Resumo: O objetivo desta pesquisa foi estudar o instituto dos embargos de declaração, desde sua origem no plano mundial até sua introdução no sistema processual brasileiro, trazendo-se, ao final, a discussão que se refere à suspensividade ou não das decisões que forem embargadas por declaração. A primeira argumentação abordada é a que aponta pela suspensão dos efeitos da decisão com a simples interposição dos embargos de declaração, a qual é defendida majoritariamente pela doutrina e jurisprudência. Em contrapartida, configurando-se as demais hipóteses, secundárias, estão os posicionamentos dos que entendem pela possível suspensão dos efeitos do decisum, desde que aliado ao pedido expresso de suspensão, dos que entendem pela suspensão dos efeitos da decisão se esta for recorrível por algum recurso que também seja dotado de efeito suspensivo, e por fim, daqueles que asseveram que os embargos de declaração não suspendem a eficácia da decisão em nenhuma hipótese. [1]
Palavras-chave: Embargos de Declaração. Interposição. Suspensão dos Efeitos Jurídicos.
Histórico e Natureza Jurídica dos Embargos de Declaração
Primeiramente, cumpre destacar alguns pontos básicos e conceituais a respeito dos embargos de declaração. O instituto surgiu no plano mundial, em decorrência da prática no direito lusitano, se disseminando em razão da supressão dos “tribunais itinerantes” em Portugal e se estabelecendo expressa e definitivamente nas Ordenações que se surgiram.
Muito embora o direito romano tenha influenciado na formação do direito europeu e do direito brasileiro, não se pode atribuir a criação dos embargos de declaração às fontes romanas, pois suas bases vedavam aos juízes corrigir suas próprias decisões, não havendo previsão de nenhum outro instituto similar[2].
O Brasil, mesmo após a Independência com Portugal, continuou a se utilizar das leis deste país, de modo que os embargos de declaração foram inicialmente consagrados na legislação genuína brasileira pelo Regulamento 737 de 1850, sendo que posteriormente o governo tratou de editar normas disciplinadoras do processo civil com aplicação em âmbito nacional, chegando, pois, a atual redação do Código de Processo Civil de 1973.
Em suma, os embargos de declaração são o instrumento de que a parte se vale para pedir ao magistrado prolator de uma dada decisão que a esclareça, em seus pontos obscuros, ou a complete quando omissa, ou finalmente lhe repare ou elimine eventuais contradições que ela porventura contenha.
No tocante à natureza jurídica do instituto, para Wambier[3] resta claro classificar os embargos de declaração como “recursos”, na medida em que consistem num ato de iniciativa voluntária, oponíveis em qualquer grau de jurisdição e sem a instauração de uma nova relação processual, característica típica dos recursos.
Entretanto, há entendimentos divergentes quanto à natureza jurídica dos embargos. Para Cândido Rangel Dinamarco, os embargos de declaração não devem ser considerados recursos quando utilizados com a finalidade para a qual foram concebidos (esclarecer, complementar, integrar – nos casos de omissão, contradição e obscuridade), já que nestas hipóteses, não deveriam produzir alterações substanciais na decisão, não invertendo as posições de vencedor e vencido.
Posição idêntica é a dos doutrinadores Odilon Andrade, Marcos Afonso Borges, Antônio Cláudio da Costa e Sérgio Bermudes, os quais asseveram que os embargos de declaração não se enquadram entre os recursos, eis que seu objetivo não seria a modificação do que foi decidido, sendo apenas um meio formal de integração do ato decisório ou mesmo um “incidente de esclarecimento de qualquer decisão judicial”.[4]
Dada tal discussão acerca da sua natureza jurídica, se de recurso ou não, muitos questionamentos exsurgem, especialmente a respeito da aplicação do efeito suspensivo à decisão embargada por declaração, donde se extrai quatro possíveis correntes acerca do tema.
Os efeitos jurídicos com a interposição dos Embargos de Declaração
Dentre os posicionamentos, há argumentos dos que apontam pela suspensão dos efeitos da decisão com a simples interposição dos embargos de declaração (1ª corrente); dos que entendem pela possível suspensão dos efeitos do decisum, desde que aliado ao pedido expresso de suspensão (2ª corrente); dos que entendem pela suspensão dos efeitos da decisão se esta for recorrível por algum recurso que também seja dotado de efeito suspensivo (3ª corrente); e por fim, daqueles que asseveram que os embargos de declaração não suspendem a eficácia da decisão em nenhuma hipótese (4ª corrente).
Para os defensores da primeira corrente, a regra consagrada por nosso Código de Processo Civil é a de que todos os recursos são dotados de efeito suspensivo, pois, enquanto sujeita à recurso, a decisão, em princípio, não produzirá efeitos. Em alguns casos excepcionais a lei retira expressamente o efeito suspensivo do recurso (art. 520, 542, § 2º do CPC, dentre outros), conferindo-lhe apenas o denominado efeito devolutivo, permitindo que a decisão se torne eficaz antes de transitar em julgado[5].
A suspensão dos efeitos da sentença mandamental, frente à interposição de embargos de declaração, já foi objeto de análise pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Santa Catarina[6], que afastou a eficácia de ordem judicial deferida em mandado de segurança em razão de não se permitir extrair, da leitura da decisão judicial, a sua adequada compreensão.
Nesse contexto, estes doutrinadores entedem que o efeito suspensivo é inerente aos embargos de declaração, tendo em vista que a lei não o desproveu expressamente de efeito suspensivo, clarividenciando-se, pois, que para esta vertente os embargos declaratórios são considerados “recursos”.
O entendimento da segunda corrente é de que a interposição dos embargos de declaração suspende os efeitos da decisão, desde que feito pedido expressamente na petição pela parte. Tem como principal defensora a doutrinadora Teresa Arruda Alvim Wambier.
Referida jurista, ataca a argumentação dos demais doutrinadores que velam pela suspensão dos efeitos da decisão mediante a interposição dos embargos declaratórios sob o argumento de que a parte encontraria dificuldades para cumprir a decisão, justamente devido a sua falta de clareza, obscuridade ou omissões. Para a autora, há casos em que a dita contradição em elementos acidentais da decisão em nada impedem que a decisão possa ser devidamente cumprida.
Na sua visão, a forma mais acertada para o deslinde da questão é a de que deve haver o pedido expresso formulado pela parte, fundada na real impossibilidade de que a decisão seja cumprida ou na possibilidade de integral alteração da decisão em virtude do acolhimento dos embargos, de modo que, a simples interposição dos embargos declaratórios, por si só, não deve gerar a cessação dos efeitos da decisão[7].
Para os adeptos da terceira vertente doutrinária, o fato de se conferir indistintamente efeito suspensivo aos embargos de declaração, sem se observar se a decisão se recorrida nasce ou não provida de tal efeito, acaba por quebrar o vínculo havido entre a decisão e o recurso naturalmente aceito para a sua revisão, desconsiderando-se a vontade da lei, ao emprestar efeito suspensivo onde originalmente não se tem[8].
É esta aproximadamente a posição de Lopes, reforçando que “a entender de modo diverso, aberta estaria a porta à neutralização dos comandos de urgência: bastaria que vencido manejasse sucessivos embargos de declaração para livrar-se do cumprimento da obrigação o que atentaria contra a efetividade da jurisdição”.[9]
Para esta corrente, não se deve simplesmente afirmar que os embargos têm, ou que não têm, efeito suspensivo, há pois, que se levar em conta o recurso cabível contra a decisão que se quer impugnar, num primeiro momento, por meio dos embargos de declaração.
E por fim, configurando-se a quarta corrente, pode-se tomar como principal exemplo a visão do doutrinador Alberto Caminã Moreira[10], que critica a posição tomada pela grande maioria dos doutrinadores, no sentido de que os embargos de declaração têm efeito suspensivo. Observa que a maioria dos países não insere os embargos de declaração dentre os recursos, mas consideram-no um mero incidente e, seria melhor desarmar a parte desse instrumento com potencial para barrar a eficácia das decisões judiciais, independentemente de má fé do embargante, o que, em seu entender, poderia ocorrer se se passasse a não considerar os embargos de declaração como recurso.
De tal sorte, o doutrinador Silva[11] acrescenta que, ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a supressão do efeito suspensivo da apelação se restringe às minguadas hipóteses do art. 520 do CPC, nos sistemas jurídicos europeus a tendência é limitar sempre mais os casos de outorga de efeito suspensivo aos recursos, a ponto de torná-lo uma conseqüência excepcional e rara.
Considerações Finais
Diante de todos os argumentos expostos, pode-se extrair a ilação de que, para muitos e de forma majoritária, deve-se considerar de modo genérico a afirmativa de que a interposição dos embargos de declaração têm efeito suspensivo na decisão, porquanto inexiste regra processual que diga o contrário.
A questão é bastante complexa e enseja diversas interpretações, porquanto se verifica que não há um posicionamento unânime no ordenamento jurídico que supra as incertezas e traga uma saída eficaz, o que por certo só se atingirá se for editada uma norma disciplinadora.
E como a tendência no plano mundial reflete, mais cedo ou mais tarde e de alguma forma acaba por influenciar no direito interno, é importante frisar que nos sistemas jurídicos europeus, a tendência está sendo de limitar sempre mais os casos de outorga de efeito suspensivo aos recursos interpostos pelas partes litigantes, a ponto de torná-lo uma conseqüência excepcional e rara, a fim de se dar maior eficácia ao cumprimento do decisum.
Seja como for, é preciso construir o sentido da norma jurídica de forma a adequá-la dentro de um sistema concatenado e lógico, de maneira a preservar a máxima efetividade dos sistemas de direito processual, possibilitando ainda o exercício das pretensões no plano do direito material, em observância aos imperativos normativos e constitucionais.
Informações Sobre os Autores
Fernando Pagani Possamai
Fernanda Coelho Lodetti
Advogada, pós-graduanda em Processo Civil