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O termo “peculato” não é comum a todos, porém, é frequentemente citado durante as notícias que envolvem casos de corrupção. Apesar da expressão “condenações por peculato” ser muito utilizada pelos canais de comunicação, as características que envolvem esse tipo penal acabam ficando em segundo plano.
Dessa forma, com o objetivo de facilitar a compreensão, de modo especial, sobre o crime de peculato culposo, serão abordados no decorrer desse artigo os seguintes tópicos:
- O que é peculato;
- O que é Administração Pública;
- Quem é considerado funcionário público;
- Quais são as modalidades de peculato;
- O peculato culposo no direito brasileiro;
- Exemplos de peculato culposo;
- Qual a diferença entre peculato e corrupção;
- Qual a diferença entre peculato, apropriação indébita e improbidade administrativa.
O que é peculato?
A palavra peculato é derivada do latim peculatus, cuja origem, por sua vez, vem de pecus. O termo pecus, em uma tradução literal, significa gado e primitivamente era a denominação dada a moeda corrente.
Em um tempo anterior à introdução da moeda, o patrimônio estatal era composto então por pecus e em razão disso, já no Direito Romano, o termo peculatus significava o furto de dinheiros públicos ou a subtração de bens pertencentes ao Estado.
Tanto o Código de Hamurabi como o Código de Manu já consideravam as subtrações de bens pertencentes ao rei como crime gravíssimo, sujeito inclusive à pena capital, assim como quase todos os crimes que ofendiam diretamente o Estado e as prerrogativas do soberano.
Na legislação brasileira, o crime de peculato esteve presente desde as Ordenações Filipinas de 1603 e a partir do Código Criminal do Império (1830) passou a fazer parte dos crimes contra o tesouro público e propriedade pública.
Atualmente, o crime de peculato está previsto no Código Penal brasileiro com a seguinte redação: “Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa”.
O crime de peculato consiste na apropriação ou desvio de dinheiro, valor ou qualquer bem móvel, para proveito próprio ou alheio, por funcionário público que os administra ou guarda em razão de seu cargo.
São duas as condutas previstas no artigo: a apropriação e desvio. Apropriar-se significa tomar para si ou tomar como propriedade sua e desviar significa alterar o destino ou desencaminhar.
Para configuração de um crime de peculato é preciso que sejam cumpridos dois requisitos principais: o agente do crime precisa ser um funcionário público que tem a posse do bem em razão da sua função ou não tendo a posse, vale-se da sua função para furtá-lo.
Embora se trate de um crime cujo sujeito ativo deve ser um funcionário público, admite-se na hipótese de concurso de pessoas o envolvimento de um particular. Assim como, o sujeito passivo deve ser o Estado, mas em alguns casos específicos, também pode ser um particular.
No peculato, é indiferente que tenha o funcionário público obtido vantagem com o crime, basta que a apropriação ou desvio do bem público tenha ocorrido com o objetivo de obter proveito próprio ou alheio.
Vale ressaltar, que o crime de peculato não abrange apenas os bens públicos, mas também os bens particulares que o funcionário público tem o dever de cuidar, como por exemplo, os bens que são confiscados pela Polícia Federal.
O que é Administração Pública?
No Código Penal brasileiro, o crime de peculato integra o Título XI – Dos crimes contra a administração pública e o Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral.
A Administração Pública possui um conceito bastante amplo, porém, de modo geral é possível classificá-la como toda atividade funcional do Estado e dos demais entes públicos. Entre os crimes contra a Administração Pública estão a corrupção, o peculato, a prevaricação e a concussão.
Além de representar toda a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para realização dos interesses coletivos, a Administração Pública abrange também o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais se atribui o desempenho da função administrativa do Estado.
A Constituição Federal estabelece cinco princípios que regem a Administração Pública: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade administrativa, a publicidade e a eficiência. Por isso, é importante que o funcionário público fique atento aos fundamentos que norteiam o bom desempenho de suas atividades.
Quem é considerado funcionário público?
De acordo com o Código Penal brasileiro, considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
O cargo público, segundo a Lei 8.112/199, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, é o conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor. São cargos criados por lei, com denominação própria e vencimento pago pelos cofres públicos, para provimento em caráter efetivo ou em comissão.
O emprego público, por sua vez, é aquele ocupado por um empregado público que pode atuar em uma entidade privada ou pública. Nesse caso, o vínculo é celetista, ou seja, regido pelas disposições da Consolidação das Leis do Trabalho.
No que diz respeito à função pública, essa pode ser temporária ou de confiança e representa um conjunto de atribuições destinadas aos agentes públicos, ou seja, todos aqueles que prestam qualquer tipo de serviço ao Estado.
Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa conceitua agente público como “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”.
O Código Penal estabelece ainda que equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. Por isso, podem ser enquadrados no crime de peculato também os funcionários de uma empresa privada que presta serviço para a Administração Pública.
Quais são as modalidades de peculato?
Peculato-apropriação (artigo 312, caput, primeira parte): ocorre quando o funcionário público apropriar-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio. Nesse caso, a pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Peculato-desvio (artigo 312, caput, segunda parte): ocorre quando o funcionário público desvia dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, em proveito próprio ou alheio. Nesse caso, a pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Peculato-furto (artigo 312, §1º): ocorre quando o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Nesse caso, a pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Peculato-culposo (artigo 312, § 2º e 3º): ocorre quando o funcionário público concorre culposamente para o crime de outrem. Nesse caso, a pena é de detenção, de três meses a um ano, e a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
Peculato-estelionato ou mediante erro de outrem (artigo 313): ocorre quando o funcionário público apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem. Nesse caso, a pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Peculato eletrônico (artigos 313-A): ocorre através da inserção de dados falsos em sistema de informações, nesse caso comete crime o funcionário público que inserir ou facilitar a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano. A pena é de reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Peculato eletrônico (artigos 313-B): ocorre através da modificação ou alteração não autorizada de sistema de informações, nesse caso comete crime o funcionário público que modificar ou alterar sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente. A pena é detenção, de três meses a dois anos, e multa, podendo ser aumentada de um terço até a metade se da modificação ou alteração resultar dano para a Administração Pública ou para o administrado.
O peculato culposo no direito brasileiro
A conduta culposa pode ser entendida como um comportamento voluntário, voltado a um determinado objetivo, o qual produz um resultado não desejado, mas previsível e evitável. O Código Penal brasileiro estabelece que verifica-se o crime culposo quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.
A imprudência é caracterizada por uma conduta ativa realizada sem cautela, cuidado ou zelo. Pressupõe uma ação precipitada, realizada sem a prudência que se era esperada.
A negligência, por sua vez, é caracterizada pelo descuido ou desatenção na execução de um ato. Ocorre quando alguém deixa de observar o dever objetivo de cuidado.
Já a imperícia representa um agir imprudente no campo da tecnicidade. É caracterizada pela falta de capacidade para o cumprimento de determinada função, devido à ausência de conhecimentos técnicos, teóricos ou práticos.
Portanto, considera-se o peculato em sua forma culposa, quando o funcionário público, devido a imprudência, negligência ou imperícia, permite involuntariamente que outro funcionário aproprie-se de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo.
De acordo com o Código Penal brasileiro: “Art. 312 – § 2º – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano”.
No peculato culposo, o funcionário público não age com o objetivo de realizar o crime, porém, ocorre uma violação do dever objetivo de cuidado, possibilitando que outra pessoa, de forma dolosa, pratique o crime.
Além disso, o artigo 312 estabelece que no caso do peculato culposo, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade e se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta
Portanto, especificamente para o peculato na forma culposa, poderá ser declarada extinta a punibilidade caso ocorra a reparação do dano até o trânsito em julgado e a pena poderá ser reduzida pela metade se a reparação do dano se dê após a sentença.
Tais benefícios existem, pois o ordenamento jurídico entende que deve prevalecer, sobre o interesse à punição, o interesse ao restabelecimento do patrimônio que foi lesado. No entanto, as eventuais sanções de ordem administrativa permanecem aplicáveis.
As sanções de ordem administrativa podem implicar, inclusive, na perda do cargo de forma definitiva. O que não impede também a incidência de indenizações específicas em favor de pessoas que tenham sido individualmente afetadas pela ação incorreta.
Por fim, vale ressaltar que está em tramitação o Projeto de Lei n° 1485, de 2020, o qual pretende dobrar as penas de prisão para diversas condutas relacionadas ao desvio de verbas destinadas a enfrentamento de estados de calamidade pública, como a pandemia de coronavírus.
De acordo com a Agência Senado, o projeto altera as penas de diversos crimes cometidos por funcionários públicos contra a administração em geral. Caso o projeto seja aprovado e depois sancionado sem alterações, a pena para o crime de peculato culposo passará a ser de até 2 anos de reclusão, para os casos que venham a ocorrer em períodos de calamidade pública.
É possível acompanhar a situação atual do Projeto de Lei n° 1485, através do site do Senado Federal ou do link: PL 1485/2020.
Exemplos de peculato culposo
Um exemplo muito comum de peculato culposo, citado com frequência pela doutrina, é o do funcionário, que por descuido, deixa aberto o cofre ou a gaveta onde está guardado o dinheiro, propiciando que outra pessoa o subtraia.
No mesmo sentido, comete crime de peculato culposo o funcionário público que deveria manter chaveado o local onde ficam depositados bens da Administração Pública, mas não o faz, possibilitando que alguém entre e tome para si o que há.
Em 2017, o portal G1 divulgou a notícia de que duas pessoas haviam sido indiciadas por peculato culposo no sumiço de 600 doses de vacina. De acordo com o delegado responsável pelo caso, as funcionárias possuíam, em razão do cargo, a posse das chaves de onde eram guardadas as vacinas e foram no mínimo negligentes.
Para acessar a notícia na íntegra basta clicar no link: Duas pessoas são indiciadas por peculato culposo no sumiço de 600 doses de vacina.
Recentemente, o Ministério Público de Santa Catarina denunciou 14 empresários e agentes públicos suspeitos de envolvimento na compra por parte do governo catarinense de 200 respiradores por R$ 33 milhões.
Entre os agentes públicos denunciados, está um ex-secretário de Estado da Saúde, que segundo as investigações, cometeu crime de peculato culposo, ainda que não exista a confirmação de que ele tenha sido diretamente beneficiado. Além disso, três servidores públicos foram denunciados por terem supostamente agido de forma negligente.
Para acessar a notícia na íntegra basta clicar no link: Compra dos respiradores em SC: MP denuncia 14 empresários e agentes públicos suspeitos de envolvimento.
Qual a diferença entre peculato e corrupção?
Ainda que o crime de peculato tenha relação com práticas corruptas, os dois tópicos constituem crimes diferentes para o direito brasileiro. A corrupção é o ato ou efeito de corromper-se, com a finalidade de obter vantagens em relação aos outros através de meios considerados ilegais.
De acordo com o artigo 333 do Código Penal, o crime de corrupção ativa é cometido por agente privado que oferece ou promete vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Por se tratar de um crime cometido por agente privado, não apresenta semelhança com o crime de peculato.
A corrupção passiva, por sua vez, apresenta alguma semelhança em relação ao peculato, visto que ambos os crimes são cometidos apenas por funcionário público. No entanto, a corrupção passiva caracteriza-se pelo ato do funcionário público de solicitar ou receber vantagem ou promessa de vantagem em troca de algum tipo de favor ou benefício ao particular.
O funcionário público comete o crime de corrupção passiva quando pede ou recebe vantagem que não lhe era devida enquanto exercia seu cargo, diferente do crime de peculato, que representa a apropriação ou desvio de bem público. Todavia, não descarta-se a possibilidade de que os dois crimes ocorram em conjunto.
Qual a diferença entre peculato, apropriação indébita e improbidade administrativa?
O crime de apropriação indébita está previsto no artigo 168 do Código Penal e confere pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa para aquele que apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção.
Para a configuração deste tipo penal é preciso que existam três elementos: o ato de se apropriar de coisa móvel alheia; no momento da apropriação, o agente deve ter a posse ou detenção de coisa obtida por meio legítimo; e a intenção de ter a coisa para si.
Portanto, enquanto no peculato o autor deve ser um servidor público e a vítima deve ser a Administração Pública, na apropriação indébita não existe essa particularidade, o crime pode ser praticado por qualquer pessoa contra o patrimônio, inclusive por um particular. Além disso, o crime de apropriação indébita não existe na forma culposa.
O crime de improbidade administrativa representa o ato ilegal ou contrário aos principios básicos da Administração Pública, cometido por agente público durante o exercício de sua função. Porém, na improbidade administrativa ocorre uma infração civil, enquanto no peculato ocorre uma infração penal. Assim, é possível que o funcionário público responda pelo mesmo mesmo ato ilícito tanto na Justiça Civil quanto na Justiça Criminal.