O que é audiência de custódia?
A audiência de custódia, também chamada de audiência de apresentação, é um ato próprio do Direito Processual Penal, o qual visa garantir que o acusado por um crime, após sua prisão, seja ouvido por um juiz, para que o mesmo avalie possíveis ilegalidades ocorridas durante o procedimento da prisão.
De acordo com o Código de Processo Penal (CPP), a audiência de custódia deve ser realizada logo após a concretização da prisão, no prazo máximo de até 24 horas, para que o juiz possa avaliar se os requisitos legais foram preenchidos.
Na audiência de custódia, o juiz deverá decidir entre o relaxamento da prisão ilegal, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva ou a conceção de liberdade provisória, com ou sem fiança, até o julgamento definitivo do processo e adotará, se for o caso, as medidas cautelares cabíveis.
Além disso, o juiz poderá determinar a realização de exames médicos para certificar-se de que não houve maus-tratos ou abuso policial durante a execução do ato de prisão. Dessa forma, a audiência de custódia é utilizada como instrumento para assegurar os direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão e evitar prisões desnecessárias que acabam por agravar a superlotação carcerária.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apresentados em 2016, os estados que implementaram a audiência de custódia verificaram que 50% das prisões preventivas são desnecessárias. Ainda, estima-se que a redução do número de pessoas presas antes de terem sido condenadas gerará uma economia anual de 4,3 bilhões de reais.
Como ocorreu a implementação da audiência de custódia no Brasil?
Inicialmente, a audiência de custódia foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que através da Resolução Nº 213 de dezembro de 2015 assim determinou:
“Art. 1º Determinar que toda pessoa presa em flagrante delito, independentemente da motivação ou natureza do ato, seja obrigatoriamente apresentada, em até 24 horas da comunicação do flagrante, à autoridade judicial competente, e ouvida sobre as circunstâncias em que se realizou sua prisão ou apreensão”.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu regulamentar o procedimento da audiência de custódia para concretizar preceitos que já estavam previstos em pactos e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário. Como exemplo, é possível citar o Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos das Nações Unidas (Decreto Nº 592 de 1992), o qual previa em seu artigo 9º, item 3, que:
“Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade […]”.
No mesmo sentido, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou Pacto de São José da Costa Rica (Decreto Nº 678 de 1992), também determinava em seu artigo 7º, item 5, que:
“Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo […]”.
Ainda, em julgamento realizado no ano de 2015, o Supremo Tribunal Federal, decidiu por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 que:
“[…] aos juízes e tribunais, que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão […]”.
A implementação da audiência de custódia no Brasil teve início, de forma oficial, em 2015 através de termos de cooperação técnica entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais do país. Em fevereiro de 2015, o estado de São Paulo foi o primeiro a implementar a audiência de custódia, por meio de um projeto piloto.
Em maio e junho de 2015, Espírito Santo e Maranhão também passaram a aderir à iniciativa e em julho, mais quatro estados: Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Paraná. Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em apenas 9 meses a audiência de custódia já havia se tornado uma realidade nacional.
Então, em decorrência do desenvolvimento da implementação da audiência de custódia em todo o país, em dezembro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Resolução nº 213.
O primeiro ato normativo nacional sobre a audiência de custódia estabeleceu que cabia aos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, no prazo de 90 dias, contados a partir da entrada em vigor da Resolução, implantar a audiência de custódia no âmbito de suas respectivas jurisdições.
No entanto, a audiência de custódia foi, durante muito tempo, tema de discussão no âmbito jurídico brasileiro, muitos acreditavam que a previsão estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão do Poder Judiciário, era inconstitucional, uma vez que a Constituição Federal determina que é competência exclusiva da União, ou seja, do Poder Legislativo, legislar em matéria processual penal.
A discussão sobre a inconstitucionalidade da audiência de custódia, apenas se encerrou com a entrada em vigor do Pacote Anticrime, Lei nº 13.964 de 2019. Tal documento legal foi desenvolvido com o objetivo de aperfeiçoar a legislação penal e processual penal e, entre diversas outras mudanças, regulamentou a audiência de custódia no artigo 310, dentro do capítulo referente à prisão em flagrante, no Código de Processo Penal.
Quando ocorre a audiência de custódia?
O artigo 310 do Código de Processo Penal diz que: “Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia […]”. Apesar do artigo citado fazer referência apenas a prisão em flagrante, a audiência de custódia também deverá ser realizada em outras hipóteses.
O preso deverá ser levado para a audiência de custódia em todas as modalidades de prisão, sejam elas prisões em flagrante, prisões cautelares (preventivas e temporárias) ou prisões definitivas.
A prisão em flagrante ocorre quando o preso é pego no exato momento em que cometia um crime ou logo após a sua execução. De acordo com o artigo 302 do Código de Processo Penal, considera-se em flagrante delito quem:
⦁ Está cometendo a infração penal;
⦁ Acaba de cometê-la;
⦁ É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
⦁ É encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.
No caso da prisão em flagrante, qualquer pessoa poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito, sem que seja necessária a autorização de um juiz.
As prisões cautelares, por sua vez, são divididas em duas espécies: a prisão temporária e a prisão preventiva. A prisão preventiva ocorre para evitar que o acusado cometa novos crimes ou prejudique o andamento do processo, podendo ser decretada em qualquer momento do processo ou investigação, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Já a prisão temporária ocorre somente na fase de investigação e de acordo com a Lei Nº 7.960/89, caberá a prisão temporária:
⦁ Quando imprescindível para as investigações do inquérito policial;
⦁ Quando o indicado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade;
⦁ Quando houver fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação em crimes graves, como estupro, extorsão mediante sequestro, homicidio doloso, trafico de drogas, entre outros.
Por fim, a prisão definitiva é aquela decorrente da condenação, consiste no cumprimento da pena privativa de liberdade após a sentença final.
Além disso, o artigo 287 do Código de Processo Penal prevê a realização da audiência de custódia na hipótese de infrações inafiançáveis:
“Art. 287. Se a infração for inafiançável, a falta de exibição do mandado não obstará a prisão, e o preso, em tal caso, será imediatamente apresentado ao juiz que tiver expedido o mandado, para a realização de audiência de custódia”.
No mesmo sentido, recente decisão do Supremo Tribunal Federal afirmou que a audiência de custódia deve ser realizada em todos os tipos de prisão. Em dezembro de 2020, o ministro Edson Fachin, por meio da RCL 29303, estendeu a todo o país a determinação para que tribunais realizem audiências de custódia em todas as modalidades prisionais, inclusive prisões temporárias, preventivas e definitivas.
Como ocorre a audiência de custódia?
A audiência de custódia deve ocorrer no prazo máximo de 24 horas após a realização da prisão e o juiz, única autoridade competente para promovê-la, deverá fazê-la com a presença do acusado, seu advogado ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público.
Durante a audiência de custódia o juiz deverá, fundamentadamente: relaxar a prisão ilegal; ou converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos do artigo 312 do CPP, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Na primeira hipótese, o juiz irá relaxar a prisão, isto é, liberar o acusado de forma imediata e sem condições, se considerar que houve alguma ilegalidade durante a prisão. Nos termos do artigo 5º, inciso LXV, da Constituição Federal: “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária”.
Na segunda hipótese, o juiz converterá a prisão aplicada em prisão preventiva ou a substituirá por medidas cautelares diversas, como o comparecimento periódico em juízo, a proibição de manter contato com determinadas pessoas, a suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica, a monitoração eletrônica, entre outras.
Para a conversão em prisão preventiva deverão ser preenchidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, o qual determina que a prisão preventiva poderá ser decretada quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
Além disso, nos termos do artigo 313 do mesmo Código, será admitida a decretação de prisão preventiva nos crimes dolosos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos, se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado (salvo o disposto no art. 64 do Código Penal) e se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
No entanto, vale ressaltar que o juiz não pode decretar a prisão preventiva de ofício, ou seja, em virtude do cargo que ocupa. O juiz deverá aguardar a provocação do promotor de justiça sobre a hipótese de decretar a prisão preventiva.
Na terceira hipótese, o juiz constata que a prisão preventiva foi realizada de acordo com os preceitos legais, porém, não acredita que ela seja necessária, concedendo liberdade provisória, com ou sem fiança.
Ainda, se o juiz verificar que o agente praticou o fato em qualquer das condições excludentes de ilicitude, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos processuais, sob pena de revogação.
São excludentes de ilicitude o estado de necessidade, a legítima defesa e o estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, nesses casos a lei estabelece que não há crime e o juiz poderá conceder a liberdade provisória ao agente.
Destaca-se que a autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no prazo máximo de 24 horas, após a realização da prisão, responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão. Não sendo o juiz o único a responder pela não realização da audiência, o policial que, por exemplo, demorar mais de 24 horas para levar o preso até a delegacia também poderá responder pela sua omissão.
Por fim, o artigo 310 do Código de Processo Penal, apresentava o parágrafo 4º, o qual determinava que transcorridas 24 horas após o decurso do prazo de 24 horas após a realização da prisão, a não realização de audiência de custódia sem motivação idônea possibilitava também a ilegalidade da prisão, a ser relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata decretação de prisão preventiva.
No entanto, tal parágrafo foi suspenso pelo Supremo Tribunal Federal. O ministro Luiz Fux deferiu liminar, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.299, que suspendeu a eficácia do parágrafo 4º do artigo 310, alegando que o mesmo “[…] padece de inconstitucionalidade ao prever hipótese de soltura automática, leva em consideração prazo inflexível, e ao mesmo tempo permite o decreto de prisão preventiva sem a realização da própria audiência de custódia […]”.
O que acontece após a audiência de custódia?
De acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os resultados possíveis da audiência de custódia são:
⦁ O relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do Código de Processo Penal);
⦁ A concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do Código de Processo Penal);
⦁ A substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (arts. 310, II, parte final, e 319 do Código de Processo Penal);
⦁ A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II, parte inicial, do Código de Processo Penal);
⦁ A análise do cabimento da mediação penal, o que evita a judicialização do conflito e corrobora para a instituição de práticas restaurativas;
⦁ Encaminhamentos de natureza assistencial;
⦁ O encaminhamento de providências para a apuração de eventual prática de maus-tratos ou de tortura durante a prisão.
É possível a realização de audiência de custódia online?
Segundo o parágrafo 1º do artigo 3-B do Código de Processo Penal:
“O preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência”.
Sendo assim, em regra geral a audiência de custódia deve ser realizada de forma presencial, com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a audiência tem duração de cerca de 10 minutos e pode ser realizada inclusive nos fins de semana.
Entretanto, o Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal julgou uma ação direta de inconstitucionalidade para avaliar a constitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 3-B do CPP e, em 2021 através da Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 6.841, autorizou a realização de audiências de custódia por videoconferência, enquanto perdurar a pandemia da Covid-19.
Ainda, vale ressaltar que a audiência de custódia deve ser realizada na localidade em que ocorreu a prisão. No entanto, em outubro de 2021, decisão proferida pela Terceira Seção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), através do Conflito de Competência Nº 182.728, estabeleceu uma exceção à regra e autorizou a realização de audiência de custódia em comarca diversa do local da prisão em alguns casos, em razão da necessidade da aplicação do princípio da celeridade processual.
Conclusão
A audiência de custódia é um ato próprio do Direito Processual Penal, o qual visa garantir que o acusado por um crime, no prazo máximo de até 24 horas após sua prisão, seja ouvido por um juiz, para que o mesmo avalie possíveis ilegalidades ocorridas durante o procedimento da prisão, seja ela prisão em flagrante, prisão preventivas, prisão temporárias ou prisão definitiva.
Sendo utilizada como instrumento para assegurar os direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão e para evitar prisões desnecessárias que acabam por agravar a superlotação carcerária, a audiência de custódia colabora para redução do número de pessoas presas antes da condenação.
Na audiência de custódia o juiz poderá decretar: o relaxamento de eventual prisão ilegal, a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, a substituição da prisão por medidas cautelares diversas, a conversão da prisão em prisão preventiva, a análise do cabimento da mediação penal, o encaminhamentos de natureza assistencias e o encaminhamento de providências para a apuração de eventual prática de maus-tratos ou de tortura durante a prisão.
Por fim, vale ressaltar que a autoridade que deu causa, sem motivação idônea, à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no prazo máximo de 24 horas, após a realização da prisão, responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.