Faça-se a luz! Nova lei promove a energia fotovoltaica no Brasil

Por Bruno Cesar Vicentim*

A Bíblia Sagrada, no Livro de Gênesis, em seu capítulo I, versículos 1-5, traz, resumidamente, que, no início, após criar os céus e a terra, tudo eram trevas. Então, Deus disse: “Faça-se a luz!” E a luz foi feita. Em seguida, Deus viu que a luz era boa, e separou a luz das trevas. À luz, chamou dia. Às trevas, noite. O início de tudo. O ponto de partida.

Luz é também energia. A expressão “energia”, de acordo com o Dicionário Michaelis Online (https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/energia/, acesso em 25.07.2022), significa a “capacidade que um corpo, um sistema de corpos ou uma substância têm de realizar trabalho, entendendo-se por trabalho a deslocação do ponto de aplicação de uma força”.

As formas de se produzir energia vêm evoluindo de maneira significativa. O uso desenfreado das fontes naturais e suas consequências devastadoras criaram, no ser humano, a necessidade de se buscar fontes alternativas, que amenizassem o impacto ambiental provocado em seu próprio habitat, ao mesmo tempo em que permitissem a manutenção e o desenvolvimento dos processos produtivos da sociedade.

Uma dessas fontes alternativas foi a produção de energia por intermédio de dispositivos fotovoltaicos (utilização da luz para produção de energia). Segundo Ruberia Caminha Marques, em artigo escrito em coautoria com os então professores da Universidade Estadual do Ceará, Stefan C. W. Krauter e Lutero C. de Lima (Energia solar fotovoltaica e perspectivas de autonomia energética para o nordeste brasileiro),  do Grupo de Trabalho de Energia Solar Fotovoltaica (CRESESB/CEPEL), o efeito fotovoltaico teria sido relatado, pela primeira vez, por Edmond Becquerel, em 1839, tendo sido construído o primeiro aparato fotovoltaico a partir das estruturas de estado sólido em 1876 e, em 1956, teria se iniciado a produção industrial, verificando-se o aproveitamento da energia solar como fonte alternativa de energia elétrica apenas em 1959, nos Estados Unidos. De lá para cá, essa tecnologia tem se solidificado cada vez mais no cenário mundial de produção de energia limpa.

Essa expansão trouxe consigo a necessidade de regulamentação legal sobre a utilização dessa tecnologia pela sociedade. A despeito de já existir alguma normatização esparsa sobre ela, em 6 de janeiro de 2022, foi sancionada a Lei n.º 14.300, que instituiu o marco legal da microgeração e minigeração distribuída, o Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) e o Programa de Energia Renovável Social (PERS), e alterou as Leis n.º 10.848, de 15 de março de 2004, e n.º 9.427, de 26 de dezembro de 1996. A nova lei será objeto de nossas considerações.

A utilização da energia fotovoltaica tem se difundido exponencialmente. Seja pela conscientização ambiental ou necessidade de reduzir custos fixos mensais pelo uso da energia fornecida pelas concessionárias espalhadas por todo o país, tal modalidade de produção energética tem se tornado cada vez mais interessante, principalmente àqueles empreendedores que a veem como um investimento de retorno certo e em um futuro não tão distante.

A lei em questão traz, em seu artigo 1º e respectivos incisos, algumas expressões e sua conceituação, todas autoexplicativas. Não obstante, trataremos somente de algumas delas: aquelas previstas nos incisos VI – créditos de energia elétrica; VIII – excedente de energia elétrica; e o XIV – Sistema de Compensação de Energia Elétrica.

O crédito de energia elétrica, de acordo com o art. 1º, inciso VI da aludida Lei, é o “excedente de energia elétrica não compensado por unidade consumidora participante do SCEE no ciclo de faturamento em que foi gerado, que será registrado e alocado para uso em ciclos de faturamento subsequentes, ou vendido para a concessionária ou permissionária em que está conectada a central consumidora-geradora”.

A expressão “excedente de energia elétrica” tem significado bastante semelhante, à exceção de que, “para o caso de empreendimento com múltiplas unidades consumidoras ou geração compartilhada, em que o excedente de energia elétrica pode ser toda a energia gerada ou a injetada na rede de distribuição pela unidade geradora, a critério do consumidor-gerador titular da unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída”, conforme denota-se do art. 1º, inciso VIII.

Trata-se, portanto, da diferença – positiva, vale pontuar – entre o que a unidade geradora/consumidora produz e automaticamente consome, no mesmo período de faturamento – normalmente, um mês. O excesso produzido fica registrado no sistema da concessionária para que possa ser utilizado em meses (ciclos de faturamento) posteriores e/ou para a comercialização junto à própria concessionária/permissionária em que a unidade geradora/consumidora está vinculada.

O SCEE é o sistema por meio do qual “a energia ativa é injetada por unidade consumidora com microgeração ou minigeração distribuída na rede da distribuidora local, cedida a título de empréstimo gratuito e posteriormente compensada com o consumo de energia elétrica ativa ou contabilizada como crédito de energia de unidades consumidoras participantes do sistema” (vide inciso XIV do art. 1º). Toda unidade geradora/consumidora de energia fotovoltaica que tenha por objetivo compensar o excedente produzido precisa aderir ao SCEE. Tanto é que, nos termos do § 2º do art. 13, “para abatimento do consumo, devem ser utilizados sempre os créditos mais antigos da unidade consumidora participante do SCEE” (grifo nosso).

Importante salientar que, para a utilização/consumo desse excedente produzido, conforme a legislação (vide art. 13), o proprietário da unidade geradora-consumidora disporá de um prazo de até 60 meses contados após a data do faturamento dessa energia produzida para compensar e/ou vender à concessionária/permissionária o excesso de sua produção, sob pena de, não o fazendo, perder-se o direito ao abatimento ou compensação pela energia produzida e não utilizada.

Num primeiro momento, poderia se pensar que esse prazo concedido, de cinco anos, seria mais que suficiente para que o proprietário da unidade produtora/consumidora consiga utilizar toda a sua produção em seu consumo próprio. Não obstante, deve ele ficar atento aos seus relatórios de consumo/produção, pois, embora esteja consumindo diariamente o que produz, também está efetivamente produzindo o que consome, e essa diferença, se positiva, pode e deve ser transformada em ativo.

Para tanto, outra opção trazida na lei (conforme §1º e incisos do art. 12) é a possibilidade de realocar esse excesso de energia produzida para outras unidades consumidoras, ainda que localizadas em outras cidades. As condições para isso são que as referidas unidades que estejam sob a concessão da mesma concessionária/permissionária de fornecimento de energia elétrica, de titularidade do mesmo gerador/consumidor, devendo este, quando da solicitação junto à respectiva concessionária/permissionária, indicar, pormenorizadamente, qual percentual do excedente produzido ele quer destinar a cada uma das unidades consumidoras (vide art. 14).

A título de exemplo, se tiver somente uma unidade consumidora para destinar o excesso de produção, pode indicar os 100% do excesso. Se duas, 50% cada. Se três, 33,33% cada. Enfim, a lei deixa ao livre arbítrio do proprietário da unidade produtora/consumidora a delimitação de tal destinação, que, inclusive, pode ser alterada a qualquer tempo, mediante requerimento. Neste caso, a concessionária/permissionária de distribuição de energia elétrica terá o prazo de 30 dias para operacionalizar a solicitação, consoante disposto no § 4º do referido artigo.

Atualmente, o que se tem visto no mercado de produção de energia fotovoltaica é o início de sua democratização, ainda que a passos curtos e esparsos. Gradativamente, tem-se percebido que a evolução das tecnologias de produção dos materiais envolvidos tem causado uma redução nos custos dos produtos que compõem os sistemas – mormente se compararmos a outras formas de produção de energia elétrica –, e com impacto ambiental bastante reduzido.

O potencial solar do nosso país, principalmente em razão da sua geolocalização, é imenso, gratuito e deve ser bem utilizado.

A genialidade do ser humano está sendo capaz de transformar a utilização de recursos naturais sustentáveis como a energia solar, para, entre outras finalidades, proteger a própria natureza de impactos causados por outras formas de produção de energia elétrica. Os aspectos acima elencados enfatizam a preocupação do legislador em formatar dispositivos que sejam capazes de incentivar a adoção do referido sistema, bem como, um melhor proveito do “produto limpo” obtido. Enfim, da luz à luz!

 

Bruno Vincentim* Bruno Cesar Vicentim é advogado do escritório Medina Guimarães Advogados. Pós-graduado em Direito Ambiental e Ordenação de Territórios.

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