Estado, Mercado e Direito: Uma análise crítica da obra de Rolf Kuntz

Resumo: O presente estudo propor-se a questionar como o jusfilósofo Rolf Kuntz observa a incidência de fatores interligados entre o Estado, o Mercado e os Direitos. Assim, a presente análise condiz a questionamentos que o supracitado ensaísta faz quando medita acerca das regras que hodiernamente se relacionam quando o Estado, ente de direito público, por meio do Mercado, em regra capitalista, invoca e suprime direitos inerentes às pessoas, sendo certo que o arquétipo contemporâneo de Direitos e Garantias Fundamentais possam ser considerados como a evolução natural da sociedade moderna.


Palavras-Chave: Estado, Mercado, Direitos, Filosofia Constitucional.


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Abstract: This study proposes to question how the philosopher Rolf Kuntz notes the incidence of interrelated factors between the State, Market and Human Rights. Thus, this analysis is consistent to the above questions is when essayist meditates on the rules that relate to today’s when the state entity of public law, through the Market, as a capitalist, claims and suppresses the rights attaching to people, given that the contemporary archetype of Fundamental Rights and Guarantees can be considered as the natural evolution of modern society.


Keywords: State, Market, Rights, Constitutional Philosophy


Sumário: 1. Breve incursão acerca da Filosofia de Rolf Kuntz.; 1.1. Da polis ao mercado; 1.2. Da espécie à classe; 1.3.. Propriedade e Igualdade; 1.4. Igualdade formal versus equidade; 1.5. O Mercado e o papel de Madre Teresa; 1.6. A crise do Estado Providência; 1.7. Em busca de uma ordem; 1.8. A Justiça entre os povos: Conclusão sobre a temática.


1. Breve incursão acerca da Filosofia de Rolf Kuntz.


Há meio século, mais precisamente em 1948, a assembléia da ONU conceitua uma nova declaração aos direitos da pessoa humana, dando-lhe o nome de Declaração Universal dos Direitos do Homem. A finalidade de tal obra era dada à maneira pela quais os trabalhadores eram submetidos. Dessa forma, preceituava como maneira inerente aos direitos humanos o pagamento igual por igual trabalho; remuneração suficiente para manter necessidades básicas (saúde, lazer, etc.); liberdade para associações sindicais para a proteção dos direitos de cada um. Porém, esses direitos nunca foram universalizados, posto que ainda hoje, milhares de pessoas são obrigadas a trabalharem para sobreviverem. Foi com essa característica que o Estado assistencialista surgiu, isto é, como fonte para minimizar as desigualdades.


Redução da desigualdade, proteção social, salário adequado às necessidades da família – nada pareceu mais distante do manual do bom- tom econômico, durante as duas décadas finais do século XX.


No Brasil, as políticas de encolhimento do Estado ganharam impulso a partir de 1990. A privatização ocorreu de duas formas. A mais ostensiva foi a venda de estatais a empresas tanto nacionais quanto estrangeiras. Mais discreta, mas não menos firme, foi a ocupação dos espaços por grupos privados prestadores de serviços previdenciários e de saúde.


Assim, no concernente fato, quando o Estado passa uma obrigação pública para uma pessoa jurídica de direito privado o cidadão, que antes tinha um direito civil passa a ser ordenado como consumidor, vista que agora o Estado não mais possui caráter obrigacional, mas sim o empresário do bem a ser consumido pelo consumidor.


Se o Estado mantivesse uma forte presença nessas atividades, como se prevê na Constituição, os grupos privados teriam de enfrentar alguma concorrência. Como o setor público não atua, ou opera com muita deficiência, o critério das empresas privadas tende a predominar de forma arbitraria, não deixando duvidas quanto ao lucro excessivo. Portanto, quando a presença do Estado encolhe substancialmente, os direitos da cidadania perdem função prática, v.g., a educação e a saúde.


A privatização crescente dos serviços de saúde resulta, normalmente, em perda para população mais pobre – e com menor capacidade política – e em ganho de poder para as empresas de serviços.


Dessa maneira, valores são perpetrados no seio das famílias para que estas possam prescindir a forma pela qual o Estado será colocado como Leviatã, ou como Estado Providência. A redução da carga tributária foi apresentada às famílias como um ideal valioso, posto que, o tributo suga boa parcela do rendimento familiar.


Pregavam teóricos como Newton Gingrich o modelo de Estado Mínimo[1], ou seja, o Estado interviria o mínimo possível na vida cotidiana das pessoas, pregando o individualismo exacerbado, a privatização do mercado, etc. e daí surgiu a figura do yuppie, jovem profissional disposto a pisar na mãe para conquistar o sucesso.


1.1.Da pólis ao mercado


O envelhecimento da população, além disso, muda as condições de planejamento de serviços de saúde, públicos ou privados, e não se pode simplesmente passar por cima do assunto, posto que o entendimento da matéria concirna ao meio pelo quais nossos anciãos serão dotados, ou não, de matéria relativa ao bem estar social e quiçá, moral.


Fala-se nas vantagens, ou na conveniência, da privatização, como se a assistência médica universal e a fabricação de chapas de aço fossem atividades comparáveis, diferente apenas pelas características de cada produto e pelos processos envolvidos. Assim, a mercantilização da saúde gera aspectos que afetam diretamente a todos, em dado momento da vida.


Quando o serviço médico ou educacional é prestado por uma empresa, as condições do negócio são parecidas com as de qualquer objeto que possua carga valorativa, mas com provável diferença quanto ao grau de concorrência. Dessa forma, a empresa poderá alegar falta de pagamento ao serviço não prestado, colocando em evidência o destino de uma vida que possa estar em risco, ou de uma vida que precisa ser alfabetizada.


Finalizando, toda a era dos direitos sociais foi marcada pelo sentimento do entitlement, isto é, pela noção, de cada individuo, de estar qualificado para reivindicar uma segurança mínima na vida, um padrão mínimo de conforto, uma perspectiva de progresso pessoal e de liberdade de agir.


1.2.Da espécie à classe


Cada individuo aparece, na Declaração, em três caracterizações. Primeiramente, a predicados atribuídos a espécie. Na posição humana eram proibidos a escravidão, a tortura, tratamento degradante ou cruel e assim por diante. O homem era livre para ser proprietário, para negociar, para associar-se pacificamente, para expressar suas opiniões e para participar da vida política. A concepção dos direitos, na primeira fase do liberalismo, consagra as condições necessárias ao funcionamento do mercado, à acumulação e à manifestação da capacidade empreendedora. Em suma, cada homem deveria ser livre para buscar seus objetivos.


Kant, filósofo do romantismo, preceitua o bem-estar do Estado como uma não satisfação ou com a felicidade de seus cidadãos, pois eles poderiam alcançá-la, talvez, mais facilmente num estado de natureza ou “mesmo num governo despótico”. O bem-estar de um Estado, porém, deve ser entendido como “aquela condição em que sua constituição mais plenamente se conforma com os princípios do direito – aquela condição que a razão, por um imperativo categórico, nos obriga a buscar” (Kant, 1996:94-95). Trata-se aqui de constituir aquela situação em que a liberdade de todos os demais, segundo uma lei universal e sob a garantia de um poder coator.


Na perspectiva kantiana, o Estado não pode oferecer mais que isso, sem pôr em risco a liberdade que lhe compete proteger. Assim, a essência do governo “consiste em que cada um se ocupe da própria felicidade e tenha a liberdade de entrar em contato e intercâmbio com qualquer outro para esse fim. A função do governo não é tomar das pessoas privadas esse cuidado, mas somente garantir sua harmonia, segundo a lei da liberdade”.


Esta concepção corresponde à imagem de um Estado puramente leigo, sem compromisso que não seja com a mera manutenção da ordem baseada numa lei de liberdade, segundo Kant.


Posto isso, nas democracias constitucionais da modernidade, a opinião da teoria kantiana figura que, o poder público não deve, nem pode, oferecer aos indivíduos mais que as condições indispensáveis à livre contratação e ao livre comércio e ao livre funcionamento do mercado. Em outra versão, as condições formais da liberdade são consideradas insuficientes. Não cabe ao Estado indicar os fins de cada pessoa, mas cabe-lhe garantir condições mínimas para que se exerça o direito de escolha.


De maneira histórica, agora passamo-nos a referir Locke como fonte de uma doutrina jusnaturalista-liberal. Para Locke, ser livre é “sua propriedade, isto é, sua vida, liberdade e patrimônio”. Doravante, ser livre é ser dono de si, da própria vida e da própria capacidade de trabalho, segundo a teoria lockiana.


1.3. Propriedade e igualdade


A partir do século XVIII, criou-se a teoria do livre comércio e do livre movimento de capitais, de forma que, o Estado seria provedor do mínimo necessário para o auto-sustento do povo, ou seja, criava-se a doutrina do Laissez – Faire.


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Mencionava como características na doutrina do Estado Mínimo as seguintes figuras;


a) os mercados tendem a ajustar-se automaticamente, se forem deixados em livre funcionamento; foi dada a primeira descrição do comércio internacional;


b) se não houver barreiras ao intercâmbio, as economias tenderão a especializar-se nas produções em que forem mais eficientes;


c) como o dinheiro é só um meio de pagamento, um facilitador do intercâmbio, mercadorias são produzidas apenas para ser trocadas por outras mercadorias. Por isso, o mercado sempre tenderá a corrigir a alocação de recursos, conduzindo a economia, depois de um desajuste passageiro, a um equilíbrio de pleno emprego de fatores (Lei de Say; Teoria Geral de Keynes);


d) o máximo de benefícios para todos será produzido, em cada economia e também no sistema internacional, se cada agente puder seguir o próprio interesse. A mão invisível não só garante o funcionamento eficiente da economia, orientando-a para o máximo aproveitamento dos meios de produção, mas também assegura uma adequada distribuição dos bens.


Nas leis anti-sindicais, assim como nas sentenças das cortes, a justificativa explicita era, com freqüência, a manutenção do mercado concorrencial.


O poder público não poderia proporcionar mais benefícios que o mercado, mas poderia agir para promover a mais ampla concorrência, segundo Adam Smith.


Locke vincula a propriedade ao esforço de cada indivíduo, mas esse esforço deve ser entendido, na sua manifestação original, como impulso de sobrevivência. A ética da produção e da parcimônia, também presente no pensamento lockiano, completou o discurso e reforçou a respeitabilidade do capitalismo.


1.4. Igualdade formal versus equidade


Historicamente, com o início da Revolução Francesa, em meados de 1789, com a tomada da Bastilha, os burgueses começam uma doutrina de igualdade perante a lei com os nobres e eclesiásticos.


Diversos autores trataram do princípio da igualdade e da equidade, como por exemplo, Robert Owen. Assim, por maiores que sejam as tentativas concernentes ao melhor método a ser utilizado, nunca se chegou a uma conclusão maioral, posto que as tentativas fossem amparadas em escalas ideológicas.


Famigerado teórico, Keynes opta pelo principio da equidade, já que, o menciona que a igualdade de fato, e de direito, jamais seriam igualdades absolutas. Dessa maneira, a equidade seria o meio pelo qual o mercado optaria por ser de maior justiça distributiva, contemplando aqueles que tiveram um melhor desempenho na majoração do capital.


Portanto, o Estado seria mera meretriz no sistema de Keynes, posto que esse poderia servir como um amparo para os menos afortunados, contemplando somente bens básicos para o melhor funcionamento de uma economia livre, mas com finalidade sociais.


1.5. O mercado e o papel de Madre Teresa.


Constituir um critério para avaliação das instituições e orientação das decisões políticas, em todos os níveis relevantes era o meio pelo qual a economia poderia chegar a instituir-se para uma melhor distribuição dos capitais acumulados pelos indivíduos.


Essa caracterização é rejeitada veementemente por Nozick, que pressupõe um Estado individualista, com forte prisma pela produção, e nada mais. De certa forma, o autor coloca a justiça distributiva em segundo plano, colocando o direito em plano principal.


O direito, para Nozick, é dado ao extremo individualismo, com pouquíssimas restrições à propriedade, e com ataques ao Estado do bem-estar, descrito como violador da liberdade.


A exemplo de comparação, Nozick rejeitaria as idéias de Madre Teresa de Calcutá, pois a mesma colocava-se em favor dos menos afortunados, porém essa ajuda era posta em cheque, pois o valor (dinheiro) por ela usado era de outrem. Assim, um industrial norte-americano seria de mais valia, pois gerava empregos e renda para os pobres, já que contribuía para o desenvolvimento de seu país.


1.6. A crise do Estado Providência.


Encolher o Estado tornou-se uma palavra de ordem respeitável, mesmo entre os antigos defensores da intervenção estatal.


Quanto mais envolvida no comércio internacional e no sistema mundial de produção, menos uma economia pode ser administrada apenas com base na consideração de variáveis internas, isto é, quanto maior a poder econômico do Estado, maior seu comércio internacional, e, por conseguinte, menor a intervenção na economia.


O esforço para ajustar preços e custos às condições de concorrência afeta não só o mercado de emprego, mas também os custos indiretos correspondentes a impostos e contribuições coletados pelo governo. Os padrões fiscais e monetários desejáveis passam a ser fixados pela competição internacional. Mais que em qualquer época, a instabilidade monetária passou a ser um fator de competitividade. Porém, os governos podem, dentro de certos limites, protegerem as economias nacionais dos impactos de fora, administrando o câmbio, orçamento e a oferta monetária para manter a estabilidade do fator emprego.


Durante os anos 90, o mercado comandou o jogo, ou seja, as decisões eram mantidas pela economia mais abrangente, disciplinada, etc. o que tornou o fator influência mais um meio para a obtenção de maiores atrativos, v.g., economia japonesa, economia norte-americana.


1.7. Em busca de uma ordem.


Incessante a busca por uma nova e determinada ordem para se instaurar um marcado mais eqüitativo, com uma distribuição de renda melhor para todos. Porém, a instabilidade é inerente aos mercados financeiros, segundo George Soros.


A receita do leissez-faire é inepta e perigosa, pois garante uma plena desigualdade para um sistema que já é desigual, independentemente de propiciar, ou não, meios para obtenção de capitais.


A resposta para a questão da procura por um método seria encontrar um sistema de supervisão capaz de, ao mesmo tempo, manter a fluidez do mercado e prevenir as crises.


Segundo Soros, uma nova ordem econômica se instaurou, dando-se o nome de economia financeira. Economia financeira é o capital financeiro, ou seja, a pecúnia. Assim, o capital financeiro tem melhor posição que o industrial por ser de fácil remoção, isto é, de fácil mobilidade.


A desigualdade também está relacionada coma mudança do papel do Estado. De um lado, os governos têm menor liberdade de ação. Não podem, por exemplo, manejar a tributação tão facilmente quanto antes, nem manter sistemas complexos de regulamentação do emprego. Tanto impostos quanto regras trabalhistas afugentam o capital. De outro lado, a globalização torna mais necessária a proteção social provida pelo Estado, enquanto diminui sua capacidade de agir.


Em suma, os mercados reduzem tudo, incluídos seres humanos (trabalho) e natureza (terra), a mercadorias[2].


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1.8. A justiça entre os povos: Conclusão sobre a temática.


A questão se complica, de forma notável, quando se trata das condições de coexistência de culturas diferentes.


Seria inescrupuloso formar uma idéia etnocêntrica sobre as questões culturais de cada povo, abrangendo aspectos de vida, trabalho, forma de governo, etc. o que tornaria esse trabalho científico num trabalho empírico-preconceituoso.


A idéia de justiça entre os povos vem de um contrato imaginário (pressuposto) entre todas as nações, criado por Rawls[3]. Poder-se-ia dar como exemplo a Rodada Uruguai de negociações entre nações.


A sociedade, em seu todo, seria mantida pelo complexo de mudanças, ou seja, a sociedade em si própria não é plausível de perfeição, mas pode completar-se através das mudanças ocorridas com o tempo, experiência, etc. Quanto mais se alteram as condições – e a economia global apressa as mudanças -, mais importante se torna, segundo Soros, o conceito de uma sociedade internacional aberta.


A questão da sociedade internacional, provavelmente a mais difícil quando se trata de justiça, está embutida no artigo 28º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Cada indivíduo, se esse artigo, pode pretender “uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades expostos nesta Declaração não possam ser plenamente realizados”. O mercado, parece claro, não será o meio para a realização desse fim. Soros, um nome lendário do mercado, merece crédito pelo reconhecimento desse dado.


Em suma, o mercado merece especial ótica no concernente a justiça, mesmo sendo de instabilidades e imperfeições, a justiça deve imperar como fonte integradora de indivíduos para uma melhor (qualitativa e quantitativamente) distribuição de renda, não se olvidando das famigeradas palavras da Revolução Francesa “Liberté, égalité, fraternité”.


 


Notas:

[1] KUNTZ, Rolf; FARIA, José Eduardo. Qual o futuro dos direitos?. São Paulo: Max Limonad, 2002.

[2] FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. São Paulo: Melheiros, 2007.

[3] RAWLS, John. Uma teoria da Justiça. 3ª.ed. São Paulo: Martins Fontes: 2008.


Informações Sobre o Autor

Lucas Carlos Vieira


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