Resumo: Este estudo analisa a possibilidade, viabilidade e necessidade de aplicação da teoria das cargas dinâmicas probatórias no âmbito do Processo do Trabalho, sob a perspectiva dos princípios que o informam e de suas peculiaridades, decorrentes da espécie de relação jurídica – relação de trabalho, que envolve, em geral, uma parte economicamente mais forte, em posição privilegiada, e outra em posição menos favorável, devido a sua condição econômica mais frágil – envolvida nesses casos. Por meio da análise de conceitos pertinentes, relativos ao ônus da prova propriamente dito, será possível uma reflexão acerca da natureza e utilidade dessa distribuição do ônus probatório, que se relaciona com orientação de julgamento e de conduta processual. A partir daí, após o exame dos Princípios próprios do Processo do Trabalho e após a enumeração dos dispositivos legais aplicáveis e das Súmulas e Orientações Jurisprudenciais em vigor, oriundas da Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, serão examinadas as alternativas de flexibilização das regras clássicas de distribuição do ônus da prova. Das duas hipóteses de flexibilização, que incluem a inversão do ônus da prova, oriunda do Código de Defesa do Consumidor, destacamos a teoria das cargas dinâmicas probatórias, mediante exame da Doutrina disponível acerca do tema, tomando-se como ponto de partida a origem dessa teoria, com a análise de textos dos principais doutrinadores que enfrentam o tema, originário da Argentina, e, em seguida, focando-se em doutrinadores brasileiros que trataram do tema no âmbito do Processo do Trabalho, a fim de que se possa aferir acerca de sua compatibilidade esse ramo do Direito.
Palavras-Chave: Processo do Trabalho, Ônus da Prova, Inversão do Ônus da Prova, Cargas Dinâmicas Probatórias.
Sumário:
1. Apreciação da prova. 2. Ônus da prova. 3. Especificidades do processo do trabalho. 3.1. Princípios aplicáveis. 3.1.1 Princípio da Proteção. 3.1.2 Princípio da Busca da Verdade Real. 3.1.3 Princípio da Indisponibilidade. 3.1.4 Princípio da Conciliação. 3.1.5 Princípio da Normatização Coletiva. 3.2. Ônus da prova no processo do trabalho. 3.2.1 Os dispositivos legais aplicáveis. 3.2.2 Jurisprudência. 4. Alternativas à regra geral da distribuição do ônus probatório. 4.1 Inversão do Ônus da Prova Prevista no Código de Defesa do Consumidor. 4.2 Teoria das Cargas Dinâmicas Probatórias. 4.3 Momento de aplicação: regra de julgamento ou de instrução. 5. Aplicação da inversão do ônus da prova e da teoria da carga dinâmica da prova no processo do trabalho. Considerações finais
1 – Apreciação da prova
A apreciação da prova pelo juiz não se dá de forma meramente intuitiva. Consiste em tarefa que segue regras previstas em lei, e que teve significativa evolução ao longo da história, mormente em função dos câmbios democráticos e humanísticos verificados na ciência do Direito.
Descrevendo essa evolução histórica, Santos arrola os critérios de apreciação das provas, que se agrupam em três sistemas: critério positivo, ou legal; critério da livre convicção e critério da persuasão racional.
O sistema positivo, ou legal, é aquele que se baseia nas ordálias, ou juízos de deus, que consistia em submeter alguém a uma prova. Resistindo a pessoa sem sinais ou mesmo com vida, presumia-se tivesse dito a verdade.[1] Exemplo de ordália: caminhar sobre brasas (se a pessoa terminasse a provação sem queimaduras, era considerada inocente). Nesse sistema dito positivo, ocorre o que se denomina tarifamento das provas. Ou seja, o valor das provas é previamente estabelecido, tarifado, de forma inflexível, de tal modo que o juiz não tem voz ativa, cinge-se a aplicar a tabela legal.[2]
No sistema da livre convicção, o juiz tem liberdade para apreciar as provas, e sua convicção se forma não apenas da prova colhida, mas de seu conhecimento e das impressões que extraiu do processo, tudo isso sem necessidade de justificar os motivos que o levaram à conclusão obtida.[3]
Por fim, no sistema da persuasão racional, ou convencimento racional, o juiz, apesar de ter liberdade na apreciação da prova, deve fundamentar a sua decisão, que deverá seguir regras jurídicas.[4] É esse o sistema vigente no nosso ordenamento jurídico, consoante se verifica no art. 93, IX, da CRFB[5] e art. 131, do CPC[6].
2 – Ônus da prova
A teoria clássica do ônus da prova, que, segundo Santos, foi concebida por Lessona, Mattirolo, Ricco, Garsonnet e Bru, João Monteiro, entre outros, estabelece que o ônus da prova incumbe à parte que alega a existência ou a inexistência de um fato, do qual intenta induzir uma relação de direito.[7] Soares de Faria destaca a influência de Lessona, para dizer que foi a partir dos preceitos por este formulados que se concebeu a regra segundo a qual “o autor deve provar o fundamento da sua acção, o réu, da sua excepção”.[8]
Assim, a teoria dominante é aquela segundo a qual o autor tem o ônus de provar os fatos constitutivos do seu direito, e o réu, de provar os fatos impeditivos, modificativos e extintivos do direito alegado pelo autor.[9]Conforme se denota do disposto no art. 333, CPC[10], essa teoria foi positivada no ordenamento jurídico brasileiro, e foi mantida no Novo Código de Processo Civil, conforme a redação de seu art. 373.[11]
Contudo, há que se perquirir qual a finalidade da regra processual que distribui o ônus da prova. Com efeito, não se trata de dispositivo meramente condutor do processo e que dá às partes as diretrizes acerca das provas que devem produzir em juízo. Mais que isso, a regra de distribuição do ônus da prova consiste em norma direcionada ao Juiz, como critério de julgamento.
Isso ocorre porque o Juiz, ao apreciar a controvérsia, em cotejo com as provas produzidas, não raro se depara com inconsistências, situações controversas e provas frágeis. Como não lhe é dado deixar de decidir (vedação do non liquet[12]), o Magistrado se vale, então, das regras de distribuição do ônus da prova, para verificar, no caso concreto, qual das partes não se desincumbiu de seu ônus a contento, e, assim, decidir a demanda em desfavor de quem não produziu a prova que deveria ou não o fez de forma convincente.[13]
Nesse sentido, Schiavi esclarece que, em razão do princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CRFB, o Juiz não pode deixar de julgar uma ação em razão da deficiência da prova. Desse modo, refere o autor que a aplicação da regra de ônus da prova como fundamento de decisão é uma necessidade do processo contemporâneo.[14]
Esclarecida a importância e a finalidade da regra de distribuição do ônus probatório, passamos a analisar as especificidades do tema no processo do trabalho.
3 – Especificidades do processo do trabalho
3.1 Princípios aplicáveis
No âmbito do direito processual do trabalho, além dos princípios constitucionais[15] e dos princípios próprios do Processo Civil[16], temos os princípios que são específicos do Processo do Trabalho, acerca dos quais convém apresentar breves considerações. Há divergências entre os doutrinadores, sendo que os princípios arrolados podem variar de 20 a apenas 1, de acordo com o autor. Todavia, alguns desses princípios têm maior relevância e são repetidos por quase todos os autores:
3.1.1 Princípio da Proteção
Trata-se de princípio que visa equilibrar a relação entre reclamante e reclamada. A essência protecionista presente no Direito do Trabalho irradia seus efeitos ao processo que o instrumentaliza.[17]Camino, ao comentar sobre o princípio da proteção, refere que este é traduzido pela ideia de compensação, ou seja, compensa-se, no âmbito jurídico, a desigualdade existente no plano econômico, favorecendo-se, portanto, o empregado (hipossuficiente).[18]
Martins destaca que se trata de princípio de vigência internacional, e chega a afirmar que se trata do único princípio, ou do verdadeiro princípio do Processo do Trabalho.[19]
3.1.2 Princípio da Busca da Verdade Real
Conforme Bezerra Leite, o princípio da busca da verdade real deriva do princípio de direito material consistente na primazia da realidade.[20]Encontra-se positivado no art. 765 da CLT, que prevê que o Juiz do Trabalho poderá determinar qualquer diligência que se faça necessária ao esclarecimento da causa.
3.1.3 Princípio da Indisponibilidade
É princípio que também deriva do direito material, relacionando-se ao princípio da irrenunciabilidade[21], implicando na impossibilidade de o empregado (ou o sindicato, nas ações plúrimas ou coletivas) renunciar a direitos trabalhistas considerados de ordem pública, como, por exemplo, o direito ao intervalo intrajornada ou às férias.
3.1.4 Princípio da Conciliação
No Processo do Trabalho, busca-se sempre a conciliação, como forma primordial de se solucionar a demanda, tanto que o Juiz deve propor a conciliação antes de recebida a defesa e após a apresentação das razões finais no processo ordinário e, tratando-se de processo sumaríssimo, poderá fazê-lo a qualquer tempo.[22]
A conciliação, aqui, não se confunde com transação ou conciliação extrajudicial, pois se trata de acordo no âmbito de ação judicial, em que o Juiz atua ativamente como mediador.[23]
3.1.5 Princípio da Normatização Coletiva
É o princípio que corresponde ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, competência exclusiva dessa Justiça Especializada, que lhe permite criar normas para regular a relação entre determinada categoria profissional e econômica, por meio da sentença normativa.[24]Está previsto no parágrafo 2º do artigo 114 da Constituição da República.
3.2 Ônus da prova no processo do trabalho
3.2.1 Os dispositivos legais aplicáveis
No processo do trabalho, a distribuição do ônus da prova se encontra prevista no art. 818 da CLT, que assim dispõe: A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.
Não obstante a existência dessa regra específica, Doutrina e Jurisprudência aplicam, subsidiariamente, o art. 333 do CPC. Compartilham desse entendimento Bezerra Leite[25], Oliveira[26], Pinto Martins[27], entre outros. Schiavi, que também defende a aplicabilidade do art. 333 do CPC no âmbito do processo trabalhista, lembra que o art. 818 consolidado não resolve situações de inexistência de prova no processo, ou de conflito entre as provas produzidas pelas partes.[28]
Teixeira Filho, voz isolada nessa questão, defende ferrenhamente que não se aplica o 333 do CPC ao Processo do Trabalho, em razão da inexistência de lacuna, diante da norma especifica (818, CLT).[29] Não obstante, concorda com a aplicação do CDC.[30]
Aliás, o TST pacificou a aplicação do disposto no art. 333 do CPC ao Processo do Trabalho, conforme se infere da Súmula 06, VIII: É do empregador o ônus da prova do fato impeditivo, modificativo ou extintivo da equiparação salarial. A entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil não deve alterar essa questão, eis que, como já visto, o dispositivo antes representado pelo art. 333 segue com a mesma redação, doravante no art. 373.
3.2.2 Jurisprudência
Algumas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do Tribunal Superior do Trabalho abordam o tema da distribuição do ônus da prova:
– Súmula 6, item VIII: reproduz a regra do art. 333 do CPC, explicitando a sua aplicação no processo do trabalho, no caso, em relação à prova da equiparação salarial.
– Súmula 16: dispõe que se presume entregue a notificação após decorridas 48 horas da postagem, sendo que o destinatário é quem tem o ônus de provar o não recebimento ou a entrega após o mencionado prazo.
– Súmula 212: especifica que é do empregador o ônus da prova acerca do término do contrato de trabalho, nas hipóteses em que é negada a prestação de serviço ou a despedida, tendo em vista a presunção favorável ao empregado, decorrente do princípio da continuidade da relação de emprego.
– Súmula 338: traz previsão de presunção de veracidade da jornada alegada pelo empregado quando o empregador que tem a obrigação de manter registro do ponto não apresenta em juízo os respectivos cartões, ou apresenta registros invariáveis.
– Orientação Jurisprudencial 233 da Seção de Dissídios Individuais, Subseção I: refere-se à hipótese de decisão que reconhece a prestação de horas extras, com base em prova oral ou documental, e estabelece que não restará a sentença limitada ao tempo abrangido pela prova, caso o julgador se convença de que a situação ocorreu por período maior que o demonstrado nos autos.
Verificadas as disposições legais e Jurisprudenciais acerca do ônus probatório no Processo do Trabalho, passaremos a discorrer sobre as exceções legais e doutrinárias em relação à regra de distribuição adotada no CPC e na CLT.
4 – Alternativas à regra geral da distribuição do ônus probatório
Vimos que tanto a CLT quanto o CPC estabelecem regras rígidas quanto à distribuição do ônus da prova, atribuindo ao autor o ônus de comprovar os fatos constitutivos de seu direito e, ao réu, o ônus quanto aos fatos impeditivos, extintivos e modificativos do direito alegado pelo autor.
Todavia, essa noção estática da distribuição do ônus probatório há muito vem sendo criticada pela Doutrina. Knijnik destaca que a violação do direito à prova pode implicar, de um lado, a inutilidade da ação judiciária[31], e que a manifesta injustiça que decorre dessa violação (em razão da aplicação estrita da regra processual de distribuição do ônus da prova) implica na inviabilização do acesso útil ao Poder Judiciário, violando-se, ainda que de forma oculta, o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.[32] Zaneti entende que, em casos específicos, se aplicadas friamente as regras abstratas e estáticas de distribuição do ônus da prova, restará inviabilizado o reconhecimento do próprio direito de um dos litigantes integrantes da relação jurídica processual."[33]
Assim, a fim de viabilizar a concretização do acesso à justiça, muitas vezes se faz necessária a inversão do ônus da prova, como prevê o Código de Defesa do Consumidor, ou a adoção de outras modalidades de distribuição do ônus probatório, como preconiza a doutrina. A seguir, veremos como se dá essa flexibilização da carga probatória prevista na CLT e no CPC.
4.1 Inversão do Ônus da Prova Prevista no Código de Defesa do Consumidor
Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, foi positivada no nosso ordenamento jurídico a possibilidade de inversão do ônus da prova, em favor do consumidor, conforme inciso VIII do art. 6º da referida Lei, nº 8078/90.[34]
O dispositivo em exame tem o objetivo de proteger o consumidor, que, em regra, é a parte hipossuficiente[35] da relação de consumo, já que o fabricante, vendedor ou prestador do serviço é quem detém o controle sobre os meios de produção e, portanto, tem mais condições de produzir a prova relacionada a seu produto ou serviço. Com efeito, tratando-se, por exemplo, de um eletrodoméstico, é evidente que o fabricante tem todas as condições de demonstrar a origem de determinado defeito no produto, não se mostrando justo exigir do consumidor a realização da prova nesse sentido.
4.2 Teoria das Cargas Dinâmicas Probatórias
A teoria da carga dinâmica probatória é atribuída ao argentino Jorge W. Peyrano (e este atribui a inspiração a J. Bentham), e é também conhecida como carga dinâmica da prova e carga da prova compartilhada. Trata-se de doutrina que flexibiliza a rígida distribuição do ônus probatório, positivada em Lei. A teoria em exame foi concebida em razão da dificuldade inerente à comprovação de questões relativas a ações de dano moral por erro médico, visto que, em tais hipóteses, o autor (paciente vítima do erro médico) tem pouca ou nenhuma condição de comprovar a ocorrência do erro. Sua aplicação, contudo, se expandiu para outros segmentos do direito.[36]
Convém destacar a conclusão sintetizada em 1992, durante a Quinta Jornada Bonaerense de Direito Civil, Processual e Informático:
“A chamada doutrina das cargas probatórias dinâmicas pode e deve ser utilizada pelos Juízos em determinadas situações nas quais não funcionariam adequada e valiosamente as previsões legais que, como norma, repartem os esforços probatórios. A mesma importa um deslocamento do ônus probandi, segundo referem as circunstâncias do caso, em cujo mérito aquele possa recair, por exemplo, sobre quem está em melhores condições técnicas, profissionais ou fáticas para produzi-las, para além da condição de autor ou demandado ou de se tratar de fatos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos”.[37]
Rambaldo sustenta que a teoria das cargas dinâmicas probatórias representa um giro epistemológico no modo de encarar o fenômeno probatório, uma vez que se passa a adotar a perspectiva da finalidade do processo e do valor justiça e não mais a do simples cumprimento de formas processuais abstratas.[38]Além disso, refere o autor argentino que esse novo ponto de vista permitiu a incorporação da conduta processual das partes como argumento, como fonte ou meio de prova.[39]
Conforme White, a mencionada teoria vem equilibrar as partes, que, muitas vezes, não se encontram em igualdade de condições, como pressupõe a teoria clássica, adotada nas leis processuais da Argentina (e também no Brasil):
“A doutrina se preocupou tanto em resguardar e proteger o bem denominado liberdade, em todas as suas formas e expressões, que esqueceu que, muitas vezes, esse ideal não é alcançado quando as partes que são beneficiadas por ele não se encontram em igualdade de condições. Esqueceu que o livre, lógico, razoável e inclusive justo pode não ser equitativo. E esqueceu de acompanhar as mudanças pelas quais o direito substantivo passou durante os últimos cem anos.”[40]
Zaneti menciona que a teoria da carga dinâmica da prova, tal como idealizada por Peyrano, consiste em aprofundamento das reflexões de Jeremie Bentham acerca do ônus da prova. Segundo Zaneti, a diferença fundamental, em relação à teoria de Peyrano é que, enquanto Bentham pretendia criar uma regra de distribuição do ônus da prova que sempre atribuía à parte com melhores condições de produzir a prova (ou seja, propunha essa teoria como um princípio ou regra geral), Peyrano frisa o caráter excepcional da doutrina das cargas dinâmicas probatórias, que apenas seria aplicável nas hipóteses em que as regras clássicas de repartição do ônus da prova se mostrassem “inoportunas/inadequadas para a busca da verdade e consequente solução do litígio."[41]
Pacífico também sinala que a ideia de atribuir o ônus probatório à parte com melhores condições de produzir a prova não se trata de pensamento novo, referindo que tal ideia deriva de doutrinas já conhecidas, principalmente de Bentham e Demogue. O referido autor também comenta que a teoria de Peyrano se distingue ao propor a complementaridade e subsidiariedade de sua aplicação. Ainda segundo Pacífico, a modificação do ônus probatório deve operar-se sobre o fato específico, em face do qual se constata uma "assimetria de poder probatório".[42]
A teoria em exame não afasta a aplicação das regras positivadas de distribuição do ônus da prova, baseadas na posição processual das partes e na natureza dos fatos a serem provados. Trata-se de teoria crítica, que pretende combater o engessamento e a imobilidade das regras clássicas em determinados casos específicos, nos quais a parte (via de regra, o autor) tenha dificuldade de se desincumbir de seu ônus probatório.[43]
Atribui-se, então, o ônus da prova à parte que tem melhores condições de provar o fato, situação que decorre:
“(a) do papel que essa parte desempenhou no fato gerador da controversia; (b)de estar essa parte na posse de coisas ou documentos essenciais à instrução probatória; (c) de ser essa parte a única que dispõe da prova; (d) de razões técnicas, profissionais ou jurídicas que tem essa parte em determinado caso concreto.”"[44]
O próprio idealizador da teoria esclarece que se trata de doutrina de aplicação excepcional e residual, à qual se deve recorrer ante a comprovação de que o emprego das regras clássicas levaria a soluções manifestamente iníquas.[45]
Ainda, o autor comenta, em resposta aos críticos de sua teoria, que o fato de não se encontrar positivada em lei não afasta sua aplicabilidade, uma vez que a lei não é a única fonte do direito, e que a prática e a Jurisprudência, muitas vezes, contribuem para que inovações ganhem importância e aplicabilidade.[46]
4.3 Momento de aplicação: regra de julgamento ou de instrução
Discute-se o momento em que o juiz deve aplicar a inversão do ônus da prova ou a doutrina das cargas dinâmicas probatórias.
Machado entende que a inversão do ônus da prova deve ser definida no início da audiência de instrução, a fim de privilegiar a segurança jurídica.[47] Já Bezerra Leite afirma que a inversão do ônus da prova é regra de julgamento e, portanto, não há necessidade de o juiz, antes da sentença, estabelecer a sua incidência.[48]
Como visto, não há consenso na Doutrina, cabendo ao julgador posicionar-se no caso concreto, fundamentando seu entendimento.
Todavia, é certo que, tendo em vista a função da regra de distribuição do ônus da prova[49], muitas vezes a necessidade de aplicação de regras alternativas à clássica atribuição do ônus probatório somente é percebida no momento do julgamento, que é quanto o magistrado analisa as provas produzidas, em cotejo com as alegações e teses contidas nos autos. Contudo, também é evidente que a modificação da distribuição do ônus da prova implica em frustração da expectativa da parte, que, confiando na aplicação da norma estática contida no CPC e na CLT, muitas vezes não se empenha na produção de provas. Por essa razão, e até mesmo a fim de privilegiar a busca pela verdade real, parece lógico que o juiz alerte às partes, quando da audiência inaugural, acerca da possibilidade de adoção de inversão do ônus da prova ou distribuição dinâmica deste, a fim de que os litigantes possam se empenhar mais na produção da prova.
A discussão, contudo, restou exaurida em razão da redação do parágrafo primeiro do art. 373 do NCPC, que assim prevê:
“§ 1o Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído”.
Ou seja, ao especificar que o juiz deve oportunizar à parte a qual está incumbindo o ônus da prova a possibilidade de desincumbir-se do ônus atribuído, deixa claro o NCPC a opção pelo critério da regra de instrução.
5 – Aplicação da inversão do ônus da prova e da teoria da carga dinâmica da prova no processo do trabalho
A possibilidade de flexibilização das regras de distribuição do ônus da prova, previstas nos artigos 818 da CLT e 333 do CPC (e no art. 373 do NCPC), mediante aplicação da inversão do ônus da prova trazida pelo CDC e da teoria das cargas dinâmicas probatórias, se coaduna com a essência do Processo do Trabalho, que sempre teve índole mais inovadora e vanguardista que o próprio processo civil, tradicionalmente mais rígido e formal.
Os princípios do Processo do Trabalho, mormente os princípios da proteção e da busca da verdade real, identificam-se plenamente com a aplicação dessas ferramentas de flexibilização da distribuição do ônus da prova, especialmente a teoria da carga dinâmica da prova, que vai mais além da mera inversão do ônus probatório, para redefinir, caso a caso e pedido a pedido, a qual das partes incumbe a prova, em caso de inviabilidade da incidência justa da regra clássica positivada.
Schiavi defende essa possibilidade de flexibilização:
“A carga dinâmica do ônus da prova tem suporte nos princípios da aptidão para a prova, cooperação processual, boa-fé objetiva das partes no processo e também em critérios de justiça e razoabilidade. O Juiz do Trabalho, como reitor do processo (art. 765, da CLT), deve ter a sensibilidade, à luz das circunstâncias do caso concreto, de atribuir o encargo probatório ao litigante que possa desempenhá-lo com maior facilidade”.[50]
Da mesma forma, Zanetti é favorável à aplicação da teoria em exame, referindo a necessidade de colocar as artes em necessário e indispensável equilíbrio processual, considerando que, em geral, o empregador se encontra em posição privilegiada relativamente ao material probatório a sua disposição.[51] O mesmo autor defende que a aplicabilidade da teoria se extrai dos poderes instrutórios do juiz, conferidos pelo art. 130[52]e sustenta que é desnecessária a alteração legislativa para incluir especificamente a aplicabilidade da teoria, tendo em vista que seria aplicada excepcionalmente.[53]
Destacando a desigualdade existente entre as partes do Processo do Trabalho, Reis de Paula argumenta que, em razão dessa desigualdade do trabalhador, o processo civil não é adequado instrumento, visto que se baseia na igualdade dos sujeitos,[54]situação que, evidentemente, não ocorre no Processo do Trabalho, sendo que isso se reflete nas provas, porque o empregador, em geral, tem mais facilidade probatória.[55] O autor defende a aplicação do princípio da aptidão para a prova e a inversão do ônus da prova prevista no CDC, entendendo que há similitude entre a situação processual do consumidor e a do trabalhador. [56] Nesse sentido, o referido princípio da aptidão para a prova reúne os mesmos pressupostos da teoria das cargas dinâmicas probatórias, podendo aquele ser considerado como inserido nesta.
Também entendendo que o trabalhador se encontra em posição análoga à do consumidor, SAKO defende a aplicação do CDC.[57]Da mesma forma, Bezerra Leite, que defende que a possibilidade de aplicação do fenômeno se dá por interpretação do artigo. 852-D da CLT[58], e não apenas em relação ao processo sumaríssimo.[59]
Desse modo, tendo em conta que a teoria das cargas dinâmicas probatórias, como já referido, traz possibilidades mais amplas que a inversão do ônus da prova contida no CDC, é natural que se passe a adotar, cada vez mais, a referida teoria no âmbito do Processo do Trabalho. De fato, se trata de ferramenta que se coaduna com os Princípios do Processo do Trabalho, e que contribui para a concretização desses princípios, promovendo o justo equilíbrio entre as partes.
É de se sinalar crítica de Nery Junior a respeito da aplicabilidade da teoria em exame. O doutrinador sustenta a inutilidade do procedimento ora defendido, sob o fundamento de que o art. 131 do CPC supriria essa necessidade. Ousamos discordar da conclusão do mestre, pois, na verdade, o art. 131 do CPC diz respeito às provas que o juiz pode determinar de ofício, o que não se confunde com o ônus atribuído às partes na demonstração dos fatos e direitos. Assim, por exemplo, não se convencendo acerca de determinada questão, o juiz pode determinar a produção de uma prova pericial, de ofício, mas o resultado dessa prova e a própria responsabilidade pelas despesas decorrentes em sede de sucumbência, é determinada pelo ônus probatório, mostrando-se portanto, útil o redimensionamento dinâmico.
No cenário inaugurado pelo Novo Código de Processo Civil, a questão restará sedimentada, pois o novo diploma positiva a utilização da distribuição dinâmica, conforme o já mencionado parágrafo primeiro do art. 373. A aplicação subsidiária no Processo do Trabalho está assegurada, em razão da já demonstrada compatibilidade do instituto aos princípios trabalhistas, em atenção ao disposto no art. 769 da CLT.
Considerações finais
Como visto, as formas de flexibilização da distribuição do ônus probatório, quais sejam a inversão do ônus da prova do CDC e a teoria das cargas dinâmicas probatórias, vêm sendo bem recebidas pela Doutrina.
Por seu caráter mais amplo e em razão de sua característica de subsidiariedade, a teoria das cargas dinâmicas probatórias se coaduna com o Processo do Trabalho, nada impedindo a sua aplicação nas decisões dos magistrados trabalhistas e sua invocação pelos advogados militantes nessa seara.
De fato, se trata de teoria que ajuda a efetivar o princípio mais caro ao Processo do Trabalho, o Princípio da Proteção, visto que, ao permitir a modulação dinâmica da distribuição das cargas probatórias, permite ao juiz verificar, no caso concreto, a quem deve ser atribuído o encargo da prova, de modo a sanar iniqüidades advindas da rígida distribuição oriunda da teoria clássica, positivada em nosso sistema processual.
Dá-se efetividade, portanto, à proteção objetivada na CLT e, mais intensamente, na Constituição da República.
Não se trata de simples subterfúgio a lastrear decisões pobres de argumentação, e, sim, de ferramenta útil à tarefa de equilibrar as forças presentes na demanda trabalhista. Permite-se, assim, que o processo se torne espaço para a atuação ativa das partes na busca pela verdade real. Por fim, deixa-se de premiar quem, apática e comodamente, confia na simplista regra do ônus estático da prova, para dar-se efetivo estímulo ao exercício da boa-fé no âmbito da conduta processual.
Informações Sobre o Autor
Ana Lucia Stumpf Gonzalez
Pós-Graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Rede de Ensino Luiz Flavio Gomes Universidade Anhagüera Uniderp. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Analista Judiciário junto ao Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região