Imunidade parlamentar e a análise do discurso jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal

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Resumo: O presente texto objetiva demonstrar a aplicabilidade da metodologia de análise jurisprudencial em desenvolvimento, no projeto de pesquisa Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?” aprovado com recursos do PRONEX (FAPERJ-CNPq), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho/RJ – onde é explorada a hipótese de que as desigualdades características da sociedade brasileira evidenciam-se na construção dos discursos jurídicos, acerca da categoria igualdade jurídica, em sede do Supremo Tribunal Federal. Apesar de no nível do discurso e do habitus dos juristas não se permitirem a continuidade das desigualdades no plano do direito, este trabalho buscará demonstrar, ao desconstruir os argumentos dos ministros que compõem e compuseram a Corte, que a falta de racionalidades na construção das decisões com base no contraditório leva a uma contrariedade funcional do sistema jurídico que não permite consensos mínimos para a ruptura de um processo histórico de reprodução de privilégios na “cidadania” brasileira. Para tanto, trabalhará com a análise semiolinguística do discurso jurisprudencial, como uma nova proposta metodológica de estudo jurisprudencial, referente a igualdade jurídica disponível no Supremo Tribunal Federal, no recorte da imunidade parlamentar. Como exemplo de aplicação dessa metodologia,  apresenta-se a análise do  Inquérito 2.188-1/ BA. Registre-se que o presente trabalho retoma as questões abordadas nos  textos “Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?”, “Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?  Entre privilégios e prerrogativas” e “Supremo Tribunal Federal: uma proposta de análise jurisprudencial- a igualdade jurídica e a imunidade parlamentar”, apresentados em outros foros acadêmicos. [1]

Palavras-chaves: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; IGUALDADE JURÍDICA; IMUNIDADE PARLAMENTAR; ANÁLISE DO DISCURSO.


Resumo: Il presente testo obbietiva di mostrare come la metodologia di analisi giurisprudenciale svilupata nella ricerca denominata Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?”,  finanziato da PRONEX (FAPERJ-CNPq), vinculata al Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Gama Filho/RJ. La ricerca presenta un`ipotese: le ineguaglianze che caratterizzano la società brasiliana si presentano nella costruzione dei discorsi giuridici del Supremo Tribunal Federal. Nonostante i discorsi e il habitus dei teorici giuridici brasiliani ci informano non avere ineguaglianze giuridica in Brasile, questo testo presenterà e dimostrarà, attravverso una proposta metodologica fondata nell` analisi semiolinguistica del discorso giurisprudenziale, che c`è, in nostra reppublica, un processo storico riproduttore dei privilegi. Perchè, veramente, il nostro sistema di costruzione decisoria giurisprudenziale non permette consenso ugualitario. Il tema scelto, inizialmente, per dimostrare la formazione del discorso del Supremo Tribunal Federal di questa ugualità brasiliana serà l` imunità parlamentare. Con lo scopo di presentare la aplicazione de questa metodologia di analisi discorsiva, è presentato il Inquérito 2.188-1/ BA. Dobbiamo notare che il testo cerca di spiegare meglio le questione svilupate nei testi “Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?”, “Supremo Tribunal Federal e Sociedade Brasileira: legitimando a desigualdade jurídica ou a diferença?  Entre privilégios e prerrogativas” e “Supremo Tribunal Federal: uma proposta de análise jurisprudencial- a igualdade jurídica e a imunidade parlamentar.


Parole chiave: SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL; UGUALITÀ GIURIDICA; L`IMUNITÀ PARLAMENTARE; ANALISI DEL DISCORSO.


1. A jurisprudência como objeto de interesse investigativo


De forma sistematizada, podemos dizer que a relevância do estudo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal/STF se dá por três razões principais.


(a) A primeira caracteriza-se pela quase inexistência de estudos pátrios que levem em consideração este aspecto (jurisprudência) do rito judiciário.


O quanto significa uma decisão de um juiz? No meio jurídico, as decisões judiciais não têm sido contempladas com expressivo interesse investigativo. No meio acadêmico, pouca é a literatura produzida, marcando-se alguns esforços no sentido de construir ferramentas de investigação que nos ajudem a melhor compreender e explicar o processo de tomada de decisões e a própria decisão do juiz em si, enquanto objeto de reflexão[2].  No campo profissional, associado aos operadores do direito, as decisões, em geral, são manejadas apenas como “argumento de autoridade” [3] que se prestam a reforçar as teses sustentadas pelas partes em juízo ou mesmo a  própria decisão tomada pelo juiz. Tal constatação de todo não nos surpreende, vez que nosso sistema jurídico alinha-se ao modelo romano-germânico, onde classicamente se relega a uma posição de menor relevância o papel da jurisprudência no sistema de fontes do direito, reduzindo-se o juiz a figura de um simples “aplicador” da lei.


(b) A segunda razão sustenta-se no fato de que as decisões proferidas pelas cortes  materializam, no campo jurídico, as representações de seus juízes sobre a problemática abordada, cristalizando e formalizando uma relação no campo jurídico, que se traduz na chamada prestação jurisdicional.


Do magistrado, contudo, não se pode exigir neutralidade ideológica absoluta, traduzida em total abstenção de seus sentimentos, convicções pessoais e biografia, porque toda decisão é baseada em uma das interpretações possíveis, em uma escolha, consistindo na expressão de uma vontade, através da adaptação do texto normativo aos fatos e ocorrências singulares da vida, efetivada por um ser humano (que é o juiz).


Nesse sentido, toda decisão possui certa carga ideológica e todo magistrado possui uma maneira própria de dizer o direito – um estilo de redação – dentro das possibilidades próprias da técnica de decisão que a dogmática processual  impõe. Sua decisão, que antes era ato de linguagem subjetivo da autoridade, ao ser publicada, passa para a esfera pública, daí advindo sua existência jurídica. E tratando-se de um ato de vontade de um Estado que se pretende democrático, deveria direcionar-se para a legitimação da intervenção judicial.


(c) A última razão caracteriza-se pela jurisprudência retratar, na concretização do discurso pelos juízes, a problemática entre o tribunal e a sociedade; pois é uma prática da imposição da autoridade estatal para os conflitos sociais na busca pelo “credo jurídico” de se solucionar as controvérsias. Chamamos atenção aqui para o fato de que o habitus do campo tem a crença de que o conflito social pode ser “solucionado” através de um processo movido pelas partes em desacordo que provocam o Estado-juiz (que deteria, pela lei, o monopólio da força), para resolver este conflito e, desta forma, “restaurar ou restabelecer a paz social fraturada”.  Na compreensão do campo, o conflito social é reduzido a uma categoria técnico-processual abstrata (pois se distancia dos fatores reais do conflito), denominada lide, que se ajusta a qualquer tipo de conflito social. A lide é compreendida como um conceito (problema) que deve ser solucionado ou resolvido, mas não administrado.  Assim, o conflito, para ingressar no sistema judicial, se transforma em lide. A lide, pelo processo, é solucionada pelo juiz e o conflito é devolvido à sociedade. Como resultado, esta categoria lide não permite a administração dos conflitos que permeiam a sociedade. Aliás, esta crença do campo jurídico deriva de uma outra que acredita ser possível existir uma sociedade pacificada, isto é, sem conflitos.


2. O percurso metodológico construído


Como sinalizado anteriormente pretendemos apenas explicitar o percurso metodológico que temos construído a fim de darmos conta de nossa problemática, tal seja: a desconstrução do discurso da diferença ou desigualdade pela temática da imunidade parlamentar através das decisões do Supremo Tribunal Federal.


Registrando a carência da existência, entre nós, de uma metodologia já consolidada, própria para o trato da jurisprudência, e entendendo a pesquisa jurisprudencial como empírica, optamos em realizar análise de casos, combinando levantamento quantitativo[4] e qualitativo de processos já decididos. A análise dos casos é presidida por  dois aspectos : 1) ausência de consenso mínimo sobre o reconhecimento dos elementos justificadores do tratamento diferenciado – o que implica desigualdade “retoricamente atualizada” em diferença; 2) o paradoxo gerado pela lógica do contraditório que controla as decisões judiciais.


O primeiro desafio encontrado foi delimitar o universo de  investigação, já que o STF decide anualmente milhares de processos[5] e não se sabe de plano quais dentre eles são os efetivamente  relevantes.


Descartando a pesquisa no Diário da União[6], vez que de difícil acesso e manejo, pois todos os exemplares, em geral diários,  em princípio deveriam ser lidos, optamos por realizar o levantamento jurisprudencial das decisões, no sítio oficial do STF[7], aplicando-se  os filtros de refinamento de busca lá disponíveis. Este levantamento foi sendo sucessivamente alargado mediante a combinação e tabelamento de diferentes palavras-chave consideradas estratégicas para a pesquisa. Hoje temos um universo experimental composto por 60 decisões.


Definidos os casos a serem considerados, nos deparamos com o segundo desafio: como proceder a essa análise. No particular, entendemos que  dois momentos devem ser tomados em conta. O primeiro, voltado para a compreensão jurídica do caso sob análise. O segundo dirigido à realização da análise do discurso jurídico, isto é, do discurso das decisões.


Quanto à compreensão jurídica, adotamos um  formulário de análise onde são privilegiados os principais aspectos do caso, revelados a partir da decisão. Busca-se assim o estabelecimento de um contexto jurídico mínimo que permita ao pesquisador construir uma representação do caso sob enfoque jurídico[8].


O segundo momento situa-se no estudo dos gêneros textuais, ou em outras palavras, busca perceber quais devem ser os limites do gênero textual judicial, explicitando o modo de organização deste tipo de discurso[9].


No caso do gênero a ser analisado (judicial), deparamo-nos com textos em que o ato decisório se dá através do confronto dialético, realizado pelo magistrado, entre os elementos discursivos – normativos ou não – indiciários, probatórios, assertórios e fáticos constantes do processo, cujo resultado é a produção do discurso decisório, através da publicação do texto em si da decisão. É esta decisão que externará a interpretação e a aplicação do Direito, àquele caso concreto, seguindo uma estrutura formal interna, definida em lei[10], onde se vê bem demarcados  relatório, fundamentação e dispositivo.


Sendo uma das espécies de discurso jurídico[11], o discurso decisório tem como característica o cunho performativo. Ele é capaz de modificar situações jurídicas e é dotado de oficialidade, publicidade, racionalidade e circularidade[12]. No particular, a circularidade é a característica que mais nos interessa e, no discurso decisório, ela pode ser apreendida na medida em que cada nova decisão é capaz de criar uma nova realidade de linguagem dentro do universo jurídico. Observamos ainda que este discurso deve ser dotado de imparcialidade e isenção, nos moldes  no ordenamento jurídico vigente, bem como, com relação à Língua Portuguesa, de logicidade e de correção lingüísticas.


Cumpre mencionar que é através dos fatos que se ligam os sujeitos do discurso, envolvidos no processo decisório, e que cada parte trará uma espécie própria de discurso – factual ou normativo – incumbindo ao juiz a produção de um terceiro discurso, fruto da união dos dois primeiros aliado à valoração e interpretação deste, dotando a realidade de uma carga de juridicidade.


O ato de decidir não deveria ser mecânico, pois, além de ser integrado pelos elementos específicos do saber jurídico, dependem intrinsecamente da linguagem, como modo de expressar a autoridade do julgado, objetivando compor os diversos interesses envolvidos. Para isso, se utiliza tanto de signos lingüísticos, quanto de signos não-lingüísticos; de elementos verbais e não-verbais, escritos, fonográficos, fotográficos etc, para fins de criar a norma a ser aplicada no caso individualmente considerado.


Nesse sentido, se afigura relevante a linguagem utilizada pelo magistrado ao proferir uma decisão judicial[13], em especial, diante do princípio constitucional do acesso à justiça e do dever de fundamentação das decisões judiciais[14]. Entre a linguagem natural e a jurídica se interpõe a linguagem normativa e, o discurso decisório é permeado por elementos fáticos, sendo informado pelo rito, pelo discurso normativo e pelos discursos argumentativos das partes. O discurso jurídico tende, ainda, ao discurso burocrático – típico de qualquer marcha procedimental – que se afigura sintético em relação à norma (discurso primário), sendo, ao mesmo tempo, primário com relação ao próprio discurso decisório[15].


3. Noções Gerais acerca da Análise do Discurso


Primeiramente, é necessário dizer que o presente item será organizado da seguinte maneira: a apresentação do conceito de discurso, os conceitos que a expressão análise do discurso reune e as grandes tendências da análise do discurso moderna.


O discurso é um ato fato de palavra e o termo discurso contém em si a idéia de movimento que pressupõe a mediação entre a linguagem, o homem e as práticas naturais e culturais que fazem parte de uma determinada sociedade.


A Análise do Discurso[16] é uma disciplina nova que nasce da convergência das correntes lingüísticas e os estudos sobre a retórica greco-romana. A definição de Análise do Discurso chama as noções da Lingüística textual na qual os elementos da frase não podem ser relacionados  a multiplos sensos lingüísticos, extra-lingüísticos e sociais.


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A Análise do Discurso apresenta dois grandes filões: o primeiro é daquelas tendências de análises mais amplas, que segundo Patrick Charaudeau são caracterizadas pelo estudo do mosaico que o termo sucita. Charaudeau afirma que o “sentido amplo é apreendido quando esta disciplina tem como equivalente o estudo do discurso”.[17]


O segundo filão apresenta os sensos restritivos da Análise do Discurso que nasceu com o intento de ter uma autonomia científica própria e de estudar o discurso como o centro de todas as suas possibilidades manifestações, distinguindo-o, assim, de todas as outras ciências que estudam os fenômenos sociais históricos, políticos, filosóficos etc.


Charaudeau nos informa que as tendências da Análise do Discurso no mundo são expressadas da seguinte maneira:


a) A análise do discurso como estudo do discurso – é uma análise real da linguagem em um uso contextual e expressivo dos agentes comunicativos. Nesta situação  podemos inserir diversas correntes: a análise da comunicação, a sociolingüiística e a etnografia da comunicação.


b) A análise do discurso como estudo da conversação – é uma análise, ou melhor, uma corrente de estudo anglo-americana que analisa o discurso em bases da atividade de interação.


c) A análise do discurso como visão do mesmo discurso – é segundo Maingueneau uma análise que não tem por objeto “nem a organização textual nem também a situação de comunicação, mas deve pensar o dispositivo da enunciação que associa organização textual e um lugar social determinado.


O nosso  texto adota como pressupostos teóricos aqueles da Escola Francesa de Análise do Discurso[18] e se propõe a estudar particularmente as relações entre a força persuasiva das palavras e os seus usos na constituição da legitimidade do discurso jurídico.


A análise do Discurso consiste no fato de que os discursos tornam-se possíveis tanto na emergência de uma racionalidade jurídica quanto na regulação dos fatos jurídicos.


Neste sentido, podemos elencar três lugares em que se realizam a produção dos sentidos do discurso. Assim, o objeto de desenvolvimento de nossa pesquisa se baseia sobre estes três lugares de representação que são: o primeiro topos é aquele da doutrina jurídica, ou seja, consiste no sistema de pensamento que é resultado de uma atividade discursiva que procura fundar um ideal jurídico referível à construção das opiniões. Ou seja, de uma dogmática jurídica, não atralada a autores especificamente, mas sim, para usar uma denominação “bourdieuniana” ao habitus e ao capital simbólico dos integrantes do campo jurídico.


O segundo se caracteriza como uma dinâmica de comunicação dos atores jurídicos, ou seja, a  razão ideológica de identificação imaginária da “verdade” jurídica. Os atores do campo jurídico fazem parte das diversas cenas de vozes comunicantes de um enredo permeado pelo desafio retórico do reconhecimento social, isto é, o consenso, a rejeição ou a adesão. Suas ações realizam vários eventos: audiências públicas, debates, reuniões, e hoje principalmente, a ocupação do espaço midiático. Precisam de filiações, estabelecendo organizações que se sustentam pelo mesmo sistema de crença político- jurídica articuladora de ritos e mitos pela via dos procedimentos retóricos[19].


 O terceiro se liga as influências do discurso sobre instituições que formam uma cultura jurídica, isto é, o discurso jurídico que não se mantém fechado no campo jurídico mas influencia todas os instituições culturais. Ou seja, este lugar da produção do discurso estabelece as relações entre os atores de dentro do campo e os de fora que revelam opiniões produtoras de conceitos que expandem a cultura relacionada a esse tipo de discurso.


4. Uma proposta de análise do discurso jurídico através do estudo dos gêneros situacionais e visadas discursivas propostas por Patrick Charaudeau.


Por outro lado, toda decisão pressupõe uma prática de linguagem, impondo-se mencionar que o discurso decisório é polifônico (pois resulta do somatório das vozes e discursos de diversos atores), sendo possível dele se extrair diversas cadeias de discursos, e, contemporaneamente, faz surgir um novo discurso, pelo que também se apreende a faticidade dos conflitos sociais. Nesse sentido, nos chama a atenção a ideologia que permeia esse discurso, revelando-se na representação social que o magistrado faz das normas que deve aplicar e do conflito que lhe é submetido.


Entre os diversos estudiosos do tema, Patrick Charaudeau é o que melhor se adequa a explicitar a ideologia[20] concretizada no discurso do STF acerca da igualdade e desigualdade jurídica.


A metodologia proposta por Charaudeau situa-se na moldura da chamada Teoria Semiolinguística do discurso, pois se alinha a uma tradição de estudo dos gêneros deliberativos e da persuasão codificados pela retórica aristotélica[21]. Parte-se de uma problemática da organização geral dos discursos, fundamentando-se em um projeto de influência do EU sobre o TU em uma situação dada[22], e para qual existe um contrato de comunicação[23] implícito de interação social.


A perspectiva de Charaudeau associa os seguintes fatores:


a) a análise da situação – aborda os gêneros do discurso associados às práticas sociais, consideradas na estrutura das forças simbólicas (habitus)[24] estabelecidas e reproduzidas no campo de poder[25] no qual situa-se o estatuto de cada autor;


b) o discurso performatizado – o discurso e o estatuto do autor são reproduzidos consciente e/ou inconscientemente pelo locutor na enunciação do que é dito;


c) a semilolinguística – o texto produzido é resultado de processos em que os sujeitos comunicantes se relacionam em ação de influência sobre o TU perpassando diversas finalidades e situações comunicativas[26].


Assim Patrick Charaudeau explicita a sua proposta[27]:


“O sujeito, ser individual mas também social necessita de referências para se inscrever no mundo dos signos e significar suas intenções. Logo, apóia-se numa memória discursiva, numa memória das situações, que vão normatizar o comportamento das trocas linguageiras, de modo que se entendam e obedeçam aos “enjeux” (expectativas) discursivos, que persistem na sociedade e estão a guiar os comportamentos sociais, de acordo com contratos estabelecidos. Ex. Um discurso político pode se realizar como um debate, um comício, uma entrevista, um texto escrito, um papo amigável do candidato, com direito a tapinhas nas costas etc. Cada realização vai exigir uma forma diferente que está de acordo com a situação.”


Essa influência do EU sobre o TU[28], denominado princípio de influência, caracteriza-se como um ato de linguagem da relação que o EU (locutor) objetiva ou visa no TU (receptor) como um efeito, pedido, ordem ou, na perspectiva de nosso objeto, da imposição de uma decisão de autoridade.


O mecanismo aqui descrito denomina-se de visadas, ou seja, finalidades concretizadas no discurso a partir do princípio da autoridade do EU. São elas: a) visada prescrição – EU mandar e o TU deve fazer; b) visada solicitação – EU solicitar e o TU deve atender;c) visada instrução – EU fazer saber fazer e o TU querer saber; d) visada demonstração – EU fazer saber com provas e o TU aceitar prova e fazer.


Enfim, para Charaudeau a situação comunicacional (que se dá pela enunciação) atrela-se ao fenômeno da organização das categorias da língua, ordenando-as através dos modos de organização descritiva, narrativa e argumentativa do texto, de maneira a expressar as posições do EU (locutor), princípio da influência, nas relações de posição de fala com o interlocutor (TU). Desta forma, teríamos três funções, ou comportamentos dos atores falantes na encenação discursiva, do modo enunciativo: alocutivo (relação de influência), elocutivo (revelação do ponto de vista do TU) e delocutivo (retomada da fala de um terceiro).


5. A análise de um caso: o  Inquérito 2.188-1/ BA


Entres os casos definidos como integrantes do  universo de análise da pesquisa considerada, optamos, neste trabalho, por escolher um que se revelasse adequado para aplicação da metodologia proposta, especialmente considerando-se as limitações usuais das comunicações científicas no que diz respeito a extensão do texto.


Nesse sentido, escolhemos um inquérito, cujas partes gozassem de notoriedade pública, no qual os votos proferidos não fossem muito longos. Trata-se do Inquérito 2.188-1/ BA.


5.1. Contexto do Inquérito 2.188-1/ BA[29]


a) CONTEXTO: Trata-se de queixa-crime ajuizada por Antônio Carlos Magalhães Neto contra o Deputado Federal Nelson Pellegrino, a quem imputa a prática de crimes contra a honra (calúnia e difamação). Sustenta o autor que  Nelson Pellegrino, durante um programa eleitoral gratuito, teria afirmado que Antônio Carlos Magalhães Neto participou de uma suposta reunião de cadastramento de progamas sociais envolvendo pessoas inocentes, onde estas lá chegando notaram que foram iludidas pois estavam num comício de candidatos do PFL.


b) MATÉRIA APRECIADA: Delitos contra a honra (Calúnia e Difamação) que, praticados na propaganda eleitoral, tipificam crimes eleitorais previtos nos arts. 324 a 326, todos do Código Eleitoral. Discute-se a legitimação do ofendido de propor ou não a ação penal.


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c) RESULTADO: Improcedente, houve a rejeição da queixa-crime pelo STF. A Corte,  em Tribunal Pleno, embasada no voto do relator, rejeita por unanimidade a queixa-crime ajuizada por Antônio Carlos Magalhães Neto alegando que a hipótese configura crime eleitoral, porém perseqüível exclusivamente por ação penal pública, ou seja, através do Ministério Público pelo oferecimento da denúcia, e não por ação penal privada.


d) PLACAR: Decisão unânime (com 9 votos), sem os votos especificados, nos termos do voto do relator Ministro Sepúlveda Pertence. Registram-se duas ausências (Ministros Gilmar Mendes e Cézar Peluso).


5.2. Análise do discurso do Inquérito 2.188-1/ BA


Na análise realizada, dois são os momentos que conduzem a compreensão do estudo feito. O primeiro trata de reproduzir parte dos votos que julgamos relevantes (excertos), identificando-se o Ministro julgador. Em seguida, temos os comentários elaborados a partir da seleção feita. Observamos que  a apresentação dos excertos segue a mesma ordem cronológica fixada nos votos. Ao final, a título de conclusão, apresentaremos duas  considerações elaboradas a partir dos referenciais adotados.


Excerto: “Ementa: Queixa-crime: ilegitimidade de parte:rejeição. Hipótese de delitos contra a honra (calúnia e difamação) que, praticados ‘na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda eleitoral’ (C. El., arts. 324 a 326), tipificam crimes eleitorais, perseqüíveis exclusivamente por ação penal pública (C. El. 355).”


Comentário: A ementa é o resumo da questões apresentadas no debate travado entre os ministros. Entretanto da simples leitura dos votos apresentados, vislumbra-se nela (ementa) a omissão da questão  da igualdade jurídica que foi suscitada pelo Ministro Marco Aurélio e debatida pelos demais.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE – (Relator): Correta a alegação do Querelado quanto à ilegitimidade de parte.”


Comentário: Nesta passagem constatam-se três questões relavantes do ponto de vista do enunciador: 1) a sua tomada de posição em favor do querelado – “Correta a alegação do Querelado”; 2) A escolha de apenas um argumento, entre quatro[30] apresentados pelo querelado, para a justificativa de sua posição. – “ilegitimidade de parte”- Os outros três argumentos não foram nem abordados. E 3) o  uso de entimema[31] pelo enuciador para transparecer que o raciocínio tomado por ele era lógico ou aparentemente lógico, intencionando assim, constranger o seu auditório acompanhá-lo em sua tomada de decisão.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE- A hipótese, pois, configura crime eleitoral, perseqüível exclusivamente por ação penal pública (C. El., art. 355): é que a calúnia, a difamação e a injúria tipificam crimes eleitorais quando ocorram  ‘na propaganda eleitoral, ou visando a fins de propaganda eleitoral’ (C. El., arts. 324 a 326), sendo este o caso dos autos.”


Comentário: Através da transcrição de artigos de lei o enunciador busca dar autoridade, reforçando a sua posição já anteriormente exposta.


Excerto: “Dispõe o art. 288 do C. Eleitoral, por sua vez, que nos ‘crimes eleitorais cometidos por meio da imprensa, do rádio ou da televisão, aplicam-se exclusivamente as normas deste Código e as remissões a outra lei nele contempladas”


Comentário: Através da transcrição de artigos de lei o enunciador busca dar autoridade, reforçando a sua posição já anteriormente exposta.


Excerto: “Este o quadro, rejeito a queixa: é o meu voto.”


Comentário: Através de frase afirmativa e verbo em primeira pessoa do singular no presente do indicativo o enunciador explicita a sua visada argumentativa. 


Excerto: “Explicação do SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Relator) – Senhora Presidente, preliminarmente, submeto ao Plenário petição que recebi do advogado do querelante, Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto, que, alegando motivos de saúde, solicitou adiamento até que se recupere. Indeferi porque este caso está às vésperas de prescrever e há outro advogado constituído”.


Comentário: O enunciador explicita para seu auditório as razões para não se adiar a questão.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhora Presidente, apenas para ressaltar – perdoe-me o ministro Sepúlveda Pertence, já que sua Excelência resistiu a essa óptica- que o caso é emblemático no que deixamos de lado até mesmo a imunidade parlamentar que poderia ser cogitada, para analisarmos, em um primeiro plano, as condições da ação.


Comentário: Novo ator enunciativo vem participar do embate provocando o ministro relator de que ele haveria omitido a questão principal do inquérito sob análise, tal seja, a imunidade parlamentar, pois, as partes seriam deputados federais e o crime em tela seria contra a honra.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Relator) – É que os precedentes do Tribunal, Sr. Ministro Marco Aurélio, data venia, consideram que a imunidade parlamentar não cobre atos de propaganda eleitoral, em razão da par conditio concorrentium.”


Comentário: O enunciador argumenta, justificando-se pela autoridade do Tribunal, que a imunidade parlamentar, por uma questão de igualdade de condições ou de acesso à armas não se aplica em propagandas ou disputas eleitorais.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – É que não percebi no voto de Vossa Excelência a abordagem desse aspecto.”


Comentário: O enunciador, deste momento, ironiza[32] o anterior pelo esquecimento de questão importante ao caso.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Relator) – Não abordei porque são reiterados os pronunciamentos do Tribunal – lembro o caso ‘Ronaldo Cezar Coelho’ e ‘Rubens Requião’ – no qual se considerou que, em função do princípio da igualdade entre os concorrentes, na campanha eleitoral, os atos de campanha eleitoral não estavam cobertos pela imunidade.”


Comentário: O enunciador marca o Inquérito 1.400 como um leading case para o Supremo Tribunal Federal na questão de que em disputas eleitorais para respeito a uma igualdade de condições entre os concorrentes não caberia o uso da imunidade parlamentar. Importante ressaltar, entretanto, que no inquérito citado a disputa se deu entre um parlamentar e um cidadão comum, razão  que estabelece, a disparidade de armas. No presente inquérito, ambos são parlamentares, o que cria um contrasenso entre o caso que é apresentado como precedente, e o que se está julgando.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO CARLOS BRITTO – O que é de toda lógica em função dessa premissa: do pressuposto da igualdade. A imunidade operaria como um fator de desigualdade.”


Comentário: Neste momento, surge um novo enunciador que vem explicitar o conceito de igualdade jurídica em que todos estão se baseando: tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades.


Excerto: “O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE (Relator) – Sim, dessa desigualdade que criaria um candidato poder falar cobras e lagartos e o outro, nada.


Comentário: O enunciador vem concordar com o anterior sobre o que é o pressuposto da igualdade. Ocorre, entretanto, que no presente caso estamos falando de iguais, ou seja, dois deputados.


Excerto: “A SENHORA MINISTRA ELLEN GRACIE (Presidente) – Nada, nem responder.”


Comentário: Novo ator vem partipar do espaço discursivo funcionando como eco do enunciador anterior. Parecendo contribuir para a formação de um consenso com os demias atores de quais são as relações entre imunidade parlamentar e igualdade jurídica.


Por fim, a presente análise nos permite perceber, por ora, pelo menos, dois aspectos relevantes. O primeiro diz respeito à dinâmica de decisão da corte que se apresenta como uma arena, onde diferentes atores vão se integrando ao debate. Nesse particular, é evidente a importância desempenhada pelo Relator do caso que se coloca como o condutor e preside os debates, funcionando como o principal interlocutor, com o qual os demais julgadores ineteragem. O segundo trata da própria concepção do que seja a igualdade jurídica, onde de forma, explícita, repete-se um jargão do campo, onde a igualdade é medida pela desigualdade.  Trata-se de afirmação de  matriz aristotélica, mas que entre nós foi consagrada por Ruy Barbosa no famoso discurso “Oração aos Moços”. Tal reprodução, evidencia  a naturalidade com que essa associação é feita e como ela se incorpora no imaginário jurídico brasileiro[33].


Sob este escopo conceitual, adotando um ponto de vista enunciativo da gramática apresentada por Charaudeau, esperamos, em nossa busca por explicitar os objetivos e conceitos relevados nos discursos (jurisprudência/decisões) do STF, colaborar para o desvelamento dos propósitos e relações hierárquicas vividas pela Corte, em outras palavras, projetar as posições e visadas do EU, Corte ou Ministros, com o TU, partes ou sociedade, especialmente no que toca a problemática da igualdade jurídica.


 


Referências bibliográficas

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Notas:

[1]  Este trabalho inspira-se na dinâmica e na carga crítico-reflexiva, com abordagens oriundas da Sociologia e Antropologia Jurídicas,  desenvolvida pelos projetos que trabalham as “Relações entre tribunais e sociedade: acesso à justiça e ao direito e ao devido processo legal”, sob a coordenação dos Profs. Maria Stella de Amorim e Roberto Kant de Lima. Importante ressaltar ainda que o projeto se insere como um sub-projeto na pesquisa sobre “Sistemas de Justiça Criminal e Segurança Pública, em uma perspectiva comparada: administração de conflitos e construção de verdades” aprovado para o PRONEX (FAPERJ-CNPq).

[2] Como esforço de ruptura com essa indiferença, Cf. DUARTE, Fernanda et al. Os direitos à honra e à imagem pelo Supremo Tribunal Federal – Laboratório de Análise Jurisprudencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006;  VIEIRA, Oscar Vilhena. Supremo Tribunal Federal – jurisprudência política. São Paulo: Malheiros, 2006; VIEIRA, Oscar Vilhena, Direitos fundamentais – uma leitura da jurisprudência do STF. São Paulo: Malheiros, 2002. KROENER, Andrei. Instituições, decisão judicial e análise do pensamento jurídico: o debate norte-americano. IN: Anais 3o. Congresso da ALACIP, Campinas, 2006 e FARO DE CASTRO, Marcus. RIBEIRO, Rochelle Pastana. Política e constituição no Brasil contemporâneo: desenho institucional e padrões de decisão do Supremo Tribunal (STF). IN: Anais 3o. Congresso da ALACIP, Campinas, 2006.

[3] A doutrina jurídica denomina tal uso das decisões dos tribunais como “eficácia persuasiva” da jurisprudência.

[4] O levantamento quantitativo tem sido realizado no âmbito do Programa de Iniciação Científica PIBIC/UGF/CNPq,  em atividade de integração entre a Pós-Graduação  e a Graduação em Direito da Universidade Gama Filho.

[5] As estatísticas oficiais do STF se encontram disponíveis em sua página institucional. Disponível em: <www.stf.gov.br>.Acesso em: 20 maio 07.

[6] O Diário da União (DOU) é o veículo oficial de publicação impressa  das decisões proferidas pelo STF.  É ele que tem a força de intimar as partes dos processos e de dar publicidade às decisões do Tribunal.

[7] Disponível em: <www.stf.gov.br>.

[8] Essa compreensão leva em conta as seguintes variáveis: CONTEXTO (problema/situação/debate); DATA DA DECISÃO; RELATOR; TIPO DE AÇÃO; MODALIDADE DE JURISDIÇÃO (competência originária/derivada – controle difuso/concentrado); POLO ATIVO; POLO PASSIVO; ÓRGÃO JUDICANTE (pleno/turma/monocrática); MATÉRIA APRECIADA (questão de direito julgada); RESULTADO (procedente/improcedente – deferimento/indeferimento); PLACAR (quem e quantos votaram).

[9] Cf.LIMA, Wagner Luiz Ferreira. Proposta de uma interpretação semiolinguística de gêneros ficcionais. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno03-13.html>. Acesso em: 19 set. 2006.

[10] O art. 458 do Código de Processo Civil determina que “são requisitos essenciais da sentença:  I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem”.

[11] O discurso jurídico decorre do discurso normativo – que se afigura primário – e dele extrai sua fundamentação, mas não se esgota apenas em argumentos técnicos das partes principais – autor, réu, ministério público – ou secundárias – peritos, assistentes técnicos – mas das mais variadas experiências humanas, num sentido jurídico.

[12] Cf. BITTAR, Eduardo C. B. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2003.

[13] Decisão aqui é empregada como gênero, dispondo o mesmo de três espécies: despacho, decisão ou sentença. De forma simplificada, podemos dizer que os despachos são os atos que dão andamento ao processo e não ostentam conteúdo decisório. As decisões ostentam conteúdo decisório, porém não encerram o processo. As sentenças também com conteúdo decisório finalizam o processo, encerrando o caso  para o juiz que as proferiu. O art. 162 do Código de  Processo Civil explicita cada uma dessas modalidades.

[14] O princípio do acesso à justiça está configurado especialmente no art. 5o., inciso XXXV   da Constituição de 1988 e o dever de fundamentar as decisões no art. 93., inciso IX.  Os dispositivos citados têm, respectivamente, a seguinte redação: Art. 5o. inciso” XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”; art. 93 . IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões […]”.

[15] Cf. BITTAR, Eduardo C. B. Linguagem jurídica. São Paulo: Saraiva, 2003.

[16] As correntes que fazem parte da análise do discurso são: a etnografia da comunicação, a escola francesa, o pragmatismo, a teoria da enunciação, a lingüística textual, a nova retórica, a história das idéias de Foucault (CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Coord da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004, p. 43-46).

[17] CHARAUDEAU, Patrick. Discurso Político. São Paulo: Contexto, 2006, p.43.

[18] “O rótulo ‘Escola Francesa’ permite designar a corrente da análise do discurso dominante na França nos anos 60 e 70. Surgido na metade dos anos 60, esse conjunto de pesquisas foi consagrado em 1969 com a publicação do número 13 da revista Languages, intitulado ‘A Análise do discurso’ e com o livro Análise automática do discurso de Pêcheux (1938-1983), autor mais representativo dessa corrente. Essa problemática não permaneceu restrita ao quadro francês; ela emigrou para outros países, sobretudo para os francófonos e para os de língua latina. O núcleo dessa pesquisas foi o estudo do discurso político conduzido por lingüista e historiadores com uma metodologia  que associava a lingüística estrutural a uma ‘teoria da ideologia’, simultaneamente inspirada na releitura da obra de Marx pelo filósofo Althusser e na psicanálise de Lacan. Tratava-se de pensar a relação entre o ideológico e o lingüístico, evitando, ao mesmo tempo, reduzir o discurso à análise da língua e dissolver o discurso no ideológico.” CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Coord da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004, p. 202.

[19] Quanto às relações da Retórica com o Direito cf. IORIO FILHO, Rafael Mario. Retórica. In: BARRETO, Vicente de Paulo (coord.). Dicionário de Filosofia do Direito. São Leopoldo e Rio de Janeiro: UNISINOS e Renovar, 2006, p. 723-726.

[20] Ideologia, para o presente trabalho, deve ser compreendida como “um sistema global de interpretação do mundo social” Cf. ARON, R. L´’opium des intellectuels. Paris: Gallimard, 1968, p. 375.

[21] Coube a Aristóteles sistematizar esse estudo, redefinindo o papel persuasivo da retórica na distinção e escolha dos meios adequados para persuadir. A retórica, tal qual a dialética, não pertenceria a um gênero definido de objetos, porém seria tão universal quanto aquela. Essa tekhné utilizaria três tipos de provas como meios para a persuasão: o ethos e o pathos, componentes da afetividade, além do logos, o raciocínio, consistente da prova propriamente dialética da retórica. Aristóteles separa, em suas análises dos diversos tipos de discurso, o agente, a ação e o resultado da ação, descrevendo os gêneros do discurso em: 1-Deliberativo- o orador tenta persuadir o ouvinte sobre uma coisa boa ou má para o futuro; 2- Judiciário- o orador tenta persuadir o julgador sobre uma coisa justa ou injusta do passado e; 3- Epidíctico e Vitupério- o orador tenta comover o ouvinte sobre uma coisa digna, bela ou infame sobre o presente. Essa matriz do sistema retórico servirá como paradigma para o estudo posterior da retórica e resistirá, sem grandes mudanças, até o século XIX.

[22] As situações dadas para o presente estudo seriam os julgamentos do Supremo Tribunal Federal acerca da temática da igualdade jurídica.

[23] Para Charaudeau contrato de comunicação é “um conceito central, definindo-o como o conjunto das condições nas quais se realiza qualquer ato de comunicação (qualquer que seja a sua forma, oral ou escrita, monolocutiva ou interlocutiva). È o que permite aos parceiros de uma troca linguageira reconhecerem um ao outro com os traços identitários que os definem como sujeitos desse ato (identidade), reconhecerem o objetivo do ato que os sobredetermina (finalidade), entenderem-se sobre o que constitui o objeto temático da troca (propósito) e considerarem a relevância das coerções materiais que determinam esse ato (circunstâncias).” Cf. CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Coord da tradução Fabiana Komesu. São Paulo: Contexto, 2004, p. 132.

[24] Categoria criada por Pierre Bourdieu para definir a estruturação de um raciocínio próprio da relação e práticas dos agentes sociais e seus campos, de forma a legitimar e criar o campo sobre o qual agem. Esse modo de pensar específico dos agentes de um campo de poder é historicamente construído, evoluindo em novas formas de adaptação e reforço de suas convicções, sem, contudo serem atingidos seus princípios essenciais. Ele procura ser maleável aos anseios dos agentes impedidos de adentrar ao campo a fim de que possam se manter as relações de poder como legítimas. Interessante observar quanto ao habitus jurídico o que diz Álvaro da Rocha: “Esta noção é de extrema utilidade para se compreender a mecânica da resistência dos juristas, especialmente os magistrados, às mudanças no campo, cuja existência e manutenção a formação do seu ‘habitus’ induz, quer dizer, o treinamento dos juristas, em especial os juízes, para sua ação no campo jurídico deve fazê-los acreditar na possibilidade de existência de um espaço social e mental onde se efetive a imparcialidade, aonde não cheguem as pressões sociais externas. O conjunto de disposições pessoais criadas já na graduação em Direito, muitas vezes já preparada por uma trajetória de vida ligada às carreiras jurídicas de familiares, e completada nos primeiros anos da carreira, leva os juristas a desenvolver profundamente um ‘habitus’ judicial que envolve toda uma visão do mundo através de categorias jurídicas, criando um universo autônomo fechado às pressões externas, imunes a tais questionamentos que têm como ilegítimos, por virem de fora do campo jurídico, originando-se nos interesses e lógicas próprios aos demais campos.” ROCHA, Álvaro Filipe Oxley da. Judiciário e política: uma abordagem em sociologia do direito. In: Revista do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Porto Alegre: UNISINOS, n.97, vol. 36, mai/ago 2003, p. 104-105.

[25] Consideramos campo como um espaço social de relações de força, traduzidas na disputa de poder entre os agentes sociais, dotado de regras e conhecimentos específicos (habitus) para a estruturação das relações de poder. Nas palavras de Pierre Bourdieu: “O campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem, no qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mundo social. É com esta condição que se podem dar as razões quer da autonomia relativa do direito, quer do efeito propriamente simbólico de desconhecimento, que resulta da ilusão da sua autonomia absoluta em relação às pressões externas.” BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: EDUSP, 1992, p. 89.

[26] Para depreender o panorama acerca dos diversos sentidos dados a expressão situação comunicacional Cf. CHARAUDEAU, Patrick e MAINGUENEAU, Dominique. Op. Cit. p.450. Patrick Charaudeau a associa a questões extralingüística, separando-a de contexto intralingüístico. Entretanto, para o presente trabalho não será feita esta cisão, pois os dois são sempre necessários às significações das frases. Sendo assim, contexto e situação comunicacional, aqui, serão expressões sinônimas.

[27] Charaudeau, Patrick. Grammaire du sens et de l’expression. Paris: Hachette, 1992, p.47.

[28] Neste trabalho a influência que desejamos observar é a do Supremo Tribunal Federal, enquanto voz colegiada (polifonia), e dos Ministros que o compõe, enquanto vozes individuais (monodia), em relação as partes (TU) que eles se dirigem.

[29] Outras informações: DATA DA DECISÃO: 06/09/2006;  RELATOR: Ministro Sepúlveda Pertence ;TIPO DE AÇÃO: Queixa-crime.;  MODALIDADE DE JURISDIÇÃO: Competência originária; PÓLO ATIVO: Antônio Carlos Magalhães Neto; PÓLO PASSIVO: Nelson Vicente Portela Pellegrino; ÓRGÃO JUDICANTE: Tribunal Pleno.

[30] Esses argumentos são: ilegitimidade ativa; inadequação da ação escolhida; existência de vícios processuais que impediriam a pretensão do autor e ausência de justa causa.

[31] O conceito de entimema (gr. enthymeísthai; considerar, refletir) consiste no silogismo próprio da retórica. Fruto da endoxa, tratando daquilo que não decorre necessariamente das premissas invocadas, o entimema é o núcleo da persuasão. O entimema é uma espécie de silogismo encurtado, no qual uma das premissas, ou mesmo a conclusão, é tomada como evidente, permanecendo implícita dentro da sua estrutura formal. Ele pressupõe que o receptor da mensagem conhece e concorda com a premissa ou conclusão silenciada, ainda que tal concordância não seja efetiva. “Dorieus venceu os jogos olímpicos, Dorieus ganhou uma coroa de louros” (Retórica, I,2,1357a): falta a premissa maior, pois todos sabem que quem ganha os jogos recebe a coroa. O entimema é formalmente imperfeito eis que deseja persuadir sem a rigidez da coerência lógica. Todavia, uma vez que a retórica deseja obter efeitos imediatos, a relevância pragmática e estratégica dos entimemas acaba por fazer superar sua deficiência formal.

[32] A ironia é uma figura de pensamento caracterizada em dizer o contrário do que quer para ridicularizar. Segundo Olivier Reboul “Na ironia, zomba-se dizendo o contrário do que se quer dar a entender. Sua matéria é a antífrase, seu objetivo o sarcasmo; trata-se realmente de uma figura de pensamento, pois tem dois sentidos: És a fênix… pode ser tomado ao pé da letra, como a ave, ou então segundo seu espírito, que aqui se opõe ao sentido próprio do termo.” REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. trad. Ivone Castilho Benetti. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.132.

[33] Cf. AMORIN, Maria Stella; KANT DE LIMA; MENDES, Regina Lúcia Teixeira (org.) Ensaios sobre a igualdade jurídica: acesso à justiça criminal e direitos de cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. 


Informações Sobre os Autores

Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva

Professora do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Direito da Universidade Gama Filho. Doutora em Direito PUC/RJ. Juíza Federal da Seção Judiciária do Rio Janeiro

Rafael Mario Iorio Filho

Professor da Universidade Gama Filho e da Universidade Estácio de Sá. Mestre e Doutorando em Direito UGF/RJ. Doutorando em Letras UFRJ. Advogado


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