Fazenda Pública em Juízo: da suspensão da liminar, da segurança e da tutela antecipada

Resumo: O presente artigo, longe de esgotar o tema, busca traçar, de forma sucinta e objetiva, os principais tópicos relacionados à suspensão da liminar, da segurança e da tutela antecipada envolvendo a Fazenda Pública, abarcando a origem do instituto, bem como a sua natureza jurídica, a legitimidade para o ajuizamento, hipóteses de cabimento, competência para apreciação e o procedimento, à luz da doutrina e da jurisprudência atual.

Palavras-chave: Suspensão. Liminar. Segurança. Fazenda Pública.

Abstract: This article, far from exhausting the subject, attempts to trace, in a succinct and objective way, the main topics related to the suspension of the injunction, security and injunctive relief involving the Treasury, covering the origin of the institute, as well as the its legal status, legitimacy to the filing , hypothesis suitability , competence for consideration and the procedure in the light of doctrine and current case law.

Keywords: Suspension . Injunction. Security. Public Finance.

Sumário: Introdução. 1. Natureza jurídica da suspensão da segurança. 2. Legitimidade para o ajuizamento. 3. Procedimento. 4. Conclusão. 5. Referências bibliográficas.

Introdução

A suspensão da segurança foi introduzida no direito pela Lei n. 191, de 16 de janeiro de 1936, que regulamentou o Mandado de Segurança, previsto na Constituição Federal de 1934 pela primeira vez. 

Naquela época, a suspensão da segurança era medida utilizada para a concessão de efeito suspensivo ao recurso contra a decisão favorável ao impetrante, em razão de “interesse público”. Tal regra foi mantida no CPC de 1939, que introduziu causas justificadoras mais específicas para a suspensão da segurança, quais sejam: grave lesão à ordem, à saúde ou à segurança pública.

Posteriormente, a Lei n. 1533, de 31 de dezembro de 1951, deixou de prever os motivos de suspensão da segurança, deixando a critério do presidente do Tribunal, omissão essa suprida pela lei n. 4348, de 26 de junho de 1964, que retornou a previsão das hipóteses da suspensão da segurança, com pequena modificação: grave lesão à ordem, saúde, segurança e economia pública.

A regra prevista em 1964 foi reproduzida no art. 15 da Lei n. 12016, de 07 de agosto de 2009, que prevê, no art. 15, o cabimento da suspensão da segurança a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada ou do Ministério Público, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Atualmente, é sempre cabível a suspensão da segurança em face de decisão que concede provimento de urgência contra o Poder Público, quando a sentença é executada imediatamente pela parte contrária em razão da ausência de efeito suspensivo ao recurso da Fazenda Pública. Não cabe a suspensão da segurança no caso de controle abstrato de constitucionalidade, mas ela é admitida em sede de ação popular, ação cautelar inominada, e na ação civil pública, enquanto não transitadas em julgado (art. 4º da Lei n. 8437/1992), bem como no caso de tutela antecipada em qualquer ação (Lei n. 9494/97) e também no caso de habeas data (Lei n. 9507/97).

1- Natureza jurídica da suspensão da segurança:

A suspensão da segurança não é recurso, pois não está previsto em lei (princípio da taxatividade), e tampouco tem natureza jurídica de sucedâneo recursal (visto que a decisão proferida na suspensão da segurança não reforma, anula nem desconstitui a liminar ou a antecipação de tutela combatida). Trata-se, pois, de mero incidente processual, destinado apenas a retirar a executoriedade da decisão (suspendê-la), mantendo-a, entretanto, incólume.

Ao decidir o pedido de suspensão de segurança, o Juiz não adentra no mérito da demanda, mas se limita a verificar o preenchimento dos seus requisitos no caso concreto. Contudo, na análise do pedido de suspensão, não é vedado ao Presidente do Tribunal fazer um juízo mínimo de delibação das questões jurídicas contidas na ação principal.  Por esse motivo, a jurisprudência entende ser inadmissível a interposição de recurso especial e extraordinário contra o acórdão que, em agravo interno (ou regimental) confirme ou reforme a decisão tomada pelo Presidente em suspensão da segurança.

O Superior Tribunal de Justiça entende, inclusive, que a decisão do relator na suspensão da segurança detém feição político/administrativa, razão pela qual não admissível interposição do recurso especial. Nesse sentido, citamos trecho do acórdão proferido nos autos do AgRg na MC 7512/RJ: “A decisão suspensiva da execução de medida liminar, com fundamento no art. 20, § 3º, da Lei nº 8.437/92, é resultado de juízo político a respeito da lesividade do ato judicial à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, não se sujeitando a recurso especial, em que as controvérsias são decididas à base de juízo de legalidade. É, pois, da estrita competência do Tribunal Presidente e Plenário ou Órgão Especial a que o juiz que a proferiu está vinculado”[1].

Contudo, esse entendimento do STJ é questionável pela doutrina[2], pois, segundo ela, a natureza da suspensão da segurança é mesmo judicial. Na verdade, o não cabimento do recurso especial e extraordinário em face de acórdão em suspensão da segurança limita-se à hipótese da necessidade de revolvimento de provas.

2- Legitimidade para o ajuizamento

São partes legítimas para o ajuizamento da suspensão da segurança a Fazenda Pública, bem como o Ministério Público e as concessionárias de serviço público, essas últimas somente no tocante ao desempenho da atividade pública delegada, pois, apenas nesse caso, haverá interesse público[3]. Vale dizer, a legitimidade da Fazenda Pública na suspensão da segurança independe de ter ela feito ou não parte do processo.

São legitimados para a suspensão também os órgãos despersonalizados (Secretarias, Câmara de Vereadores, etc.), desde que o pedido de suspensão se relacione à atividade do órgão ou à prerrogativa institucional. Por fim, são legitimados para a suspensão todos os titulares do direito às tutelas coletivas, bem como quem sofra lesão em extensão coletiva ou transcendente, que repercuta na saúde, segurança, ordem ou economia pública.

3- Competência e hipóteses de cabimento

A apreciação do pedido de suspensão da segurança cabe ao presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra decisão concessiva de provimento liminar, antecipatório ou final de mérito.

O que define a competência, em verdade, é o fundamento extraído da causa petendi da petição inicial da parte autora, sendo irrelevantes os motivos invocados na decisão que se pretende suspender ou aqueles suscitados no próprio pedido de suspensão.

No caso de Juiz estadual com jurisdição delegada federal, o pedido será dirigido ao Tribunal Regional Federal (TRF) competente.

No caso da União intervir em processo na Justiça Estadual (sem competência delegada), o pedido de suspensão deverá ser ajuizado no Tribunal de Justiça (ou, segundo doutrina, no TRF, que se manifestará sobre a competência da Justiça Federal, cabendo ao Juiz estadual declinar de sua competência para a Justiça Federal, ou suscitar conflito perante o STJ)[4].

No caso de pedido de suspensão da segurança contra sentença de Juiz estadual, a União deverá dirigir pedido ao Tribunal de Justiça competente, pois, nesse caso, já há sentença, que não pode ser modificada pelo Juiz (art. 463 do CPC). Caberá ao Tribunal de Justiça, se for hipótese, reconhecer a incompetência da Justiça estadual e remeter os autos à Justiça Federal.

No caso de pedido de suspensão da segurança contra decisão de membro de Tribunal, será competente o STJ ou STF, conforme a matéria questionada (infraconstitucional ou constitucional, respectivamente).

A decisão concessiva de liminar ou tutela antecipada em agravo de instrumento é irrecorrível, cabendo apenas pedido de reconsideração. Em tal hipótese, o pedido de suspensão da segurança será dirigido ao STF ou STJ. Contudo, nos demais casos, em que a decisão do Relator é impugnável por agravo regimental (ou instrumento), é defensável que o pedido de suspensão da segurança seja dirigido ao Presidente do Tribunal, porém, alguns doutrinadores[5]  entendem que, mesmo nesses casos o, pedido deverá ser dirigido ao STF e STJ, conforme a matéria prequestionada na decisão recorrida (constitucional ou infraconstitucional).

Havendo concomitantemente matérias constitucional e infraconstitucional, o pedido de suspensão será ajuizado para o STF, pois, como consabido, a matéria constitucional absorve a matéria infraconstitucional.

Caso o provimento de urgência seja dado por Tribunal Superior, caberá a suspensão da segurança perante o Presidente do STF, se a matéria for constitucional, e se não for constitucional, não caberá suspensão da segurança.

Na hipótese de agravo de instrumento em face de decisão de Juiz que concede liminar ou tutela antecipada em face da Fazenda Pública, o acórdão do Tribunal que conhecer do agravo e negar-lhe provimento substitui a decisão monocrática, cabendo suspensão da segurança ao Presidente do STF ou do STJ, conforme a matéria questionada. Contudo, se o acórdão do Tribunal não conhecer do agravo de instrumento, ou reconhecer o error in procedendo do Juiz, determinando a anulação da decisão agravada, não haverá substituição da decisão, cabendo o pedido de suspensão ao Presidente do próprio Tribunal.

Não há vedação ao ajuizamento concomitante de suspensão de segurança e de agravo de instrumento, pois o agravo de instrumento é recurso (com prazo, pedido de reforma, efeito devolutivo amplo, etc.) e o pedido de suspensão de segurança, como visto anteriormente, não é recurso.

4- Procedimento:

O pedido de suspensão será dirigido ao Presidente do Tribunal pela Fazenda Pública interessada, não podendo haver pedido de suspensão de ofício pelo Juiz prolator da decisão questionada.

Embora a lei não preveja requisitos formais para o pedido de suspensão, deverá o autor fazer a narração de fatos e fundamentos jurídicos, promover a juntada de cópia da decisão hostilizada e demonstrar dano a interesses públicos primários, bem como formular pedido requerendo a suspensão da decisão.

 Apresentada a inicial, o Presidente do Tribunal poderá, alternativamente: a) mandar emendar a petição; b) indeferir liminarmente o pedido; c) determinar a intimação do autor e do Ministério Público para se pronunciarem em 72 horas; ou d) conceder liminarmente o pedido.

O pedido de suspensão pode ser ajuizado a qualquer tempo, até o trânsito em julgado da decisão que se quer suspender. Acolhido o pedido de suspensão por Tribunal Superior, a sustação vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação principal, não sendo atingido pela superveniência de sentença ou de outra decisão que confirme a liminar ou o provimento de urgência anteriormente deferido, ou seja, há ultratividade da decisão que concede a suspensão da segurança. Já no caso do acolhimento do pedido de suspensão pelos Tribunais locais (TJ ou TRF), as respectivas decisões não vigoram até o trânsito em julgado, mas somente até a prolação de acórdão que substitua a sentença, pois, a partir daí, a questão passa a ser da competência recursal do STF e do STJ, que são Tribunais hierarquicamente superiores aos Tribunais locais.

O mesmo entendimento supra se aplica ao mandado de segurança (nos termos da Súmula 626 do STF e do art. 4º, § 9º, da Lei n. 8437/92), desde que o fundamento da sentença coincida, total ou parcialmente, com o da liminar.

No caso de decisão que determina o cumprimento provisório do acórdão objeto da concessão da suspensão da segurança pelo Presidente do STF, caberá reclamação ao STF. Isso visa preservar a hierarquia dos Tribunais Superiores dentro do Poder Judiciário.

Da decisão do Presidente do Tribunal que defere ou indefere pedido de suspensão (inclusive em mandado de segurança) cabe agravo interno ao Plenário ou Corte Especial, em 5 dias, sem necessidade de inclusão em pauta. Isso se deve ao cancelamento da Súmula 506 do STF (que apenas admitia agravo interno da decisão que concedia a suspensão da segurança), em razão do suprimento da lacuna da Lei n. 4348/64 e do art. 15 da Lei n. 12016/2009 pela lei n. 8437/92, que se aplica a todos os provimentos de urgência contra a Fazenda Pública. Nesse caso, não se aplica o art. 188 do CPC, pois se trata de prazo específico legal (segundo o STF), havendo entendimento contrário do STJ, que entende cabível, também nesse caso, o prazo em dobro para a Fazenda, em razão da ausência de norma específica em sentido contrário. 

Como não cabe recurso especial e extraordinário em face do acórdão do Tribunal que julga o agravo interno da decisão que concede provimentos liminares em face da Fazenda Pública, não resta à Fazenda pública alternativa senão renovar o pedido de suspensão para o STF ou STJ, conforme a matéria. Já em relação ao mandado de segurança, a legislação específica (art. 15, § 1º, da Lei n. 12016/2009) não condiciona o pedido de renovação da suspensão da segurança à interposição do agravo interno, podendo, desde logo, caso indeferido o pedido de suspensão, ser renovado o pedido perante os Tribunais Superiores. Entretanto, como a Súmula 506 do STF foi cancelada, passou-se a admitir, em mandado de segurança, agravo interno contra a decisão do Relator que denega o pedido de suspensão, devendo ser necessário, primeiramente, interpor esse agravo e, conforme a decisão nele proferida, ser requerida novo pedido de suspensão perante os Tribunais Superiores. Logo, não cabe “suspensão da suspensão”.

Por fim, nos termos do art. 4º, § 8º, da Lei n. 8437/92, no caso de demandas repetitivas, permite-se que o presidente do Tribunal, em uma única decisão, suspenda, a um só tempo, várias liminares que tenham idêntico objeto, podendo-se, ainda, estender a suspensão já deferida a novas liminares que venham ser concedidas posteriormente, por simples aditamento.

5- Conclusão

A suspensão de segurança constitui uma forma utilizada para suspender liminar ou sentença judicial, nas ações movidas em face do Poder Público ou de seus agentes, quando houver manifesto interesse público, a fim de evitar grave lesão à ordem, saúde, segurança e/ou economia pública.

A suspensão de segurança só será deferida se houver requerimento expresso da pessoa jurídica interessada, sendo, portanto, incabível a concessão de ofício pelo magistrado.

Quanto à natureza jurídica, prevalece o entendimento de que a suspensão da segurança se trata de um mero incidente processual, com finalidade de contracautela , voltado a subtrair da decisão a sua eficácia.

São legitimados para a suspensão, em síntese, todos os titulares do direito às tutelas coletivas, bem como quem sofra lesão em extensão coletiva ou transcendente, que repercuta na saúde, segurança, ordem ou economia pública.

O pedido de suspensão pode ser ajuizado a qualquer tempo, até o trânsito em julgado da decisão que se quer suspender.

A apreciação do pedido de suspensão da segurança caberá, em regra, ao presidente do Tribunal que teria competência para julgar o recurso contra decisão concessiva de provimento liminar, antecipatório ou final de mérito.

Da decisão do Presidente do Tribunal que defere ou indefere pedido de suspensão (inclusive em mandado de segurança) cabe agravo interno ao Plenário ou Corte Especial.

Referências
– Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12ª. Edição: 2012.
– DIDIER JR., Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. Salvador/BA: Editora Juspodivm, 2009, v. 3, p. 481.
 
Notas:
[1] 2ª Turma do STJ, Relator Ministro Castro Meira, julgado em 19/02/2004, publicação em 05/04/2004, DJ p. 218.

[2] Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12ª. Edição: 2012

[3] A propósito: STJ, AgRg na SLS 313/CE, relator Ministro Barros Monteiro, Corte Especial, julgamento em 23/11/2006: “A concessionária de serviço público, atuando na defesa de interesses particulares, não tem legitimidade para pedir a suspensão de liminar”.

[4] Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Op. Cit.

[5] Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Op. Cit.


Informações Sobre o Autor

Artur Barbosa da Silveira

Procurador do Estado de São Paulo (PGE/SP). Ex-Advogado da União. Ex-Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Graduado em Direito pela Universidade Mackenzie/SP. Especialista em direito público, direito processual civil e direito tributário. Pós-graduando em direito previdenciário


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