Sim, uma pessoa que foi absolvida após responder injustamente a um processo criminal pode processar o Estado e pleitear indenização por danos morais e materiais. O ordenamento jurídico brasileiro prevê que o Estado deve reparar os danos causados por erro judiciário, desde que comprovado que houve equívoco na acusação, prisão ou condução do processo, e que a absolvição não decorreu de dúvidas sobre a culpa, mas sim da comprovação de que o acusado era inocente.
Neste artigo, vamos explicar em detalhes como funciona a responsabilidade civil do Estado por erro judiciário, o que diz a legislação, quais os requisitos para pleitear uma indenização, como reunir provas, quais tipos de dano podem ser reparados, os valores das indenizações reconhecidas pela Justiça e os principais exemplos de casos semelhantes julgados no Brasil.
O que é erro judiciário
Erro judiciário é a falha do sistema de Justiça que leva à condenação ou à imposição de restrições a alguém que posteriormente se prova inocente. Isso pode incluir prisões preventivas indevidas, denúncias injustas, instruções processuais falhas ou condenações anuladas por ausência de provas ou comprovação de inocência.
O erro judicial pode se manifestar por:
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Prisão preventiva decretada sem justa causa
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Prisão após sentença posteriormente anulada ou reformada
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Condenação baseada em provas ilegais ou falsas
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Injusta permanência em regime prisional ou em restrição de liberdade
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Denúncia e exposição pública sem fundamento
Nem todo caso de absolvição configura erro judicial. É preciso que a absolvição reconheça a inexistência do fato criminoso ou a não participação do réu nos fatos, e não apenas a ausência de provas suficientes para condenar.
O que diz a legislação brasileira
A Constituição Federal de 1988 e o Código de Processo Penal garantem expressamente o direito à indenização por erro judicial.
Constituição Federal
O artigo 5º, inciso LXXV, afirma:
“O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.”
Esse dispositivo estabelece o dever de indenizar tanto o condenado injustamente quanto aquele que, mesmo condenado, permaneceu preso por período superior ao determinado.
Código de Processo Penal
O artigo 630 do Código de Processo Penal trata da revisão criminal e estabelece:
“A revisão poderá ser pedida pelo réu ou por seu representante legal, no prazo de dois anos após o trânsito em julgado da sentença condenatória, quando: (…) III – a sentença condenatória for fundada em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos.”
A depender da situação, a revisão criminal pode servir de base para o pedido de indenização.
Quando a absolvição dá direito à indenização
A absolvição por si só não gera automaticamente o direito à indenização. É preciso analisar os fundamentos da decisão que absolveu o acusado e as circunstâncias do processo. Veja os principais critérios:
Absolvição por inexistência do fato ou negativa de autoria
Se a sentença ou acórdão absolve o réu por inexistência do crime ou por não haver prova de que ele foi o autor, isso pode indicar erro na persecução penal. Nesses casos, é possível pleitear indenização por danos morais e materiais, principalmente se o réu foi submetido a prisão preventiva ou a medidas cautelares restritivas.
Absolvição por insuficiência de provas
Quando a absolvição ocorre por falta de provas suficientes para condenar, a jurisprudência costuma ser mais cautelosa. A dúvida sobre a culpa não é interpretada como erro do Estado, pois é uma hipótese prevista no sistema processual. Nessa situação, o direito à indenização pode ser mais difícil de ser reconhecido, salvo se houver outros elementos que evidenciem abuso ou excesso.
Absolvição após longa prisão cautelar
Mesmo nos casos em que o réu é absolvido por dúvida, se ele passou muito tempo preso provisoriamente, pode-se discutir a responsabilidade do Estado pelo excesso da prisão preventiva, sobretudo se houver negligência na condução do processo, atraso injustificado ou excesso de prazo.
Tipos de danos que podem ser indenizados
A indenização por erro judiciário pode contemplar diferentes formas de dano, dependendo da situação enfrentada pelo cidadão.
Danos morais
Estes são os mais comuns e envolvem:
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Sofrimento psicológico pela injustiça
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Trauma causado pela prisão
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Abalo à reputação e à imagem pública
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Estigmatização social e preconceito
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Ruptura de vínculos familiares e afetivos
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Angústia emocional e constrangimentos
Danos materiais
São os prejuízos financeiros mensuráveis, como:
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Perda do emprego ou da renda
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Custos com advogados e processos
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Prejuízo nos negócios próprios ou sociedade empresarial
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Gastos com deslocamento, alimentação, hospedagem, documentos, entre outros
Danos existenciais
Embora menos frequentes, esses danos dizem respeito às consequências na vida do indivíduo, como:
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Interrupção de planos de vida
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Comprometimento de projetos profissionais e acadêmicos
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Prejuízo irreparável no convívio social
Como funciona o processo para indenizar o inocente
A ação para indenização por erro judicial é uma ação de responsabilidade civil contra o Estado e deve ser ajuizada na Justiça comum estadual ou federal, dependendo de quem foi o agente causador do erro.
Escolha do réu
O réu da ação será:
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O Estado, se a decisão judicial partiu de um juiz estadual
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A União, se a decisão partiu de um juiz federal
A ação deve ser movida contra o ente federativo responsável pela Justiça que conduziu o processo criminal.
Prazo para ajuizar a ação
O prazo para propor a ação é de cinco anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença absolutória. Esse prazo está previsto na legislação que regula os prazos de prescrição contra a Fazenda Pública.
Documentos necessários
Para iniciar o processo, o autor deve apresentar:
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Cópia da sentença de absolvição
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Cópia do processo criminal completo
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Provas de que sofreu prisão ou medidas restritivas
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Comprovação dos prejuízos materiais (se houver)
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Provas de repercussão pública, danos à imagem e abalo emocional
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Relatórios psicológicos ou laudos médicos (em caso de danos à saúde mental)
Quanto mais bem instruído estiver o processo, maiores as chances de uma decisão favorável.
Exemplos de casos que geraram indenização
A jurisprudência brasileira já reconheceu inúmeras situações em que o Estado foi condenado a pagar indenização por erro judicial. Alguns exemplos ilustram essas hipóteses:
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Homem preso por 9 anos por estupro, depois absolvido por exame de DNA: recebeu R$ 500 mil de indenização.
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Rapaz preso por engano por 30 dias, acusado de roubo que não cometeu: indenização de R$ 50 mil por danos morais.
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Mulher acusada falsamente de tráfico, absolvida após perícia comprovar que a substância não era droga: Estado condenado a R$ 30 mil por danos morais.
Esses exemplos demonstram que a Justiça reconhece o sofrimento e o prejuízo que uma acusação injusta pode causar na vida de uma pessoa inocente.
Quando a indenização pode ser negada
A Justiça pode indeferir o pedido de indenização se:
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A absolvição ocorreu apenas por falta de provas, sem comprovação de erro
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Não houve prisão ou prejuízo significativo
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O processo foi conduzido com base em elementos legítimos, mesmo que depois refutados
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O autor não comprovar os danos alegados
Por isso, é fundamental que a vítima demonstre claramente o erro, o dano e o nexo entre eles.
É preciso provar culpa do juiz ou promotor?
Não. A responsabilidade do Estado por erro judicial é objetiva, ou seja, independe de culpa do agente público. Basta que o erro tenha ocorrido e que dele tenha resultado um dano. A vítima não precisa provar que o juiz, promotor ou delegado agiu com má-fé ou negligência. O que se exige é a comprovação do fato injusto e do prejuízo.
Seção de perguntas e respostas
Se fui absolvido por falta de provas, posso processar o Estado?
Nem sempre. A absolvição por dúvida não caracteriza, por si só, erro judicial. É necessário demonstrar prisão injusta ou outros abusos no processo para ter direito à indenização.
É possível receber indenização mesmo que eu não tenha sido preso?
Sim, se você conseguir provar que sofreu danos morais ou materiais relevantes, como exposição, perda de emprego, humilhação pública ou sofrimento psicológico.
Quanto tempo demora esse tipo de processo?
Em média, um processo de indenização contra o Estado pode durar de 2 a 5 anos, dependendo da complexidade, do volume de provas e da instância em que for julgado.
Posso receber indenização mesmo tendo passado pouco tempo preso?
Sim. Há casos de indenização por poucos dias de prisão, desde que fique comprovado que houve erro e sofrimento causado pela privação de liberdade injusta.
O valor da indenização é fixo?
Não. O juiz determina o valor com base na extensão do dano, na repercussão social e no tempo de restrição de liberdade. Os valores variam entre R$ 10 mil e R$ 1 milhão, a depender do caso.
Preciso de advogado para entrar com a ação?
Sim. A ação por erro judicial deve ser proposta por meio de advogado. Caso você não possa pagar um, pode buscar auxílio da Defensoria Pública.
Se a acusação foi falsa, posso processar também quem me denunciou?
Sim, além de processar o Estado, você pode propor ação contra o denunciante, especialmente se houver dolo (intenção de prejudicar). A depender do caso, pode ser crime de denunciação caluniosa.
É possível conseguir liminar para receber indenização rapidamente?
Não é comum. Indenizações por erro judicial são pagas após sentença definitiva, muitas vezes com necessidade de precatório.
Posso pedir indenização se fui exposto na mídia?
Sim. Se a exposição foi indevida e resultou em prejuízo à sua imagem, isso reforça o pedido de danos morais.
A absolvição tem que ser unânime para eu pedir indenização?
Não necessariamente. O importante é que tenha transitado em julgado e que o conteúdo da decisão indique erro ou injustiça processual.
Conclusão
Ser absolvido após enfrentar um processo criminal injusto é, por si só, uma experiência devastadora, com repercussões profundas na vida pessoal, profissional e emocional de qualquer indivíduo. No entanto, o Direito reconhece que o Estado deve responder pelos seus erros e oferece mecanismos para reparar os danos causados.
Se você foi absolvido de forma clara, injustamente acusado ou preso, saiba que é possível buscar reparação judicial. Com o apoio de um advogado e a devida organização de provas, você pode ser indenizado pelos danos sofridos. A responsabilização do Estado não apaga o sofrimento passado, mas representa um reconhecimento da sua inocência e uma forma legítima de restaurar sua dignidade.