidade oficial. Tendo isso em vista, Mazzuoli (2011) destaca que a regra imposta pelo Tribunal Penal Internacional é a da irrelevância da qualidade oficial, no que se refere à persecução, julgamento e à aplicação da pena pelo Tribunal. Ou seja, a qualidade de Chefe de Estado ou membro de governo, por exemplo, em nenhuma hipótese poderá eximir alguém de responsabilidade penal no Estatuto, e muito menos poderá ser causa para redução de pena.

4. A soberania relativa e as decisões do tribunal penal internacional

A consagração da responsabilidade penal dos indivíduos reafirma o reconhecimento da sua personalidade jurídica no Direito Internacional. Como destaca Mazzuoli (2011), falava-se anteriormente que os indivíduos teriam direitos, mas não obrigações perante a comunidade internacional.

Para a efetivação e garantia da Justiça Penal Internacional, o TPI deve ter poderes para determinar que os acusados de crimes da sua competência sejam colocados à disposição do mesmo para um julgamento. Nos termos do artigo 58. § 1º, a e b, do Estatuto de Roma de 1998, após a abertura do inquérito, o Juízo de Instrução, mediante pedido do Promotor, emitir um mandado de detenção contra uma pessoa se, conforme destaca Mazzuoli (2011), após examinar o pedido e as provas submetidas à Promotoria, considerar que existem motivos suficientes para crer que essa pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que a detenção desse sujeito se faz necessário para garantir seu comparecimento no TPI, evitando também eventuais obstruções à atuação do mesmo.

Tendo isso em vista, o Estatuto de Roma de 1998 prevê, em seu artigo 86, um regime de cooperação entre seus Estados parte, que deverão cooperar plenamente com o Tribunal, no inquérito e no procedimento criminal, em relação aos crimes da sua competência.

No entanto, isso termina por não ocorrer na prática. Para Ambos (2007), só se pode falar em aplicação direta do Direito Internacional Penal se os tribunais internacionais tiverem poderes supranacionais para impor suas próprias regras e decisões, bem como prender supostos criminosos ou executar procedimentos investigativos em territórios “soberanos”, de modo que os tribunais internacionais dependem da cooperação entre Estados nacionais, especialmente para a execução das sentenças.

Essa cooperação sofre com vários obstáculos. Todos os Estados partes do Estatuto de Roma tem a obrigação de adequar seu ordenamento jurídico interno para a implementação do TPI, mas isso foi feito por poucos, como os membros da União Europeia, Canadá e Brasil.

Surge então um problema, conforme destacado por Ambos (2007), onde o Procurador quer investigar um certo Estado, mas o mesmo não lhe da estrutura legal para a cooperação com o Tribunal Penal Internacional, o que acaba ocorrendo em países como os da África.

Ainda assim, se a cooperação legal fosse o principal problema, ainda poderia ser resolvido de forma relativamente simples. Mas alguns países simplesmente se recusam sequer a receber os investigadores do TPI em seu território, alegando que a presença deles violaria sua soberania, o que é uma tese que comum levantada por países africanos, como o Sudão, mas pelos Estados Unidos também, que após os atentados de 11 de setembro de 2001, recusou participar do Estatuto de Roma, mantendo-se inerte quanto à possibilidade de ratificação ad hoc do texto, conduzindo sua chamada “justiça internacional” da forma como lhe convém.

Mesmo com essas flagrantes violações ao seu texto, o TPI está de mãos atadas, uma vez que não possui poder de polícia para executar suas decisões. A única possibilidade, no momento, de garantir a cooperação de um Estado se dá por meio de sanções econômicas e, ainda assim, essa é uma medida temerária, pois aplicar sanções econômicas a países paupérrimos como alguns africanos seria no mínimo, antiético, e violaria a Carta de Direitos Humanos da ONU.

Em outras palavras, as decisões do Tribunal Penal Internacional, pelo menos até o momento, não podem ser cumpridas por aqueles Estados que não desejem seu cumprimento, nações estas amparadas pela noção de soberania absoluta, mesmo sua relativização sendo expressamente prevista no Estatuto de Roma de 1998.

Conclusão

 A evolução do Direito Internacional Penal foi gritante nos últimos anos: passou de uma mera teoria para um ramo do Direito Internacional Público plenamente funcional, tendo o Tribunal Penal Internacional papel deveras importante nesse processo. Atrelada a essa evolução está a mutação da noção de soberania, que passou de uma característica absoluta de todos os Estados nacionais a uma mera formalidade, especialmente nas relações internacionais, sendo prova disso o princípio da responsabilidade penal internacional do indivíduo.

A soberania pode sim ser posta de lado em prol da persecução penal de indivíduos responsáveis por crimes internacionais, mas esse ainda se revela uma tema delicado. Prova disso é que, embora seja um instituto que supera a própria noção de soberania, o Estatuto de Roma de 1998 fez várias concessões para entrar em vigor, criando o princípio da complementariedade. Essa realpolitik, como Ambos (2007) a chama, acaba sendo o grande obstáculo para a efetivação das decisões do Tribunal Penal Internacional, mas o TPI ainda é jovem, assim como o Direito Internacional Penal. A tendência da própria ideia de soberania estatal é desaparecer, o que, por sua vez, leva a crer que, com o tempo, o Tribunal realmente atuará.

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Informações Sobre o Autor

Igor Alves de Souza

Bacharel em Direito e Advogado Pós-graduando em Relações Internacionais


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