Estelionato sexual

O termo “estelionato sexual” não está expressamente previsto no Código Penal Brasileiro, mas tem sido amplamente discutido por juristas, advogados e a sociedade como uma forma de ilícito que envolve o uso de fraude para obter consentimento sexual. Na prática, ele é frequentemente associado ao crime de violação sexual mediante fraude, previsto no artigo 215 do Código Penal, mas também desperta debates sobre sua abrangência e distinção de outros delitos sexuais. Como advogado especializado em direito penal, com mais de 25 anos de experiência, já acompanhei casos e discussões que mostram como esse conceito pode ser complexo e sensível.
Neste artigo, vou explicar o que se entende por estelionato sexual, como ele se encaixa na legislação brasileira, os elementos que o caracterizam, os desafios para sua aplicação e as implicações para vítimas e acusados. Meu objetivo é trazer clareza a esse tema, usando uma linguagem acessível para que qualquer pessoa, mesmo sem formação jurídica, compreenda suas implicações. Ao final, incluirei uma seção de perguntas e respostas para abordar dúvidas comuns e uma conclusão com reflexões sobre o assunto.

O Que é Estelionato Sexual?

O estelionato sexual é um termo informal que descreve situações em que alguém usa engano, manipulação ou falsas promessas para induzir outra pessoa a consentir com um ato sexual. Embora o Código Penal não use essa expressão, ela é frequentemente vinculada ao artigo 215, que define a violação sexual mediante fraude como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. Em termos simples, é quando alguém mente ou engana para conseguir sexo, violando a autonomia da vítima.
Por exemplo, imagine uma pessoa que finge ser outra — como o parceiro amoroso da vítima — para obter seu consentimento. Ou alguém que promete benefícios, como dinheiro ou casamento, sabendo que não vai cumprir, apenas para convencer a outra parte. O que diferencia o estelionato sexual é o uso da fraude como ferramenta central, explorando a confiança ou a ingenuidade da vítima.
Esse conceito tem gerado debates porque nem todo engano em relações interpessoais é crime. A linha entre sedução, mentira social e ilícito penal é tênue, e a Justiça precisa analisar cada caso com cuidado para determinar se houve violação legal.

Estelionato Sexual e o Artigo 215 do Código Penal

No Brasil, o estelionato sexual geralmente é enquadrado no artigo 215 do Código Penal, que pune a violação sexual mediante fraude com pena de 1 a 2 anos de reclusão. Esse dispositivo foi criado para proteger a liberdade sexual, garantindo que o consentimento seja dado de forma livre e consciente. Quando a vítima é enganada sobre a identidade do autor ou sobre a natureza do ato, o consentimento perde validade, configurando o crime.
Um caso típico seria o de alguém que, aproveitando a escuridão, se passa pelo cônjuge da vítima e mantém relação sexual com ela. A vítima consente acreditando estar com seu parceiro, mas foi induzida ao erro por uma fraude deliberada. Aqui, o estelionato sexual se materializa como um abuso da confiança, punido pela lei.
No entanto, o termo “estelionato sexual” também é usado em discussões mais amplas, como em situações de promessas falsas (casamento, emprego) que não se encaixam perfeitamente no artigo 215. Alguns juristas defendem que essas condutas poderiam ser enquadradas no crime de estelionato comum (artigo 171), que pune quem obtém vantagem ilícita mediante fraude, mas essa interpretação ainda é minoritária e controversa.

Diferença Entre Estelionato Sexual e Outros Crimes Sexuais

Para entender o estelionato sexual, é importante compará-lo a outros delitos sexuais previstos no Código Penal. O estupro (artigo 213) envolve violência ou grave ameaça para forçar a vítima a um ato sexual, com pena de 6 a 10 anos de reclusão. Já o estupro de vulnerável (artigo 217-A) pune atos sexuais com menores de 14 anos ou pessoas incapazes de consentir, com pena de 8 a 15 anos. Esses crimes têm elementos claros de coerção ou vulnerabilidade, ausentes no estelionato sexual.
O assédio sexual (artigo 216-A), por sua vez, ocorre quando alguém usa uma posição de poder (como chefe) para constranger a vítima a favores sexuais, com pena de 1 a 2 anos. E a importunação sexual (artigo 215-A) pune atos libidinosos sem consentimento em locais públicos, como toques indesejados, com pena de 1 a 5 anos. Diferente desses, o estelionato sexual foca no engano que leva ao consentimento inválido, sem necessidade de força ou hierarquia.
Essa distinção é essencial porque cada crime exige provas específicas. No estelionato sexual, o desafio está em demonstrar que a fraude foi decisiva para a vítima aceitar o ato, o que nem sempre é simples.

Elementos que Caracterizam o Estelionato Sexual

Para que uma conduta seja considerada estelionato sexual sob o artigo 215, três elementos devem estar presentes: o ato sexual, a fraude e a ausência de consentimento válido. Vamos detalhar cada um.
O ato sexual pode ser a conjunção carnal (penetração vaginal) ou outro ato libidinoso (toques, carícias ou comportamentos sexuais). A lei é ampla para proteger contra diversas formas de abuso. A fraude é o meio usado para enganar, como fingir ser outra pessoa, inventar uma situação fictícia ou fazer promessas sabidamente falsas. Por fim, o consentimento deve ser inválido: se a vítima disse “sim” por causa do engano, esse “sim” não tem valor jurídico.
Um exemplo seria uma mulher que aceita ter relação com alguém que ela acredita ser seu namorado, mas na verdade é um estranho que se aproveitou da confusão. Aqui, a fraude (falsa identidade) anula o consentimento, configurando o crime.

Casos Reais de Estelionato Sexual

Casos práticos ajudam a entender como o estelionato sexual acontece. Um exemplo real que acompanhei envolveu um homem que entrou no quarto da vítima à noite, fingindo ser seu marido, e manteve relação sexual com ela. A vítima só percebeu o engano ao acender a luz e reconhecer um vizinho. O caso foi julgado como violação sexual mediante fraude, com pena de 1 ano e 8 meses, após depoimentos confirmarem a intenção do autor.
Outro caso marcante foi o de um falso médico que oferecia “tratamentos” em uma clínica improvisada. Ele convenceu uma paciente a permitir toques íntimos, alegando serem parte de um exame. A vítima descobriu a fraude ao consultar um profissional legítimo e denunciou. O acusado foi condenado a 2 anos de reclusão, com provas como a falta de registro médico e o relato da vítima.
Já vi também situações em que a fraude envolveu promessas falsas. Um homem prometeu casamento a uma jovem, sabendo que não cumpriria, para convencê-la a manter relações sexuais. Quando ela descobriu que ele era casado, denunciou, mas o juiz entendeu que a promessa não foi o único motivo do consentimento, absolvendo o acusado do artigo 215. Esse caso mostra os limites da tipificação.
Esses exemplos revelam como o estelionato sexual pode ser sutil e depender de provas claras para ser punido.

Penas e Consequências Jurídicas

A pena para o crime do artigo 215 é de reclusão de 1 a 2 anos, desde que não configure delito mais grave, como estupro. É uma punição considerada leve em comparação a outros crimes sexuais, refletindo a ausência de violência física direta. Se houver agravantes, como a vítima ser menor de 18 anos, a pena pode ser combinada com o artigo 218 (corrupção de menores), chegando a 4 anos.
Para o condenado, além da prisão, há o impacto dos antecedentes criminais, que dificultam empregos e relações sociais. Para a vítima, as consequências emocionais são severas, como vergonha e perda de confiança, muitas vezes levando a pedidos de indenização por danos morais em ações cíveis.
O juiz pode aplicar prisão preventiva durante o processo, dependendo do risco à sociedade ou da gravidade do caso, mas isso é raro em crimes do artigo 215, salvo em situações excepcionais.

O Processo Penal no Estelionato Sexual

O processo começa com a denúncia da vítima em uma delegacia. Por ser crime de ação penal pública incondicionada, o Ministério Público pode agir mesmo sem a vontade da vítima, desde que haja provas. A polícia investiga, coletando depoimentos, mensagens ou registros que demonstrem a fraude e o ato sexual.
Se o Ministério Público oferecer denúncia, o juiz a analisa e, se aceita, o caso vai a audiências. A vítima, o acusado e testemunhas são ouvidos, e a defesa apresenta sua versão. O julgamento termina com uma sentença que pode condenar, absolver ou desclassificar a conduta para outro crime, como importunação sexual, dependendo das provas.
Esse caminho é longo e exige paciência, tanto da vítima, que revive o trauma, quanto do acusado, que enfrenta incerteza. Uma defesa técnica é essencial para garantir um processo justo.

Desafios na Provação do Crime

Provar o estelionato sexual é um dos maiores desafios no direito penal. Como não há violência física evidente, a Justiça depende de provas indiretas, como conversas gravadas, testemunhas ou laudos psicológicos que mostrem o impacto do engano. A intenção do autor (dolo) também deve ser clara: ele sabia que estava enganando e fez isso para obter o ato sexual.
Nem toda mentira configura crime. Se um homem mente sobre ser solteiro, mas a vítima teria consentido mesmo sabendo a verdade, o artigo 215 não se aplica. Já vi casos arquivados por falta de provas materiais e outros em que a fraude foi tão óbvia que a condenação veio rapidamente.
Esses obstáculos exigem rigor na investigação e cuidado na análise judicial para evitar injustiças.

Impacto nas Vítimas e na Sociedade

As vítimas de estelionato sexual sofrem traumas profundos: a sensação de traição, a culpa por terem sido enganadas e o medo de não serem acreditadas. Muitas evitam denunciar por vergonha ou descrédito, o que mantém o crime em silêncio. Apoio psicológico e familiar é crucial para a recuperação.
Na sociedade, o estelionato sexual levanta questões sobre consentimento e ética nas relações. Discuti-lo abertamente ajuda a prevenir abusos e a educar sobre a importância da transparência. Como advogado, vejo que a lei é uma ferramenta de proteção, mas depende da conscientização para ser eficaz.

Perguntas e Respostas

1. Estelionato sexual é o mesmo que estupro?
Não. O estupro usa violência ou ameaça, enquanto o estelionato sexual envolve fraude para obter consentimento inválido.
2. Toda mentira para conseguir sexo é crime?
Não. A mentira deve ser essencial para o consentimento, como fingir ser outra pessoa, e não apenas uma promessa vaga.
3. Qual é a pena para esse crime?
No artigo 215, é de 1 a 2 anos de reclusão, podendo aumentar se houver outros crimes associados.
4. A vítima precisa provar tudo sozinha?
Não. Após a denúncia, a polícia e o Ministério Público investigam e buscam provas, como testemunhas ou registros.
5. O que acontece se não houver provas suficientes?
Sem evidências claras da fraude e do ato sexual, o acusado pode ser absolvido por falta de elementos.

Conclusão

O estelionato sexual, embora não seja um termo oficial do Código Penal, reflete uma realidade preocupante: o uso de fraude para violar a liberdade sexual. Enquadrado principalmente no artigo 215, ele pune quem engana para obter consentimento que não seria dado em outras circunstâncias. Sua pena, de 1 a 2 anos, pode parecer leve, mas o impacto nas vítimas é imenso, e os desafios para prová-lo mostram a complexidade do sistema penal.
Para as vítimas, denunciar é um ato de coragem que busca justiça e reparação. Para os acusados, o processo exige uma defesa técnica para garantir um julgamento equilibrado. E para a sociedade, debater esse crime é essencial para promover o respeito e a honestidade nas relações humanas. Após 25 anos de carreira, afirmo que a lei penal, quando bem aplicada, protege a dignidade — mas precisa do apoio da educação e da conscientização para alcançar seu pleno efeito. O estelionato sexual nos lembra que o consentimento deve ser sempre livre, verdadeiro e respeitado.
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