Resumo: O objetivo deste trabalho é demonstrar que, com a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, especialmente no que se refere à sua exclusiva atribuição para apreciar “as ações que envolvam exercício do direito de greve”, como previsto no artigo 114, II, da Carta Magna, todos os questionamentos jurídicos que dele decorram haverão de ser levados às barras da Justiça Laboral, ainda que a sua resolução envolva o conhecimento de matéria estranha à própria relação de trabalho, aí incluídas as ações possessórias que tenham por suporte fático o movimento grevista.
Palavras-chave: greve – competência material – interdito proibitório – Justiça do Trabalho.
1. A “Reforma do Poder Judiciário”
A Emenda Constitucional 45, de 08/12/04, trouxe a lume o que se convencionou chamar de “Reforma do Poder Judiciário”, cujo objetivo era empreender profundas modificações no sistema judiciário brasileiro, de molde a torná-lo mais célere e mais efetivo.
Depois de quase 12 (doze) anos de tramitação, depois de marchas e contramarchas, a muitos pareceu tratar-se a mencionada Emenda do verdadeiro “parto da montanha”, de onde bufos e grunhidos poderiam ser ouvidos, mas frustradas teriam sido as expectativas, em face do pequeno rebento que dela surgira.
Antônio Álvares da Silva já se perguntou: “terá valido a pena o grande percurso e a longa caminhada?” – mas ele mesmo já respondeu, com a percuciência de sempre – “A resposta não pode ser dada agora, já que os fatos históricos só se julgam a posteriori”.[1]
E tem razão o jurista mineiro. A história ainda está por ser contada. O tempo haverá de dizer se o esforço realizado foi o suficiente. Cora Coralina já teve ocasião de dizer que o tempo é tão poderoso que planta avencas no muro.[2]
Neste momento, quando ainda estão se assentando as primeiras impressões acerca do novo texto constitucional, de fato, é impossível avaliar a reforma empreendida, se tímida ou ousada, se suficiente ou insuficiente. Aliás, parece mesmo que a “reforma” é só o primeiro passo, uma espécie de ponta-pé inicial numa partida que deve ser encarada como uma “final de campeonato”.
A efetividade da prestação jurisdicional é imperativo do próprio Estado Democrático de Direito, disso se defluindo que, qualquer que tenha sido o balizamento constitucional trazido com a EC 45/04, a ele se deverá dar a maior amplitude possível, fazer dele instrumento de verdadeira revolução judiciária.
Com efeito, basta um mínimo de boa vontade para que se enxergue no “princípio da duração razoável do processo”, por exemplo, insculpido no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, na sua redação reformada, fundamento capaz de inspirar e autorizar o legislador infraconstitucional a empreender todas as inovações legislativas que se fizerem necessárias, com vistas à concepção de um processo proficiente, de um método eficaz de solução de demandas. Mais do que isso – basta este mesmo artigo constitucional para autorizar, em “interpretação conforme a constituição”, o próprio rejuvenescimento de velhos institutos processuais, ainda que nenhuma alteração legislativa seja realizada.
A “reforma”, em verdade, terá o tamanho ou a “grandeza” que lhe empreenderem os operadores do direito. Ao legislador caberá a disposição de reformular os institutos do processo com vistas a amoldá-los à nova ordem constitucional; aos aplicadores da lei, a coragem de dar-lhes a máxima efetividade possível.
“A Reforma do Judiciário, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional, é apenas a etapa inicial de um processo onde a Reforma processual tem vital importância para melhorar a capacidade do Poder Judiciário de ofertar decisões em tempo razoável”.[3]
2. A ampliação da competência material da Justiça do Trabalho
Por outro lado, e partindo agora para o objetivo principal deste trabalho, é de se dizer que nesse mesmo contexto, ou seja, nessa mesma ordem de idéias, atribuindo a cada um a incumbência de dar o seu melhor para que a “Reforma” não seja apenas o “parto da montanha”, é que também se insere a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, que pelo artigo 114 da Constituição Federal, com a redação que lhe deu a EC 45/04, tornou-se competente para conhecer de todos os litígios que decorram da “relação de trabalho”, e não mais e apenas da “relação de emprego”, negócio jurídico este cada vez mais escasso no mundo globalizado.
Com efeito, os vários incisos em que se desdobrou o artigo 114 constitucional, depois da “Reforma”, na verdade estruturaram uma nova Justiça do Trabalho, não mais voltada para a relação de emprego, para a execução do contrato de trabalho e para a culpa contratual, e sim para o trabalho humano e a sua ampla proteção.
Reginaldo Melhado, juiz do trabalho no Paraná, prega a necessidade de uma espécie de desvinculação do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho, em relação àquele conceito ortodoxo de subordinação jurídica que até a EC 45/04 permeava a competência trabalhista; inferindo que só assim a Justiça do Trabalho terá condições de abarcar e solucionar novas demandas, lastreadas em um novo modelo de relações produtivas.[4]
Gustavo Tadeu Alkmim, juiz do trabalho no Rio de Janeiro, ampara-se em José Saramago e em sua “justiça pedestre”, para invocar as principais qualidades da Justiça Laboral – simples, acessível, sensível -, como predicados necessários ao alcance de uma prestação jurisdicional ativa e efetiva – este, como dito antes, o principal objetivo da “Reforma”.[5]
E tais argumentos se mostram de absoluta pertinência.
Sem demérito ou desrespeito aos demais ramos de justiça e a seus dignos juízes, é inquestionável que muitas das demandas até então dirimidas fora do âmbito trabalhista, de há muito deveriam ter sido atribuídas à Justiça do Trabalho, que por sua especialização reunia melhores condições de conhecer de tais conflitos e até mesmo de empreender-lhes tratamento homogêneo, nisso homenageada a recém-valorizada teoria da “unidade de convicção”.
Com efeito, desarrazoada e contraproducente, por exemplo, era a situação verificada antes da EC 45/04, quando a Justiça do Trabalho tinha competência para obrigar o empregador a fornecer ao seu empregado o cinto de segurança, necessário à escalada de um poste (Súmula/STF 736), mas lhe escaparia uma tal competência se o trabalhador, pelo não fornecimento do mesmo equipamento de segurança, dali se despencasse.
Desrazão e contraprodução também verificadas no âmbito sindical, em relação ao qual a Justiça do Trabalho era o órgão incumbido de analisar questões afetas à negociação coletiva, à estabilidade do dirigente sindical, ao próprio enquadramento sindical, mas não poderia se envolver com o funcionamento do sindicato, com o sistema de custeio sindical, com a licitude da eleição sindical, com a criação de novos sindicatos, com a observância da unicidade sindical.
E o que dizer do habeas corpus relacionado ao depositário infiel, que tendo a sua prisão decretada nos lindes da Justiça do Trabalho, pelo desfazimento do bem que lhe foi confiado, valia-se, muitas vezes, de ramo judiciário estranho para a obtenção de liberdade, ao fundamento de que ao judiciário laboral não era atribuída “competência criminal”?
Nesse contexto, a EC 45/04 teve o mérito de homogeneizar e racionalizar a prestação jurisdicional trabalhista, na medida em que concentrou, num único ramo de justiça, o conhecimento de grande parte dos questionamentos advindos do trabalho humano e seus diversos consectários.
Aliás, com o advento da “Reforma”, aquela dicotomia que os estudiosos do processo do trabalho extraíam do texto constitucional, sobre a existência de uma competência originária, para lides entre trabalhadores e empregadores, e uma competência derivada, para “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” [6], se não desapareceu por completo, teve os seus contornos grandemente alargados, para abarcar a “relação de trabalho” de modo genérico, não mais parametrizada pela subordinação jurídica, e todas as demais controvérsias dela oriundas.
Dito de outra forma, a competência trabalhista não mais se refere ao contrato de trabalho, basicamente, mas à relação de trabalho, ao trabalho humano de modo geral, assim como às demais controvérsias que tenham a sua gênese nesse tipo de relação jurídica.
3. A competência trabalhista para as questões envolvendo o exercício do direito de greve.
Nesse pensamento, o inciso II, do reformado artigo 114 constitucional, estabelece, explicitamente, ser da Justiça do Trabalho a competência para “as ações que envolvam exercício do direito de greve”, no que agiu acertadamente o constituinte derivado, harmonicamente à idéia-força que parece inspirar toda a modificação competencial promovida pela “Reforma” – a atribuição de competência material à Justiça do Trabalho, para todo e qualquer questionamento relacionado ao trabalho humano, pessoalmente prestado, e seus desdobramentos.
Afinal, se “o direito de greve é um dos meios essenciais à disposição dos trabalhadores e de suas organizações para promover e defender seus interesses econômicos e sociais” [7], inquestionável se afigura que a sua licitude e tudo o que diga respeito ao seu exercício, deva pertencer à competência material trabalhista, como, aliás, parece aflorar-se da própria redação do mencionado inciso II, do artigo 114 constitucional, que quando atribui à Justiça do Trabalho competência para conhecer das ações decorrentes do exercício do direito de greve, não faz qualquer exceção.
4. O interdito proibitório como ação decorrente do exercício do direito de greve.
Ultimamente têm chegado não só aos pretórios trabalhistas, mas também aos lindes da Justiça Estadual, ações possessórias propostas, sobretudo por entidades bancárias, com base no artigo 932 do CPC, visando livrar de “iminente” molestamento, a posse de suas próprias agências, o que poderia acontecer em função de movimento grevista deflagrado por seus empregados, que nesse desiderato poderiam turbar ou esbulhar a posse de seus prédios bancários, constrangendo empregados não aderentes ao movimento paredista, ou mesmo usuários do sistema bancário, impedidos de ingressarem nos respectivos recintos, para trabalhar ou para movimentar contas bancárias.
A despeito da especificidade deste tipo de ação, cuja finalidade é exclusivamente a proteção da posse, de forma “preventiva” no caso do interdito proibitório, isto não retira da Justiça do Trabalho a competência para conhecer dessa espécie de demanda.
Com efeito, numa tal circunstância, não há a menor dúvida de que a turbação ou o esbulho alegado, tem como único fato gerador a greve deflagrada no meio bancário – valendo repisar que o inciso II, do artigo 114 constitucional, atribui à Justiça do Trabalho o conhecimento meritório das “ações que envolvam exercício do direito de greve”, sem qualquer exceção.
O fato simplista de o interdito proibitório visar a tutela da posse, instituto de Direito Civil, só por si, nada quer dizer. A competência trabalhista não mais se pauta pelo contrato de trabalho, pela relação empregatícia, ou mesmo pelo Direito do Trabalho puramente considerado, mas sim pela “relação de trabalho” e, mais importante, por tudo que dela se origine.
Isto deve significar que a competência material trabalhista centra-se, hoje, no trabalho humano e na proteção de seu prestador, pouco importando se para que um tal objetivo seja alcançado deva o juiz do trabalho decidir questões possessórias, acidentárias, fiscais, administrativas. Tudo será plenamente possível, desde que tudo esteja lastreado, em última análise, na prestação de serviços pessoalmente desempenhada.
“O Direito do Trabalho não se superporá ao Direito Civil. Os direitos e os deveres dos contratantes continuam os mesmos do Direito Civil, Comercial, Consumidor, etc., pouco importando onde estejam alojados. No fundo de todos eles, há um elo fundamental que os prende a um elemento comum – o trabalho humano. Por isso, foram traduzidos para a competência trabalhista, em caso de controvérsia.” [8]
Cândido Rangel Dinamarco, discorrendo sobre a conceituação concreta de competência, e para tanto inspirando-se em Celso Neves, explica que tal
“… consiste em tomar em consideração uma causa, um recurso ou uma fase procedimental, mediante raciocínios destinados à precisa descoberta do órgão que concretamente, naquele caso e naquela situação, exercerá a atividade jurisdicional. Tal será o juiz concretamente competente. E competência é, quando examinada por essa perspectiva, a relação de adequação legítima entre o órgão e a atividade jurisdicional a realizar (Celso Neves). Só é legítima a relação entre juiz e causa, juiz e recurso, etc., quando do sistema jurídico-processual como um todo emerge como competente esse juiz.”[9]
E a aferição dessa “adequação legítima” entre juiz e causa, em determinado caso e em determinada situação, por óbvio que não poderá ser procedida apenas pelos contornos aparentes e superficiais da demanda, e sim em função da efetiva dimensão social que dela se esplende. O contrário seria ignorar a própria essência da Reforma, no que tange à ampliação da competência trabalhista.
Esse parece ser o raciocínio desenvolvido pelo próprio STF, que em corajosa e sensata decisão, em sede de conflito de competência, de número 7.204-1-MG, desvencilhou-se exatamente dessa idéia restritivista, que atrela “matéria civil” a “jurisdição civil”, para entender que a ação postulando reparação de danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho, é da competência da Justiça do Trabalho, nisso advogando a tese de que a competência trabalhista tem na sua essência o conflito trabalhista, mesmo que latente, e ainda que deva tal conflito ser dirimido à luz da legislação generalista.
Luiz Guilherme Marinoni, criticando as teorias Chiovendiana e Carnelutiana, a primeira dizendo que o juiz faz atuar a vontade concreta da lei, e a segunda inferindo que o juiz cria norma individual para o caso concreto, sustenta que antes de tudo o juiz deve compreender o caso concreto, dimensioná-lo diante do avanço cultural e tecnológico hoje reinante em todos os quadrantes da vida, para só depois empreender jurisdição, solucionar a demanda. [10]
E é disso que se trata aqui.
A reforma que se empreendeu com a EC 45/04, inclusive no que se refere à ampliação da competência trabalhista, exige do julgador uma visão mais perspicaz dos fatos sociais, um efetivo dimensionamento de sua magnitude, para só depois catalogar o caso concreto de acordo com a divisão competencial estabelecida pelo legislador.
5. A teoria da substanciação como elemento confirmador da competência trabalhista nos interditos proibitórios decorrentes de greve.
É verdade, e não se nega, que a “elaboração dos grupos de causas” a partir dos quais se atribui competência aos diversos órgãos jurisdicionais, baseia-se, em grande parte, nos próprios elementos identificadores da ação, como previstos no artigo 301, § 2º do CPC – partes, pedido e causa de pedir -,[11] o que poderia autorizar a ilação de que, considerada a causa de pedir e o pedido nesse tipo de ação possessória – posse-molestamento-manutenção -, forçoso seria concluir pela competência material da Justiça Estadual, já que não identificado nesse trinômio qualquer dado trabalhista.
Mas aqui é preciso relembrar e até mesmo revitalizar a teoria da substanciação, francamente adotada pelo nosso sistema processual na individualização das ações, identificando na causa de pedir uma clara dicotomia – “causa de pedir remota” e “causa de pedir próxima” -, o que se depreende da expressão “o fato e os fundamentos jurídicos do pedido”, explicitada no inciso III, do artigo 282 do CPC, e que também se aplica às ações possessórias.[12]
Gelson Amaro de Souza explica que a causa de pedir
“É outro elemento identificador da ação e pode ser observado sob dois prismas diferentes. A causa de pedir remota e a causa de pedir próxima. A causa remota tem sido considerada o fato ou ato gerador da relação jurídica, tais como o contrato ou o ato ilícito, etc. A causa próxima, que é tida como fundamento jurídico do pedido, consubstancia-se no descumprimento ou violação da obrigação estampada na causa remota.” [13]
Quer isto significar, que para a completa determinação e/ou individualização da ação, inclusive para o efeito de estabelecer o juízo competente, é imperioso que se leve em consideração todos os aspectos da causa petendi – próxima ou remota -, e todos os fatos que sejam importantes à sua delimitação.
Cândido Rangel Dinamarco, discorrendo sobre este tema, principalmente sobre a necessidade de a tutela jurisdicional somente ser requerida quando em crise o direito alegado, explica que:
“A conseqüência é que a demanda deve necessariamente, além de individualizar fatos e propor seu enquadramento jurídico para a demonstração do direito alegado, descrever também os fatos caracterizadores da crise jurídica lamentada. Numa demanda de proteção possessória, o autor alega os fatos dos quais decorre seu direito a possuir o bem, as razões jurídicas por que tem esse direito e mais os fatos, imputados ao réu, caracterizadores do esbulho, da turbação ou da ameaça que vem a juízo lamentar.”[14] (grifo nosso)
Vicente Grecco Filho, citado por Jorge Pinheiro Castelo, é ainda mais explícito ao dizer que:
“é importante lembrar que integra a causa petendi como indispensável, em qualquer caso, o fato praticado pelo réu que seja contrário ao direito afirmado pelo autor e que exatamente esclarece o interesse processual, a necessidade de recorrer ao Judiciário. Cada fato diferente possibilita uma nova ação, se perdurar a possível lesão do direito do autor.”[15] (grifo nosso)
Transportadas as ponderações de Dinamarco e Grecco Filho para a situação aqui analisada, é de se inferir, forçosamente, que numa demanda possessória, que somente se aflorou por conta de uma questão estritamente trabalhista – a greve do setor bancário -, por óbvio que este fato compõe a causa petendi e, por sua importância, delimita a competência do órgão judicial que dela deva conhecer.
É dizer: a possibilidade de ocupação de uma agência bancária pelos próprios trabalhadores que ali possuem o seu centro de trabalho, motivados por questões puramente trabalhistas e concatenados por um movimento grevista, evidentemente que exibe uma textura jurídica muito diferente, por exemplo, da possibilidade de ocupação dessa mesma agência bancária por produtores rurais, enfurecidos pelos juros escorchantes que lhes são cobrados nos contratos bancários.
Há distinção de “causa petendi”, ao menos no que se refere aos fundamentos jurídicos do pedido – causa de pedir próxima -, daí a distinção de ações e de competências jurisdicionais.
Entendimento em contrário desconsidera o principal fato a ser conhecido pelo julgador – a própria greve e a sua abusividade.
6. Conclusão
Em linha de conclusão, nada mais se haveria de acrescentar, senão que rememorar o que já se expendeu nos itens anteriores: houve substanciosa ampliação da competência trabalhista, advinda com a EC 45/04, que no novel inciso II, do artigo 114 constitucional, é absolutamente explícita quanto à competência trabalhista para todos os dissídios decorrentes do exercício do direito de greve, aí incluídos, obviamente, aqueles de fundo possessório, como o interdito proibitório, desde que tenham no movimento paredista a sua gênese.
Entretanto, há ainda uma última questão que, a despeito de colocada no item que cuida do encerramento deste trabalho, em verdade fomenta o debate.
É que questionamentos como o aqui analisado têm chegado ao E. Superior Tribunal de Justiça, órgão incumbido de dirimir conflitos de competência suscitados por instâncias inferiores (CF, art. 105, I, “d”), e não têm merecido o tratamento que deveriam ter, “data venia”.
Interditos proibitórios manejados por empresas bancárias, cujo fundamento jurídico tem em conta, pura a simplesmente, a greve de seus trabalhadores, têm sido lançados à vala comum das ações possessórias, com atribuição de competência material à Justiça Estadual Comum, sem que se reconheça a devida importância do fato social que lhe dá suporte e que, por sua magnitude, mereceu tratamento competencial específico na própria Constituição Federal. [16]
Miguel Reale, ao discorrer sobre a sua “Teoria Tridimensional do Direito”, e ao extremar os seus três elementos estruturais (fato, valor e norma), explica que
“onde quer que haja um fenômeno jurídico, há, sempre e necessariamente, um fato subjacente (fato econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica etc.), um valor, que confere determinada significação a esse fato, inclinando ou determinando a ação dos homens no sentido de atingir ou preservar certa finalidade ou objetivo; e, finalmente, uma regra ou norma, que representa a relação ou medida que integra um daqueles elementos ao outro, o fato ao valor”.[17]
Na hipótese específica aqui tratada, tanto o constituinte originário, quanto o constituinte derivado, elegeram a greve como fato social da mais alta importância – classificando-o como direito do trabalhador (artigo 9º), fruto da sociedade plural em que vivemos e do Estado Democrático de Direito que construímos; sendo certo que, para viabilizá-lo, distinguiu a Justiça do Trabalho como o órgão jurisdicional especializado para solucionar os litígios decorrentes do seu exercício (artigo 114, II).
Por isso mesmo não se afigura razoável inferir que, mesmo explícito como foi o legislador, a norma por ele erigida possa comportar interpretação tão dissonante que retire da greve, como direito ou como fato, todo o valor que o legislador constitucional lhe empreendeu, para relegá-lo à condição de mero conflito possessório.
Como dito em linhas passadas, a “Reforma” terá o tamanho ou a “grandeza” que lhe empreenderem os operadores do direito. Para que seu objetivo seja realmente alcançado, para que se obtenha a tão pugnada efetividade da prestação jurisdicional, para que se consagre o direito à “razoável duração do processo” e para que este se converta em mecanismo de fortalecimento do Estado Democrático de Direito, é preciso certo desapego a velhos institutos ou velhos dogmas, não para desprezá-los ou desconsiderá-los, mas sim para reestruturá-los, interpretá-los com certa maleabilidade, certa transigência.
O contrário levará a tão sonhada “Reforma do Poder Judiciário” ao mesmo destino de tantas leis que neste país “não pegaram”, à sua própria ineficácia social, muito pior do que a ineficácia jurídica, à sua condição de mero “parto da montanha”, como referido no início deste artigo.
Referências bibliográficas
Informações Sobre o Autor
Levi Rosa Tomé
Especialista em Direito Processual Civil. Professor de Direito Processual do Trabalho nas Faculdades Integradas de Ourinhos. Juiz do Trabalho em Ourinhos-SP