Foi cobrado a mais do acordado? Pagou e o credor disse que não? Saiba mais sobre a repetição de indébito

Imagine a seguinte situação: você se dirigiu até uma concessionária de carro porque deseja comprar um veículo novo. Após a escolha do modelo, acordou com a vendedora que o pagamento seria feito em 24 vezes de R$1.500,00. Porém, quando achava que as cobranças no cartão de crédito já haviam cessado, para a sua surpresa, elas continuaram por mais dois meses.

Enquanto cliente, tentou sanar o caso diretamente com a empresa. Não obtendo o resultado esperado, restou-lhe a opção do ingresso de uma ação judicial a fim de reaver o montante cobrado a mais. Nesse contexto, é que firma-se o instituto da repetição de indébito (ou repetitio indebiti, em latim).

 

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Então… o que é repetição de indébito?

Repetição de indébito é um conceito comumente utilizado na ocasião em uma pessoa (seja ela física ou jurídica) requer a devolução de um valor que lhe foi cobrado de forma indevida.

 

Segundo o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves (2019, p. 48), “o pagamento indevido constitui um dos modos de enriquecimento sem causa. Este representa o gênero do qual aquele é espécie. Desde o direito romano se proclama que ninguém pode locupletar-se, sem causa ou razão jurídica, com o alheio (nemo potest locupletari detrimento al-terius)”.

 

O enriquecimento sem causa de que trata o parágrafo anterior é uma conduta ilícita reconhecida pelo Código Civil de 2002 (CC/2002) da seguinte maneira:

 

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único. Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restituí-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido.

Art. 885. A restituição é devida, não só quando não tenha havido causa que justifique o enriquecimento, mas também se esta deixou de existir.

 

De modo específico e com essência civilista, a repetição de indébito encontra previsão em certas esferas do Direito, tais como do Consumidor e Tributário.

 

O entendimento legal e jurisprudencial acerca da repetição de indébito

No sistema jurídico brasileiro, a repetição de indébito se configura como um instituto com múltiplas aplicabilidades e concepções.

O CC/2002, em seu artigo 876, por exemplo, diz que “todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição”.

Já o Código de Defesa do Consumidor (CDC) disciplina a questão da repetição de indébito no parágrafo único, do artigo 42, assim: “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável”.

A repetição do indébito no contexto do Código Tributário Nacional (CTN) está intimamente vinculada ao pagamento indevido de tributos, em conformidade com o que apontam os artigos 165, 166, 167, 168 e 169 na sequência abaixo:

 

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

 

Art. 166. A restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.

 

Art. 167. A restituição total ou parcial do tributo dá lugar à restituição, na mesma proporção, dos juros de mora e das penalidades pecuniárias, salvo as referentes a infrações de caráter formal não prejudicadas pela causa da restituição.

Parágrafo único. A restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.

 

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I – nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário; (Vide art 3 da LCp nº 118, de 2005)

II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

 

Art. 169. Prescreve em dois anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.

Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.

 

(grifo nosso)

No tocante ao Direito Bancário, levando em consideração o disposto nas legislações supracitadas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), na Súmula 322, afirma que “para a repetição de indébito, nos contratos de abertura de crédito em conta-corrente, não se exige a prova do erro”.

 

A título de amostragem quanto à compreensão da jurisprudência do STJ sobre a temática deste tópico em questão, é possível elencar as presentes súmulas:

 

Súmula 412 – A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil.

Súmula 461 – O contribuinte pode optar por receber, por meio de precatório ou por compensação, o indébito tributário certificado por sentença declaratória transitada em julgado.

Súmula 523 – A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.

Súmula 614 – O locatário não possui legitimidade ativa para discutir a relação jurídico-tributária de IPTU e de taxas referentes ao imóvel alugado nem para repetir indébito desses tributos.

Súmula 625 – O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

 

Até aqui, o conhecimento das apreciações legais e jurisprudenciais expostas deslinda sobre aspectos fundamentais para a pleiteação da repetição de indébito. Outrossim, conduz às ideias norteadoras das hipóteses de cabimento e propositura da referida medida.

 

Sobre a repetição de indébito simples e devolução em dobro

Se devedor pagou um valor além do que devia, cabe restituição da quantia excedente por repetição de indébito simples. Porém, caso ele já tenha pago uma determinada dívida e, mesmo assim, o credor efetuar a cobrança, enseja devolução em dobro. É o que preceitua o artigo 940, do CC/2002.

Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.

Todavia, destaca-se que, quando se tratar de devolução em dobro, ela só se dará se restar provada a má-fé do credor, tal como aduz a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT):

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CONSUMIDOR. CONTRATO. CRÉDITO CONSIGNADO. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO CONTRATUAL. REQUISIÇÃO DO BENEFICIÁRIO DO EMPRÉSTIMO. AUSÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL. EXISTÊNCIA. RESTITUIÇÃO DO INDÉBITO. MÁ-FÉ. INEXISTÊNCIA. FORMA SIMPLES. 1. De acordo com a súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça, a instituição financeira responde objetivamente pelos danos causados ao cliente, nos casos de fraude praticada por terceiros. 2. O serviço é defeituoso quando não proporciona a segurança necessária para a sua fruição, eis que não conseguiu impedir a prática fraudulenta (artigo 14, §1º, I, do Código de Defesa do Consumidor), qual seja, a contratação de operação de crédito não requisitada pelo consumidor. 3. Para a fixação do valor dos danos morais devem ser observados alguns parâmetros fixados pela jurisprudência, quais sejam: a extensão do dano ou gravidade da violação, a repercussão na esfera pessoal da vítima, o tempo de permanência da infração, a função preventiva da indenização ou o grau de reincidência do fornecedor e, por fim, o grau de culpa e a capacidade financeira do ofensor, além de respeitar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 4. O artigo 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, e artigo 940, do Código Civil, preveem a repetição do indébito, mas exigem a comprovação de má-fé no momento da cobrança para a restituição na forma dobrada, o que não foi vislumbrado na hipótese dos autos. 5. Não configurada a má-fé da instituição bancária, a restituição deve se dar na forma simples. 6. Recurso da autora conhecido e parcialmente provido. (Acórdão 1300999, 07051425320208070007, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, Terceira Turma Cível, data de julgamento: 11/11/2020, publicado no PJe: 25/11/2020). (grifo nosso)

 

 

Ainda no postulado pela Oitava Turma Cível do TJDFT, através do Acórdão 1293293, de 15 de outubro de 2020, estabelece os requisitos necessários para o ingresso de ação judicial com vistas à devolução em dobro – quer seja pelo preceituado no CDC ou no CC – e elucida pensares no tangente à má-fé:

 

APELAÇÃO. DECLARATÓRIA. NULIDADE. CONTRATO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SÚMULA Nº 297 DO STJ. FRAUDE. CONFIGURAÇÃO. LEGITIMIDADE CONTRATUAL. NÃO COMPROVAÇÃO. FORTUITO INTERNO. SÚMULA Nº 479 DO STJ. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ART. 940 DO CÓDIGO CIVIL. REQUISITOS. MÁ-FÉ. INOCORRÊNCIA. DESCABIMENTO. SÚMULA Nº 159 DO STF. ENTENDIMENTO FIRME NO STJ. DANOS MORAIS. REQUISITOS. NÃO PREENCHIMENTO. INEXISTÊNCIA. […] 8. Para que haja a devolução em dobro (CDC) ou as sanções do pagamento do dobro do valor do indébito (CC, art. 940), é necessária a comprovação de três requisitos, conforme o parágrafo único do artigo 42 do CDC, a saber: 1) que a cobrança realizada tenha sido indevida; 2) que haja o pagamento indevido pelo consumidor; e 3) que haja engano injustificável ou má-fé. Mutatis mutandis, a mesma exigência impõe-se para a repetição ou para a indenização prevista no art. 940 do Código Civil. 9. A má-fé é inerente à atitude humana de quem age com a intenção deliberada de enriquecimento ilícito ao cobrar o que já foi pago, ao receber o que foi cobrado e ao cobrar o que não era devido, sem qualquer engano ou erro justificável. […] 11. As inconsistências do emprego de inteligência artificial e da informatização em geral não podem ser punidas com o rótulo da má-fé, atributo exclusivamente humano, ínsito a quem anota, naquela mencionada caderneta, uma compra que não foi feita ou uma dívida que já foi paga, para dobrar, fraudulentamente, o lucro no fim do mês. 12. Sem os requisitos legais, a devolução do indébito, quando houver cobrança irregular, deve ocorrer de forma simples. […]

 

É ampla a percepção social de que as tratativas administrativas são manifestamente apresentáveis como um caminho de caráter mais amigável, módico e simplificado na resolução de conflitos relacionados à repetição de indébito. Contudo, sabe-se que há momentos nos quais as demandas judiciais se fazem necessárias.

A repetição de indébito, em suma, traz em seu âmago a preocupação com cobranças indevidas. O reconhecimento de sua existência, por meio de legislações variadas, assegura que a pessoa lesionada possa buscar prestação jurisdicional para os direitos que julgar feridos.

 

 

Referência

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: contratos e atos unilaterais. São Paulo: Saraiva, 2020.

 

 

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