Não, o empregador não pode exigir exame de gravidez como condição para contratação, manutenção do emprego ou promoção da trabalhadora. Tal exigência é considerada discriminatória e fere princípios constitucionais e legais que asseguram a dignidade da mulher e o direito ao trabalho, além de configurar conduta vedada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pela legislação antidiscriminatória brasileira.
A seguir, explicamos detalhadamente por que essa prática é ilegal, quais são as normas aplicáveis, como a Justiça do Trabalho trata a questão, e o que a trabalhadora pode fazer se for vítima dessa conduta.
Fundamento constitucional da proibição
A Constituição Federal de 1988 é a base principal para a proibição da exigência de exame de gravidez em processos seletivos ou no curso do contrato de trabalho. O artigo 5º garante a igualdade entre homens e mulheres em direitos e obrigações. Já o artigo 7º, inciso XXX, proíbe expressamente a diferença de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Além disso, o artigo 1º da Constituição estabelece como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, o que reforça a proteção à mulher trabalhadora contra práticas discriminatórias, como a exigência de um exame de gravidez.
Legislação trabalhista sobre o tema
A CLT também contempla dispositivos que vedam a exigência de exames discriminatórios. A Lei nº 9.029/1995 foi um marco nesse aspecto. Ela proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Em seu artigo 2º, a lei é clara ao vedar, sob qualquer pretexto, a exigência de atestados ou exames relacionados à esterilização ou estado de gravidez.
Essa lei estabelece que o empregador não pode:
Exigir teste, exame, laudo, perícia, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou à condição de gravidez;
Condicionar a contratação, manutenção do emprego ou promoção da funcionária à apresentação desses exames;
Submeter a mulher a qualquer forma de discriminação em razão de estar ou poder estar grávida.
A violação dessa norma configura crime e infração administrativa, sujeitando o empregador a sanções severas.
Responsabilidade civil e penal do empregador
Quando uma empresa exige exame de gravidez de uma candidata a emprego ou de uma funcionária, ela pode ser responsabilizada civil, penal e administrativamente. A responsabilização pode ocorrer em diferentes esferas:
Na esfera trabalhista, a trabalhadora pode entrar com uma reclamação na Justiça do Trabalho, pleiteando indenização por danos morais, além de outros direitos que foram lesados.
Na esfera civil, pode haver pedido de reparação de danos morais e materiais, se comprovado o prejuízo decorrente da conduta do empregador.
Na esfera penal, a Lei nº 9.029/1995 prevê pena de reclusão de um a dois anos e multa para o empregador que adotar essa prática discriminatória.
Exceções legais à regra
Apesar da regra geral ser a proibição, existem raríssimos casos em que pode haver a solicitação de informações relacionadas à gravidez, desde que devidamente justificadas por lei e com proteção à intimidade da trabalhadora.
Um exemplo é em concursos públicos para cargos que exijam a realização de atividades físicas de alta intensidade, como os concursos das Forças Armadas ou da Polícia Militar. Nessas hipóteses, pode haver a solicitação do exame de gravidez para preservar a saúde da gestante e do feto, especialmente antes de provas físicas. Mesmo nesses casos, o exame não pode ser usado como critério eliminatório. A gestante deve ser autorizada a realizar o teste físico em outro momento, conforme decisão judicial amplamente consolidada.
Jurisprudência sobre o tema
Os tribunais trabalhistas têm reiteradamente condenado empregadores que exigem exame de gravidez, considerando a prática como discriminatória. A seguir, alguns exemplos de decisões:
TRT da 2ª Região – São Paulo: Uma empresa foi condenada ao pagamento de R$ 30 mil de indenização por danos morais por ter exigido exame de gravidez como condição para contratação.
TST – Tribunal Superior do Trabalho: Em diversas decisões, o TST tem reafirmado a jurisprudência de que a exigência de exames de gravidez em entrevistas de emprego ou durante o contrato viola direitos fundamentais da mulher.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) também já se posicionou favoravelmente à proteção da trabalhadora contra atos discriminatórios relacionados à gravidez.
Direito à estabilidade da gestante
Uma das razões que levam alguns empregadores a tentarem obter informações sobre a gravidez é evitar o pagamento da estabilidade provisória da gestante. Essa estabilidade está prevista na Constituição Federal, artigo 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).
A estabilidade garante à gestante o direito de permanecer no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. A intenção do legislador é proteger a mãe e o bebê, assegurando a subsistência da família durante esse período vulnerável.
Essa proteção vale mesmo que a gravidez seja descoberta após a demissão, desde que ela já estivesse grávida durante o contrato. Portanto, a exigência de exame de gravidez como forma de evitar esse direito é totalmente ilegal.
Como a trabalhadora deve agir em caso de exigência ilegal
A mulher que for vítima dessa exigência pode e deve buscar seus direitos. Algumas medidas cabíveis são:
Negar a apresentação do exame: A trabalhadora não é obrigada a realizar ou entregar exames que envolvam seu estado reprodutivo ou gravidez.
Registrar denúncia no Ministério Público do Trabalho (MPT): O MPT possui canais específicos para denúncias de discriminação de gênero ou exigência de exames ilegais.
Procurar a Defensoria Pública ou um advogado trabalhista: Para propor uma ação na Justiça do Trabalho, é possível contar com apoio jurídico gratuito em algumas regiões, ou com advogado particular.
Recolher provas: Se possível, guardar documentos, mensagens, gravações ou testemunhas que comprovem a exigência indevida.
Reparação por danos morais
A exigência do exame de gravidez expõe a mulher à humilhação, ao constrangimento e à violação de sua intimidade, o que configura dano moral. A Justiça do Trabalho reconhece essa violação com frequência e vem arbitrando indenizações que variam de acordo com o grau do dano, o porte da empresa e a repercussão do caso.
Por exemplo, em uma decisão do TRT da 15ª Região, uma empresa foi condenada a pagar R$ 20 mil de indenização a uma candidata que teve seu processo seletivo interrompido após se negar a entregar o resultado de exame de gravidez.
Discriminação e desigualdade de gênero
A exigência de exame de gravidez também reflete uma cultura discriminatória em relação à mulher no ambiente de trabalho, baseada na crença de que a gravidez compromete o desempenho profissional. Essa visão não apenas viola os direitos individuais da mulher, mas também reforça desigualdades estruturais de gênero no mercado de trabalho.
Muitas mulheres deixam de ser promovidas, são preteridas em processos seletivos ou sofrem assédio moral por estarem grávidas. A legislação trabalhista, portanto, cumpre o papel de não apenas proteger a mulher individualmente, mas também de promover a equidade nas relações de trabalho.
Papéis da empresa na promoção da equidade
O empregador tem um papel ativo na criação de um ambiente de trabalho saudável e livre de discriminação. Boas práticas incluem:
Garantir que os processos seletivos sejam conduzidos de forma ética e conforme a lei
Não adotar qualquer critério relacionado à gravidez ou à capacidade reprodutiva como fator de decisão
Promover treinamentos sobre igualdade de gênero e combate à discriminação
Ter canais seguros para denúncias de práticas discriminatórias
Estabelecer políticas de apoio à maternidade e paternidade, como licença parental e flexibilização de jornada para quem tem filhos pequenos
Fiscalização e atuação do Ministério Público do Trabalho
O Ministério Público do Trabalho é o órgão responsável por fiscalizar e investigar denúncias de práticas discriminatórias, inclusive a exigência de exames ilegais. O MPT pode propor ações civis públicas contra empresas que adotam tais condutas, pedir indenizações coletivas e aplicar sanções.
Em muitos casos, o MPT celebra termos de ajustamento de conduta (TACs) com empresas infratoras, obrigando-as a modificar suas práticas e promover treinamentos internos.
Educação corporativa e cultura organizacional
A transformação cultural nas empresas é um passo fundamental para erradicar práticas como a exigência de exame de gravidez. As organizações devem investir em educação corporativa, promovendo discussões sobre diversidade, inclusão e equidade de gênero. Além disso, é fundamental que a liderança da empresa dê o exemplo, repudiando qualquer forma de discriminação.
Responsabilidade social das empresas
Empresas que adotam práticas discriminatórias estão cada vez mais expostas à rejeição de consumidores e parceiros. A responsabilidade social corporativa inclui o respeito aos direitos humanos e trabalhistas, sendo também uma exigência para certificações, auditorias ESG e parcerias internacionais. Assim, respeitar a legislação e promover a equidade de gênero não é apenas um dever legal e ético, mas também uma estratégia de reputação e sustentabilidade para o negócio.
Perguntas e respostas
Empregador pode pedir exame de gravidez antes de contratar?
Não. A exigência de exame de gravidez em processos seletivos é proibida por lei e considerada prática discriminatória.
E se a empresa alegar que é por razões de saúde?
Mesmo que a alegação seja saúde ocupacional, não se pode exigir esse tipo de exame sem autorização expressa da trabalhadora, e ainda assim não pode ser usado como critério eliminatório.
Trabalhadora pode se recusar a fazer o exame?
Sim. Ela tem o direito de recusar e não pode ser penalizada por isso.
O que fazer se fui vítima dessa exigência?
Denuncie ao Ministério Público do Trabalho, busque apoio jurídico e reúna provas. A empresa pode ser condenada e você pode ter direito a indenização.
Pode haver exceções em concursos públicos?
Sim, mas apenas para preservar a saúde da gestante, e desde que isso não afete seu direito à vaga. O exame não pode eliminar a candidata, apenas remanejar a data da prova física.
Qual a punição para a empresa?
Além de multa administrativa, pode haver condenação judicial ao pagamento de indenização e até responsabilização criminal dos gestores.
Conclusão
A exigência de exame de gravidez por parte do empregador é uma prática ilegal, discriminatória e inaceitável no ordenamento jurídico brasileiro. A legislação e a jurisprudência são claras ao proteger a dignidade e os direitos da mulher trabalhadora, garantindo-lhe igualdade de oportunidades e respeito à sua intimidade. Empresas que insistem nessa conduta não apenas ferem a lei, mas comprometem sua reputação e responsabilidade social. Já as trabalhadoras devem conhecer seus direitos e buscar amparo legal sempre que se depararem com esse tipo de violação.
A mudança começa com a informação. E ao compreender a ilegalidade dessa exigência, damos mais um passo para um mercado de trabalho mais justo, humano e igualitário.