Em tempos de pandemia, advogada recomenda negociação de contratos de aluguel de imóveis comerciais

Marina Luiza Amari destaca que são essenciais a razoabilidade e a boa-fé de ambas as partes, pois se trata de situação custosa tanto para locador quanto para o locatário

Advogada Marina Luiza Amari, mestranda em Direito das Relações Sociais pela UFPR (Divulgação)
Advogada Marina Luiza Amari, mestranda em Direito das Relações Sociais pela UFPR (Divulgação)

Com a paralisação temporária de serviços e atividades não essenciais no Paraná, decretada pelo governo do Estado, como medida para reduzir o contágio do novo coronavírus, cresce a preocupação em relação ao pagamento de aluguel de imóveis comerciais.

De acordo com a advogada Marina Luiza Amari, mestranda em Direito das Relações Sociais pela UFPR, se houver dificuldade de pagamento, os locatários devem contatar os locadores a fim de negociar a melhor forma de realizá-lo. “A solução dependerá de cada negócio, do valor do aluguel já praticado, do tempo de locação e do histórico contratual”, observa.

Marina Amari pondera que a geração de capital nesse período será decrescente e quase nula, sem que haja, além da oferta, pessoas com capacidade financeira para o consumo. Como medida de contenção das demissões em massa, o governo federal aprovou a Medida Provisória 936, que permite a diminuição proporcional da jornada de trabalho e dos salários, bem como a suspensão temporária do contrato de trabalho.

Segundo ela, não existe normatização a respeito de suspensão de valores e obrigações contratuais até o momento, mas aponta que está tramitando o Projeto de Lei  1.179/2020, versando sobre o regime emergencial e transitório das relações privadas no período da pandemia. Esse projeto intenta, por exemplo, que seja impossibilitada a concessão de liminares para despejo na maioria dos casos previstos pela lei, no período correspondente entre 20 de março e 30 de outubro de 2020.

Para a advogada, são essenciais a razoabilidade e a boa-fé de ambas as partes, pois se trata de situação custosa tanto para locador quanto para o locatário. “A crise afeta as duas pontas da relação locatícia. Assim como o locador esperava receber o aluguel, o locatário contava com as vendas ordinárias para honrar sua obrigação”, pondera Marina Amari, salientando que, desse modo, podem ser discutidas diversas maneiras de ajustar o acordado.

Ela exemplifica que no exercício concernente a março houve, durante cerca de 20 dias, atividade regular do comércio, já que as normas foram editadas em sua maioria nos dias 18 a 20 daquele mês. “Desse modo, a depender do comprovado impacto gerado pelos 10 dias restantes e desde que de boa-fé, pode-se pleitear o pagamento proporcional, ou com desconto, do valor do aluguel”.

Para os meses subsequentes, a depender do negócio, a advogada sugere pensar na possibilidade de suspender o pagamento com adiamento do vencimento, com eventual compensação em momento posterior; ou conferir descontos sobre o aluguel mensal e demais custos pelo tempo que perdurar a situação emergencial.

A advogada observa que a situação é excepcional e temporária, sem previsão de data para seu fim, sendo mais prudente a tratativa gradual da renegociação do aluguel, evitando-se projeções em longo prazo que possam distorcer realidades futuras. Marina Amari alerta que não há meios atuais de projetar o tamanho do impacto a ser suportado pelas partes, pois sequer existe conhecimento de quando o comércio retornará: pode se dar amanhã ou em um ou dois meses.

“Portanto, deve-se buscar, gradativamente, pactuações que não comprometam a saúde financeira do contrato, evitando-se, assim, que haja desproporção unilateral.  Em meio à crise, todos sairão prejudicados. Deve-se tentar minorar o quanto. Há um desconhecimento do que ocorrerá, mas uma esperança de que o mercado se estabilize”.

Ponto de vista legal

Marina Amari esclarece que a legislação traz a figura da revisão contratual como remédio a amparar situações nas quais há uma desconformidade entre o que foi pactuado consensualmente e a realidade do contrato em um momento posterior. “O desequilíbrio econômico-financeiro do contrato é um fato social, um problema das relações econômicas que deve ser encarado pelo Direito”, frisa.

À luz das normas do Código Civil, por uma interpretação conjunta dos dispositivos que tratam do tema, percebe-se que a revisão judicial do contrato é autorizada quando algum evento imprevisível surge, e desde que haja desproporção nas obrigações sentidas por alguma das partes. Dentro do regramento protetivo da Lei de Locações, há a previsão, para situações ordinárias, da ação revisional de aluguel. Essa demanda visa a compatibilizar o valor do aluguel ao valor de mercado, após o transcurso de três anos de contrato ou do acordo realizado entre as partes.

Como estamos diante de uma situação excepcional e urgente, e considerando que nem todas as relações locatícias contam com o período de três anos de contrato, a advogada recomenda a tentativa de renegociação extrajudicial do aluguel, conforme autorizado pelo art. 18 da Lei do Inquilinato e pelas normas gerais de revisão dos contratos inscritas no Código Civil.

A advogada ressalta que a rigor, a variação cambial, a inflação e a desvalorização do padrão monetário são acontecimentos considerados previsíveis quando da celebração de contratos empresariais, não sendo causa de revisão contratual por si só, conforme entendimento consolidado no Brasil e destacado pelo Projeto de Lei 1.179/2020. O que ocorre é que a pandemia de COVID-19 tomou dimensões inimagináveis com o fechamento das atividades mercantis, abrindo margem para que se discuta a imprevisibilidade desse acontecimento. Como bem quis enfatizar a Lei de Liberdade Econômica, a revisão contratual é medida excepcional, devendo ser discutida com as cautelas que o tema requer.

Situação de shopping centers

A advogada relata que a Associação Brasileira de Shopping Centers – Abrasce propõe algumas soluções para o enfrentamento da situação, a fim de que se evite judicialização futura desses contratos. Entre as sugestões estão a suspensão do aluguel pelo período em que as lojas permanecerem fechadas, mantendo-se, contudo, a exigibilidade para discussão em momento posterior, e a não cobrança ou a diminuição das despesas de fundo de promoção e do condomínio.

Marina Amari enfatiza que essas medidas não implicam a renúncia do direito do locador e do locatário, configurando-se, apenas, como medidas emergenciais para a solução temporária da crise enfrentada pelo setor de shopping center. “Ainda assim, não têm força obrigatória, de modo que devem ser tomadas como guias de orientação de como proceder”, avisa. Normalmente, o valor da locação das lojas nesse sistema é calculado em percentual do faturamento, com previsão de um teto mínimo. Não há receita para todos os males nem há como antever todas as particularidades de cada caso concreto, observa. “Poderão existir situações em que, prosseguindo a atividade, ela estará mitigada e, por isso, uma suspensão do valor mínimo durante o período de exceção pode ser o caminho para atender os interesses de ambos os contratantes”, pontua.

Ela alerta que é extremamente difícil e perigoso padronizar soluções para diferentes atividades econômicas e sustenta a declaração da Abrasce de que “cada praça país afora, cada shopping, cada segmento ou perfil de lojista, enfim, cada contrato individualmente considerado reflete uma realidade distinta, que só o gestor do empreendimento é capaz de compreender, no momento da escolha do caminho a seguir, nesse difícil período transitório excepcional de fechamento dos empreendimentos”.

Evitar a judicialização

Por esse motivo, embora haja tendência de que o Poder Judiciário encare a situação como um fato imprevisível, a análise da possibilidade de redução, isenção ou postergação do aluguel depende muito da relação travada entre as partes. E o mesmo se pode dizer em relação à quantificação dessa possível revisão. “Afinal, um contrato de locação que contou com reiterados descontos em favor do locatário não pode ser igualmente valorado quando comparado a um em que houve sucessivos ajustes anuais”, reconhece.

Por fim, a Marina Amari alega que é prudente que se evite a judicialização dos contratos e que as partes se antecipem e encontrem uma solução consensual apta a ajustar o desequilíbrio da relação contratual.

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