O tema sido examinado mais freqüentemente, na Justiça do Trabalho, após a denominada “reforma do Judiciário”, Emenda Constitucional numero 45 de dezembro de 2004.
Desde esta data ou um pouco após, quando vencida certa controvérsia nos tribunais, a Justiça do Trabalho passou a examinar os acidentes de trabalho, nas milhares de ações de indenização por dano moral decorrentes destes acidentes. Tais ações já existiam na Justiça dos Estados, havendo uma ou duas Varas especializadas nas Capitais.
Além destas ações decorrentes de acidentes de trabalho, existem aquelas com iguais pedidos de indenização por dano moral, decorrentes de outras ofensas à dignidade do cidadão, no ambiente de trabalho. Igualmente são numerosas, após o texto constitucional de 1988 e, mais ainda, com o novo Código Civil, de 2012.
Cada vez mais, percebe-se a amplitude da temática “responsabilidade civil”, para muito além da questão acidentária, abrangendo, por exemplo: responsabilidade pré-contratual e pós-contrato, perda de uma chance, direito de sigilo, assédio moral, assédio sexual, pesquisa de antecedentes, informações desabonatórias e responsabilidade trabalhista por danos sociais.
Nas duas ações antes mencionadas (indenizações por dano moral decorrentes de acidentes de trabalho e de outras ofensas à dignidade do trabalhador) está presente o tema da “responsabilidade civil”, tal como é tratado, não na lei trabalhista, mas, sim, na lei civil. Sendo um tema relativamente novo, organizou-se, no primeiro semestre de 2013, um grupo de estudos na Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho, Rio Grande do Sul.
Já no primeiro momento, viu-se algo mais recente, no tema de acidentes do trabalho. Trata-se do conceito de NTEP – Nexo Técnico-Epidemiológico, ou seja, o cruzamento de dados de acidentes e doenças do trabalho verificados nos bancos de dados da previdência pública, o código internacional das doenças – CID e a atividade empresarial, utilizando-se o código nacional de atividades empresariais – CNAE. Sobre o tema, mencionam-se as obras de Paulo Rogério Albuquerque de Oliveira, mentor do NTEP, Wanderlei Codo e Remigio Todeschini, estes últimos atuais doutrinadores sobre acidentes e doenças do trabalho e o FAP – Fator Acidentário de Prevenção. Muito ainda há de ser estudado sobre o art 21-A, inserido na Lei 8.213.
No Rio Grande do Sul, já existem duas Varas do Trabalho especializadas, uma em Porto Alegre e outra em Caxias do Sul. Certamente, em Canoas, impõe-se igual providência.
Em Caxias do Sul, o exercício da jurisdição especializada permitiu aferir que questões de biomecânica dependem de perícia ergonômica para serem apuradas, não só de perícias médicas, e, de modo geral, provocou uma abertura de diálogo multidisciplinar entre diversos profissionais, como fisioterapeutas, engenheiros de segurança do trabalho, médicos do trabalho que permitem aprofundar o nexo de causalidade para imputação da responsabilidade civil decorrente dos acidentes. Ainda, que, de cada trinta ações trabalhistas, cerca de vinte já vêm instruídas com perícia ergonômica (por engenheiros e fisioterapeutas) e perícia médica, sendo que o índice de acordos melhora após os laudos.
A especialização, na experiência de Caxias do Sul, modificou a visão do Juiz e tem efeito preventivo de demandas especulativas, sendo importantíssima na jurisdição de Caxias do Sul, com aproximadamente 4.500 acidentes de trabalho por ano. Há efetiva interação com o Ministério Público do Trabalho e o Ministério do Trabalho, resultando na criação de um Fórum congregando a Justiça do Trabalho, estas instituições e entidades associativas de empresários e trabalhadores, sobre segurança e medicina do trabalho. Tal mobilização social e institucional em torno do tema possibilitou a especialização de uma Delegacia da Polícia Civil, incumbida dos delitos atinentes aos acidentes do trabalho. Imagine-se providência semelhante nos principais centros industriais do centro do País.
Sabe-se que o Ministério Público do Trabalho possui Coordenadoria Nacional especializada em meio ambiente de trabalho, com reuniões frequentes, estudos e orientações. Entre as principais atividades econômicas, com reflexos nas ações acidentárias, ao menos no Estado de Santa Catarina, estão as dos frigoríficos, com inúmeras vítimas de DORT/LER, inclusive indígenas, e as de PCH´s – Pequenas Centrais Hidrelétricas, cujas construções são dotadas de canteiro de obras precários e jornadas alargadas, principalmente na concretagem, com muitos acidentes. Não só as empresas são alvo de atuação do MPT, como também os médicos são responsabilizados e as empresas de assessoria em segurança e medicina do trabalho, especialmente quanto à confecção de laudos, PPRA, PCMSO e LTCAT, evitando-se a simulação, deficiência ou fraude. Em algumas cidades do interior do Estado de Santa Catarina, a Procuradoria do Trabalho possui uma Assistente Social que visita a família dos acidentados, fazendo estudo social descrevendo como o grupo familiar se recompõe ou sofre com o sinistro, estudo este anexado aos pareceres exarados na atuação do MPT como fiscal da lei nas ações acidentárias, contribuindo para aferição do dano moral e familiar.
No norte do País, mais precisamente nas estradas do interior do Estado do Pará, os excessivos números dos assaltos já mereceu artigo do Juiz do Trabalho Ney Maranhão, sobre a responsabilidade do Estado por estes assalto em estradas (Revista Eletrônica do TRT RS, nº 124 – Ano VII – 2ª Quinzena de agosto de 2011, "Responsabilidade civil e violência urbana: considerações sobre a responsabilização objetiva e solidária do estado por danos decorrentes de acidentes laborais diretamente vinculados à insegurança pública" – Francisco Milton Araújo Júnior e Ney Stany Morais Maranhão, p. 36).
Além do conhecimento da realidade de algumas das diversas Regiões do País, algo é possível conhecer da realidade do Uruguai, fruto de convênio da Escola com a Universidade da República, Udelar.
A complexidade dos problemas atuais nos remete a leitura de estudos anteriores, sobre o tema. José Aguiar Dias, na metade do Século passado, percebeu que:
“A teoria da culpa, resumida, com alguma arrogância, por Von Ihering, na formula “sem culpa, nenhuma reparação”, satisfez por dilatados anos à consciência jurídica, e é, ainda hoje, tão influente que inspira a extrema resistência oposta por autores insignes aos que ousam proclamar a sua insuficiência em face das necessidades criadas pela vida moderna, sem aludir ao defeito da concepção em si mesma”. (José Aguiar Dias, “Da Responsabilidade Civil”, Rio de Janeiro: Forense, 1995, 10ª edição. A primeira edição é de 1954).
O aprofundamento do estudo tema, ocorrido em palestra do Ministro Hugo Carlos Scheuermann, na Escola do TRT RS, já permitiu o questionamento, inicial, sobre estarmos, em casos de acidentes do trabalho, diante de responsabilidade extracontratual ou, mais exatamente, em alguns casos, diante de verdadeiras responsabilidades contratuais, por descumprimento das mínimas normas de proteção à saúde e segurança.
Outros autores mais recentes também tem contribuições que tem merecido atenção do mesmo grupo de estudos. Entre eles, Evaristo Moraes, Sebastião Geraldo de Oliveira, Claudio Brandão, Judith Martins-Costa, Eugenio Facchini Neto, Paulo de Tarso Sanseverino, Sergio Cavalieri Filho, Maria Celina Bodin de Moraes, Clayton Reis, José Jairo Gomes, Fernando Maciel, Anderson Schreiber, Daniela Luztzky, além dos mencionados antes e outros.
Este Grupo de Estudos sobre Responsabilidade Civil da Escola Judicial do TRT RS é integrado pelos Juízes Andre Ibanos Pereira, Bárbara Schonhofen Garcia, Evandro Luis Urnau, Gustavo Friedrich Trierweiler, Jose Carlos Dal Ri, Leandro Krebs Gonçalves, Lucia Ehrenbrink, Luciana Bohm Stahnke, Luiz Antonio Colussi, Marcelo Silva Porto, Maria Madalena Telesca e Rodrigo Trindade de Souza, contando com o auxilio da servidora Ane Denise Baptista.
Outra atividade da Escola Judicial do TRT RS foi o Seminário sobre Perícias em Acidentes de trabalho, ao inicio de agosto de 2013, atendendo a meta 7 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Neste evento, O Juiz do Trabalho em Santa Catarina, Carlos Alberto Pereira Castro lembrou o artigo 2º da Resolução 1.488/98 do Conselho Federal de Medicina:
“Art. 2º – Para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar:
I – a história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal;
II – o estudo do local de trabalho;
III – o estudo da organização do trabalho;
IV – os dados epidemiológicos;
V – a literatura atualizada;
VI – a ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas;
VII – a identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros;
VIII – o depoimento e a experiência dos trabalhadores;
IX – os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área da saúde.”
Informações Sobre os Autores
Marcelo Jose Ferlin Dambroso
Juízes do Trabalho, Relator do Grupo de Estudos sobre Responsabilidade Civil da Escola Judicial do TRT RS
Ricardo Carvalho Fraga
Juiz do Trabalho no TRT RS
Coordenador do Fórum Mundial de Juízes