Honorários advocatícios na Justiça do Trabalho como conseqüência dos novos tempos


A Justiça do Trabalho pós-Emenda Constitucional nº. 45


Depois de cinqüenta anos, finalmente a Justiça do Trabalho alcança sua maioridade, atingindo, através da Emenda Constitucional nº. 45/2004,  a competência para todas as relações de trabalho. Desde seu início, o Judiciário Trabalhista e o Direito do Trabalho caminham  contra a corrente liberal, adotando institutos que, à época, seriam considerados demasiadamente ousados ou, mesmo, revolucionários. Assim, foi no processo do trabalho que se consolidou a idéia de inversão do ônus de prova, a concentração dos atos processuais, a imediatidade e a oralidade. Já no direito material do trabalho, pela primeira vez, falou-se, no Judiciário brasileiro, de princípio de proteção, contrato-realidade e dirigismo contratual. Não é à toa que todos estes institutos foram encarados com hostilidade no início, para, depois de longa batalha, firmarem-se no direito do trabalho e, somente então, serem adotados no Direito Civil e no Direito Processual Civil. Mesmo hoje, o processo civil vem ao processo do trabalho buscar aperfeiçoamentos, como nas recentes modificações legislativas, como por exemplo, as alterações no agravo de instrumento e na fase de execução.


Exatamente por isso a Justiça do Trabalho e o Direito do Trabalho nasceram contestados pelos liberais, assustados com tanta modernidade e com o compromisso social que ali se assumia. A consolidação de uma Justiça especializada (que se contrapunha à Justiça comum, tributária do postulado de igualdade formal entre as partes) não se deu sem dificuldades. Por meio século, assistimos, por força do veto liberal, o confinamento da Justiça do Trabalho ao âmbito da relação de emprego, sendo interditado seu espraiamento para outras relações de trabalho. Era como se houvesse um acordo tácito para que o vanguardismo da Justiça do Trabalho se restringisse à relação peculiar entre empregado e empregador, estando absolutamente claro que, em qualquer outra esfera social, tais princípios e institutos não seriam aplicáveis, pois incompatíveis com a sociedade em geral.


É bastante conhecida a intensa polêmica que se estabelece nos processos sobre a existência ou não de relação de emprego. Na prática, tal reconhecimento funciona como a abertura da “porta da cidadania”  para o trabalhador: para os que logram demonstrar o vínculo de emprego, são asseguradas todas as proteções previstas na norma celetista. Para os que não provam, nada é deferido, pois a declaração de incompetência equivale à negativa de qualquer tipo de proteção.


A Emenda Constitucional nº. 45/2004 muda radicalmente esse cenário.  Ocorre, a partir de então, a inversão de paradigma, de modo que qualquer controvérsia referente à relação de trabalho passa à competência da Justiça do Trabalho. Portanto, deixa-se de operar a  histórica proibição para conhecer demandas trabalhistas não empregatícias, passando o Judiciário trabalhista a abarcar 100% das relações de trabalho, ao invés dos limitados 50% que, no máximo, alcançam as relações estritamente de emprego no mundo do trabalho.


Por certo tal período de crescimento e afirmações é sujeito ao surgimento de inúmeras dúvidas. É compreensível que se hesite a abraçar as possibilidades de um mundo novo que se descortina ao Direito do Trabalho e ao Judiciário do Trabalho. Há, sem dúvidas, muitas coisas a serem repensadas e que podem ser abandonadas no  contexto desta nova fase:


– Ênfase excessiva na conciliação (somente comparável ao Direito de Família), como se a principal função da Justiça do Trabalho fosse obter a harmonia das partes litigantes – e não a aplicação do direito.


– A idéia da Justiça do Trabalho como um “juizado de pequenas causas”, onde se discute apenas questões simples, de restrito interesse social e de pequena monta.


– A falácia de que o processo do trabalho é pouco complexo, o que justifica procedimentos sumaríssimos, prazos curtos e limitadas possibilidades de prova.


– Prescindibilidade do advogado, o que justificaria a presença do Sindicato como assistente. Na formulação original da CLT, o sindicato profissional seria uma espécie de fiscal da regularidade dos pagamentos (normalmente rescisórios) que se fariam, normalmente na primeira audiência, em que, provavelmente, ocorreria um acordo.


Destaca-se, exatamente sobre este último ponto, que, em si mesmo, resume todo o anacronismo que se deve remover em busca de um processo do trabalho mais adequado aos novos tempos que se inauguram após a edição da Emenda Constitucional nº. 45.


O fim do “jus postulandi”


Já se disse, em outra ocasião, sobre a incongruência da interpretação jurisdicional que praticamente alija o hipossuficiente trabalhista dos benefícios da Assistência Judiciária, pela concessão de honorários somente com credencial sindical e de, no máximo, 15%  da condenação,  com critérios bastante severos para sua concessão (renda não superior a dois salários mínimos). Conforme ali se disse, tal entendimento não se sustenta ante a clareza das normas constitucionais, que asseguram o direito fundamental de acesso à Justiça.


A justificativa (praticamente única) para tal aberração jurídica seria uma suposta necessidade de se preservar o jus postulandi, ou seja, a possibilidade da parte demandar sem advogado. Na prática, quem conhece cotidianamente a realidade vivida nas Varas do Trabalho em nosso país, sabe que tal possibilidade praticamente desapareceu, em função da complexidade real que hoje têm os processos do trabalho, a exigir acompanhamento técnico-especializado. Não há mais espaço para o jus postulandi que subsiste em nossos dias apenas por inércia e preconceito, por não se admitir que o processo laboral evoluiu muito desde seu nascimento, não podendo mais se enquadrar como um processo menor.


Em realidade, já de há muito se pode entender substancialmente alterada a base legal que justificava a inconveniente sobrevida do jus postulandi. A Lei 8.906/94 por seu art. 1º considera prerrogativa do advogado a postulação em Juízo. Revogados, portanto, os preceitos celetistas que previam a possibilidade do jus postulandi das partes na Justiça do Trabalho. Ressalte-se que a referida Lei entrou em vigor posteriormente à edição do então Enunciado nº. 329 do TST pela Resolução Normativa nº 11/93 de 19.11.93, tornando, pois, superado aquele entendimento jurisprudencial.  Devidos os honorários de sucumbência, nos termos dos arts. 1º e 2º combinados com os arts. 22 e 24 § 3º da Lei 8.906 de 04 de julho de 1994.


Ainda que se fosse admitir, tendo em vista a liminar deferida e à recente decisão de mérito a respeito da ADIN proposta perante o STF, que não estivesse vigente o art. 1º da referida Lei 8.906/94 (sem considerar que a autoria daquela ADIN é da Associação dos Magistrados do Brasil, não restando claro ao senso comum o interesse jurídico de uma entidade de juízes em que advogado não receba honorários e o trabalhador não seja assistido pelo competente profissional), é indispensável ter claro que após o julgamento definitivo da ADIN, poderá o Senado da República suspender a vigência da referida Lei nos termos expressos da competência constitucional e dentro do princípio basilar da tripartição de Poderes da República.


Ademais, admitido que fosse o jus postulandi, é absolutamente certo que,  na  quase totalidade dos processos não se opera o jus postulandi da parte porque desde a inicial o reclamante se faz representar por advogado constituído. Ao se admitir que a parte autora trabalhista teria o direito de demandar por conta própria, impende ressaltar ter ela o mesmo direito a demandar através de procurador, mormente se se tiver em conta as garantias constitucionais  do art. 5º, incisos XXXV e LV, consideradas direitos fundamentais também estendidos, por evidente, ao trabalhador em sua condição de cidadão comum.


Ora, seria afronta ao princípio da isonomia, insculpido  no caput do mesmo art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, admitir que qualquer cidadão sendo vitorioso em sua demanda judicial tenha o direito,  reconhecido por lei de que a parte sucumbente arque com os honorários de seu advogado e o trabalhador, hipossuficiente por definição, seja condenado pelo Juízo, mesmo vitorioso na lide a desembolsar os honorários de seu patrono. É como se a sentença trabalhista condenasse o empregador a pagar ao empregado um valor X, menos 20%.


A partir de Emenda Constitucional  nº.45, que traz à Justiça do Trabalho, relações de trabalho não celetistas (e, portanto, para as quais não há falar em aplicação do jus postulandi), modifica-se bastante esse quadro.


Entretanto, a escancarada injustiça para com o trabalhador empregado ficou, agora mais nítida com a “interpretação” dada através de Instrução Normativa do colendo TST às novas competências da Justiça do Trabalho em face da Emenda Constitucional nº. 45 de que aos demais trabalhadores, não empregados e agora julgados pela Justiça do Trabalho, bem como aos próprios empregadores em suas demandas, por exemplo, contra as multas administrativas a eles impostas,  é reconhecido o direito aos honorários de sucumbência, restando somente o trabalhador empregado privado do mesmo direito, o que clama contra os mais comezinhos princípios do Direito e em especial do próprio Direito do Trabalho.


Nem se diga que isso seria prejudicial aos trabalhadores porque os mesmos teriam que pagar os advogados da empresa, quando sucumbentes porque, em tal caso e se o caso, o trabalhador na mais das vezes é detentor da assistência judiciária gratuita.


Propostas:


 1) É preciso interpretar a Lei 8.906/94 em seu artigo 1º em sua plenitude, uma vez que ainda não derrogada  pelo Senado da República;


2) Ainda que se mantenha a retirada da expressão “qualquer” demanda, consoante decisão do Pretório Excelso na ADIN referida, esta expressão  pode ficar restrita aos casos de hábeas corpus ou às ações que se admita como dedutíveis perante os Juizados especiais, mas nunca perante a Justiça do Trabalho em face da complexidade do Processo Trabalhista;


3) O trabalhador, empregado ou não,  tem o direito à prestação jurisdicional , através do devido processo legal e, portanto, mediante a assistência técnica indispensável e, ainda, tem direito – como qualquer cidadão – a que a parte sucumbente arque com os honorários da parte vencedora, sob pena de se impor pena pecuniária ao hipossuficiente, mesmo vencedor na demanda; 


4) Quando há advogado constituído desde o início do processo, não pode o Juiz negar os honorários de sucumbência sob o fundamento da existência de preceito celetista prevendo o jus postulandi da parte sob pena de considerar que o trabalhador, no caso,  não teria direito de “escolher”  demandar através de advogado;


5) De lege ferenda: buscar alterar a CLT na parte em que ainda prevê o jus postulandi , tarefa que incumbe às entidades associativas de juízes em seu esforço notório e bem sucedido de impor ao conjunto do Judiciário e à sociedade em geral,  maior respeitabilidade  ao Direito e ao Processo do Trabalho.



Informações Sobre os Autores

Luiz Alberto de Vargas

Desembargador do Trabalho do TRT 4ª. Região

Antonia Mara Vieira Loguércio

Juíza do Trabalho no RS


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