No início do ano de 2018 Larissa* alugou um imóvel para morar com sua irmã Ingrid* e Carlinhos*, filho de Ingrid, com seis anos de idade. Alguns meses depois, Larissa convidou sua então namorada Raquel para morarem juntas. Assim, estava estabelecido um feliz lar familiar no município de Araras, interior do estado de São Paulo.
Mas a felicidade acabou quando os proprietários do imóvel tomaram conhecimento daquela composição familiar. A proprietária disse que “aquilo” não era uma família, pois, o contrato previa a locação para uma “família” e não para um casal de mulheres. Disse que isso era “nojento” e comparou a casa a um “prostíbulo”. Questionou até o parentesco das irmãs Larissa e Ingrid, por “uma ser preta e outra branca”. O filho da proprietária tentou um despejo à força, com violência e ofensas, machucando até a criança. Depois dessas intimidações, as locatárias receberam uma notificação escrita, que ainda d izia que o imóvel estava “habitado de forma coletiva e inconveniente por pessoas diversas as quais não se pode considerar como unidade familiar”. Por fim, as inquilinas foram surpreendidas pela invasão do imóvel quando estavam fora da casa e com a abrupta troca das chaves.
Indignadas com toda a situação, as quatro vítimas ingressaram com ação judicial para reparação dos danos sofridos contra a proprietária e seu filho. Em primeira instância, a 2ª Vara Cível da Comarca de Araras julgou a ação improcedente. Porém, recentemente, decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo deu um novo rumo para o caso. Em sessão do último dia 18 de agosto, a 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo condenou a proprietária e seu filho em indenização pelos danos morais causados à família, no valor de R$ 12 mil reais, sendo três mil reais para cada autor da ação.
O relator desembargador Andrade Neto considerou que não haveria justa causa para a desocupação forçada do imóvel realizado por contra própria pelos proprietários. “É evidente a violação moral causada por meio das indigitadas agressões físicas e verbais e do comportamento ilegal e abusivo dos réus, suficientes para humilhar as autoras e produzir significativo abalo psíquico, sendo até mesmo despiciendas maiores explicações a respeito”, afirmou o desembargador do TJ-SP ao confirmar o abalo físico e psíquico das vítimas.
Por envolver uma criança, o Ministério Público ofertou pareceres ao longo do processo. Em primeira instância, a Promotora de Justiça de Araras, Andrea De Cicco, defendeu a condenação dos réus. Considerou a Promotora que eram inegáveis a injusta agressão física, as ofensas (verbais e escritas) de cunho discriminatório (homofóbico), bem como o despejo violento arbitrário. Em segunda instância, a Procuradoria de Justiça também se manifestou pela condenação dos réus. “A motivação, com inegável conotação discriminatória, de cunho homofóbico, corrobora a narrativa dos locatários no sentido de que a causa do despejo violento e arbitrário foi a descoberta pelos locadores de que as recorrentes Raquel* e Larissa* conviviam em um relacionamento homoafetivo”, manifestou a Promotora de Justiça Designada, Rosana Márcia Queiroz Piola.
A advogada Gabriela Dias Barbosa, do escritório Cortella Advogados, que representa os autores explicou sobre a propositura da ação. “Ficamos sensibilizados com a discriminação homofóbica gritante. Buscamos uma reparação ao menos compensatória para amenizar o grave desrespeito sofrido. A decisão condenatória é importante por seu caráter pedagógico, a fim de que ninguém seja desrespeitado pela sua orientação sexual”, pontua.
O advogado Breno Zanoni Cortella, do escritório Cortella Advogados, que também atua no caso, destacou a decisão do recurso. “O pleito foi reconhecido em segunda instância, embora com um valor módico que entendemos que deveria ser maior. Mas é o sinal de um início da reparação de uma grave injustiça e punição de uma conduta claramente homofóbica, que merece o repúdio de toda a sociedade”, disse Breno.
Larissa comemorou a nova decisão ao mesmo tempo que relembra os fatos com muita dor. “Fomos muito humilhadas por sermos um casal lésbico e pela família que formamos. Estamos buscando justiça por nós e para que não aconteça o mesmo com outras famílias parecidas com a nossa”, destacou. A decisão ainda não transitou em julgado e as partes estão interpondo recursos.
*Nomes foram trocados para preservar a identidade dos envolvidos.
BRENO ZANONI CORTELLA
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