Habeas data – temas controvertidos na jurisprudência

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Resumo: A presente pesquisa objetiva traçar breves considerações sobre o Habeas Data, possibilitando a análise da prática deste instrumento processual-constitucional instituído na Constituição Federal de 1988.

Palavras-chaves – Direito Constitucional. Habeas Data. Jurisprudência.

Sumário: Introdução. 1. Breves considerações sobre o instituto do Habeas Data. 2. Temas Controvertidos na Jurisprudência. 2.1. Honorários advocatícios. 2.2. Concurso Público – investigação social. 2.3. Deserção Recursal. 2.4. Vista de processo administrativo. 2.5. Segurança Nacional. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

A prática de qualquer mecanismo processual suscita questões não expressas nas normas regulamentadoras. A resposta para estes pontos é trazida, muitas vezes, pela doutrina. Entretanto, cabe à jurisprudência o desembaraço de pontos controvertidos e resolução de eventuais discordâncias na prática jurídica.

O presente artigo discorrerá sobre a prática do habeas data, com destaque e análise dos temas recorrentes da ação constitucional nos tribunais. Dentre todos os temas discutidos na jurisprudência, serão abordados (i) a possibilidade de arbitramento de horários advocatícios em habeas data; (ii) a impetração de habeas data para o fim de obter informações sobre investigação social em concurso público; (iii) possível deserção recursal em sede de habeas data; (iv) a impossibilidade de utilização do habeas data para vista de processo administrativo, e (v) o habeas data e segurança nacional.

1. Breves considerações sobre o instituto do Habeas Data

A doutrina e a jurisprudência têm nomeado como “remédio constitucional” a espécie de garantia fundamental que assegura aos indivíduos a possibilidade de provocar o poder público para a salvaguarda de seus direitos fundamentais.

Dentre os remédios constitucionais, há o Habeas Data, expressão latina que em tradução livre pode ser lida como “tenha as informações”.

O habeas data é a garantia constitucional (ou remédio constitucional), regulamentada pela Lei n. 9.507/97, que objetiva assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, bem como proceder à retificação ou anotação dos informes, quando não se prefira a realização por processo sigiloso.

TAVARES (2012, p. 1029) define o habeas data como “o instrumento constitucional mediante o qual todo interessado pode exigir o conhecimento do conteúdo de registro de dados relativos a sua pessoa, mas que se encontrem em repartições públicas ou particulares inacessíveis ao público, solicitando, ainda, eventualmente, sua retificação, quando as informações não conferirem com a verdade, estiverem ultrapassadas ou implicarem discriminação”.

MORAES (2001, p. 146), por seu turno, conceitua o habeas data como “o direito que assiste a todas as pessoas de solicitar judicialmente a exibição dos registros públicos ou privados nos quais estejam incluídos seus dados pessoais para que deles se tome conhecimento e, se necessário for, sejam retificados os dados inexatos ou obsoletos ou que impliquem em discriminação”.

SEGATTO (1999, p. 75) leciona que o habeas data visa “a assegurar o conhecimento de registros referentes à pessoa do impetrante, junto às entidades governamentais ou de caráter público, possibilitando-lhe o acesso e retificação dos seus dados pessoais, na medida que esses registros deixem de expressar a verdade”.

A matriz constitucional do habeas data é verificada no artigo 5º, LXXII e LXXVII, conforme abaixo:

Art. 5º. […]

LXXII – conceder-se-á habeas data:

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;[…]

LXXVII – são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania. 

O artigo 7° da Lei n. 9.507/97 determina também que o habeas data será concedido para fins de anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

O instituto do habeas data é novidade trazida pelo direito constitucional brasileiro. Seus antecedentes, entretanto, podem ser verificados na Constituição de Portugal de 1976 (artigo 35) e na Constituição da Espanha de 1978 (artigo 105, b).

Embora seja um instrumento genuinamente brasileiro, é possível verificar influência direta da teoria do habeas data brasileiro em Constituições como as da Argentina e Peru.

Relativamente à essência deste remédio processual, parece bastante evidente que o instituto do habeas data no Brasil surgiu como forma de mecanismo de acesso a dados de governos anteriores à Constituição Federal de 1988, especialmente aqueles ditatoriais.

TEMER (2014, p. 213) compartilha de tirocínio semelhante ao destacar que o habeas data “é fruto, nesta Constituição, de uma experiência constitucional anterior em que o governo arquivava, a seu critério e sigilosamente, dados referentes a convicção filosófica, política, religiosa e de conduta pessoal dos indivíduos”.

Conquanto seja um instrumento processual-constitucional pouco utilizado na prática, em comparação com os demais remédios constitucionais, não deixa de ser fundamental para a manutenção dos preceitos democráticos.

A utilização do habeas data tem suscitado debates jurisprudenciais, que serão apreciados a seguir.

2. Temas Controvertidos na Jurisprudência

2.1. Honorários advocatícios

A Lei n. 9507/97 não traz qualquer disposição sobre a condenação em honorários advocatícios em sede de habeas data, tampouco o faz a Constituição Federal. Essa lacuna legislativa acabou por gerar controvérsia jurisprudencial, exemplificada pelos julgados abaixo colacionados:

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“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. NÃO COMPROVAÇÃO DE RECUSA DA AUTORIDADE COMPETENTE EM FORNECER AS INFORMAÇÕES SOLICITADAS. LEI Nº 9.507/97, ARTIGO 8º. SÚMULA 02/STJ. HONORÁRIOS. ISENÇÃO.

1. Quanto à ausência da regular comprovação de recusa da autoridade competente em fornecer as indigitadas informações relativas ao CADIN, com razão a MMª Julgadora de primeiro grau quando anotou, em sua sentença de fls. 50 e ss., que "no caso em exame, diante da ausência de comprovação de recusa da entidade ao acesso às informações, bem como de pedido de informações pendente de decisão por mais de dez dias, mostra-se forçosa a extinção do processo, sobretudo pelo fato de que, intimada a providenciar a prova da recusa do acesso às informações ou o decurso de mais de 10 (dez) dias sem decisão, a parte impetrante informou que não possui tais documentos".

2. Assim, não atendidos os requisitos fixados no parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.507/97, que disciplina o rito do habeas data, relativamente à comprovação da recusa ao acesso às informações, incide o fixado na Súmula nº 02, do C. Superior Tribunal de Justiça, verbis: "Não cabe o habeas data (CF, art. 5., LXXII, letra 'a') se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa." – Súmula 2, Primeira Seção, j. 08/05/1990, DJ 18/05/1990.

3. Nos termos já decididos por esta C. Corte, "a Constituição Federal isentou de custas e despesas judiciais o processo de Habeas Data, como os demais atos necessários ao exercício da cidadania (CF, art. LXXVII). No mesmo sentido, o art. 21, da Lei n. 9.507/97 repetiu o princípio da gratuidade do processo. Aplicação analógica da Súmula n. 512, do STF. Honorários afastados." – AC 2009.61.20.009997-1/SP, Relatora Desembargadora Federal REGINA COSTA, Sexta Turma, j. 07/02/2013, D.E. 22/02/2013. 4. Apelação a que se dá parcial provimento tão somente para afastar a condenação da verba advocatícia, mantida a r. sentença em seus demais e exatos termos”. [g.f] (TRF3, Apelação nº 0020263­76.2014.4.03.6100, 4ª Turma, Des. Rel. Marli Ferreira, J. 12/12/2016).

“EMENTA EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. Omissão inexistente. Pretensão ao reexame da causa. Impossibilidade. Habeas Data. Pretensão à condenação da requerida ao pagamento de honorários advocatícios. Descabimento. Ação gratuita. Art. 5º, LXXVII, CF. Aplicação por analogia do art. 25 da Lei 12.016/09 e Súmulas 512, STF e 105, STJ. Litigância de má-fé. Não tipificadas as condutas ensejadoras do sancionamento. Exercício do direito de defesa. Erro material. Correção. Alteração de apresentou para apresentação. Embargos acolhidos em parte”. [g.n] (TJSP, Embargos de Declaração nº 0009901-27.2013.8.26.0037, 3ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Carlos Alberto de Salles, J. 26/08/2014).

“EMENTA PROCESSUAL CIVIL. HABEAS DATA. CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 21 DA LEI N. 9507/97. GARANTIA DE ACESSO À INFORMAÇÃO. GRATUIDADE DE CUSTAS E TAXAS. RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF.

I – A norma federal que se diz afrontada não trata da fixação de honorários advocatícios. Diversamente, diz serem "gratuitos o procedimento administrativo para acesso a informações e retificação de dados e para anotação de justificação, bem como a ação de habeas data". Noutras palavras, é norma que garante o acesso do cidadão à informação, nada tendo a ver diretamente com os efeitos de uma condenação.

II – Enfim, de se relevar que mesmo o texto doutrinário trazido à colação pelo agravante diz que "a gratuidade a que se refere o art. 21 diz respeito exclusivamente às custas e taxas (…)", que não se confundem com ônus sucumbenciais.

III – Assim sendo, aplica-se a Súmula n. 284/STF, na espécie.

IV – Agravo regimental improvido”. [g.n] (STJ, Agravo Regimental no RECURSO ESPECIAL Nº 1.084.69, 1ª Turma, Min. Rel. Francisco Falcão, J. 02/03/2009).

“EMENTA CONSTITUCIONAL -"HABEAS DATA" – INTERESSE PROCESSUAL – INFORMAÇÕES PRESTADAS APÓS A NOTIFICAÇÃO DA AUTORIDADE IMPETRADA – OCORRÊNCIA – INTELIGÊNCIA DO ART. 8º, INC. I, DA LEI N.º 9.507/97 – GRATUIDADE – HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA – NÃO-CABIMENTO – INTELIGÊNCIA DO ART. 5º, INC. LXXVII. 1 – Tem interesse processual, nos termos do art. 8º, inc. I, da Lei n.º 9.507/97, o impetrante de "habeas data" que não vê atendido seu requerimento administrativo no prazo de 10 dias contados do protocolo junto à Administração Pública, guardiã das informações. 2 – Não cabe condenação em honorários de sucumbência na ação de "habeas data", uma vez que o acesso ao Poder Judiciário por meio daquele remédio constitucional é franqueado nos termos do art. 5º, inc. LXXVII, da CR/88 e obedece ao disposto nas Súmulas n.ºs 105 do STJ e 512 do STF. 3 – Preliminar rejeitada e recurso parcialmente provido”. [g.n]. (TJMG, Apelação nº 1.0024.03.091539-1/001, 8ª Câmara Cível, Des. Rel. Edgard Penna Amorim, J. 10/03/2005).

Ainda que o habeas data seja um procedimento gratuito (art. 5, LXXXVII, CF e art. 21, Lei n. 9.507/97), a questão sobre a condenação dos litigantes em honorários advocatícios foi suscitada, vez a condenação em honorários advocatícios difere de isenção de custas. Nesse sentido, é o entendimento que já foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Em relação a esse entendimento, não se pretende discordar, vez que a isenção de custas não deve, realmente, ser confundida com honorários de sucumbência. Discorda-se apenas sobre a incidência de honorários advocatícios em sede de habeas data.

A jurisprudência tem aplicado, por analogia e de forma majoritária, a disposição referente ao mandado de segurança, para suprimir a ausência de regulamentação específica do habeas data no que tange à condenação em honorários advocatícios.

De fato, há silêncio legislativo quanto a questão dos honorários sucumbenciais, sendo possível a aplicação da analogia.

A respeito da aplicação da analogia, disciplina PEREIRA (2009, p. 58/59) que “pode faltar uma disposição que regule especialmente determinada matéria, ou depois da lei em vigor é possível que a complexidade do comércio social sugira situações não previstas. E, se de um lado não se pode admitir o ordenamento jurídico perfurado e deficiente, e se de outro lado o juiz não se pode eximir de uma decisão sob pretexto de omissão da lei, a par de outras fontes alinha-se a analogia, com caráter secundário, é verdade, mas como subsídio certo, preenchendo o que na norma faltou para resolver o problema não diretamente referido”.

Note-se a plausibilidade da utilização da analogia no caso em apreço, já que estamos diante de verdadeira lacuna legislativa e nas palavras de PEREIRA, o Magistrado não poderá eximir-se de uma decisão por omissão da lei.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal, ao seu turno, em recente decisão, decidiu pelo cabimento dos honorários sucumbenciais em habeas data:

“EMENTA APELAÇÃO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE HABEAS DATA. GRATUIDADE. INCIDÊNCIA SOMENTE SOBRE AS CUSTAS E TAXAS JUDICIAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CABIMENTO. VALOR QUE SERVE PARA REMUNERAR O TRABALHO DO ADVOGADO DA PARTE VENCEDORA. PRINCÍPIO CAUSALIDADE. QUANTUM. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA.

1. A Constituição Federal de 1988 dispõe, no artigo 5º, inciso LXXVII, que "são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania". Por seu turno, a Lei nº. 9.507/97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data, dispõe em seu artigo 21 que "são gratuitos o procedimento administrativo para acesso a informações e retificação de dados e para anotação de justificação, bem como a ação de habeas data".

2. A gratuidade da ação de habeas data diz respeito tão somente às custas e taxas judiciais, não significando impossibilidade de fixação de honorários advocatícios de sucumbência.

3. Sabe-se que para impetrar habeas data é necessária regular representação judicial, devendo o impetrante possuir capacidade postulatória. Os honorários advocatícios representam verba pecuniária que se paga a favor de advogados, para remunerar o trabalho profissional, sendo direito do causídico.

4. Em atenção ao princípio da causalidade, deverá arcar com as custas processuais quem deu causa ao ajuizamento da ação.

5. Nas causas em que não houver condenação, os honorários serão fixados segundo a apreciação equitativa do juiz. Tem-se, portanto, que o magistrado não deve ficar adstrito ao valor da causa. A atuação do juiz, nesses casos, deve se pautar de acordo com o § 4º do art. 20 do CPC/73 (vigente quando da prolação da sentença), observando-se os critérios estabelecidos nas alíneas a, b e c do § 3º do mesmo artigo, quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

6. No caso dos autos, o valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), fixado a título de honorários advocatícios, se mostra condizente com os atos processuais praticados e com a baixa complexidade da causa, servindo para remunerar adequadamente o trabalho desenvolvido pelo advogado

7. Recurso conhecido e provido. Sentença reformada.” [g.n] (TJDFT, Apelação nº 0039433-17.2015.8.07.0001, 1ª Turma Cível, Des. Rel. Romulo de Araujo Mendes, J. 14/12/2016).

Em que pese o entendimento diverso, diante da lacuna legislativa e da aplicação da analogia, possível afirmar que não cabe condenação de honorários advocatícios em habeas data, não pela isenção conferida pela Constituição Federal, mas por utilização das disposições relativas ao mandado de segurança.

2.2. Concurso público – investigação social

Faz parte de alguns concursos públicos a investigação social, que consiste em avaliação de informações e dados relativos aos candidatos. A investigação social é imprescindível para a aprovação nos concursos que a adotam e muitos candidatos são reprovados nessa fase.

Os candidatos reprovados na investigação social costumam interessar-se pelos motivos ensejadores da reprovação. Caso os motivos da reprovação tenham sido solicitados administrativamente e não concedidos, o habeas data será o instrumento processual hábil a pleitear referidas informações.

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Entretanto, caso o porquê da recusa já tenha sido disponibilizado administrativamente, o habeas data será denegado, por flagrante falta de interesse de agir.

A jurisprudência tem realizado exatamente essa diferenciação, consoante se verifica a seguir:

“EMENTA APELAÇÃO – Habeas Data – Candidato que foi considerado inapto na fase de investigação social realizada no concurso para Soldado PM – Pretensão do apelante em obter acesso aos seus dados que constam da referida investigação social – Possibilidade – Candidato que deve conhecer os motivos pelos quais foi reprovado para possibilitar o exercício de ampla defesa – Artigo 5º, inciso LXXII, da Constituição Federal – Ausência de comprovação de sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado – Inteligência do artigo 7º da lei nº 9.507/97 – Precedentes – Sentença reformada – Recurso provido.” [g.n] (TJSP, Apelação nº 1039677-08.2015.8.26.0224, 3ª Câmara de Direito Público, Des. Rel. Maurício Fiorito, J. 18/10/2016).

“EMENTA APELAÇÃO – HABEAS DATA – CONCURSO PÚBLICO CARREIRA DE POLICIAL MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO – CANDIDATO REPROVADO NA FASE DE INVESTIGAÇÃO SOCIAL – PEDIDO DE OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES MOTIVOS QUE ENSEJARAM REPROVAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – CANDIDATO QUE TEVE ACESSO AO CONTEÚDO DA DECISÃO ANTES DE IMPETRADO O HABEAS DATA – PROVA DOCUMENTAL DE QUE ASSINOU O “TERMO DE CIÊNCIA E DECLARAÇÃO SOBRE INVESTIGAÇÃO SOCIAL” – AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR CONFIGURADA – SENTENÇA EXTINÇÃO DO PROCESSO ART. 267, VI, DO CPC MANUTENÇÃO. APELAÇÃO DENEGADA”. [g.n] (TJSP, Apelação nº 0004814-13.2011.8.26.0053, 3ª Câmara de Direito Público, Des. Rel. Amorim Cantuária, J. 18/09/2012).

EMENTA Constitucional e Administrativo. Habeas Data. Concurso Público de Juiz de Direito. Sindicância. Procedimento sigiloso de investigação social. Pedido de Informações. Acesso negado. Conceder-se-á Habeas Data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes do registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público. As limitações constitucionalmente previstas, quanto ao acesso às informações de interesse pessoal ou coletivo, cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, não são aplicáveis ao Habeas Data, vez que o direito garantido por esse remédio constitucional não é relativo nem limitado, mas prerrogativa que não admite se lhe oponha qualquer restrição, se preenchidos todos os requisitos exigidos em lei. [g.n]

(TJMA, Habeas Data 81501999, Des. Rel. Jamil de Miranda Gedeon Neto, J. 30/04/2002).  

2.3. Deserção recursal

As questões atinentes ao pagamento de custas no trâmite do habeas data são as mais pungentes em relação a este instrumento processual.

Já se verificou anteriormente que o pagamento de custas não se confunde, por exemplo, com o pagamento relativo a honorários de sucumbência.

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, se posicionou que a isenção de custas no habeas data apenas se opera no momento da propositura da ação, não se estendendo ao preparo de recursos aos tribunais superiores:

“EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HABEAS DATA. ISENÇÃO DE CUSTAS APENAS NO MOMENTO INICIAL DA AÇÃO. PREPARO DO RECURSO ESPECIAL. NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CUSTAS E PORTE DE REMESSA E RETORNO. NÃO COMPROVAÇÃO. DESERÇÃO. ART. 511 DO CPC E SÚMULA 187/STJ. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.

I. A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que, no ato de interposição do Recurso Especial, deve o recorrente comprovar o recolhimento das custas judiciais, do porte de remessa e retorno, bem como dos valores locais, estipulados pela legislação estadual, sob pena de deserção (art. 511 do CPC e Súmula 187/STJ).

II. Nos termos da jurisprudência desta Corte, "a isenção prevista no art. 21 da Lei Federal n. 9.507/97, que reconhece a gratuidade à ação de "habeas data", vincula-se tão somente ao momento inicial em que impetrado o writ, não alcançando eventual fase recursal, onde o preparo vincula-se à obrigação determinada em lei" (STJ, AgRg no AREsp 508.837/RJ, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/09/2014).

III. Não tendo sido realizado o devido preparo, no momento da interposição do Recurso Especial, o apelo deve ser considerado deserto (Súmula 187/STJ).

IV. Agravo Regimental improvido. [g.n]

(STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 582.547, 2ª Turma, Min. Rel. Assusete Magalhães, J. 01/03/2016).

EMENTA PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NOS AUTOS DE APELAÇÃO EM HABEAS DATA. PREPARO. LEI 11.636/07. ISENÇÃO INEXISTENTE. DESERÇÃO.

1. A isenção prevista no art. 21 da Lei Federal n. 9.507/97, que reconhece a gratuidade à ação de "habeas data", vincula-se tão somente ao momento inicial em que impetrado o writ, não alcançando eventual fase recursal, onde o preparo vincula-se à obrigação determinada em lei.

2. No caso do recurso especial, a obrigatoriedade do preparo advém da Lei n. 11.636/2007, que "dispõe sobre as custas judiciais devidas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça" e expressamente consigna o dever de recolher custas por ocasião da interposição do apelo nobre (Anexo, Tabela A, item II).

Agravo regimental improvido.” [g.n] (STJ, Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 508.837, 2ª Turma, Min. Rel. Humberto Martins, J. 16/09/2014).

Os Tribunais de Justiça, porém, tem se manifestado na perspectiva de garantir a gratuidade de custas, inclusive, em sede recursal:

“EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. HABEAS DATA. ISENÇÃO DE CUSTAS E DE HONORÁRIOS. PROCEDÊNCIA.

Diante da negativa administrativa da empresa arquivista em fornecer informações acerca do histórico de inadimplência, cabível a utilização da via judicial. Direito à informação, amparado pelo artigo 5LXXII, da Constituição Federal. Aplicação por analogia das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ, a fim de declarar a isenção de custas e de honorários advocatícios. Sentença mantida. Pagamento de honorários advocatícios afastado. DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.” [g.n] (TJRS, Apelação Nº 70067263947, Décima Oitava Câmara Cível, Des. Rel. Nelson José Gonzaga, J. 25/02/2016).

“EMENTA HABEAS DATA – SENTENÇA QUE EXTINGUIU O PROCESSO, SEM JULGAMENTO DE MÉRITO – OMISSÃO DA CÂMARA MUNICIPAL DE VEREADORES NO ATENDIMENTO DO PEDIDO DE FORNECIMENTO DE CÓPIA AUTENTICADA DA ATA, AO TEMPO DA PROPOSITURA DA MEDIDA – POSTERIOR ENTREGA – AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL SUPERVENIENTE – CONDENAÇÃO DO APELANTE AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS – GRATUIDADE ESTABELECIDA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E NA LEI N.º 9507/97 – APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

"Tanto o procedimento administrativo quanto a ação judicial de 'habeas data' são gratuitos (Lei do 'Habeas Data', art. 21). Assim, estão vedadas quaisquer cobranças de custas ou taxas judiciais dos litigantes. Também os recursos serão isentos de preparo. A gratuidade do 'habeas data' já fora consagrada na própria Constituição Federal (art. 5o, LXXVII)" – Hely Lopes Meirelles, f. 93/94”. [g.n] (TJPR, Apelação nº 1377035, 1ª Câmara Cível, Des. Rel. Dilmari Helena Kessler, J. 16/03/2004).

Com a devida vênia ao entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, entende-se que a postura mais adequada à possibilidade de habeas data é a gratuidade de custas também em via recursal, seja em grau de Apelação, Recurso Especial ou Extraordinário, visando a preservação do comando constitucional.

2.4. Vista de processo administrativo

Por tratar-se de instrumento inserido com a Constituição Federal de 1988, é natural que no início, dúvidas jurídicas surgissem com a impetração do habeas data.

Não obstante a Constituição Federal e a Lei n. 9507/97 sejam bastantes claras quanto às possibilidades de impetração do habeas data, ainda se vê a apresentação deste mecanismo processual com finalidade adversa às disposições legais.

É o que se verifica dos inclusos acórdãos abaixo ementados, em habeas data em que se pretendia o acesso a processo administrativo:

“EMENTA APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. PEDIDO DE ACESSO AOS AUTOS DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA.

O habeas data, remédio constitucional previsto no art. 5º da CRFB/88, tem por finalidade assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados e ensejar a sua retificação, ou ainda, nos termos do art. 7, III da Lei 9.507/97, possibilitar a anotação de explicações nos assentamentos do interessado.

Logo, trata-se de instrumento jurídico inadequado para a pretensão de obter acesso aos autos de processo administrativo.

Precedentes do STF e do TJRJ.

“NEGATIVA DE PROVIMENTO AO RECURSO.” [g.n] (TJRJ, Apelação nº 0002202-79.2013.8.19.0004, 20ª Câmara Cível, Des. Rel. Mônica Sardas, J. 01/02/2017).

EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS DATA. ART. 5º, LXXII, DA CF. ART. 7º, III, DA LEI 9.507/97. PEDIDO DE VISTA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO. INIDONEIDADE DO MEIO. RECURSO IMPROVIDO.

O habeas data, previsto no artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal, tem como finalidade assegurar o conhecimento de informações constantes de registros ou bancos de dados e ensejar sua retificação, ou de possibilitar a anotação de explicações nos assentamentos do interessado (art. 7º, III, da Lei 9.507/97).

A ação de habeas data visa à proteção da privacidade do indivíduo contra abuso no registro e/ou revelação de dados pessoais falsos ou equivocados.

O habeas data não se revela meio idôneo para se obter vista de processo administrativo.

Recurso improvido.” [g.n] (STF, Agravo Regimental no Habeas Data 90, Tribunal Pleno, Min. Rel. Ellen Gracie, J. 18/02/2010).

Não apenas pelo posicionamento da jurisprudência, mas pelas disposições constitucionais e infraconstitucionais concernentes ao habeas data, notória a impossibilidade de impetração deste remédio constitucional para vista de processo administrativo.

2.5. Segurança Nacional

O pedido por informações, realizado através do habeas data, pode encontrar limitação na segurança do Estado e da Sociedade.

A ponderação a respeito do sigilo da informação deve ser realizada cautelosamente, sob pena de impedir ao requerente o acesso à informação personalíssima.

O Superior Tribunal de Justiça já foi instado a manifestar-se sobre o tema, decidindo o quanto abaixo:

“EMENTA CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA . MILITAR DA AERONÁUTICA. MATRÍCULA EM CURSO DA ECEMAR. PEDIDO INDEFERIDO. ACESSO A DOCUMENTOS FUNCIONAIS. NEGATIVA DA ADMINISTRAÇAO. REGRA CONSTITUCIONAL BASILAR: PUBLICIDADE. EXCEÇAO: SIGILO. ORDEM CONCEDIDA.

1. "O" habeas data" configura remédio jurídico-processual, de natureza constitucional, que se destina a garantir, em favor da pessoa interessada, o exercício de pretensão jurídica discernível em seu tríplice aspecto: ( a) direito de acesso aos registros existentes; ( b) direito de retificação dos registros errôneos e ( c ) direito de complementação dos registros insuficientes ou incompletos.

Trata-se de relevante instrumento de ativação da jurisdição constitucional das liberdades, que representa, no plano institucional, a mais expressiva reação jurídica do Estado às situações que lesem, efetiva ou potencialmente, os direitos fundamentais da pessoa, quaisquer que sejam as dimensões em que estes se projetem” (HD 75/DF, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, Informativo STF 446, de 1º/11/2006).

2. A exceção ao direito às informações, inscrita na parte final do inciso XXXIII do art.  da Constituição Federal, contida na expressão" ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado", não deve preponderar sobre a regra albergada na primeira parte de tal preceito. Isso porque, embora a Lei 5.821/72, no parágrafo único de seu art. 26, classifique a documentação como sendo sigilosa, tanto quanto o faz o Decreto 1.319/94, não resulta de tais normas nada que indique estar a se prevenir risco à segurança da sociedade e do Estado, pressupostos indispensáveis à incidência da restrição constitucional em apreço , opondo-se ao particular, no caso o impetrante, o legítimo e natural direito de conhecer os respectivos documentos, que lastrearam, ainda que em parte, e, assim digo, porque deve existir, também, certo subjetivismo na avaliação, a negativa de sua matrícula em curso da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica ECEMAR, como alegado.

3. A publicidade constitui regra essencial, como resulta da Lei Fundamental, art. 5º, LX, quanto aos atos processuais; 37, caput , quanto aos princípios a serem observados pela Administração; seu 1º, quanto à chamada publicidade institucional: 93, IX e X, quanto às decisões judiciais, inclusive administrativas, além de jurisprudência, inclusive a Súmula 684/STF, em sua compreensão. No caso, não há justificativa razoável a determinar a incidência da exceção (sigilo), em detrimento da regra. Aplicação, ademais, do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade, como bem ponderado pelo órgão do Ministério Público Federal.

4. Ordem concedida”. [g.n] (STJ, Habeas Data 91, 3ª Seção, Min. Rel. Arnaldo Esteves Lima, J. 14/03/2007).

A ponderação realizada pelo Superior Tribunal de Justiça demonstra a importância de não obstruir o acesso do requerente a informações referentes a si mesmo.

Vale aqui a ressalva de que não se deve olvidar que o habeas data é o mecanismo hábil a fornecer informações exclusivas sobre a pessoa do Requerente e causa certa estranheza de que forma uma informação personalíssima pode colocar em perigo a segurança da sociedade e do Estado.

Dessa forma, mesmo que haja a limitação estabelecida pela Constituição Federal, a ponderação entre o sigilo da informação e o direito à obtenção da informação deve ser realizada de forma extremamente criteriosa.

CONCLUSÃO

Notório o pioneirismo jurídico brasileiro na constitucionalização do habeas data, instrumento processual-constitucional fundamental na preservação da privacidade e liberdade de informação ao indivíduo.

Ainda que não seja recorrente na prática jurídica, o habeas data é fundamental como instrumento assecuratório de direitos fundamentais, como direito à liberdade de informação e proteção à esfera íntima do indivíduo.

Quaisquer dissonâncias jurisprudenciais que possam ser desencadeadas a partir do ajuizamento do habeas data devem ser analisadas parcimoniosamente, porquanto este é um instrumento processual-constitucional que tem por objeto a proteção de direitos fundamentais.

 

Referências
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BRASIL, Lei n. 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm>. Acesso em: 6 de maio de 2017.
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Informações Sobre o Autor

Géssica Guimarães Higino

Advogada e Professora de cursos preparatórios. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo


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