Eficácia horizontal dos direitos fundamentais nos contratos

Resumo: Este artigo faz uma análise da eficácia dos direitos fundamentais nas relações privadas. Examina-se o princípio da boa-fé objetiva à luz da legislação pátria, a partir da evolução histórica do Estado de Direito e da eficácia dos Direitos Fundamentais, diferenciando a eficácia vertical da eficácia horizontal no contexto dos contratos privados.

Palavras-chave: Eficácia horizontal. Boa-fé. Contratos. Direitos Fundamentais.

Abstract: This article aims to analyze the effects of fundamental rights in private relations. It examines objective good faith principle according to Brazilian law, based on the historical development of the rule of law and the effects of fundamental rights, by comparing the vertical and horizontal effect in private contracts.

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Key words: Horizontal effect. Good faith. Contracts. Fundamental rights.

Sumário: 1. Evolução histórica. 2. Constitucionalização do direito civil. 3. Contratos na legislação pátria e manifestação de vontade. Conclusão. Referências.

1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A concepção de eficácia dos direitos fundamentais nunca foi a mesma, trespassou diversos momentos históricos, evoluindo ao longo do tempo. Durante a Idade Média, a sociedade estava diante de um Estado Absolutista, imperava neste, a vontade universal do governante regendo a sociedade, ditando as regras. Via-se intensa opressão por parte do Estado e todo o Direito que ali era produzido, se dirigia aos súditos e tão somente a eles. Conforme preconizou Franz Neumann: “tudo o que emana do soberano é lei, porque emana do soberano”. Não há dúvidas de que um Estado deva se reger por leis, pois isso gera grande segurança jurídica, entretanto, diante deste modelo, temos um governante que legisla para se justificar, para sustentar seus atos e assim sendo, não estaríamos diante de um verdadeiro Estado de Direito, uma vez que “já se afirmou que o Estado de Direito significa que a ação governamental deve ser autorizada por lei… se o governo é, por definição, governo autorizado pela lei, o Estado de Direito parece reconduzir a uma tautologia vazia, não a um ideal político” (RAZ, 1979, p. 212-213).

Tal modelo era conhecido como rule by law, conforme indicou Brian Tamanaha e se aperfeiçoou dando lugar a um segundo modelo, o da “legalidade formal”. Neste, o governo teria a obrigação de formalizar o direito de forma geral, prospectiva, clara e certa, de forma que qualquer cidadão compreenda a lei, saiba dizer o que é o direito de cada época, que atinja a todo um grupo de indivíduos, que não seja retroativa e que traga estabilidade. Não obstante, esta concepção reduziria o Estado de Direito simplesmente à natureza das regras, às suas qualidades. A legalidade formal se tornou insuficiente, não era capaz de oferecer “quaisquer indicações acerca da proporção ou do tipo de atividades governamentais que deveriam ser regradas pelo direito” (TAMANAHA, 2004, p. 97). Este modelo se tornou bastante útil principalmente no que diz respeito à coação do Estado, a sua força coercitiva presente em punições criminais.

O terceiro modelo evolutivo, ainda formal, traz um pouco de democracia àquela legalidade estritamente formal. É relevante mencionar que democracia é materialmente formal, não especificando qual será o conteúdo de uma lei, servindo apenas como fator decisivo na escolha do procedimento adequado, este deverá então determinar o conteúdo da lei. Aquilo que a maioria decide ser o melhor é o que deve ser acatado, é essencialmente uma democracia majoritária. Os problemas disso são evidentes, bastando olhar para o próprio Brasil, diante e uma sociedade multiétnica, multicultural, ou observar países com grandes diversidades religiosas, o que acaba inviabilizando o modelo. Ademais, o excesso da democracia é autofágica. “Democracia é um mecanismo cego que não oferece qualquer garantia de produzir leis moralmente boas” (TAMANAHA, 2004, p. 101).

Os modelos formais não davam mais conta, era preciso trazer para o Estado de Direito especificações de conteúdo e não apenas de forma, de procedimento. As versões materiais incorporam as características dos modelos anteriores, mas agrega a eles uma série de direitos individuais, que complementariam o ordenamento jurídico, tornando-o, desta forma, completo, conforme Dworkin.
“Eu devo chamar a segunda concepção de Estado de Direito de concepção dos direitos. É de várias maneiras mais ambiciosa do que a concepção do livro de direito. Ela assume que os cidadãos possuem direitos e deveres morais recíprocos, bem como direitos políticos contra o Estado. Ela insiste que esses direitos morais e políticos devem ser reconhecidos como direitos, tanto quanto seja possível para que eles possam ser positivados através da demanda de indivíduos perante os tribunais ou outras instituições judiciais. O Estado de Direito nesta concepção é o ideal de governar através de uma concepção pública acurada de direitos individuais. Ela não distingue, como a concepção do livro, entre o Estado de Direito e a justiça material; ao contrário, ela requer, como parte do ideal de direito, que as normas no livro de regras captem e reforcem esses direitos morais”. (DWORKIN, 1978, p. 259-262)

O indivíduo deve ser protegido pelo Estado, uma Constituição deve trazer uma série de normas de direito fundamental, além da organização do Estado. Historicamente dizendo, os direitos individuais surgem como forma de limitar o poder do Estado. Surge aqui uma grande oposição entre direitos individuais e democracia, entre liberdade privada (autonomia) e liberdade pública. Mas, começam a surgir neste modelo sérios problemas, como o fato da informalidade das Constituições não escritas, diversas vezes possuindo direitos individuais não escritos, não previstos na Constituição. Eles poderiam ser adquiridos frente a jurisdição? Qual direito individual pode se opor à vontade da maioria? Qual o seu fundamento legitimador? Além disso, com a implosão desses direitos individuais, vê-se um desequilíbrio entre os poderes, ocorrendo uma hipertrofia do poder judiciário, demanda-se cada vez mais conhecimento sobre o direito, interpretação do direito, uma vez que esta não é automática.

Por fim, Estado de Direito evolui para mais dois modelos materiais, e são estes o nosso marco teórico. O primeiro deles ocorre na Alemanha, resolvendo um dos dilemas trazidos pelo modelo anterior. Estado e Constituição, ambos se apoiam na ideia de dignidade, que justamente por ser um conceito flexível, engloba princípios fora da Constituição, o que amplia de forma implícita os direitos fundamentais. O segundo, é observado no Brasil (com suas dificuldades), e agrega aos direitos individuais, a liberdade. Este modelo prevê direitos sociais nos mesmo nível que os direitos individuais, fornecendo capacidade aos indivíduos de exercer os seus direitos individuais, constrangendo o Estado a fazer tudo o que ele puder. Aqui, legalidade é entendido como constitucionalidade.

“O ‘conceito dinâmico’ em que o Estado de Direito se tornou na formulação da Declaração de Delhi efetivamente salvaguarda e avança os direitos civis e políticos em uma sociedade livre; mas também se ocupa do estabelecimento, pelo Estado, de condições sociais, econômicas, educacionais e culturais sob as quais as aspirações legítimas do homem e sua dignidade podem ser realizadas. Direito de expressão tem sentido para um iletrado; o direito de votar pode ser pervertido em um instrumento de tirania, exercitado por demagogos sobre um eleitorado não ilustrado; liberdade da interferência do Estado não pode significar a liberdade, dos pobres e destituídos, de passar fome.” (INTERNATIONAL COMMISSION OF JURISTS, 1959)

Não há consenso na definição da expressão “direitos fundamentais”, sendo tratada por diversos doutrinadores como sinônima de direitos humanos. Entretanto, é preciso afastar da noção de direitos fundamentais a ideia de direitos humanos, que embora pertinentes à sociedade, são pertinentes à toda humanidade em geral, tem relação com o Direito Internacional, dispostos em tratados, como é o caso da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Já os direitos fundamentais estão isentos da dependência de quaisquer condições específicas, são inerentes ao homem, basilares de qualquer indivíduo. “Compõem um núcleo intangível de direitos dos seres humanos submetidos a uma determinada ordem jurídica” (MORAES, 2010). Para os jusnaturalistas, os direitos fundamentais tem existência anterior ao próprio reconhecimento destes pelo Estado, eles antepõem-se à Constituição. A visão positivista era restrita, considerando como direitos fundamentais apenas aqueles postos como basilares na norma positiva, na Constituição. O Realismo Jurídico Americano trata os direitos fundamentais de uma forma bastante contemporânea e bastante adequada, admitindo-os como direitos fundamentais, todos os direitos conquistados pela humanidade, ao longo do tempo (CAVALCANTE FILHO, 2014).

2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL

Estamos diante de um fenômeno bastante interessante, reconhecido como Constitucionalização do Direito Civil, tendo em vista a atual força normativa da Constituição, que antes não se via, servindo ela apenas como mero direcionador, norteador, faltava obrigatoriedade, não possuía força normativa. A partir deste novo paradigma, busca-se na Constituição princípios, bases principiológicas, ideais, direitos, fundamentos para o Direito Civil. Antigamente havia uma intensa dicotomia entre “público” e “privado”. Tudo que se tratava de “privado” buscava-se exclusivamente no Código Civil, hoje essa relação está constitucionalizada. As relações privadas não mais se baseiam na pessoa do sujeito de direito, hoje isso evoluiu e é constitucionalizado, todas as discussões, mesmo que “privadas” passam por análise da Constituição.

Nas relações contratuais atuais, não existe mais a ideia de centralização na figura do contratante, como havia anteriormente, a tendência atual é buscar um equilíbrio contratual e não a centralização. No Estado Liberal, os indivíduos buscavam a satisfação de seus interesses pessoais, sem que houvesse interferência do poder público, cada vez mais a sociedade ansiava mais espaço de autonomia para desenvolver as suas atividades, o Estado era visto como inimigo a ser combativo, não podendo se sobrepor nunca às relações privadas. Neste aspecto, vemos a força do pacta sunt servanda, a autonomia para contratar era praticamente irrestrita e o contrato, como produto oriundo do acordo de vontades privadas, era fonte absoluta da verdade, não cabendo descumprimento.

É notório que grandes desequilíbrios entre as partes ocorriam, decorrentes de abusos em virtude dessa autonomia irrestrita, mas o Estado não deveria continuar sem interferir. Nessa visão, via-se uma eficácia vertical dos direitos fundamentais, pois estes serviam apenas como forma de proteção para os indivíduos, contra o Estado inimigo. Posteriormente, ficou claro que essa visão não poderia permanecer e o cenário de guerras demonstrou o grande erro da falta de interferência do Estado. Assim sendo, ocorre uma ruptura com o paradigma anterior, inserindo o direito civil na legalidade constitucional, de forma que as normas de direito civil se submetam à Constituição. Destarte, com o advento do Estado Democrático de Direito, preconizado pela nossa Constituição Federal em seu artigo 1º, a eficácia vertical dá lugar à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, uma vez que o maior predador humano é o próprio poder privado e não mais o Estado, que assume o papel de amigo, com a função de proteger a sociedade civil contra si mesma, impedindo abusos e sempre trazendo à tona direitos e garantias fundamentais nas relações contratuais.

3 CONTRATOS NA LEGISLAÇÃO PÁTRIA E MANIFESTAÇÃO DE VONTADE
É cediço na sociedade contemporânea que os contratos são negócios jurídicos que exprimem a vontade livre e desimpedida das partes de celebrar determinado acordo, concretizando uma situação desejada. No entanto, o Código Civil de 2002 impõe limitações à liberdade privada, isto é, o alvedrio das partes encontra-se restringido pelas vertentes programáticas da função social do contrato, probidade e boa-fé. Decorre, pois, que cabe aos interessados demonstrar objetivamente que sua conduta é tida como íntegra e proba, consoante ao padrão social. Além do mais, a famigerada validade do negócio jurídico enquadra os contratos em requisitos basilares quanto à capacidade civil das partes, licitude e determinação do objeto e legalidade na forma adotada. Logo, conclui-se que o paradigma normativo do diploma civilista do início do século adota princípios amplos, e com caráter de cláusulas gerais, como norteadores da sedimentação contratual o que gera legitimidade para o negócio.

O direito pátrio desencoraja atos de má-fé e desprestigia os que não atentam para o padrão objetivo da boa-fé. Isto porque, desde o direito romano atribui notoriedade àqueles que desconhecem os vícios, aqueles que pairam sobre a ignorância das máculas contratuais, ou seja, a boa-fé subjetiva, cujo correlativo antagônico é a má-fé, já é venerada e consolidada no direito romano-germânico. A boa-fé objetiva, por outra via, é realidade novel comparada à outra. Segundo ela, não é a má-fé o único limite mas também a desatenção ao padrão de conduta social de integridade e retidão, logo, não pode uma parte se valer da ignorância de determinado vício, quando o mesmo poderia ter sido conhecido por ela, segundo práticas repetitivas que consolidaram uma padronização de conduta.

Neste contexto, é relevante abordar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, vale, no momento, mencionar as repercussões jurídicas da vertente constitucional nas relações entre particulares. Há uma correspondência entre direito público e direito privado, no entanto, tal encadeamento opera horizontalmente, isto é, de forma paritária, igualmente exigível entre os pactuantes. Essa novidade decorre do fenômeno da constitucionalização do direito, como bem dispõe Cristiane Paglione Alves:

“Vivemos um momento histórico no qual a constitucionalização de todo o Direito é um fenômeno que torna imprescindível que as relações jurídicas privadas mostrem-se coerentes com os valores constitucionais, essencial se demonstra a adequada compreensão e o domínio da técnica da ponderação de interesses, como mecanismo de solução dos cada vez mais numerosos casos de conflito entre princípios constitucionais, que decorrem exatamente da aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais às relações privadas”. (ALVES, 2012)

A horizontalidade não é consenso no âmbito jurídico, pois ainda é uma tendência recente. O tradicional, fruto dos processos de evolução do Estado de Direito, é a verticalidade, isto é, o Estado com relação ao indivíduo, deve atentar-se aos limites impostos pela Carta Magna, respeitando os direitos garantidos aos sujeitos. No entanto, seria incoerente desvincular o particular do ônus de respeitar os direitos fundamentais da outra parte. Assim, neste sentido, permite-se, por exemplo, que seja arguido em juízo, num contrato de emprego, que houve descriminação quanto ao sexo, isto é, uma das partes desrespeitou o direito fundamental, constitucionalmente definido no artigo 5º inciso I da Constituição da República e por isso, pleiteia, v.g., indenização por danos morais.

É fácil observar pelos ditames do art. 5º que a escrita é, de fato, dirigida ao Poder Público, visto que, a maioria dos incisos envolve direitos públicos em relação a um dos órgãos de poder. No entanto, em alguns, é viável a transmutação do caráter publicístico para o privado, como o inciso X que trata da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, em que se é nítido a aplicabilidade do preceito em âmbito cível, envolvendo um contrato e dois particulares. Nesta hipótese, estamos diante da horizontalidade dos direitos fundamentais.

Os direitos fundamentais constituem, partindo da premissa de que há a horizontalidade fática jurídica, mais uma limitação na liberdade contratual das partes. Os contratos, assim, submetem-se às normas constitucionais que, apesar de terem idealizadas, num primeiro momento, para proteger os indivíduos das arbitrariedades estatais, são aplicáveis horizontalmente entre os indivíduos.

A boa-fé instituto eminentemente privado, está atrelada ao fenômeno da constitucionalização do direito civil, uma vez que sustenta o dever de lealdade, segundo o qual as partes devem agir de maneira compatível ao comportamento de um sujeito probo e moral. Em seu sentido mais amplo, a boa-fé impõe aos contratantes uma dose de moralidade o que é, justamente, a base da corrente constitucional dos direitos fundamentais, isto é, o indivíduo que age com boa-fé objetiva lato sensu, via de regra, busca respeitar os direitos fundamentais, não atentando contra a boa ordem e a função social dos contratos, vez que lhe interessa o equilíbrio do contrato.

A manifestação de vontade constitui a essência dos contratos, é elemento constitutivo do negócio e, por isso, deve ser exteriorizada de maneira legítima, sem ser maculada. O Código Civil de 2002 permite que a manifestação ocorra de forma expressa ou tácita, mas, é necessário que a mesma ocorra, sob pena de inexistência do negócio. Caso ocorra vício de consentimento ou vício na vontade, o negócio será passível de anulação ou de nulidade. No primeiro caso, ocorre um erro que é exteriorizado de modo distorcido, causando consequências diversas das esperadas pela parte. Já, os vícios na vontade são:

“Aqueles nos quais o ato se manifesta em consonância com a vontade anímica do agente, mas, no entanto, essa vontade é repudiada pelo ordenamento. Não se observa oposição entre a vontade íntima do agente e a vontade por ele externada, porém há dissonância entre a vontade do agente e a ordem legal14. Aqui, o real querer do agente se encontra harmonizado com a forma pela qual essa vontade se manifesta, existindo, entretanto, reprovação por parte da lei”. (SOUZA, 2011, p. 23)

O que interessa quanto à manifestação de vontade nos contratos e a horizontalidade constitucional dos direitos fundamentais é que, quando há violação destes, o contrato pode ser anulado ou declarado nulo, dependendo do caso, tal como se estivesse viciado. Além disso, o conteúdo constitucional pode ser violado de forma a causar um vício de vontade. Esses vínculos entre os institutos levam à conclusão que os direitos fundamentais são basilares do conteúdo negocial, quando desprezados geram, normalmente, conflitos entre si. Tais conflitos são resolvidos conforme a proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto, buscando-se evitar contrastes excessivos entre a condição obrigacional dos pactuantes. Assim, nem sempre é verificável uma possibilidade de anulação por causa de um conflito constitucional, mas, pode-se dizer, que se incorrer, para uma das partes, em vícios de vontade oriundo de um direito fundamental desprezado, haverá o magistrado de considerar no caso concreto a anulação do negócio.

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A eficácia horizontal dos direitos fundamentais busca criar condições de maior igualdade entre as partes, limitando a liberdade contratual privada em virtude de um bem maior. Na prática contemporânea, evidencia-se que o particular é o maior responsável por violações dos direitos fundamentais e, quanto ao Estado, não se tem mais a utopia de que ele é o maior vilão, afinal, a sociedade evoluiu e com ela os modelos de Estado. Basta acompanhar o percentual de juros bancários, já há muito considerados abusivos, que continuam aplicáveis aos mutuários. Os contratos de emprego com cláusulas agressivas ferem diretamente e em grande número os empregados, a data retroativa do termo de rescisão entre outros usos no mercado são visivelmente violadores de preceitos fundamentais, devendo, portanto, operar a eficácia horizontal para equilibrar essa relação eminentemente desequilibrada. O que se torna óbvio na sociedade atual é que o particular tem grande margem de liberdade para negociar mas essa prerrogativa tem sido utilizada de forma abusiva, excessiva e desproporcional. Não há como imaginar um contrato de adesão envolvendo direito do consumidor em que as partes se encontram em plenitude igualitária. Além do direito buscar proteger os vulneráveis, como acontece com o empregado e o consumidor, deve-se garantir a todos aqueles que contratam, ou hão de um dia contratar, um mínimo de garantia de que seus direitos constitucionalmente previstos, serão respeitados, independentemente de quão desproporcional a natureza da obrigação possa ser.

Assim, a proteção concedida pelo Estado, mediante o judiciário, aos particulares contratantes, é necessária para que seja viável chamar a ordem vigente de democrática. Essa interferência estatal não é pejorativa, muito pelo contrário, é fundamental. Ainda que pareça excessivamente paternalista, como de fato o é em determinadas circunstâncias, ela é condição para que a própria liberdade e autonomia privada sejam respeitadas de maneira eficaz. Pois, não é suficiente, pregar conceitos como igualdade e liberdade se, na prática, sempre haverá distorções materiais nos negócios, sem que haja para os hipossuficientes uma oportunidade de defesa. Com a aplicabilidade horizontal dos direitos fundamentais, o Estado garante a todos, indiscriminadamente, a proteção de que seu direito fundamental será protegido, ainda que sobressaia, no conflito de princípios, aquele que é mais benéfico à parte contrária, pois houve a possibilidade de análise jurídica concreta, como um Estado de Direito deve proporcionar.

CONCLUSÃO

Na perspectiva interdisciplinar em que o Direito se insere hoje, a eficácia horizontal caracterizou avanço fundamental na forma de o Estado Democrático de Direito ser concretizado verdadeiramente. Afinal, faz-se imperativo que os particulares possam se defender de outros, baseando-se para tal no maior instituto legislativo nacional: a Carta Magna onde estão inseridos os direitos garantidores da igualdade e liberdade. Para um contratante ser preservado em sua soberania individual ele precisa de instrumentos capazes de restringir abusos advindos da autonomia privada. Nesse sentido, os direitos fundamentais configuram garantias máximas, tanto formalmente, visto terem sido implementados pela Assembleia Nacional Constituinte Originária seguindo procedimento especial, como materialmente, constituindo limitações implícitas ao Poder Constituinte Derivado. Nenhum outro diploma é dotado de hierarquia superior, ou seja, prover aos particulares a possibilidade de invocar os direitos fundamentais a seu favor, contra outro particular, é medular, primordial, para ao restringir a liberdade, conseguir assegurá-la, propiciando maior eficácia na própria sistemática da autonomia privada.

Os direitos fundamentais aplicáveis horizontalmente aos contratos permitem ao pactuante maior margem de atuação, maior segurança, pois tem seus direitos resguardados. A partir disso, fomenta-se a confiança nas relações, maior credibilidade é aderida aos contratos. A boa-fé tem sua eficiência reforçada, na medida em que a certeza de estar protegido de relações abusivas, decorrentes da violação dos direitos constitucionais, é implementada pela possibilidade de verter a verticalidade de aplicação das garantias fundamentais ao âmbito horizontal.

Destarte, a eficiência da boa-fé junto à maior margem de liberdade do contratante, frutos do processo de “horizontalidade fundamental”, fez com que os contratos se respaldassem de legitimidade, constituindo o maior atributo da democracia presente no Estado de Direito. Aclama-se, por conseguinte, a restrição da alforria individual em prol do direito maior: a genuinidade dos direitos fundamentais garantidores da salvaguarda e da soberania do Direito Privado.
 

Referências
TAMANAHA, Brian Z.. On the Rule of Law: History, Politics, Theory. New York: Cambridge University Press, 2004. Tradução de: Christiana Renault.
RAZ, Joseph. The Rule of Law and Its Virtue. In: RAZ, Joseph. The Authority of Law. Oxford: Clarendon Press, 1979. p. 212-213. Tradução de: Christiana Renault.
DWORKIN, Ronald. Political Judges and the Rule of Law. 64 Proceedings of the British Academy 259, 1978, p. 259, 262. Tradução de: Christiana Renault.
INTERNATIONAL COMMISSION OF JURISTS, 1959, Geneva. The Rule of Law in A Free Society: A Report of the International Congress of Jurists. Tradução de: Christiana Renault.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2010
CAVALCANTE FILHO, João Trindade. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portal tvjustica/portaltvjusticanoticia/anexo/joao_trindadade__teoria_geral_dos_direitos_fundamentais.pdf>. Acesso em: 28 out. 2014.
SOUZA, Carlos Affonso Pereira de. Teoria Geral das Obrigações e dos Contratos. 2011. Disponível em: <http://academico.direito-rio.fgv.br/ccmw/images/8/80/Teoria_Geral_das_Obrigações_e_dos_Contratos.pdf>. Acesso em: 28 out. 2014.
ALVES, Cristiane Paglione. A eficácia horizontal dos direitos fundamentais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php/materias.asp?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11648&revista_caderno=9>. Acesso em: 28 out. 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 
BRASIL. Código Civil. Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002. 342 p.


Informações Sobre os Autores

Gabriela de Moura e Castro Guerra

Bacharela em Direito Faculdade de Direito Milton Campos

Thiago Dias Silva

Bacharel em Direito Faculdade de Direito Milton Campos


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