Resumo: Ao longo de várias batalhas para garantirmos a moralidade administrativa por parte do Estado, ainda sim temos resistência por parte daquele. A partir de tais fatos, surge uma das maiores inovações no ordenamento jurídico como um meio fiel de se garantir a moralidade estatal: a ação popular. Ação popular é um meio processual a que tem direito qualquer cidadão que deseje questionar judicialmente a validade de certos atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.Deve, portanto, de acordo com referido principio da moralidade administrativa, o administrador, além de seguir o que a lei determina, pautar sua conduta na moral comum, fazendo o que for melhor e mais útil ao interesse público. Tem que separar, além do bem do mal, legal do ilegal, justo do injusto, conveniente do inconveniente, também o honesto do desonesto. É a moral interna da instituição, que condiciona o exercício de qualquer dos poderes, mesmo o discricionário. Uma administração pública honesta, moral, ética, é um direito de todo cidadão. A Constituição Federal possibilita, por isso, que a moralidade administrativa seja defendida pelo próprio cidadão, através da ação popular. De fato, o inciso LXXIII do artigo 5o. da Constituição da República Federativa do Brasil autoriza qualquer cidadão propor ação popular visando anular ato lesivo à moralidade administrativa.
Palavras-chave: Ação Popular – Moralidade Administrativa – Direito individual
Abstract: Over several battles to guarantee the administrative morality by the state, but we have still resisted by that. From these facts, comes one of the greatest innovations in the legal system as a means of ensuring faithful morality state: a popular action. Class action is a procedural means you are entitled to any citizen who wishes to challenge in court the validity of certain acts deemed harmful to public property, administrative morality, the environment and the historical and cultural heritage. It is therefore, according to that principle of administrative morality, the administrator, and follow what the law requires, guided his conduct in the common moral, doing what is best and most useful to the public interest. Have to separate, beyond good and evil, legal and illegal, right from wrong, convenient inconvenient, too honest dishonest. It is the internal moral institution, which affects the exercise of any powers, even discretionary. A government honest, moral, ethical, is a right of every citizen. The Federal Constitution allows, so that the administrative morality is advocated by the citizen, by popular action. In fact, the clause of Article 5 LXXIII. Constitution of the Federative Republic of Brazil authorizes any citizen proposed class action seeking to annul an act injurious to administrative morality.
Keywords: Popular Action – Administrative Morality – Right individual
Sumário: 1 Da moralidade administrativa- 2 A ação popular – 3 O papel da ação popular como mecanismo de garantia da moralidade administrativa – 4 Conclusão – 5 Referências.
1 DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
1.1 CONCEITO DE MORALIDADE ADMINISTRATIVA APÓS A CRFB/88
A moralidade administrativa ganhou grande impulso na investigação doutrinária brasileira após sua introdução de forma expressa na Constituição Federal de 1988 – CF/88 (artigos 5º, LXXIII, e 37, caput).
A importância de se conceituar a moralidade administrativa cresceu, no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – doravante CF/88 – que a incluiu expressamente como bem jurídico a ser protegido via Ação Popular (art. 5º, LXXIII) e elevou o princípio de mesmo nome à categoria de princípio constitucional de observância obrigatória para toda a administração pública direta e indireta de todos os Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 37, caput).
NETO (1992, p. 7-8) lembra que
“o referencial da moralidade administrativa é a finalidade pública, a qual há de se compreender na apreciação dos motivos e do objeto que se pretende realizar ou se realizou com o ato.”
É o mesmo tipo de exame preconizado para detectar os vícios da discricionariedade e, melhor explicitando a teoria colocada por Franco Sobrinho, conclui que ocorre vício de moralidade administrativa e, portanto, o ato praticado não concorre para a boa administração, quando o agente pratica ato administrativo fundando-se em motivo: a) inexistente – não pode suportar a realização de qualquer finalidade pública; b) insuficiente – dificilmente suporta a realização de qualquer finalidade pública; c) inadequado – inexiste a necessária correspondência entre o que deveria motivar o ato e a natureza categorial do seu objeto;d) incompatível – não guarda adequação com o objeto do ato; ou e) desproporcional – embora declinado verdadeiramente, é erroneamente estimado pelo agente para servir de fundamento para sua ação (a valoração deve ser razoável).
DA SILVA ( 2005) ressalta que a improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem.
GIACOMUZZI (2002, p. 184) propõe uma nova visão da temática e sugere uma polissemia do signo “moralidade administrativa” na CF/88, de maneira que
“enquanto a moralidade do inciso LXXIII do art. 5º encerra uma das causas de pedir da ação popular, o caput do art. 37 da Constituição traz um princípio jurídico. Cuidemos de cada uma dessas hipóteses.”
Defende o autor que a moralidade administrativa do art. 5º é a constitucionalização de uma noção antiga vinculada à legalidade substancial do ato administrativo, pois o objeto litigioso do processo de ação popular está na lei infraconstitucional desde 1965, via LAP, especificamente nas alíneas ‘c’, ‘d’ e ‘e’ do parágrafo único do art. 2º da referida lei.
Reputamos estar com razão Giacomuzzi.
O art. 37 da CF/88 estabelece princípios, os quais possuem caráter normativo e carregam em si valores fundantes do ordenamento jurídico: são mandatos de otimização de condutas e controlam o poder discricionário do administrador. Determinam “o que deve ser”, exigem interpretação doutrinária e jurisprudencial para delimitação de seu conteúdo e sofrem adaptações evolutivas ao longo do tempo, em decorrência desses trabalhos hermenêuticos.
Dentre os princípios aplicáveis à Administração Pública, a CF/88 listou o da moralidade (e não moralidade administrativa), para o qual Giacomuzzi identifica dois aspectos: um objetivo, preenchido com a boa-fé objetiva da Administração; e outro subjetivo, relacionado com o dever de probidade do administrador público.
O modelo de Estado atual (Estado do bem estar social, modificado pelas privatizações, terceirizações e regulações do mercado), cuja Administração tem-se pautado pelo consenso e diálogo com setores da sociedade, deve basear sua conduta na honestidade, retidão, lealdade e na consideração para com os interesses dos administrados.
GIACOMUZZI (2002) ressalta que isso faz parte de sua moralidade e possui natureza eminentemente objetiva, pois independe da intenção do agente público envolvido na prática do ato administrativo.
A boa-fé objetiva da Administração aponta, ainda, para a proteção da confiança que os cidadãos depositam nos governantes, nas regulações, nas instituições e servidores públicos, nos atos e em outras medidas adotadas pela Administração Pública, e isso é proteção da moralidade exigível no agir administrativo.
ROCHA (1994, p. 190) lembra que
“(…) no Estado Moderno, especialmente com o modelo intervencionista que passou a predominar no presente século, a exigência de moralidade administrativa firmou-se como um dos baluartes da confiança do povo no próprio Estado, cujas funções são desempenhadas pelos agentes. A moralidade administrativa tornou-se não apenas Direito, mas direito público subjetivo do cidadão: todo cidadão tem direito ao governo honesto”(itálico no original).
A boa-fé objetiva, assim, exige da Administração postura honesta, leal e de consideração para com os interesses de terceiros, sendo este, em nosso entendimento, parte do mandamento veiculado pelo princípio da moralidade previsto no art. 37, da CRFB/88.
O aspecto subjetivo do princípio da moralidade, e aqui mais uma vez nos alinhamos à proposta de Giacomuzzi, refere-se ao dever de probidade administrativa, que obriga todo administrador público a pautar sua conduta de acordo com a honestidade, a retidão de caráter e a justiça, uma antítese à conduta corrupta.
A vinculação da moralidade administrativa com a corrupção e com o agir desonesto do administrador público é instintiva e corresponde ao senso comum de moralidade, como destaca Antunes Rocha (1994) “Talvez quando se fale de moralidade administrativa mais se pense em sua face inversa, na perversão de seus elementos, em seu descumprimento, que é a corrupção administrativa”.
Esta vinculação está presente, também, na Lei 8.429/1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos que não cumprem com seu dever de probidade e define como atos de improbidade administrativa: a) auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade (art. 9º); b) ensejar, por ação ou omissão, dolosa ou culposa, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º (art. 10); e c) violar, por ação ou omissão, os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 11), atos esses de nítido caráter moral, subjetivo (depende da análise da intenção do agente – dolo / culpa) e não penal48.
1.2 O CONTROLE DA MORALIDADE NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
A moralidade no âmbito da Administração Pública é uma questão que interessa não apenas ao agente público, mas prioritária e principalmente à sociedade brasileira. A afronta a este princípio agride o sentimento de justiça de um povo e coloca sob desconfiança, não apenas o ato imoral praticado, mas toda a Administração Pública e o próprio Estado.
Assim, o estabelecimento de mecanismos de controle da moralidade pública é essencial, seja ele social (por meio de denúncia aos órgãos fiscalizadores, ajuizamento de ação popular, participação em conselhos e organismos não governamentais, entre outros) ou institucional (Controle Interno, Tribunais de Contas, Poder Judiciário).
Considerando o foco deste artigo, faremos um superficial levantamento da legislação brasileira que trata do tema e traremos parte da jurisprudência de alguns tribunais nacionais como forma de apresentar o modo como a moralidade tem sido fiscalizada pelo Poder Judiciário e pelos Tribunais de Contas da União e dos Estados.
1.3 MECANISMOS DE CONTROLE DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
A Constituição Federal de 1988 traz diversos dispositivos que fazem alusão ao controle da moralidade pública. Além do art. 5º, LXXIII, que trata da ação popular, e o caput do art. 37, que faz menção ao princípio da moralidade, há que se destacar: a) o art. 37, § 4º, que fixa as sanções para os atos de improbidade administrativa; b) o art. 52, I, combinado com art. 85 (em especial inciso V), que prevêem o julgamento do Presidente e Vice-Presidente da República por crimes de responsabilidade; c) o art. 72, § 2º, que prevê a possibilidade de sustação de despesa irregular, dentre as quais podem ser incluídas as irregulares por imoralidade administrativa; d) o art. 74, § 2º, que legitima qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato a denunciar atos irregulares por desatendimento à moralidade perante o Tribunal de Contas da União; e e) o art. 142, § 3º, VII, que prevê a perda do posto e da patente para o oficial das Forças Armadas julgado indigno do oficialato.
Após a promulgação da Constituição, proliferaram, no Brasil, as normas que tutelam a moralidade administrativa, com vistas à regulamentação dos preceitos constitucionais e como resposta do legislador aos apelos e demandas populares por um Estado mais íntegro e justo.
Assim, além da recepção pela CF/88 das Leis 1.079/1950 (define os crimes de responsabilidade e fixa as sanções correspondentes) e 4.717/1965 (regulamenta a ação popular) e dos artigos do Código Penal Brasileiro que estabelecem punições para os crimes contra a Administração Pública, foram editadas a Lei 8.112/90 (estabelece, entre outros assuntos, sanções para as condutas do servidor público civil que sejam incompatíveis com a moralidade administrativa), a Lei 8.429/1992 (estabelece as sanções para os atos de improbidade administrativa), o Código de Conduta da Alta Administração Federal (estabelece regras éticas de conduta para as autoridades nomeadas pelo Presidente da República), o Decreto Federal 1.171/1994 (aprova o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal) e os Códigos de Ética dos órgãos e entidades públicos, como exemplificam a Portaria FNDE nº 283/2002, a Portaria STN nº 602/2005, o Código de Ética da Caixa, o Código de Ética dos Profissionais do BNDES, dentre outros.
A positivação de condutas imorais para possibilitar a punição de seus agentes cresceu enormemente nas últimas décadas no Brasil, seja mediante o estabelecimento de deveres de servidores, a definição de atos de improbidade ou mediante o estabelecimento de crimes de responsabilidade. Não há mais espaço para a convivência pacífica com a imoralidade na seara
pública, sendo imprescindível, agora, que o Poder Judiciário e os Tribunais de Contas façam sua parte, qual seja a de fiscalizar o respeito à moralidade e aplicar o Direito no âmbito de suas respectivas competências.
2 A AÇÃO POPULAR
A Ação Popular concede ao cidadão o direito de ir à juízo para tentar invalidar atos administrativos praticados por pessoas jurídicas de Direito Público enquanto Administração Direta e também pessoas jurídicas da Administração Indireta.
A referida ação constitucional é posta à disposição de qualquer cidadão para a tutela do patrimônio público ou de entidade que o Estado participe, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural, mediante a anulação do ato lesivo.
Dessa forma podemos concluir que a Ação Popular é um remédio constitucional, que possibilita ao cidadão brasileiro que esteja em pleno gozo de seus direitos políticos, tutele em nome próprio interesse da coletividade de forma a prevenir ou reformar atos lesivos praticados por agente públicos ou a eles equiparados por lei ou delegação, na proteção do patrimônio público ou entidade custeada pelo Estado, ou ainda a moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico cultural.
O objetivo é a prevenção ou correção de ato lesivo de caráter concreto praticado conta o patrimônio público, quando praticado contra entidade em que o Estado participe ou ainda contra o meio ambiente, ou também ato de caráter abstrato, sendo estes praticados ofendendo a moralidade administrativa e o patrimônio histórico cultural.
Os artigos 2°, 3°, 4° ambos da lei 4717/65 apresentam atos nulos, cabe ressaltar que tais artigos apresentam rol exemplificativo, de forma a ficar evidente que a ação popular é uma garantia coletiva e não política.
A doutrina clássica classifica como atos passíveis de serem anulados os decretos, as resoluções, as portarias, os contratos, os atos administrativos em geral, bem como quaisquer manifestações que demonstre a vontade da administração, desde que casem dano a sociedade.
A ação popular pode ser de natureza preventiva, de forma a não permitir que o ato aconteça causando o dano.
Pode, ainda, ser regressiva, neste caso utilizada após o ato ter sido praticado, anulando o ato indevido.
Ainda a possibilidade da ação de natureza corretiva da atividade administrativa, neste caso o ato ilegal deve estar acontecendo já há algum tempo. Não visa apenas anular tal ato, mas também corrigir os atos que estejam sendo praticados de forma ilegal.
Por ultimo, surge a possibilidade de a ação popular ter natureza supletiva da inatividade do poder público, quando a administração pública for omissa, não praticando os atos que estava obrigada a praticar. Ocorrendo isso, pode-se ajuizar ação popular com a finalidade de obrigar a administração pública para que pratique o ato que deveria e ainda não o fez.
Ação popular é assim, um meio do qual se pode valer qualquer cidadão do povo, para comparecer perante o estado juiz, referindo-lhe a existência de ato lesivo ao patrimônio público, onde quer que esteja e independentemente de quem o detenha, estendendo-se ao ataque à imoralidade administrativa ou que fira qualquer outro bem entre os que pertencem ao grupo dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.
Tal ação tem as mesmas características de todas aquelas com que alguém se volve ao Poder Judiciário, em busca do reconhecimento da detenção de um direito, ou da tutela de qualquer dos bens assim juridicamente considerados. Toda ação tem como pressuposto, que seu autor tenha interesse e legitimidade para agir. No caso desta, apenas uma condição é requerida da parte de quem a quiser ajuizar e cuja comprovação é exigida no ato: que seja eleitor. Mesmo que tenha apenas 16 anos, já que a lei faculta ao jovem dessa faixa etária, o direito de voto. E mesmo que em outros casos a lei requeira para que esteja em juízo que seja assistido pelo seu representante legal, neste caso, de tanto não depende.
A ação pode ser proposta em qualquer comarca. Na capital, o interesse da União levará o feito à uma das varas da seção judiciária, ou justiça federal. É ajuizada contra a União, o Estado ou o Município, contra a pessoa que recebe subvenção governamental e contra quem se tiver beneficiado das irregularidades que a ensejam.
Deverá ser requerida a intimação do Representante do Ministério Público para acompanhamento desde a inicial, por isto, no mesmo despacho que determina a citação, o Juiz deverá ordenar também esta intimação, sob pena de nulidade. E no caso de ter sido deferida requisição de provas por ofício, compete ao Ministério Público diligenciar para que sejam fornecidas no prazo, isto também faz parte de sua função de fiscal da lei.
Aliás, ainda é o Ministério Público que promoverá a responsabilização civil e criminal de quem a tiver, culminando por assumir a Autoria do pedido, caso seja abandonado por quem o fez e no caso de concorrente popular não se habilitar a tanto, inclusive executar a sentença . Não lhe é vedado posicionar-se pela improcedência a final, como quis o legislador, ficaria descaracterizada sua vocação constitucional. Não pode haver exceção da sua missão de fiscalizar também neste caso, a fiel observância da lei. O fato de diligenciar e buscar as provas será também para efeito de saber em favor de quem deve ser reconhecido o direito e neste sentido dizer, quando da emissão do seu parecer final.Julgando procedente a ação popular, o Juiz poderá condenar o requerido em perdas e danos, mesmo que não lhe tenha sido requerido, conforme inteligência do art. 11, sempre da mesma lei reguladora.
Entretanto, é facultado à administração, exercer o direito regressivo, no caso de culpa, quando forem funcionários os causadores do dano. O valor pode até ser descontado dos vencimentos. Entretanto, não me lembro de nenhuma ação popular em trâmite nas comarcas ou varas por onde passei. Nos ementários de jurisprudência do Tribunal de Justiça do nosso Estado, desde 1997, registra-se apenas uma revisão em ação popular. Os líderes populares a quem perguntei, pessoas ligadas a movimentos de base, foram unânimes em dizer que nunca cogitaram de propor ação popular. Houve quem acrescentasse que sequer sabiam de tal possibilidade.
Isto significa que a ação popular é um investimento a ser feito. Com certeza, se constituirá em inibição para muitos administradores, prefeitos, vereadores, que vivem à revelia das leis, como se a eles não competisse fazer só o que manda a lei.
A maioria das administrações municipais no nosso e em outros estados têm sido constantemente, como se diz: bombardeadas por acusações de irregularidades. São os gastos com obras que ninguém vê, quando vê, não correspondem ao valor gasto; são despesas que não se revertem em benefício dos munícipes; enfim, não há quem não saiba de ao menos uma irregularidade que aqui e ali se repete, enquanto seus autores prosseguem enriquecendo ilicitamente e fazendo de conta que pensam no povo.
3 O PAPEL DA AÇÃO POPULAR COMO MECANISMO DE GARANTIA DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA
A Constituição Federal ao outorgar a prerrogativa ao cidadão através da ação popular para a defesa da moralidade administrativa, considera suficiente a postulação da proteção efetiva dos valores éticos, morais, da decência e decoro, dos atos administrativos, para assim, configurar o interesse processual do autor, em favor do interesse público, e mais, sendo a moralidade elemento integrativo da legalidade, a sua ausência gera ilegalidade, bem como, a violação ao princípio da eficiência é geradora de danos patrimoniais ao Erário pela improficiência da prática do nepotismo no rendimento funcional dos serviços públicos.
Em sendo assim, o referido instrumento jurídico processual, constitui manifestação direta da soberania popular consubstanciada no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição: “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente”. Dessa forma, revela-se a Ação Popular, como uma forma de participação na vida pública, no exercício de uma função que lhe pertence primariamente, a saber, fiscalizar o poder público.
É cediço que a Constituição atual inovou ao positivar o Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa. Entretanto, surge um questionamento acerca da utilização deste princípio como causa de pedir autônoma na Ação Popular. Em outras palavras, discute-se a hipótese de certo ato, comissivo ou omissivo, violar o referido princípio e se tal fundamento pode ser utilizado como causa e pedir única em sede de Ação Popular, a saber, sem a presença da ilegalidade ou da lesividade.
De um modo geral, a jurisprudência sempre exigiu, no caso da Ação Popular, a conjugação dos dois requisitos- ilegalidade e lesividade-, sob pena de ser julgado improcedente o pedido inicial. É certo que se estabeleceu que há casos em que a lesividade é presumida, mas, mesmo em tal hipótese, há a presunção de que aquela estaria presente, jamais havendo a sua dispensa.
De acordo com o entendimento de Di Pietro (2002), a imoralidade sempre foi defendida como fundamento suficiente para a Ação Popular.
DI PIETRO (2002, p. 124) ainda afirma que
“Hoje a idéia se reforça pela norma do artigo 37, caput, da Constituição, que inclui a Moralidade como um dos princípios a que a Administração Pública está sujeita. Tornar-se-ia letra morta o dispositivo se a prática de ato imoral não gerasse a nulidade do ato da Administração. Além disso, o próprio dispositivo concernente à Ação Popular permite concluir que a imoralidade se constitui em fundamento autônomo para a propositura da Ação Popular, independentemente da demonstração de ilegalidade, ao permitir que ela tenha por objeto anular ato lesivo à Moralidade Administrativa.”
Entretanto, para melhor analisar o assunto em questão, Gomes Júnior (2001) surge com duas indagações. A primeira em relação ao fato de ser praticado um ato e este, por sua natureza jurídica e efeitos, não pudesse, nem em tese, causar qualquer tipo de prejuízo, como justificar a legação de violação aos princípios da Legalidade e Moralidade Administrativa. Uma outra questão relevante, também levantada pelo supramencionado autor, é quanto ao fato de nenhuma norma haver sido desrespeitada.
Em relação ao primeiro questionamento, torna-se possível apontar, como exemplo, a emissão de um empenho na qual tenha sido violada a regra da Antigüidade, pois, os débitos anteriores devem ser empenhados em primeiro lugar que os posteriores. Tal ato administrativo por si só, não causa qualquer tipo de prejuízo ao erário, pois a simples emissão do empenho não ocasiona responsabilidade para a Administração, haja vista a sua natureza de “ato-condição” para o pagamento, sendo que apenas este último, se efetuado sem obediência à ordem de antigüidade, é que pode ser tachado como causador de prejuízo.
Gomes Júnior (2001, p. 68) ressalta que
“Ainda que seja imoral, sob o ponto de vista administrativo, a emissão do empenho em primeiro lugar em favor dos débitos posteriores, não há qualquer prejuízo. Em tal hipótese é justificável o acolhimento do pedido em sede de Ação Popular, ainda que violado o Princípio da Moralidade Administrativa? Temos que a resposta somente pode ser negativa, até pela evidente inutilidade da demanda. De outro lado, se a lei fornece a solução, tal como no caso, não seria desnecessário o socorro ao Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa? É um ponto que o intérprete não pode ignorar.”
Dessa feita, torna-se importante a valoração do ato, sobretudo para que se possa realmente verificar se a norma foi violada.
Em se tratando da segunda hipótese, basta verificar uma situação fática em que três bairros necessitem de melhorias- água e esgoto, por exemplo- com a mesma prioridade. Possuindo o administrador um imóvel em um dos bairros, entende conveniente iniciar as melhorias neste. Tal opção não é moralmente aceitável, pois não é justo que o administrador tenha a intenção de se beneficiar com a utilização de se cargo -, mas, inexiste qualquer ilegalidade, não se justificando a sua impugnação em sede de Ação Popular.
Para o acolhimento da assertiva de ter sido violado o Princípio da Moralidade Administrativa, só prevalecem para os casos em que se pode alegar, no ato em que se impugna, algum vício de ilegalidade. O ato só pode ser anulável quando contenha algum defeito jurídico. Não basta ao autor popular afirmar que o ato atenta contra a Moralidade Administrativa; é preciso que se conjugue isso com a indicação de alguma infração à disposição de lei – lei em sentido lato, qualquer norma jurídica; do contrário, cairíamos aqui num subjetivismo total, evidentemente, não desejável, porque daria margem a aventuras jurídicas.
Em sendo assim, para que se possa acolher o pedido em Ação Popular, fundamentado na violação ao referido princípio, deve haver o desatendimento de alguma regra escrita e, ainda, a demonstração do prejuízo efetivo ou potencial, ainda que presumido, sendo este último de forma clara e precisa.
Em relação ao controle dos atos lesivos ao patrimônio público, por intermédio do supracitado instrumento, faz-se importante tecer algumas importantes considerações, conforme se vislumbra a seguir.
Na visão conceitual de Limberger (1998, p. 52)
“Ato lesivo não é somente aquele que causa prejuízo ao erário público, mas, todo aquele que ofende os princípios da Administração. Em sendo assim, para se atacar um ato, não é mais necessária a comprovação de perda monetária, bastando a simples ofensa a um dos princípios que regem a coisa pública. Dessa forma, quando o administrador deixar de realizar a licitação, quando essa se constituía em um imperativo legal, não mais se cogita da demonstração de prejuízo pecuniário, já que a lesão está na ofensa aos princípios que regem a Administração Pública.”
No entanto, também pode ocorrer que, apesar de ser pequena a lesão, a Moralidade foi em muito violada, razão pela qual se justifica a interposição da ação. Em outras hipóteses, a irregularidade administrativa pode ter sido pequena, e o Tribunal de Contas já ter aplicado uma sanção e se demonstra despicienda a propositura de demanda, apesar da independência dos juízos civil, administrativo e penal. Assim, o caso concreto é que indicará a melhor providência cabível.
Assim, se a Constituição Federal previu a necessidade de concurso para preenchimento de cargos e funções públicas, não se tem como considerar que a norma do artigo 37, § 2º, da Constituição Federal não seja auto-aplicável. Na hipótese, houve dispensa do concurso e uma ilegal designação de alguém para ocupar determinado cargo.
Foi considerado, ainda, que a lesividade é presumida quando há ofensa à Moralidade Administrativa, sendo que, no presente caso, houve prejuízo financeiro com o dispêndio dos vencimentos. A prestação de serviço com o pagamento de salário não descaracteriza a perda patrimonial para a administração e a violação da lei.
A lesividade vem presumida, conforme assente na própria estrutura da Ação Popular e reconhecido pela doutrina e jurisprudência. A consagrar entendimento de que a prestação- suposta- de serviços, por si só desnatura a lesividade e desautoriza a presunção, estará engendrando-se descabido, por óbvias e históricas razões laissez-faire administrativo. Aliás, a hipótese versada pressupõe, dentre outras, lesão à Moralidade Adminstrativa.
Assim, ainda que reconhecida a lesividade ao final do julgamento, a mesma não foi unânime. Entende-se que foi acertada a decisão que considerou o ato lesivo.
Se a Carta Constitucional preocupou-se em colocar a exigência de concurso público, não pode este ser afastado fora das previsões autorizadoras. Se tal resultou em dispêndio, como efetivamente ocorreu com a contratação de servidor, a toda evidência também se demonstra prejuízo patrimonial. Poder-se-ia alegar que o trabalho foi prestado; logo, o vencimento é devido.
É verdade que os recursos acabam tendo de ser pagos, durante o período em que houve a prestação dos serviços, sob pena de se configurar hipótese de enriquecimento sem causa para a Administração.Ocorre, porém, que a relação jurídica decorreu de ato administrativo ilegal, e, assim, a sua nulidade deve ser decretada.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após um breve estudo sobre o tema da Ação Popular, enquanto instrumento de controle dos atos lesivos ao Patrimônio Público, verificou-se a existência de decisões no sentido do reconhecimento ou não da lesividade, sempre a depender da análise do caso concreto.
Consoante relatado no presente artigo, consolidou-se no ordenamento jurídico pátrio, o entendimento de que, a Ação Popular, é a forma de controle adequada para atacar ato ilegal e lesivo ao erário público, bem quando houver violação ao Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa, constituindo, o mesmo, uma previsão inovadora em termos de direito positivado.
Tendo em vista a controvérsia suscitada acerca da utilização do supracitado princípio como fundamento autônomo para a propositura da ação, deduz-se a necessidade de haver o desatendimento de alguma regra escrita e, ainda, a demonstração do prejuízo efetivo ou potencial, ainda que presumido, sendo, este último, de forma clara e precisa.
Em relação ao binômio ‘ilegalidade-lesividade’ como causa de pedir, conclui-se que, se o ato não for ilegal, mas apenas lesivo, não poderá, por conseguinte, ser anulado em sede de Ação Popular.
Dessa feita, conclui-se que, para se atacar um ato, não é mais necessária a comprovação de perda monetária, bastando a simples ofensa a um dos princípios que regem a coisa pública, porém, sempre com um análise criteriosa de cada caso concreto.
Informações Sobre o Autor
Diego Coelho Antunes Ribeiro
Mestrando em Direito Constitucional pela UFF, Pós Graduando em Ciências Criminais pela UERJ, Pós Graduando em Direito Penal pela UGF, Advogado