Marcel Gomes de Oliveira
Resumo: Diante de diversos estudos acerca da matéria da interpretação da lei penal, observou-se que muitos remetiam a autores dos cursos de introdução ao estudo do direito e da hermenêutica jurídica. E, em raríssimas oportunidades, o assunto na seara penal era esmiuçado de tal forma que não restassem dúvidas sobre a dinâmica do assunto, ressaltasse que, ainda assim, o assunto não esgotava em um único manual. Daí se iniciou uma ampla pesquisa da matéria em âmbito doutrinal e jurisprudencial. A interpretação é fundamental e, ao longo da análise sobre o tema, os tópicos foram aumentando na mesma proporção que a pesquisa se aflorava. A lei seja ela qual for, por mais clara e objetiva que seja, ainda assim será interpretada, pois, não se pode falar em lei clara sem se interpretar a sua clareza. Passados os Séculos o pensamento em torno da interpretação se desenvolveu, ganhando respaldo e limites em torno dos postulados básicos, como por exemplo, o princípio da reserva legal. O que era visto como arbítrio passou a ser analisado como uma necessidade social, pois a sociedade e os pensamentos evoluem e, por conseguinte, as leis devem acompanhar essas evoluções, o mesmo se diga em relação à interpretação.
Palavras-chave: Direito. Penal. Hermenêutica. Interpretação. Analogia.
Abstract: In view of various studies on the subject of the interpretation of criminal law, I could observe that many referred to the authors of the courses of introduction to the study of law and legal hermeneutics. And, in very rare cases, the subject in the criminal court was scrutinized in such a way that there was no doubt about the dynamics of the subject, but it was nevertheless not exhaustive in a single manual. From there we started an extensive research of the matter in doctrinal and jurisprudential scope. The interpretation is fundamental and, throughout the analysis on the subject, the topics were increasing in the same proportion as the research was appearing. The law whatever it may be, however clear and objective it may be, will still be interpreted, therefore, one can not speak of a clear law without interpreting its clarity. Over the centuries thought about interpretation has developed, gaining support and limits around basic tenets, such as the principle of legal reserve. What was seen as arbitrariness came to be analyzed as a social necessity, since society and thoughts evolve, and therefore laws must accompany these evolutions, the same is said in relation to interpretation.
Keywords: Right. Criminal. Hermeneutics. Interpretation. Analogy.
Sumário: Introdução; O significado da norma jurídica; A interpretação da norma penal numa perspectiva plural. 1. Conceito de interpretação; 1.1 Hermenêutica e interpretação da lei penal. 2. Objeto da interpretação. 3. Evolução histórica da interpretação da lei penal. 4. Princípios reitores da interpretação da Lei Penal. 5. Interpretação da lei penal conforme a Constituição. 6. Interpretação da Lei Penal e Garantismo. 7. Classes e métodos interpretativos. 7.1 Interpretação quanto ao sujeito; 7.1.1 Interpretação autêntica ou legislativa; 7.1.1.1 Interpretação autêntica contextual ou simultânea; 7.1.1.2 Interpretação autêntica posterior; 7.1.1.3 Interpretação autêntica posterior e sua eficácia retroativa; 7.1.1.4 Interpretação autêntica lógica e perceptiva; 7.1.2 Interpretação doutrinária, privada ou científica; 7.1.2.1 Interpretação doutrinária paralela; 7.1.2.2 Interpretação doutrinária posterior; 7.1.3 Interpretação judicial, jurisprudencial, usual ou forense; 7.1.3.1 A questão das súmulas; 7.1.3.2 A questão das súmulas vinculantes e da coisa julgada no caso concreto. 7.1.3.3 Interpretação jurisprudencial e sua eficácia retroativa. 7.2 Interpretação quanto aos meios ou métodos; 7.2.1 Interpretação gramatical, literal, sintática ou filológica; 7.1.2 Interpretação lógica ou teleológica; 7.1.2.1 A interpretação teleológica e o fator político-social. 7.3 Interpretação quanto ao resultado; 7.3.1 Interpretação declaratória ou estrita; 7.3.2 Interpretação restritiva; 7.3.2.1 O princípio da insignificância como interpretação restritiva do tipo penal; 7.3.3 Interpretação extensiva ou ampliativa; 7.3.3.1 Inconstitucionalidade da interpretação extensiva; 7.3.3.2 Constitucionalidade da interpretação extensiva; 7.3.4 Critério de aplicação da interpretação restritiva e extensiva; 7.3.5 Interpretação Ab-rogante. 8. Os costumes e a interpretação da lei penal. 9. Interpretação da lei penal e o princípio do in dubio pro reo. 10. interpretação progressiva. 11. Interpretação analógica ou intra legem; 11.1 Interpretação analógica e sua aplicação na jurisprudência. 12. Analogia; 12.1 Conceito e natureza jurídica; 12.2 Fundamento; 12.3 Requisitos e operação mental; 12.4 Distinção entre analogia e interpretação extensiva e analógica; 12.5 A questão da terminologia; 12.6 Igualdade lógica entre interpretação analógica e analogia; 12.7 O princípio da máxima taxatividade interpretativa; 12.8 Espécies de analogia; 12.8.1 A analogia in malam partem; 12.8.2 A analogia in bonam partem; 12.9 A questão das normas penais incriminadoras e não incriminadoras; 12.10 Necessidade da analogia; 12.11 Analogia e sua aplicação na jurisprudência. Considerações finais. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Diante de diversos estudos acerca da matéria da interpretação da lei penal, pude observar que muitos remetiam a autores dos cursos de introdução ao estudo do direito e da hermenêutica jurídica. E, em raríssimas oportunidades, o assunto na seara penal era esmiuçado de tal forma que não restassem dúvidas sobre a dinâmica do assunto, ressaltasse que, ainda assim, o assunto não esgotava em um único manual.
Por este motivo, iniciei uma pesquisa aprofundada na doutrina brasileira e estrangeira da temática em análise. Foi observado também as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre os métodos de interpretação e sua aplicação prática nas decisões em matéria penal.
Por isso afirmo que a interpretação é fundamental e, ao longo da análise sobre o tema, os tópicos foram aumentando na mesma proporção que a pesquisa se aflorava. A lei seja ela qual for, por mais clara e objetiva que seja, ainda assim será interpretada, pois, não se pode falar em lei clara sem se interpretar a sua clareza.
Registre-se que em tempos remotos, diante das arbitrariedades cometidas pelos poderes instituídos chegava-se a afirmar que a interpretação deveria ser vedada, pois a mesma poderia sofrer dos arbítrios dos juízes, assim, ao elaborar as leis os legisladores deveriam ser o mais preciso possível. Sobre esse período o Marquês Cesare Beccaria (2007, p. 21-22), defendia em sua obra dos Delitos e das Penas que “os julgadores dos crimes não podem ter o direito de interpretar as leis penais, pela própria razão de não serem legisladores. (…) As leis tomam sua força da necessidade de guiar os interesses particulares para o bem geral e do juramento formal ou tácito que os cidadãos vivos voluntariamente prestaram ao rei. Qual será, então, o legítimo intérprete das leis? O soberano, isto é, o depositário das vontades atuais de todos; e nunca o juiz (…)”[1].
Conforme a professora da Universidade de Direito de Barcelona, Mirentxu Corcoy Bidassolo (2013, p. 13) o posicionamento de Beccaria “pode ser entendido em termos históricos, já que a lei nesse momento pretendia estabelecer limites ao poder absoluto do Monarca, que terminava por compreender também o poder Judicial”. Ademais, ainda conforme a citada autora (2010, p. 145) “Interpretação que em ordem de evitar a arbitrariedade deve ser fundamentada através da motivação”.
Passados os Séculos o pensamento em torno da interpretação se desenvolveu, ganhando respaldo e limites em torno dos postulados básicos, como por exemplo, o princípio da reserva legal. O que era visto como arbítrio passou a ser analisado como uma necessidade social, pois a sociedade e os pensamentos evoluem e, por conseguinte, as leis devem acompanhar essas evoluções, o mesmo se diga em relação à interpretação.
Onde assim se dizer, nas palavras do professor Germán Aller (2013, p. 9) que “a ciência criminal apresenta desde muitas décadas uma grande evolução, por vezes incrível em termos de níveis de criatividade, inovação e abstração, mostrando uma verdadeira explosão de teoria e critérios interpretativos do direito positivo”.
Ao longo do trabalho buscaremos abordar da forma mais clara possível e ao mesmo tempo objetiva, todos os temas pertinentes a interpretação da lei penal e da analogia em matéria penal. Convidamos o leitor para que se debruce sobre essa vasta pesquisa.
O significado da norma jurídica
Para se entender o significado da norma jurídica devemos fazer duas abordagens epistemológicas: a) uma no campo etimológico; b) outra no campo do ser e dever ser. Do ponto de vista etimológico Dimitri Dimoulis (2011, p. 99-101) ensina “a palavra norma significa, em latim, esquadro – assim como a palavra regra (em latim, regula) significa medida -, origens epistemológicas que permitem precisar o conteúdo do conceito de norma ou regra jurídica no direito moderno”.
A norma jurídica não está atrelada às propriedades físicas de objetos naturais descritos pelas ciências da natureza, nem se quer por tendências históricas de objetos sociais descritos pela sociologia, portanto, rechaça-se qualquer ligação da norma jurídica ao ser. A norma jurídica, ao contrário, conforme ensinamentos de Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 58) “prescreve imperativos do dever ser, definidos sob a forma de permissões, de mandados e de permissões de ações dirigidas aos seres humanos, conforme determinações histórico-sociais”.
A interpretação da norma penal numa perspectiva plural
Hodiernamente muito se fala nos julgados da Suprema Corte em interpretação da norma penal, todavia, se percebe que na análise da norma penal o intérprete nunca se afasta de outros postulados, como por exemplo, o preceito máximo – Constituição Federal.
Sobre a temática da interpretação da Lei Penal sob a ótica de uma hermenêutica plural, o professor Yuri Carneiro (2009, p. 142-143) esclarece que:
A hermenêutica Penal passa por um período de profundas alterações de perspectiva, de conteúdo, de direção, enquanto construção teórica e de aplicação, perpassando pelas alterações da hermenêutica constitucional que segue os passos de transformação concomitantes com as ocorridas na Teoria do Direito, no processo de superação do positivismo para o pós-positivismo. As bases de reformulação incluem a referência ao mundo da cultura e a uma Teoria da Constituição de conteúdo culturalista, refazendo-se, assim, o processo de compreensão das normas penais, enquanto realizadoras de valores constitucionais, agregando-se ao papel de integração entre os princípios e as regras, concedendo-se aos princípios um papel de fundamental importância nesta reconstrução. (…)
A interpretação no Direito Penal não pode mais ser realizada, levando-se em consideração apenas um sistema Penal que privilegie exclusivamente o formalismo legal. É preciso se romper estas perspectivas, trabalhando-se dentro de uma perspectiva hermenêutica plural que privilegie a liberdade e a dignidade da pessoa humana”.
Ao longo deste trabalho este será o nosso objetivo: demonstrar a interpretação da lei penal sob o enfoque Constitucional, pois apenas através desta se é possível alcançar uma hermenêutica que privilegie o cidadão em sua liberdade e sua dignidade.
1 CONCEITO DE INTERPRETAÇÃO
A interpretação nada mais é do que a atividade mental que busca estabelecer o conteúdo e significado contido na lei. Hans Kelsen (1998, p. 245) definiu a interpretação jurídica como “uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”. Para José Manuel Cabra Apalategui (2017, p. 41) há dois aspectos importantes na definição kelsiana “uma, a concepção escalonada e dinâmica do sistema jurídico e, outro, o caráter criativo do trânsito entre um nível e outro do ordenamento jurídico”.
Para o professor constitucionalista Dirley da Cunha Junior (2008, p. 186) a interpretação pode ser conceituada como a “atividade prática de revelar/atribuir o sentido e o alcance das disposições normativas, com finalidade de aplicá-las a situações concretas, pois interpretar é determinar o conteúdo e significado dos textos visando solucionar o caso concreto. Não se interpreta em vão, ou por diletantismo, mas para resolver os problemas jurídicos concretos”.
Não por acaso o professor alemão Edmund Mezger (1958, p. 61) aduzir que “todo o direito, também o direito penal, requer uma ‘interpretação’. Interpretar a lei significa averiguar seu sentido determinante, a fim de aplicá-lo aos casos particulares da vida real”. No mesmo diapasão Damásio de Jesus (1995, p. 70) dispara que “a interpretação nada mais é do que o processo lógico que procura estabelecer a vontade contida na norma jurídica. Interpretar é desvendar o conteúdo da norma”.
Ainda nessa esteira de pensamento Eduardo Ramón Ribas (2014, p. 121) assevera que “a interpretação, em outras palavras, não é um simples instrumento do jurista para aclarar a Lei já criada pelo legislador e o contido na Lei, fato o qual terminaria por configurar a interpretação como uma simples prolongamento do texto e encontrar o verdadeiro significado ou vontade em seu conteúdo; é uma forma de culminação do processo em que o intérprete assume um papel criativo”.
A interpretação da lei, por sua vez, fica a cargo do intérprete também conhecido por exegeta ou hermeneuta.
1.1 Hermenêutica e interpretação da lei penal
A interpretação por sua vez não se confunde com a hermenêutica, sendo esta a ciência que estuda àquela. Neste sentido Emilio Betti (1975, p. 29) afirmar que a “hermenêutica é uma ciência do espírito que compreender o estudo da atividade humana de interpretar”.
O professor Carlos Maximiliano (1997, p. 23) na mesma linha de raciocínio aduz que “a hermenêutica jurídica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”.
Sobre a distinção entre interpretação e hermenêutica aduz o professor Dirley da Cunha Junior (2008, p. 185-186) “a hermenêutica, portanto, é o domínio da ciência jurídica que se ocupa em formular e sistematizar os princípios que subsidiarão a interpretação, enquanto a interpretação é atividade prática que se dispõe a determinar o sentido e o alcance dos enunciados normativos (…) no processo de compreensão do Direito, hermenêutica e interpretação são os dois lados de uma mesma moeda”.
Resumindo tudo que foi visto neste tópico podemos dizer nas palavras de Cleber Masson (2016, p. 15) que “a interpretação é a tarefa mental que procura estabelecer a vontade da lei, ou seja, o seu conteúdo e significado. A ciência que disciplina este estudo é a hermenêutica jurídica. A atividade prática de interpretação da lei é chamada de exegese”.
2 OBJETO DA INTERPRETAÇÃO
O objeto da interpretação nada mais é do que aquilo que vai recair a atividade do intérprete, ou seja, a busca da vontade da lei, dos seus sentidos. Daí se dizer que a lei uma vez entrando em vigor se desvincula daqueles que a criaram.
Nessa esteira de pensamento, trazendo à baila as palavras de Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 72) “o objeto da intepretação é a busca da vontade da lei, e não do legislador. Uma vez promulgada, a ei é movida pelo mesmo dinamismo que transforma a realidade social, devendo ajustar-se às novas situações e concepções, sob pena de revelar-se obsoleta. Se ficasse submissa à vontade do legislador a sua vida seria curta, diante dos constantes avanços sociais”.
3 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL
A matéria interpretativa no âmbito penal já foi rechaçado por ilustres autores, tendo em vista que aduziam que a lei penal não merecia interpretação, pois a lei penal deveria ser o mais precisa possível[i]. Entre argumentos favoráveis e contrários a interpretação da lei penal, pode-se dizer que o instituto se desenvolveu de forma célere, em especial através da escola do Iluminismo no século XVIII, passando ao Sociológico e posteriormente ao Direito Livre.
Sobre o tema da evolução histórica da interpretação da lei pouquíssimo autores tratam do assunto, porém o sempre estimado (2005, p. 128), de forma ímpar trata do assunto, trazendo os seguintes ensinamentos:
O pensamento moderno da Hermenêutica nasceu sob a exigência de limitar os poderes dos juízes, em reação contra o arbítrio judiciário da época anterior, como resultado da escola exegética ou dogmática, que se formou dentro do Iluminismo no século XVIII.
Pregava-se, então, o mais absoluto respeito ao texto da lei e reduzia-se a função dos juízes à aplicação automática desse texto. Todo Direito se reduz à lei – esta, clara, quanto ao seu conteúdo, e universal, abrangendo nos seus termos todas as hipóteses possíveis na vida da sociedade, é a expressão suprema do Direito. Se ocorrer ser a lei incerta ou obscura, deve-se recorrer à vontade do legislador. Só a razão do legislador pode dar o sentido do Direito legislado, essa razão e essa vontade, que o intérprete iria buscar, através dos textos, por meio dos elementos de investigação, gramatical, lógico e, por fim, sistemático.
Expressão rígida dessa vontade do passado, a lei ficaria imóvel diante da sociedade em movimento, faltaria ao seu papel de instrumento vivo de disciplina social, que ela só virá desempenhar pelo ajustamento constante às condições do presente.
A escola histórica de SAVIGNY alargou o sentido e os recursos de interpretação, reivindicando para o costume a posição de fonte primordial da regra jurídica e rebelando-se contra as concepções racionalistas, que faziam do Direito mera criação da razão humana. O Direito não surge da vontade do legislador, é um produto da história, elaborado pelo espírito do povo, em concordância com as necessidades e aspirações de cada época. O sentido dos textos legais deve-se se procurar não só na lei, mas nos costumes e nas convicções sociais. (…)
As relações sociais, as exigências econômicas e outras, a que o direito pretende pôr equilíbrio, são bastante complexas e variáveis para que possam permanecer contidas dentro de um sistema fixo de normas, nascidas de um momento, necessariamente transitório, da vida social. (…) Com isso introduz-se, nos meios de investigações do intérprete, o elemento sociológico. (…)
E até certo ponto mesmo conclusões de corrente como a da ‘livre investigação científica’, de GÉNY que propõe ‘multiplicar as vias e meios de investigação das regras jurídicas, e, antes de tudo, reconhecer que, acima dos processos muito variados pelos quais elas se elaboram, se impõe uma apreciação discricionária do intérprete, a única verdadeiramente suscetível de adaptar, in concreto, o Direito ao fato. (…)
Assim se foram acrescendo e alargando o sentido e os métodos da interpretação, desde a pura lógica formal do dogmatismo racionalista até a consideração dos motivos sociológicos da lei a posição extremada da corrente do Direito Livre.
A propósito, poucos são os livros de Direito Penal que se engajam em discussões históricas e filosóficas sobre assuntos dogmáticos. Muitos na atualidade buscam sintetizar o máximo, perdendo por vezes o liame lógico do assunto, reduzindo a meros conceitos básicos e exemplos didáticos para entender o que se cobra em provas de concursos públicos.
4 PRINCÍPIOS REITORES DA INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL
Para Luiz Flávio Gomes[2] (2009, p. 53-54) existem princípios que são reitores da interpretação da lei penal, isto é, deve o exegeta na análise interpretativa das leis penais se nortear com as seguintes bases: a) princípio hierárquico (a interpretação deve ser feita segundo a Constituição. Aqui se fala na interpretação conforme, isto é, interpretação conforme a constituição); b) princípio de vigência (entre duas interpretações possíveis, é preferível a que dá sentido para as palavras da lei em lugar da que as nega); c) princípio da unidade sistemática (todos os textos do ordenamento possuem vigência simultânea); d) princípio dinâmico (os textos mudam de sentido com o passar do tempo) e; e) princípio da liberdade interpretativa (nenhuma interpretação pode ser imposta coativamente); todo o ‘dirigismo interpretativo’, tal como foi imposto no Brasil com as súmulas vinculantes, tem raiz autoritária e contrária a liberdade de investigação científica.
5 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL CONFORME A CONSTITUIÇÃO[3]
Assunto de grande relevância, pois em um Estado Democrático de Direito a Constituição Federal emana como fonte primordial de todo o ordenamento jurídico e este deve estar umbilicalmente ligado aos parâmetros daquele[4]. Daí se afirmar que o Direito Penal e o Direito Constitucional se vinculam de um modo formal através da supremacia constitucional. Nas palavras de Nilo Batista e Eugenio Raúl Zaffaroni (2006, p. 319) “o saber do direito penal deve estar sempre sujeito ao que o saber do direito constitucional informar”.
Conforme Marcelo Novelino (2008, p. 114) “toda a interpretação normativa se assenta no pressuposto da superioridade jurídica axiológica da Constituição. Em razão da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico incompatível com a Lei Maior pode ser considerado como válido”. Por isso a professora Janaína Conceição Paschoal (2003, pp. 60-65) advogar que o direito penal deve ser concebido sob duas vertentes “a) o Direito Penal como potencial espelho da Constituição e b) o Direito Penal como instrumento de tutela a direitos fundamentais”.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, assim como ocorreu com outros ramos do Direito, com o Direito Penal não pôde ser diferente, e houve uma constitucionalização do Direito Penal. Isto é, normas salutares, passaram a integrar o âmbito da Constituição de forma que houve, inclusive, uma petrificação de normas penais nos Direitos e Garantias Fundamentais (rol do art. 5º, CF), por isso se falar em um Direito Penal Constitucional[5].
Ademais, para se levar em conta a interpretação da lei penal conforme a Constituição conforme aduz Eugenio Raul Zaffaroni (1994, p. 43) deve se implicar em “levar em conta as normas constitucionais que coroam o edifício em que a lei está imersa, que inevitavelmente implica uma área de controle sobre o legislador ou um correção constitucional do escopo de suas palavras”.
Ainda discutindo o tema o professor argentino Eugenio Raul Zaffaroni (2016, p. 50) demonstra a necessidade da construção de um direito penal humano, sendo a base deste a Constitucionalização do Direito Penal, constitucionalização esta que se dá através de uma interpretação das normas penais na ótica constitucional, onde isso implicaria, no campo jurídico geral, na “necessidade de aperfeiçoar a interpretação de toda a lei com base nas normas fundamentais dos direitos humanos, promovendo nossos estados de direito no sentido que Peter Häberle agora chama de estado fundamental de direito (Grundrechtsstaat), promotor do seu desempenho ótimo (optimale Grundrechtsverwirklichung)”. Desenvolvendo a mesma linha de pensamento Konrad Hesse (1991, p. 22) afirma “finalmente, a interpretação tem significado decisivo para a consolidação e preservação da força normativa da Constituição. (…) A interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominante numa determinada situação”.
De mais a mais, sabe-se que o Estado Democrático de Direito é limitado por suas leis. Porém, não basta ser limitado pelas leis para que seja democrático, sendo necessário ir além. Se libertar das formas de se interpretar dominante. Não por acaso, muitas vezes o intérprete se debruça a interpretar leis progressivas como se reacionárias fossem, pois como alertar Enrique Gimbernat Ordeig (1971, p. 10) “a dogmática é uma ciência neutra (…) assim, pode tornar-se extremamente perigoso se o doutrinador estiver disposto a interpretar, por assim dizer, tudo o que lhe é jogado (…)”, pois tudo que se absolutiza, de forma exagerada, dispensando das interlocuções hermenêuticas tudo aquilo que não é considerado “correto”, o “intérprete” pode tornar-se “cúmplice dos inimigos do progresso que é evidente”, arrematando o professor espanhol:
Em um verdadeiro estado social e legal, a dogmática é, como vimos, um instrumento essencial para manter sob controle o direito penal, para que a punição não vá além de onde o legislador propôs chegar, para criar leis penais presididas pela calculabilidade e segurança jurídica. A ideia criminal mais progressista e avançada é, em primeiro lugar, apenas que: uma ideia. Para fazê-lo, é necessário formulá-lo legalmente; esta formulação – e sua interpretação será quanto mais perfeito e mais desenvolvido e seguro quanto for o aparato dogmático de que se dispõe.
Cite-se como exemplo, de possíveis delitos que não estão tendo uma leitura constitucional os crimes de perigo abstrato, que em demasia no ordenamento jurídico – onde de exceção passa-se a uma regra constante -, tem gerado por parte da doutrina brasileira[6] e internacional severas críticas e dúvidas acerca da sua constitucionalidade[7][8].
6 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL E GARANTISMO[9]
Do final do último Século até os dias atuais experimentamos aquilo que ficou denominado pelo professor italiano Sergio Moccia (1999, p. 74-75) como “direito penal de emergência”, capitaneado, entre outros, pela neocriminalização e a inflação penal desenfreada, nas palavras de Nereu José Giacomolli (p. 164) “patrocinada pela ideia de que a criminalização de comportamentos é a solução para todos os males políticos, econômicos e sociais”.
Fazendo uma nova análise da interpretação da lei penal na ótica garantista José Miguel Sanchéz Tomás (2005, p. 29-30) demonstra que a construção da dogmática penal tem uma fundamental importância para, através de um método precipuamente científico, “fazer possível a delimitação da intervenção penal, definir seus conceitos e fazer previsível a reação punitiva. (…) a dogmática penal cumpre, portanto, uma função primordial de garantia para o cidadão em sua relação com o Estado, como titular do ius puniendi (…)”, assim, pode-se dizer que em última análise, possibilita a dogmática penal exercer “sua função garantista, projetando um trabalho crítico e criador do sistema do direito penal”.
Em um estado democrático de direito há de se dizer que ambos os aspectos – garantistas e crítico-criadores -, são irrenunciáveis por parte do intérprete na sua tarefa de buscar a aplicação da interpretação da lei penal.
Um dos maiores expoentes do garantismo penal, o professor italiano Luigi Ferrajoli (2002, p. 32) de forma muito lúdica asseverou que “a interpretação da lei, como hoje pacificamente se admite, nunca é uma atividade exclusivamente recognitiva, mas é sempre fruto de uma escolha prática a respeito de hipóteses interpretativas alternativas. Esta escolha, mais ou menos opinativa segundo o grau de indeterminação da previsão legal, se esgota inevitavelmente no exercício de um poder na indicação ou qualificação jurídica dos fatos julgados”.
Fazendo uma análise da sua obra, em especial dos capítulos referentes a interpretação, Luigi Ferrajoli divide a interpretação em doutrinal e operativa. Na primeira (interpretação doutrinal) quem realiza a interpretação é o jurista com objetivo de aflorar os conceitos próprios do direito no âmbito científico (por exemplo, artigos e livros publicados sobre determinado tema jurídico); já na segunda (interpretação operativa)[10], é realizada pelos juízes e demais operadores do direito diante da aplicação da lei a fatos concretos.
Percebe-se que Luigi Ferrajoli durante a abordagem da interpretação da lei penal, tem como preocupação central a imposição de limites ao poder punitivo estatal. Para isso, busca conceber hipóteses de interpretar o direito buscando diminuir os espaços existente na discricionariedade judicial, restringindo tal discricionariedade através dos parâmetros do controle de linguagem e no princípio da máxima taxatividade.
7 CLASSES E MÉTODOS INTERPRETATIVOS[11]
Para se alcançar o sentido semântico da norma se mostra imprescindível reconhecer como importantes instrumentos os métodos ou elementos de interpretação. Dissertando de forma ímpar sobre o assunto Celso Ribeiro Bastos (2002, p. 55) assevera que:
Os métodos interpretativos devem ser concebidos como prismas sobre os quais a lei pode ser interpretada, através dos quais tona-se possível extrair interpretações que sejam especialmente convincentes. Contudo, tal prerrogativa não tem o condão de conferir-lhe s o poder de serem obrigatoriamente utilizados durante o processo interpretativos. Ademais, faz parte da própria atividade interpretativa o ofertar uma pluralidade de sentidos que a norma comporta. O fato de se aplicar, por exemplo, o método histórico não impede que se aplique também o elemento lógico.
De forma geral a doutrina divide as classes e métodos interpretativos em três matrizes: a) interpretação quanto ao sujeito (autêntica, judicial e doutrinária); b) interpretação quanto aos meios (gramatical e teleológica) e; c) interpretação quanto ao resultado obtido (declarativa, extensiva ou restritiva). Observe que em opinião contrária aparece o professor mexicano Francisco Pavón Vasconcelos (1991, p. 90) onde para o mesmo “tal classificação seria apenas admissível do ponto de vista meramente doutrinal e pedagógico”. Dito isto, passamos a analisar cada um dos métodos interpretativos.
7.1 Interpretação quanto ao sujeito
A interpretação quanto ao sujeito significa dizer de onde parte a interpretação. E esta pode emanar do legislador, dos escritores do direito e dos membros do poder judiciário.
7.1.1 Interpretação autêntica ou legislativa[12]
A interpretação autêntica ou legislativa é aquela realizada pelo próprio legislador, quando cria uma norma e em seguida traz outro dispositivo com o objetivo de esclarecer aquela. Por partir do legislador significa dizer que se está diante de uma lei interpretativa. Ou seja, é a lei interpretando a própria lei.
Característica marcante da interpretação legislativa é sua força cogente, obrigatória, impositiva, onde não poderá o intérprete se afastar dos parâmetros disciplinados pelo legislador.
Observe que há autores que entendem que a interpretação autêntica não se trata de forma de interpretação, mas apenas de uma mera lei nova. Neste sentido Serpa Lopes, citado por Frederico Marques (1997, p. 207) assevera que “embora certos autores somente se considere interpretação a proveniente do magistrado, por entenderem que a denominada autêntica estabelece direito novo, não sendo assim uma interpretação, mas uma nova lei”.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RHC 117.270, onde se tratava do alcance do parágrafo único do art. 1º da Lei nº. 7.492/19866 para fins de enquadramento no crime de gestão fraudulenta, tendo como ponto central as instituições financeiras irregulares (isto é, aquelas não autorizadas pelo Banco Central), decidiu da seguinte forma:
A norma inscrita no art. 1º e respectivo parágrafo único da Lei 7.492/1986 traduz verdadeira interpretação autêntica dada pelo próprio legislador quando edita diplomas legislativos de caráter geral, inclusive aqueles de conteúdo eminentemente penal. Essa cláusula normativa, em realidade, objetiva explicitar, mediante autêntica interpretação emanada do próprio legislador, o âmbito de incidência material da Lei 7.492/1986, vinculando a compreensão e a incidência dos tipos penais nela definidos ao sentido claramente abrangente da expressão “instituição financeira”, inclusive para efeito de adequação de condutas aos elementos que compõem as estruturas típicas constantes do art. 4º e do art. 16 de referido diploma legislativo. Consequente legitimidade do enquadramento, na figura típica do art. 4º da Lei 7.492/1986 (crime de gestão fraudulenta), da conduta de pessoas físicas ou de pessoas jurídicas que operem sem autorização do Banco Central do Brasil (hipótese em que também haverá concurso formal com o delito tipificado no art. 16 de referido diploma legislativo), em razão da equiparação legal de tais pessoas, para fins penais, à instituição financeira (Lei 7.492/1986, art. 1º, parágrafo único). (…) Revestem-se de caráter autônomo as condutas tipificadas no art. 4º e no art. 16, ambos da Lei 7.492/1986, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, de tal modo que o comportamento do agente que comete o delito de gestão fraudulenta de instituição financeira (art. 4º) mostra-se também compatível com a prática do crime de operação de instituição financeira não autorizada (art. 16). É que o delito de gestão fraudulenta tanto pode ser cometido em instituição financeira autorizada quanto em instituição financeira não autorizada pelo Branco Central do Brasil (BACEN), sob pena de atribuir-se inadmissível tratamento privilegiado àquele — não importando se pessoa física ou jurídica — que atua, ilegalmente, sem a necessária e prévia autorização do Bacen, nos diversos segmentos abrangidos pelo sistema financeiro nacional: mercado monetário, mercado de crédito, mercado de câmbio e mercado de capitais. [RHC 117.270 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 6-10-2015, 2ª T, DJE de 20-10-2015.][13]
Passados esses delineamentos podemos dizer que a doutrina subdivide ainda a interpretação autêntica em contextual (ou simultânea) e posterior.
7.1.1.1 Interpretação autêntica contextual ou simultânea
A interpretação autêntica contextual ou simultânea surge no mesmo instante que surge o dispositivo incriminador. Assim, como estamos tratando de direito penal, falamos de dispositivo incriminador.
A título de exemplo, o Código Penal possuí diversos dispositivos com interpretação autêntica contextual, isto é, no momento da criação do dispositivo incriminador o legislador, para evitar dúvidas acerca de eventual conceito de determinada palavra, já achou por bem trazer a interpretação dela.
Temos como exemplo de interpretação contextual o §4º do art. 150, do Código Penal (dispõe do conceito de casa para fins penais), o art. 327 do Código Penal (dispõe do conceito de funcionário público para fins penais), o §2º-A do art. 121 do Código Penal (dispõe do conceito de condição de sexo feminino para fins de feminicídio)[ii].
7.1.1.2 Interpretação autêntica posterior
A interpretação autêntica posterior é quando a lei interpretativa surge depois da lei interpretada. Tais situações podem ocorrer acerca de determinado dispositivo da lei penal que, após o início da sua vigência, causa na doutrina e jurisprudência embaraços para a sua aplicação, causando, até mesmo insegurança jurídica. Assim, para dirimir eventuais inseguranças, o legislador busca conceituar o dispositivo a ser interpretado. Wiliam Wanderley Jorge (2005, p. 48), em seu manual de Direito Penal, registre-se, datado de 2005, assevera “desconhecemos, na legislação brasileira, exemplo de interpretação autêntica posterior”. Hodiernamente, há exemplos a serem tratados, onde o leitor poderá desfrutar da análise logo abaixo.
A título de exemplo, no ano de 2009, adveio a Lei nº. 12.015, operando profundas mudanças nos crimes sexuais. Entre as mudanças foi tipificado o crime de estupro de vulnerável no art. 217-A, CP, com a seguinte redação:
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
Em resumo, pela redação do art. 217-A a simples prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos, ainda que consentido pelo menor, configuraria o crime de estupro de vulnerável.
Todavia, discussões surgiram na doutrina e jurisprudência acerca de eventual consentimento para a prática do ato e eventual relacionamento amoroso da menor.
Foi então que o Superior Tribunal de Justiça – STJ, com o objetivo de suprimir possíveis dúvidas no crime de estupro de vulnerável editou a súmula 593:
Súmula 593: O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.
Verifica-se, assim, que o STJ através de uma interpretação judicial, editou a súmula em testilha. Como será analisado adiante a interpretação judicial, via de regra, não tem força cogente, logo, não vincula os demais intérpretes na análise da norma[14].
Daí então, diante da celeuma causada e com o objetivo de pôr de uma vez por todas fim a esta discussão, o legislador lançou mão da interpretação autêntica, onde, através da Lei nº. 13.718 de 2018, acrescentou ao art. 217-A o §5º, com a seguinte redação:
- 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Do analisado se constata que havia o art. 217-A, inserido no ano de 2009. E, posteriormente, no ano de 2018, surgiu o §5º do mesmo artigo com o objetivo de interpretá-lo. Verifica-se, assim, que estamos diante de uma interpretação autêntica posterior, tendo em vista que o §5º, surge em momento diversos da criação do tipo penal de estupro de vulnerável.
A mesma linha de raciocínio é esboçada no parágrafo único do art. 298 do Código Penal. O art. 298, CP prevê o crime de falsificação de documento particular, e o parágrafo único foi inserido posteriormente, através da lei nº. 12.737/2012, trazendo em seu texto uma típica interpretação autêntica posterior, nestes termos “Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito”. Daí então, surgiram discussões acerca da eficácia retroativa da norma penal interpretativa de cunha autêntico, sobre o tema se manifestou o STJ no julgamento do REsp 1.578.479-SC, de onde extraímos alguns trechos:
DIREITO PENAL. CLONAGEM DE CARTÃO DE CRÉDITO OU DÉBITO ANTES DA ENTRADA EM VIGOR DA LEI N. 12.737/2012. Ainda que praticada antes da entrada em vigor da Lei n. 12.737/2012, é típica (art. 298 do CP) a conduta de falsificar, no todo ou em parte, cartão de crédito ou débito. (…) Em virtude disso, a jurisprudência, antes da entrada em vigor da Lei n. 12.737/2012, passou ao largo de discutir se a falsificação de cartão de crédito poderia se enquadrar como falsificação de documento particular. A presença do elemento normativo “documento” possibilitou ao aplicador da lei compreender que o cartão de crédito ou bancário enquadrar-se-ia no conceito de documento particular, para fins de tipificação da conduta, principalmente porque dele constam dados pessoais do titular e da própria instituição financeira (inclusive na tarja magnética) e que são passíveis de falsificação. Isso pode ser constatado pelo fato de que os inúmeros processos que aportaram no STJ antes da edição da referida lei e que tratavam de falsificação de documento particular em casos de “clonagem” de cartão de crédito não reconheceram a atipicidade da conduta (HC 43.952-RJ, Quinta Turma, DJ 11/9/2006; HC 116.356-GO, Quinta Turma, DJe 6/4/2009; RHC 19.936-RJ, Quinta Turma, DJ 11/12/2006; RHC 13.415-CE, Quinta Turma, DJ 3/2/2003; HC 27.520-GO, Sexta Turma, DJ 15/9/2003; entre outros). No mesmo sentido, citam-se precedentes do STF: HC 102.971-RJ, Segunda Turma, DJe 5/5/2011; e HC 82.582-RJ, Segunda Turma, DJ 4/4/2003; entre outros. Assim, a inserção do parágrafo único no art. 298 do CP apenas ratificou e tornou explícito o entendimento jurisprudencial da época, relativamente ao alcance do elemento normativo “documento”, clarificando que cartão de crédito é considerado documento. Não houve, portanto, uma ruptura conceitual que justificasse considerar, somente a partir da edição da Lei n. 12.737/2012, cartão de crédito ou de débito como documento. Inclusive, seria incongruente, a prevalecer a tese da atipicidade anterior à referida lei, reconhecer que todos os casos antes assim definidos pela jurisprudência, por meio de legítima valoração de elemento normativo, devam ser desconstituídos justamente em virtude da edição de uma lei interpretativa que veio em apoio à própria jurisprudência já então dominante. Acrescenta-se, ainda, não prosperar o argumento de que é sempre inviável a retroatividade de uma lei penal interpretativa (se não favorável ao réu), esta compreendida como norma que não altera o conteúdo ou o elemento da norma interpretada, mas, apenas, traduz o seu significado. Esse raciocínio, se considerado isoladamente, conduziria à ideia de que a previsão contida no parágrafo único do art. 298 do CP não poderia retroagir e, por esse ângulo, surgiria um imbróglio, na medida em que a jurisprudência nunca oscilou quanto ao reconhecimento de que cartão de crédito é documento para fins do caput do referido artigo. (…) Na hipótese, repita-se, a jurisprudência era uníssona em reconhecer que cartão de crédito era documento para fins do caput do art. 298 do CP, o que implica dizer que a Lei n. 12.737/2012 apenas reproduziu, com palavras mais inequívocas, a jurisprudência daquela época, tratando-se, desse modo, de lei interpretativa exemplificativa, porquanto o conceito de “documento” previsto no caput não deixou de conter outras interpretações possíveis. (…)
Em resumo, ficou assentado que o cartão de débito ou crédito, com definição autêntica posterior, pode retroagir ainda que prejudique o réu, pois antes mesmo da edição da lei nº. 12.737/2012 a jurisprudência do tribunal já era pacífica no sentido que no conceito de documento particular se encontrava os cartões de débito e crédito, vindo o novo parágrafo apenas para ratificar aquilo que já era sabido, não inovando, portanto, o âmbito de atuação da norma.
7.1.1.3 A interpretação autêntica posterior e sua eficácia retroativa
Conforme visto alhures a interpretação autêntica posterior é aquela que a lei interpretativa surge depois da lei interpretada. Assim, há de se perguntar da possibilidade de retroatividade da norma interpretativa para abranger os crimes já praticados e sem o trânsito em julgado.
Sobre o assunto, conforme Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 72) pode-se dizer que a lei posterior interpretativa tem eficácia retroativa (ex tunc), ainda que milite contra o réu; só não abrangendo os casos definitivamente julgados. A lei interpretativa não cria situação nova; ela simplesmente torna obrigatória uma exegese que o juiz, antes mesmo da sua promulgação já podia adotar.
A retroatividade da interpretação autêntica posterior não parece ser de grande controvérsia doutrinária, porquanto há unanimidade dos autores pesquisados admitirem sem qualquer óbice a sua aplicação. Há de salientar, todavia, que se a interpretação autêntica posterior vier a criar situação nova, abraçando situação até então inadmitida, é de se observar que neste caso, se prejudicial ao réu, não poderá ter efeito retroativo.
7.1.1.4 Interpretação autêntica lógica e perceptiva
Sobre esta temática José Frederico Marques (1997, p. 207) declara que: “na estrutura da norma legal interpretativa, distinguem-se, segundo Betti, dois momentos: o lógico e o perceptivo. No primeiro, há enunciação da regra interpretativa, sobre o sentido de um preceito anterior, ao qual se prende e liga a exegese legal na forma e na ratio juris; no segundo, fixa-se essa regra interpretativa como a única válida, com exclusão de qualquer outra hermenêutica sobre o texto interpretado”.
7.1.2 Interpretação doutrinária, privada ou científica[15]
É a interpretação realizada pelos estudiosos do direito, isto é, os escritores, teóricos, doutrinadores através de seus livros e artigos jurídicos, onde emitem opiniões, buscando desvendar e iluminar muitas vezes os caminhos dos estudantes. Em outras linhas, é a interpretação por communis opnio doctorum.
Embora possa passar despercebido, a interpretação doutrinária tem grande importância. Desta forma Victor Gabriel Rodríguez (2010, p. 63) afirmar que a lei não pode prescindir da doutrina porque o texto normativo, em sua elaboração, toma de empréstimo o valor semântico que os cientistas do direito fazem integrar nos vocábulos utilizados na redação legislativa.
Característica marcante da interpretação doutrinária é não possuir força impositiva.
A título de exemplo de interpretação doutrinária se tem a Exposição de Motivos do Código Penal[16]. O fato da exposição de motivos do Código Penal encontrar-se disposto anteriormente ao Código Penal, não significa se tratar de lei. Observe que a aludida Exposição de Motivos não foi sequer discutida no congresso ou se quer publicada em texto de Lei. Assim, trata-se de explicações, conceituações teóricas elaboradas por estudiosos do direito diante do advento do Código Penal.
Conforme José Frederico Marques (1997, p. 205) “há de salientar que há doutrina que defende que a interpretação judicial está englobada na interpretação doutrinária. Isso se dá pelo fato de entenderem que esta se distingue em interpretação científica, quando elaborada pelos juristas, e em interpretação prática, se oriunda de juízes e tribunais.
7.1.2.1 Interpretação doutrinária paralela
A interpretação doutrinária paralela é aquela que surge simultaneamente a um texto legal. Em resumo, o legislador edita determinada norma e, junto a ela, traz ensinamentos doutrinários sobre a sua matéria. Exemplo nítido de interpretação doutrinária simultânea é a Exposição de Motivos do Código Penal. Observe que com o advento do Código Penal, doutrinadores buscaram dissertar sobre as principais modificações, aclarando assim eventuais temáticas, balizando os intérpretes, porém, sem vinculá-los.
7.1.2.2 Interpretação doutrinária posterior
Já a interpretação doutrinária posterior é aquela que surge em momento distinto da lei interpretada. Há uma lei e posteriormente, debruçado sobre esta, os estudiosos do direito lançam mão de seus estudos sobre a mesma.
7.1.3 Interpretação judicial, jurisprudencial, usual ou forense[17]
A interpretação judicial é aquela realizada pelos juízes e tribunais em suas decisões. Nas palavras do Ministro Antonio Herman Benjamin (2012, p. 03) “Embora o ofício do juiz não se limite à interpretação da lei, sem dúvida é esse mister complexo que mais consome energia e tempo no exercício da função jurisdicional”.
A cristalização dessas decisões é chamada de jurisprudência. Sobre o tema Wiliam Wanderley Jorge (2005, p. 48) dispara “a interpretação judicial ou jurisdicional constitui a revelação do pensamento da lei feita por seu órgão aplicador, o Poder Judiciário. Quando essa interpretação é constante e uniforme, a respeito de determinada questão de direito, ela assume caráter de jurisprudência (…) tal interpretação tem grande alcance na aplicação e na evolução do Direito”.
No mesmo sentido Ricardo Maurício Freire Soares (2010, p. 121) afirmar que o vocábulo “jurisprudência” deve ser entendido como manifestação da normatividade jurídica, agindo através da “reiteração de julgamentos num mesmo sentido, capaz de criar um padrão normativo tendente a influenciar futuras decisões judiciais”.
Daí se dizer nas palavras de Orlando Gomes (1977, p. 62) que a “jurisprudência se forma mediante o labor interpretativo dos tribunais, no exercício de sua função específica. Assim, conforme Antonio José Miguel Feu Rosa (1995, p. 147) “a jurisprudência cria, inova e interpreta tão audaciosamente que em certas ocasiões chega a alterar de tal forma o que consta do Código, que vai ao ponto de gerar algo novo”. Não por acaso aludir o referido autor que a “lei reina e a jurisprudência governa”. Germán Aller (2013, p. 8) afirma que a jurisprudência “é etimologicamente e, posteriormente, a ‘prudência do justo’”.
Em regra, a interpretação judicial ou jurisprudencial não tem força impositiva, salvo em duas situações: a coisa julgada no caso concreto e quando se tratar de súmula vinculante. Acerca desses dois temas analisaremos adiante.
7.1.3.1 A questão das súmulas
As súmulas nada mais são que as reiteradas decisões de um Tribunal sobre determinado assunto. As súmulas mesmo que editadas por Tribunais Superiores não tem força cogente, isto é, não tem força de impor aos juízes monocráticos nem aos integrantes dos demais Tribunais.
A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o Superior Tribunal Militar (STM) o Supremo Tribunal Federal (STF) etc. editam súmulas.
7.1.3.2 A questão das súmulas vinculantes e da coisa julgada no caso concreto
Com o advento da Emenda Constitucional nº. 45 de dezembro de 2004, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro a denominada Súmula Vinculante. Como o próprio nome já diz, esta tem força cogente, impositiva, obrigatória. Logo, esta forma de interpretação judicial vinculará os demais julgadores, bem como os demais membros da Administração Pública.
Conforme o art. 103-A da Constituição Federal, temos o seguinte:
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
- 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
- 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
- 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Vejamos a título de exemplo a Súmula Vinculante nº. 11:
Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.
Assim, a sistemática de súmulas no ordenamento jurídico brasileiro pode ser dívida em duas hipóteses: súmulas não-vinculantes e súmulas vinculantes. As primeiras editadas por todos os Tribunais, a segunda editada apenas pelo STF.
Deve-se ressaltar conforme ensinamentos de Luiz Flávio Gomes (2009, p. 54) que, pelo princípio da liberdade interpretativa, onde entende-se que nenhuma interpretação pode ser imposta coativamente, as súmulas vinculantes teriam raiz autoritária e contrária a liberdade de investigação científica, pois haveria um ‘dirigismo interpretativo’.
O mesmo ocorre com a coisa julgada no caso concreto perante o Supremo Tribunal Federal. Onde, uma vez transitando em julgado, os efeitos serão amplamente vinculados a todos.
7.1.3.3 Interpretação jurisprudencial e sua eficácia retroativa
As decisões dos tribunais não são imutáveis, até porque se assim fosse estaria a fadado ao insucesso a interpretação da lei penal no seu aspecto das modificações e anseios sociais. Assim, com o os passar dos anos é comum nos depararmos com modificações totais de jurisprudência, isto é, uma nova forma de pensar surge no tribunal sobre determinada matéria.
A título de exemplo, durante muitos anos a arma de brinquedo serviu para majorar o crime de roubo, não por acaso o STJ tinha até súmula nº. 174 sobre o assunto, onde preconizava que “No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena”. Passado alguns anos o entendimento foi superado e a aludida súmula cancelada. Se indagada o seguinte: as pessoas que já haviam sido condenadas pelo crime de roubo majorado pelo emprego de arma de brinquedo, com base nesta súmula 174 do STJ, diante do novo entendimento jurisprudencial, seriam beneficiadas?
O assunto não é pacífico na doutrina, pairando a celeuma sobre a abrangência da retroatividade de novo entendimento jurisprudencial benigno ao réu. Se insurgindo, ao nosso ver, três correntes. A primeira restritiva, a segunda moderada e a terceira ampliativa.
A primeira corrente (restritiva) entende que a interpretação jurisprudencial não poderia retroagir em hipótese alguma. Para os defensores desta tese, há se se fazer uma interpretação restritiva do princípio da retroatividade benéfica, vez que esse se limita a dizer que “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
A segunda corrente (moderada), de forma mais limitada, entende que deve se admitir a interpretação jurisprudencial retroativa favorável ao réu de forma excepcional. Neste sentido André Estefam (2010, p. 137) assevera que deve “ter-se em mente, em primeiro lugar, que nosso país não adota o sistema do precedente judicial, de modo que as decisões proferidas por tribunais não tem caráter vinculante. Há, contudo, exceções (súmula vinculante e controle concentrado de constitucionalidade pelo STF) e, somente nesses casos, é que terá relevância verificar se, caso surja novo entendimento mais brando por parte da jurisprudência, este deve alcançar fatos já protegidos com o manto da coisa julgada”[18].
Por fim, a terceira (ampliativa) entende que toda nova interpretação jurisprudencial de âmbito dos tribunais e que seja favorável ao réu deverá retroagir. Onde o defensor desta linha Rogério Greco (p. 39) afirma “não podemos limitar a possibilidade de aplicação retroativa da jurisprudência tão somente aos casos de súmula vinculante e controle concentrado de constitucionalidade. Isso porque, imagine-se a hipótese, (…), de modificação do entendimento do STJ, (…). O STJ, como sabemos, não edita súmulas com efeitos vinculantes”.
Ainda dissertando sobre o tema e fazendo uma ponderação acerca do cancelamento da súmula 174 do STJ, indaga o aludido autor que “no entanto, seria razoável que a causa de aumento de pena fosse mantida, mesmo numa decisão já transitada em julgado, se o juiz do processo de conhecimento a fundamentou com base no entendimento sumular? Obviamente que não”.
Por fim, entendemos com Rogério Greco (p. 40) onde, “afora as hipóteses que não mais se discutem, ou seja, a edição ou a modificação de Súmula com efeitos vinculantes ou o controle concentrado de constitucionalidade pelo STF, o que não pode ocorrer, insistimos, é manter um julgado que se fundamentou numa posição de determinado Tribunal, que agora a modificou no sentido de beneficiar o agente”.
7.2 Interpretação quanto aos meios ou métodos
A interpretação quanto aos meios nada mais é do que os métodos que se utiliza o intérprete para descobrir o significado da lei penal. Acerca do tema a doutrina se divide em relação a quantos métodos podem ser utilizados. Existe de um lado doutrina restritiva e a doutrina ampliativa.
Para a primeira corrente[19] (restritiva) são métodos de interpretação:
- Gramatical – também conhecido como literal, sintático ou filológico;
- Lógico – também conhecido como teleológico.
Salienta-se que para os seguidores da doutrina restritiva o método lógico (ou teleológico) na busca de interpretar a norma pode se valer de vários elementos, tais como: a) histórico; b) histórico-evolutivo; c) sistemático; d) direito comparado e; e) extrajurídicos. Na mesma linha de raciocínio adverte Manoel Messias Peixinho (2003, p. 52) que os métodos gramatical, lógico, histórico e sistemático não constituem quatro espécies de interpretação, dentre as quais deve-se escolher de acordo com o interesse do intérprete, mas, e isto sim, são diversas atividades que precisam interagir harmoniosamente, com o fito de alcançar uma hermenêutica satisfatória.
Para a segunda corrente[20] (ampliativa) são métodos de interpretação:
- Gramatical;
- Lógico;
- Teleológico;
- Histórico;
- Sistemático.
Enfim, para fins de análise no nosso estudo adotaremos a primeira corrente.
7.2.1 Interpretação gramatical, literal, sintática ou filológica[21]
Conforme o saudoso professor Antonio Luís Machado Neto (1973, p. 217) historicamente, o primeiro processo hermenêutico foi o gramatical ou filológico, que consiste no estudo específico da verba legis. Paulo José da Costa Junior (1992, p. 24) ainda denomina esse método de interpretação como linguística.
Não por acaso o professor Cezar Roberto Bitencourt (1997 p. 190) afirmar que a interpretação gramatical procura o sentido da lei, através da função gramatical dos vocábulos. Sendo conforme Luis Regis Prado (2002, p. 177) a interpretação literal é apenas a primeira etapa do processo interpretativo, pois as palavras podem ser equívocas, não espelhando com fidelidade a vontade da lei.
Nas palavras de Santiago Mir Puig (1994, p. 21-22) “a moderna hermenêutica mostrou que a aplicação da lei vai muito além da pura análise da redação literal do texto legal. A letra da lei oferece apenas o ponto de partida e o limite máximo da interpretação da norma. A letra da lei traça apenas um quadro, dentro do qual o intérprete tem que ‘especificar’ o escopo exato da regra, com base nas exigências do setor da realidade sujeito à regulação”.
Segundo o professor Yuri Carneiro (2009, p. 144) ocorre que esta forma de interpretação, que deve ser utilizada, não pode ser vista como a principal nem a única forma de intepretação adequada. Ao contrário, a interpretação inicia-se pelo sentido literal dos seus termos, mas deve ser guiada pela perspectiva sistemática e teleológica da norma.
Dito isto a intepretação gramatical dá o norte para os demais métodos de intepretação não por acaso Eduardo Espínola e Espínola Filho (1940, p. 454) afirmarem que “o trabalho hermenêutico tem de ‘partir’, necessariamente, da redação da norma, para chegar até desvendar-lhe o sentido e conteúdo, com a completa elucidação da sua finalidade prática social”. Assim sendo, prosseguimos aos demais métodos de interpretação da lei penal.
7.2.2 Interpretação lógica ou teleológica[22]
A interpretação teleológica é uma das formas mais profundas de se interpretar. É através dela que o intérprete busca o verdadeiro sentido da norma. Dissertando sobre o assunto o professor Flávio Augusto Monteiro de Barros (p. 75), aduz que:
No direito brasileiro, a própria Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu art. 5º, contém uma exigência teleológica: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.’’ As expressões fins sociais e bem comum são entendidas como sínteses éticas da vida em comunidade. Sua menção pressupõe uma unidade de objetivos do comportamento social do homem. Os “fins sociais’’ são ditos do direito. Postula-se que a ordem jurídica, em sua totalidade, seja sempre um conjunto de preceitos para a realização da sociabilidade humana. Faz-se mister assim encontrar nas leis, nas constituições, nos decretos, em todas as manifestações normativas seu telos (fim), que não pode jamais ser antissocial. Já o “bem comum’’ postula uma exigência que se faz à própria sociabilidade. Isto é, não se trata de um fim do direito, mas da própria vida social.
Não por acaso ter afirmado Jean-Louis Bergel (2001, p. 332) que “o método teleológico fundamentado na análise da finalidade da regra, no seu objetivo social, faz seu espírito prevalecer sobre sua letra, ainda que sacrificando o sentido terminológico das palavras”. Conforme assinala José Hurtado Pozo (1987, p. 87) a interpretação teleológica “não se trata, pois, de circunstâncias acidentais que dão origem a norma jurídica, mas sim das necessidades sociais as quais o legislador queria dar solução”
Daí se dizer nas palavras de Manuel Jesús Rodríguez-Puerto (2010, p. 337) que “o recurso ao teleológico abre bastante as possibilidades interpretativas, porque supõe o olhar a valores, fins e princípios que muitas vezes não têm sido levados em conta pelo legislador”.
Historicamente, afirma Vicente Sabino Junior (1967, p. 75) que tal método está atrelado ao “jurisconsulto romano Celsus, e compilada no Digesto, através da conhecida máxima: Scire leges non est verba eorum tenere, sed vim as potestatem”.
Como dito alhures a interpretação teleológica se interage diretamente com a intepretação literal, tendo em vista que este instrumento de pesquisa deve preceder qualquer outro. Através da interpretação teleológica conforme ensina José Frederico Marques (1997, p. 210) “eliminam-se as antinomias, pesquisam-se os mandamentos afins, traçam-se largas deduções e constroem-se indutivamente conclusões de caráter genérico; tecem-se silogismos e operações de análise ou síntese, onde confrontos e comparações se aglutinam em torno do preceito em jogo para melhor êxito da interpretação que se elabora”.
Sobre a interpretação teleológica já pronunciou o Supremo Tribunal Federal (HC 98.067) ao realizar a análise da saída temporária de presos e a eventual imprescindibilidade do aval do Ministério Público, Juízo das Execuções e Sistema Prisional em cada uma das saídas, nestes termos:
Preso. Saída temporária. Crivo. Uma vez observada a forma alusiva à saída temporária — gênero —, manifestando-se os órgãos técnicos, o Ministério Público e o juízo da vara de execuções, as subsequentes mostram-se consectário legal, descabendo a burocratização a ponto de, a cada uma delas, no máximo de três temporárias, ter-se que formalizar novo processo. A primeira decisão, não vindo o preso a cometer falta grave, respalda as saídas posteriores. Interpretação teleológica da ordem jurídica em vigor consentânea com a organicidade do direito e, mais do que isso, com princípio básico da República, a direcionar à preservação da dignidade do homem.
Como adotamos em relação a interpretação quanto aos meios a primeira corrente, onde subdivide-se em duas formas: a) interpretação gramatical (literal ou sintática) e b) interpretação lógica (ou teleológica), dentro desta última, o intérprete deve se servir de todos os elementos que tem ao seu alcance, quais sejam: o sistemático, o histórico, o direito comparado, a rubrica e, até mesmo, elementos extrajurídicos. A seguir vejamos as explanações pertinentes a cada um desses elementos.
Interpretação sistemática (ou sistêmica): esta forma de se interpretar tem como sentido que o ordenamento deve ser visto com um todo e não de forma isolada, assim leva-se em consideração o sistema jurídico de forma conglobada. O saudoso filósofo italiano Noberto Bobbio (p. 76) define a interpretação sistemática da seguinte forma:
Aquela forma de interpretação que tira os argumentos do pressuposto de que as normas de um ordenamento jurídico, ou, mais exatamente, de uma parte do ordenamento (como o Direito Privado, o Direito Penal) constituam uma totalidade ordenada (mesmo que depois de deixe um pouco no vazio o que se deve entender como essa expressão), e, portanto, seja lícito esclarecer uma norma deficiente recorrendo ao chamado ‘espírito do sistema’, mesmo indo contra aquilo que resultaria de uma interpretação meramente literal.
Sobre o assunto Sebastián Soler (1999, p. 170) informa que “a interpretação é uma operação lógico-jurídica, consistente em verificar o sentido que cobra o preceito interpretado, ao ser confrontado com todo o ordenamento jurídico concebido como unidade, e especialmente ante certas normas que lhe são superiores ou que sensivelmente limitam seu alcance, com relação a uma hipótese dada: interpretação sistemática”.
A Suprema Corte brasileira no julgamento do RE 254.818, fazendo uma interpretação sistemática da Constituição, analisou o princípio da reserva legal em matéria penal (art. 5º, XXXIX, CF). Em resumo: as normas penais podem ser incriminadoras e não-incriminadoras, nesta ótica, analisando o assunto sistematicamente, a constituição veda a edição de medida provisórias apenas para as normais penais incriminadoras. Neste sentido: “Medida provisória: sua inadmissibilidade em matéria penal, extraída pela doutrina consensual — da interpretação sistemática da Constituição —, não compreende a de normas penais benéficas, assim, as que abolem crimes ou lhes restringem o alcance, extingam ou abrandem penas ou ampliam os casos de isenção de pena ou de extinção de punibilidade”.
Da mesma forma, onde realizou uma interpretação sistemática e teleológica acerca do limite máximo das medidas de segurança entendeu o STF no julgamento do HC 84.219 que “a interpretação sistemática e teleológica dos arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do CP e o último da LEP, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos”.
Interpretação histórica[23]: Na interpretação histórica se faz uma análise do momento histórico em que a lei foi editada. Nos dizeres de Rogério Greco (2007, p. 41) busca-se os fundamentos de sua criação, o momento pelo qual atravessava a sociedade etc., com vista a entender o motivo pelo qual houve a necessidade de modificação do ordenamento jurídico, facilitando, ainda, a interpretação de expressões contidas na lei.
A título de exemplo, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF, nº 130, onde se discutia a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, o Supremo Tribunal Federal, lançou mão de vários métodos interpretativos, entre eles o histórico, pois afirmou que no momento em que a lei de imprensa foi editada, vivia-se o período da ditadura militar, onde o objetivo não era abraçar a liberdade de imprensa, mas cerceá-la. Vejamos parte do voto do Ministro Ricardo Lewandowski, onde afirmou que “o ponto de partida e de chegada da lei é garrotear a liberdade de imprensa (…) A lei foi editada num período de exceção institucional cujo objetivo foi o de cercear ao máximo a liberdade de expressão com vista a consolidar o regime autoritário que vigorava no país”.
Galdino Siqueira (2003, p. 63) traz um julgado do ano de 1932, onde o Supremo Tribunal Federal enfrentou a matéria da interpretação histórica ao julgar o crime definido no art. 107 do Código Penal de 1890, afirmando que tudo aquilo que foi dito “durante a elaboração do projeto legislativo não é a lei e, consequentemente, não pode e não deve o interprete prevalecer-se dos trabalhos parlamentares para modificar, de qualquer modo, o texto da lei e, à fortiori para dizer o contrário de que ela diz”. Vejamos o julgado em sua íntegra:
Não há cumplicidade no crime definido no art. 107 do código penal, em face do art. 2 do decreto n. 1.062, de 19 de setembro de 1908, onde o legislador, de modo expresso, declara, por proposição equipolente, que, em tal crime, só pôde haver autores e não cúmplices, pois, de acordo com a técnica vulgar e com a jurídica, não pôde ser coautor quem sô é cúmplice e vice-versa. Não vale argumentar com o elemento histórico, consistente em palavras proferidas pelo deputado GAIDINO LORETO: a) porque de tais palavras se não pode concluir que, querendo abranger os cúmplices, o legislador mandasse substituir a palavra corréus, que incontestavelmente os compreende, por outra que também incontestavelmente, os não inclui, mas sô os autores, isto é, precisamente, o termo antônimo de cúmplice; b) ainda que as palavras do aludido deputado dissessem isso de modo claríssimo, cumpre ao executor da lei não perder de vista as regras da hermenêutica jurídica: 1) interpretatio cessai in claris; 2) tudo quanto se disse durante a elaboração do projeto legislativo não é a lei e, consequentemente, não pôde e não deve o interprete prevalecer-se dos trabalhos parlamentares para modificar, de qualquer modo, o texto da lei e, á fortiori para dizer o contrário de que ela diz (BERBEAT DE SADÍT-PRIX, logique Juridique, n. 85 e seguintes, ps. 55 e 63 da 3ª edic; LAURENT, Cours de droit civil, vol. I, §111, ps. 22 a 25 da edic. de 1887, (Acórdão de 28 de maio de 1932).
Interpretação histórico-evolutiva (ocasio legis): conforme Guilherme de Souza Nucci (2017, p. 231) “não se trata de uma avaliação exclusivamente histórica do instituto, tampouco uma análise quanto às suas finalidades, mas conjunto de ambas. Vislumbra-se qual a finalidade da norma, dentro do momento histórico vivido pela sociedade. Sob o aspecto evolutivo, trata-se do mtodo de interpretação que, diante de certo termo de significado extremamente subjetivo e atrelado a uma determinada época do tempo, pode ser analisado de maneira diversa conforme os danos passam. Desse modo, a lei permanece a mesma, mas determinado termo que lhe é ínsito ganha novos parâmetros, ou seja, evolui”.
Direito comparado: ocorre através do confronto entre a lei brasileira com a lei de outros países. Acrescenta Julio Fabbrini Mirabete (2011, p. 37) que este elemento “pode também levar a uma melhor interpretação do texto legal, em especial quando se tomam por referência leis que serviram de inspiração para a norma jurídica nacional”.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 638491 (informativo 865), onde se discutia o limite do confisco dos bens apreendidos em decorrência do tráfico de drogas, lançou mão do elemento do direito comparado, porquanto o legislador brasileiro ao recrudescer o instituto na Constituição Federal buscou seus parâmetros na legislação alienígena, vejamos:
Tráfico de drogas e confisco de bens: É possível o confisco de todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico de drogas, sem a necessidade de se perquirir a habitualidade, reiteração do uso do bem para tal finalidade, a sua modificação para dificultar a descoberta do local do acondicionamento da droga ou qualquer outro requisito além daqueles previstos expressamente no art. 243, parágrafo único (1), da Constituição Federal (CF). O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Tema 647 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário interposto contra acórdão que determinou a devolução de veículo de propriedade de acusado pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, sob o fundamento de que a perda do bem pelo confisco deve ser reservada aos casos de utilização do objeto de forma efetiva, e não eventual, para a prática do citado delito. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux (relator). Para ele, o confisco de bens pelo Estado encerra uma restrição ao direito fundamental de propriedade, garantido pelo art. 5º, “caput” e XXII, da CF (2). Asseverou que o confisco de bens utilizados para fins de tráfico de drogas, da mesma forma como as demais restrições aos direitos fundamentais expressamente previstas na Constituição Federal, deve conformar-se com a literalidade do texto constitucional, vedada a adstrição de seu alcance por outros requisitos que não os estabelecidos pelo art. 243, parágrafo único, da CF. Consignou que o confisco, no direito comparado, é instituto de grande aplicabilidade aos delitos de repercussão econômica, sob o viés de que “o crime não deve compensar”. Tal perspectiva foi adotada pelo constituinte brasileiro e pela República Federativa do Brasil, que internalizou diversos diplomas internacionais que visam reprimir severamente o tráfico de drogas. Observou que o tráfico de drogas é reprimido pelo Estado brasileiro, por meio de modelo jurídico-político, em consonância com os diplomas internacionais firmados. (…)
Rubrica[24]: O saudoso Julio Fabbrini Mirabete (2011. p. 37) cita ainda o elemento rubrica, onde sendo analisado de forma isolada ou conjuntamente, pode ajudar ainda o intérprete na sua análise. Para o aludido autor “a rubrica que é denominação jurídica do dispositivo e, no caso da lei penal, muitas vezes o nomem juris do delito, é fator que pode levar a um esclarecimento maior sobre o texto interpretado. A palavra ‘correspondência’ cotada no art. 152 somente pode referir-se à comercial, como indica a rubrica do dispositivo; o ‘conteúdo’ de documento particular ou de correspondência confidencial só pode ser um segredo, como deixa clara a rubrica do art. 153”.
Elementos extrajurídicos: não raramente o intérprete deve ir além do ramo do Direito para obter a compreensão exata de determinado dispositivo, assim se fala que ele se socorre de elementos extrajurídicos. A título de exemplo o Código Penal no art. 121, §2º, III, trata do crime de homicídio qualificado pelo emprego de “veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”. Por sua vez o conceito de veneno não está disponível em qualquer ramo do Direito, mas sim na química e biologia. Outro exemplo temos no crime de infanticídio (art. 123, CP), através da elementar “sob a influência do estado puerperal”, onde tal conceito é fornecido pela Medicina Legal, dentro da psiquiatria forense.
7.2.2.1 A interpretação teleológica e o fator político-social
Como analisado alhures, podemos resumir a interpretação teleológica como aquela que busca os fins sociais da norma. O Direito deve ser visto como fator social e deste não se pode dissociar. E, sendo a interpretação da lei penal assunto intimamente relacionado ao Direito – ambos – interpretação e fator social – estão umbilicalmente interligados[25].
Na mesma ótica Luiz Vicente Cernichiaro (1990, p. 12) dispara “a norma jurídica, nessa linha, jamais é isolada da norma cultura. O fenômeno jurídico não é explicado somente pelo legislador, mas em consonância com a perspectiva histórica. Forma-se integração do jurídico com as correntes políticas e filosóficas, ganhando relevo, na interpretação, as bases escolásticas, do existencialismo, dos valores morais, da concepção marxista da história, do nazifacismo e mais recentemente na Criminologia, a criminologia dialética, a criminologia crítica e a criminologia da reação social”.
Por fim, o professor argentino Edgardo Alberto Donna (1995, p. 114) fazendo uma alusão aos elementos descritivos e normativos do tipo penal, remete que o intérprete deve fazer uma análise desses sempre de acordo com o significado social, nestes termos: “como se sabe, os elementos do tipo penal se distinguem em descritivos e normativos. Ambos os termos devem ser interpretados em sua significação social”.
7.3 Interpretação quanto ao resultado
Interpretar quanto ao resultado significa dizer a qual conclusão o intérprete chegará. Diante disto a conclusão ou resultado poderá ser por uma leitura declarativa, restritiva ou extensiva do dispositivo legal.
7.3.1 Interpretação declaratória ou estrita
Sinteticamente a interpretação declaratória é a que apresenta coincidência entre o texto e a vontade da lei. É uma interpretação normal, sem tropeços; nada há a suprimir ou acrescentar.
Trazendo à baila os ensinamentos de Nelson Hungria e Claudio Heleno Fragoso (1976, p. 90-91) “declarativa é a interpretação que se obtém quando a ambiguidade ou imprecisão do enunciado legal ou a aparente divergência entre este e o espírito da lei podem ser reduzidas sem necessidade de se dar à fórmula um sentido mais estrito ou mais amplo. Exemplo: o nosso Código Penal, no seu artigo 141, III, considerada majorante (ou ‘condição de maior punibilidade’) de crime contra a honra o ter sido cometido na presença de ‘várias pessoas’, sem fixar o respectivo mínimo; mas deve entender-se que este é superior a dois, pois sempre que o Código se satisfaz com tal mínimo, para caracterização da publicidade de uma fato, di-lo expressamente”.
7.3.2 Interpretação restritiva[26] [27]
Segundo Tércio Sampaio Ferraz Junior (2018, p. 320) “uma interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, não obstante a amplitude de sua expressão literal. Em geral, o intérprete vale-se de considerações teleológicas e axiológicas para fundar o raciocínio. Supõe, assim, que a mera interpretação especificadora não atinge os objetivos da norma, pois lhe confere uma amplitude que prejudica os interesses, ao invés de protegê-los”.
Em resumo, a interpretação restritiva é a que diminui a amplitude do texto da lei, adaptando-o à sua real vontade. A lei disse mais do que quis (plus dixit quam voluit). A título de exemplo Luiz Flávio Gomes (2009, p. 53) cita a coisa de valor absolutamente insignificante, onde a mesma não faz parte da literalidade do art. 155 do CP. Por fim, conforme ensina Eugenio Raul Zaffaroni et al. (2006, p. 211) “O critério de interpretação semanticamente mais restritiva deve ser defendido na atualidade, pois constitui um dos principais instrumentos capazes de conter o formidável avanço da tipificação irresponsável”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio Santiago Mir Puig apud Roxin (p. 266) a totalidade dos caracteres do sob análise político-criminais implica, para a ROXIN, consequências importantes, pois “se a tipicidade tem o significado político-criminal da expressão do regime nullum crimen, a interpretação extensiva dos tipos destinados a garantir uma proteção sem lacunas dos direitos legais não será admissível. Ademais, sob o prisma do princípio nullum crimen é justamente o contrário justo: isto é, uma interpretação restritiva que atualiza o papel da Magna Carta de direito penal e sua natureza fragmentária”.
7.3.2.1 O princípio da insignificância como interpretação restritiva do tipo penal
Como foi visto alhures a doutrina já afirmava que no momento em que se aplica o princípio da insignificância ao crime de furto, por exemplo, é porque o exegeta está realizando uma interpretação restritiva do tipo penal do crime de furto, em especial, por estar restringindo o alcance da palavra “coisa”. Ou seja, não se trata de qualquer “coisa”, mas de coisas significantes, merecedoras de tutela do direito penal.
Sobre o princípio da insignificância ser uma forma de interpretação restritiva do tipo penal incriminador, já advogada em tal sentido o desembargador Carlos Vica Manãs (1994, p. 56) afirmando que o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido da sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o que consagra o postulado da fragmentariedade do direito penal. No mesmo sentido Luiz Regis Prado e Cezar Roberto Bitencourt (1997, p. 148) onde o princípio da insignificância é visto “como critério geral de interpretação restritiva e como critério para determinação do injusto penal”.
O Superior Tribunal de Justiça em diversos julgados afirma o mesmo, onde: “(…) 1. Conforme reiterada jurisprudência deste Tribunal Superior o princípio da insignificância surge como instrumento de interpretação restritiva do tipo penal que, de acordo com a dogmática moderna, não deve ser considerado apenas em seu aspecto formal, de subsunção do fato à norma, mas, primordialmente, em seu conteúdo material, de cunho valorativo, no sentido de sua efetiva lesividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, consagrando os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima (HC 147.052/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 15/12/2009, DJe 01/02/2010). (AgRg no AREsp 563385 / MG).
Observe ainda que no âmbito de política criminal, onde se incide o princípio da insignificância[28], ganha relevância o significado de bem jurídico, isto é, qual a verdadeira ratio legis do delito de furto. Assim, para se chegar até a interpretação restritiva do tipo penal no crime de furto (para restringir o conceito de coisa), conforme Alice Bianchini (2009, p. 237) “se faz necessário determinar no tipo legal o bem necessariamente protegido (coisa alheia relevante) para, depois, segundo uma interpretação teleológica, vir por excluir do âmbito da sua incidência as condutas que não afetem (desvaliosamente) o bem jurídico concretamente tutelado”. Na mesma linha de raciocínio Rogério Greco (2011, p. 99) assevera “a necessidade inafastável da adoção do princípio da insignificância, na qualidade de princípio que traduz o raciocínio minimalista, equilibrado, visando interpretar corretamente os textos legais”[29].
7.3.3 Interpretação extensiva ou ampliativa[30]
O que se busca com a interpretação é sua verdadeira intenção, ainda que para isso se amplie o conceito de suas palavras. Conforme Tercio Sampaio Ferraz Junior (2018, p. 322) “trata-se de um modo de interpretação que amplia o sentido da norma para além do contido em sua letra. Isso significa que o intérprete toma a mensagem codificada num código forte e a decodifica conforme um código fraco. Argumenta-se, não obstante, que desse modo estará respeitada a ratio legis, pois o legislador (obviamente, o legislador racional) não poderia deixar de prever casos que, aparentemente, por uma interpretação meramente especificadora, não seriam alcançados”.
Para Eduardo Ramón Ribas (2014, p. 134) a interpretação extensiva pode ser considerada aquele “que implica atribuir a um termo jurídico um grande número, se não o máximo, de significados permitidos pelo seu significado literal, que, e é necessário insistir nisso, não pode ser ultrapassado em qualquer caso”. Ou seja, coforme Zulgadía Espinar (1993, p. 299) a interpretação extensiva pode ir “até onde o consciente o permite achar um sentido literal possível do texto legal”.
Sobre o assunto – critérios para aplicação da interpretação extensiva -, deve ficar bem definido, vez que a interpretação extensiva muito se aproxima da analogia. Por isso deve-se traçar um paralelo entre aquilo que está dentro do contexto dos significados permitidos e aquilo que foge por completo dos significados da norma, arrematando nas palavras de Francisco Muñoz Conde e Mercedes García Arán (2010, p. 127):
Se entendido por interpretação extensiva (em oposição ao restritivo), o que inclui no termo legal o número máximo de significados permitidos pelo seu significado literal, mas sem excedê-lo, pode ser considerado respeitoso do princípio da legalidade e, muito aceitável. Por outro lado, se a interpretação ampliar o significado de a norma além dos possíveis significados do termo legal (de seus sentido literal), está permitindo a sua aplicação a suposições não contidas no preceito e, portanto, incorrer em analogia proibida.
Por fim, o professor Guilherme de Souza Nucci (2014, pp. 35-36) nos fornece vários exemplos de aplicação da interpretação extensiva no Código Penal, onde se conclui que tal método de interpretação poderá tanto beneficiar ou prejudicar o réu, vejamos:
- a) art. 172 (duplicata simulada), que preceitua ser crime “emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”. Ora, é natural supor que a emissão de duplicata quando o comerciante não efetuou venda alguma também é crime, pois seria logicamente inconsistente punir quem emite o documento em desacordo com a venda efetiva realizada, mas não quando faz o mesmo sem nada ter comercializado. Assim, onde se lê, no tipo penal, “venda que não corresponda à mercadoria vendida”, leia-se ainda “venda inexistente”. (…) b) no caso do art. 176 (outras fraudes), pune-se a conduta de quem “tomar refeição em restaurante (…) sem dispor de recursos para efetuar o pagamento”, ampliando-se o conteúdo do termo “restaurante” para abranger, também, boates, bares, pensões, entre outros estabelecimentos similares. Evita-se, com isso, que o sujeito faça uma refeição em uma pensão, sem dispor de recursos para pagar, sendo punido por estelionato, cuja pena é mais elevada; c) na hipótese do art. 235 (bigamia), até mesmo pela rubrica do crime, percebe-se ser delituosa a conduta de quem se casa duas vezes. Valendo-se da interpretação extensiva, por uma questão lógica, pune-se, ainda, aquele que se casa várias vezes (poligamia); d) o furto torna-se qualificado, com pena de reclusão de três a oito anos, caso a subtração seja de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior (art. 155, § 5.º). Não se mencionou o Distrito Federal, porém é ele equiparado, constitucionalmente, aos Estados-membros, em virtude de várias finalidades (arts. 32 e 34, CF). Por isso, levar o veículo de um Estado-membro ao Distrito Federal também é suficiente para caracterizar o furto qualificado (ver a nota 39 ao art. 155, § 5.º). Nas hipóteses mencionadas nas letras a, c e d, a interpretação extensiva pode prejudicar o réu, enquanto na situação descrita na letra b pode beneficiá-lo.
No que tange a eventual constitucionalidade ou inconstitucionalidade para aplicação da interpretação extensiva em matéria penal desfavorável ao réu, surgem três correntes: a) admite-se; b) não se admite; c) admite-se, desde que seja incontroverso.
7.3.3.1 Inconstitucionalidade da interpretação extensiva
Há autores[31] que defendem a inconstitucionalidade da interpretação extensiva, pelo fato de afrontar, entre outros, o princípio da estrita legalidade. Dissertando sobre o assunto Tercio Sampaio Ferraz (2018, p. 323) salienta que, “no entanto, o caso de facti species que contêm tipos cerrados, por exemplo, as normas penais, o princípio de que não há crime sem lei prévia obriga o intérprete a evitar as interpretações extensivas, procurando cingir-se à mera especificação. Em consequência, para que essa seja admitida nesses casos, o intérprete deve demonstrar que a extensão do sentido está contida no espírito da lei”.
Para o tratadista italiano Giuseppe Bettiol citado por Frederico Marques (1997, p. 215) na mesma esteira de raciocínio prescrevia que “no campo do Direito Penal a interpretação extensiva da norma deve ser excluída sempre que venha a limitar a liberdade individual”.
Sobre a inconstitucionalidade da interpretação extensiva o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RHC 85.217-3/SP entendeu que: “3. O artigo 113 do Código Penal tem aplicação vinculada Às hipóteses de evasão do condenado ou de revogação do livramento condicional, não se referindo ao tempo de prisão cautelar para efeito do cálculo da prescrição, que deve ser operado com base na pena cominada na condenação. O princípio da legalidade estrita, de observância cogente em material penal, impede a interpretação extensiva ou analógica das normas penais”.
7.3.3.2 Constitucionalidade da interpretação extensiva
A doutrina criminalista é majoritária em admitir a interpretação extensiva, desde que seja utilizada de forma bastante excepcional. Admitem a interpretação extensiva, de forma bastante excepcional os autores Luiz Flávio Gomes, Cleber Masson, Flávio Augusto Monteiro de Barros, Rogério Greco, Wiliam Wanderley Jorge, Júlio Fabbrini Mirabete, José Frederico Marques entre outros.
Sobre o tema já se manifestou o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RHC 106.481 afirmou que “A interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis”. Nestes termos:
EMENTA: CONSTITUCIONAL E PENAL. ACESSÓRIOS DE CELULAR APREENDIDOS NO AMBIENTE CARCERÁRIO. FALTA GRAVE CARACTERIZADA. INTELIGÊNCIA AO ART. 50, VII, DA LEI 7.210/84, COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11. 466/2007. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO PRINCIPIO DA RESERVA LEGAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE. 1. Pratica infração grave, na forma prevista no art. 50, VII, da Lei 7.210/84, com as alterações introduzidas pela Lei 11.466/2007, o condenado à pena privativa de liberdade que é flagrado na posse de acessórios de aparelhos celulares em unidade prisional. 2. A interpretação extensiva no direito penal é vedada apenas naquelas situações em que se identifica um desvirtuamento na mens legis. 3. A punição imposta ao condenado por falta grave acarreta a perda dos dias remidos, conforme previsto no art. 127 da Lei 7.210/84 e na Súmula Vinculante nº 9, e a consequente interrupção do lapso exigido para a progressão de regime. 4. Negar provimento ao recurso. [RHC 106.481, rel. min. Cármen Lúcia, j. 8-2-2011, 1ª T, DJE de 3-3-2011.]
Para arrematar o assunto, o professor André Estefan (2010, p. 74) citando Hassemer aduz que “muito embora existam autores para quem não se deve admitir a interpretação extensiva em direito penal, somente a restritiva, estamos com Hassemer, para quem esse método não viola os princípios penais, notadamente o da legalidade, pois ‘o limite crítico do princípio da legalidade está na diferença entre a interpretação extensiva autorizada e a analogia proibida’. A diferença, pondera o autor citado, reside em que a analogia corresponde à ‘transferência da norma a um outro âmbito, enquanto a interpretação (extensiva) é somente a ‘ampliação’ da norma até o final do seu próprio âmbito”.
7.3.4 Critério de aplicação da interpretação restritiva e extensiva
Conforme foi visto alhures, no âmbito penal é possível a aplicação da interpretação restritiva, bem como da interpretação extensiva. Nota disso que na primeira hipótese vimos o exemplo do princípio da insignificância e na segunda hipótese o exemplo do crime de bigamia dentre outros.
Todavia, o tema deve ser balizado por critérios minimamente seguros. Daí afirmar Damásio de Jesus (1995, p. 35) que: “durante muito tempo pretendeu-se elaborar uma regra segura no campo da interpretação da lei penal: favorabilia sunt amplianda e odiosa sunt restringenda, no sentido que, em caso de dúvida, fosse o caso decidido de forma mais favorável ao agente: in dubio pro reo. E, como as leis penais, em tese, são desfavoráveis ao agente, deveriam ser sempre interpretadas restritivamente”.
A título de exemplo no direito penal alienígena, Códigos Penais tratam do assunto expressamente em seus dispositivos. Damásio de Jesus (1995, p. 35) acrescenta que “o código penal do Equador reza em seu art. 4º que “prohíbese em matéria penal la interpretación extensiva”. O Código da Costa Rica preceitua que a interpretação deve ser feita de forma “menos gravosa al reo” (art. 1º)”. Afirma o citado autor (1995, p. 36), com os ensinamentos de Luis Gimenez de Asúa que os critérios que devem informar a aplicação da restrição ou extensão interpretativa e do princípio do indubio pro reo:
- Se a interpretação gramatical e teleológica chega a um resultado harmônico e terminante, conforme a eles devem interpretar-se as leis penais, seja esse resultado restritivo ou extensivo, posto que com esses meios se há logrado nas circunstâncias do pensamento e vontade da lei;
- Se, apesar da cuidadosa pesquisa literal e finalista, não se chega a um resultado concluinte e a dúvida sobre a vontade e o pensamento da lei persiste, esta deve ser interpretada restritivamente quando é prejudicial para o réu e extensivamente quanto lhe for favorável.
7.3.5 Interpretação Ab-rogante[32]
O professor Flávio Augusto Monteiro de Barro (2010, p. 75) define interpretação ab-rogante como “aquela em que, diante da incompatibilidade absoluta e irredutível entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do ordenamento jurídico, conclui-se pela inaplicabilidade da lei interpretada”.
Por sua vez a interpretação ab-rogante pode ser subdividida em duas modalidades: a) interpretação ab-rogante lógica e; b) interpretação ab-rogante valorativa. Conforme José de Oliveira Ascenção (1982, p. 370) “a primeira dá-se quando se chega a uma impossibilidade prática de solução: adaptando observações feitas em domínio paralelo, podemos dizer que a situação pode exprimir-se pela expressão: ‘Não pode ser assim!’. A segunda surge-nos quando as valorações subjacentes às disposições em causa forem incompatíveis entre si; podemos exprimi-la pela expressão: ‘Não deve ser assim!’”. Ademais, o aludido autor afasta a aplicabilidade da interpretação ab-rogante valorativa, pois a valoração do intérprete não se pode transladar a do legislador.
8 OS COSTUMES E A INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL
O princípio da reserva legal – art. 1º do Código Penal, veda no âmbito do direito penal o costume incriminador. Corolário ao princípio da exclusão do costume incriminador pelo brocado em latim Nullum Crimen, Nulla Poena Sine Lege Scripta. Em resumo, para que haja crime deverá haver uma lei escrita, promulgada de acordo com um procedimento estabelecido pela Constituição.
Daí se afirmar conforme Cláudio do Prado Amaral (2003, p. 91) que “do direito costumeiro – entendido este enquanto a repetição reiterada de sua obrigatoriedade – não pode resultar nenhuma norma penal incriminadora”. Ou então nos ensinamentos de Guilherme Merolli (2010, p. 299) onde informa que “uma conduta não pode converter-se num fato punível somente pela influência do direito consuetudinário ou da praxe social (…)”.
Todavia, diante do acima formulado, nada impede no âmbito do direito penal o costume com função interpretativa, como assevera Francisco de Assis Toleto (1994, p. 25) que os costumes servem “como um significativo instrumento de elucidação do alcance do conteúdo típico das normas penais incriminadoras”.
A título de exemplo teríamos o furto qualificado pelo repouso noturno (art. 155, §1º, CP), onde conceito de “repouso noturno” varia conforme os costumes de cada localidade – assim, repouso noturno no centro da cidade de São Paulo seria diverso de repouso noturno de uma cidadezinha do interior. O mesmo pode se dizer em relação ao crime de ato obsceno (art. 233, CP) -, onde, embora o crime permaneça o mesmo desde a promulgação do código penal, o conceito do que caracterizaria ato obsceno mudou ao longo dos anos de acordo com os costumes de cada época[33]. Acrescenta-se que para Eugenio Raul Zaffaroni et al. (2006, p. 208) conceito como ‘objeto obsceno’ (art. 234, CP) “merecem proclamação de inconstitucionalidade que obrigue o legislador a trabalhar com responsabilidade republicana”[34][35].
A doutrina divide ainda o costume interpretativo em: costume in malam partem e costume in bonam partem. Como já visto, o primeiro é vedado com base no princípio da reserva legal. Para Guilherme Merolli (2010, p. 301) o costume in bonam partem, estaria presente por exemplo “no chamado ‘direito correcional dos pais’, que encontra amparo na justificativa do ‘exercício regular de um direito’, previsto pelo art. 23, III, CP”, sendo que este direito correcional deve ser moderado.
9 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL E O PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
Observe que Eugenio Raul Zaffaroni et al. (2006, p. 210) traz informações que o princípio do in dubio pro reo não seria aceito por parte da doutrina no âmbito penal material, por se tratar de princípio do âmbito processual, de mais a mais “costuma-se afirmar que não consiste em uma regra interpretativa do direito penal, mas apenas num critério de valorização processual da prova”.
Defendo a aplicação do princípio do in dubio pro reo no âmbito do Direito Penal o professor Damásio de Jesus (1995, p. 37) aduz que “os sistemas de interpretação não constituem fórmulas mágicas capazes de dissipar todas as dúvidas surgidas no entendimento dos textos”. Ainda conforme o mesmo autor apud Alípio Silveira (1995, p. 37) “existem casos rebeldes, nos quais apesar da inteligente aplicação dos métodos interpretativos, permanecem dúvidas insolúveis”.
A questão a se indagar é a seguinte: diante desse paradoxo imposto, após análise minuciosa dos métodos interpretativos, qual a norma ser aplicada em caso de dúvida? Três respostas (correntes doutrinárias) surgem: a) admitir o in dubio pro societate, isto é, em caso de dúvida decida-se contra o réu; b) através do livre convencimento do intérprete adotar a melhor ou a pior interpretação para o réu; c) admitir o in dubio pro reo, isto é, em caso de dúvida decidir a favor do réu. Acrescentando o professor Damásio de Jesus (1995, p. 37) que “se a vontade da lei não se torna nítida, se não chegar o juiz a saber se a lei quis isso ou aquilo, ou se nem ao menos consegue determinar o que ela pretendeu, deverá seguir a interpretação mais favorável ao réu (desde que usados todos os meios interpretativos).
Na doutrina brasileira os professores José Frederico Marques (1997, p. 216) e Magalhães Noronha eram contrários a aplicação do princípio do in dubio pro reo em matéria penal. O mesmo se diga na doutrina estrangeira onde os argentinos Carlos Fontán Balestra (1970, p. 244) refutava a aplicação do aludido princípio afirmando “não ser um regra de interpretação, mas um princípio para se valorar a prova” já Sebastian Soler (1999, p. 186), aduzia que “não ser exato, como princípio de interpretação o preceito válido em matéria probatória (…) a sistemática aplicação do in dubio pro reo importaria em negar a própria interpretação”.
Por outro lado os professores Aníbal Bruno (2005, p. 133), Nelson Hungria (1976, p. 94), Damásio de Jesus (1995, p. 37-38) e, na atualidade o Professor Luiz Flávio Gomes (2009, p. 53) e Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 76), defendem a aplicação do in dubio pro reo em matéria penal quando, após a utilização de todos os métodos interpretativos, ainda assim permanecer o caso insolúvel.
Na jurisprudência o professor Guilherme de Souza Nucci (p. 261-262) cita um julgado do STJ, onde pela exegese a contrario sensu se depreende eventual aplicação do princípio do indubio pro reo em âmbito penal:
Delito hediondo e crime comum: podem ser realizados cálculos separados para envolver exigências distintas, conforme seja o crime hediondo ou comum. Ao hediondo, aplica-se 2/5 ou 3/5, conforme o caso, mas ao comum usa-se somente 1/6. Não se deve simplesmente somar as penas dos hediondos e comuns, optando-se por 2/5 (3/5) ou 1/6 aleatoriamente. Deve-se atender às duas necessidades: quanto ao hediondo, que se cumpre em primeiro lugar, o sentenciado precisa atingir 2/5, quando for primário, do tempo de pena, mas, quanto ao comum, apenas 1/6. Atingido o prazo do hediondo, deve-se imediatamente começar a computar o prazo do comum. Exemplificando: uma pena de 6 anos de reclusão, por delito hediondo, somada a uma pena de 6 anos de reclusão, por crime comum, num total de 12 anos. O sentenciado deve cumprir 2/5, se primário, do hediondo, ou seja, 2 anos e 24 dias. Findo, começa a cumprir 1/6 do comum, ou seja, 1 ano. Quando atingir 3 anos e 24 dias, pode pleitear a progressão para regime mais favorável. Tal cálculo em separado possui respaldo jurisprudencial: STJ: “Na execução simultânea de condenação por delito comum e outro hediondo, ainda que reconhecido o concurso material, formal ou mesmo a continuidade delitiva, é legítima a pretensão de elaboração de cálculo diferenciado para fins de verificação dos benefícios penais, não devendo ser aplicada qualquer outra interpretação que possa ser desfavorável ao paciente.” (HC 134.868 – RJ, 5.ª T., rel. Marco Aurélio Bellizze, 15.03.2012, v.u.).
Assim, repita-se, numa interpretação a contrario sensu do referido julgamento, chegamos à conclusão de que só será possível a utilização de uma interpretação em favor do agente, ou seja, “não será possível qualquer outra interpretação que possa ser desfavorável ao réu”.
10 INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA
Nas palavras de Julio Frabbrini Mirabete (2011, p. 36) a intepretação progressiva vem para abarcar “no processo novas concepções ditadas pelas transformações sociais, científicas, jurídicas ou morais que devem permear a lei penal estabelecida. É o que ocorre quando se busca o sentido das expressões ‘perigo de vida’ (art. 129, §1º, inciso II) e ‘moléstia grave’ (art. 131) diante dos progressos da medicina; da concepção de ‘doença mental’ (art. 26) por força das novas descobertas da psiquiatria; do que é ‘obsceno’ numa representação teatral ou exibição cinematográfica (art. 234, parágrafo único, II) etc.”.
Ainda conforme o promotor de justiça Cleber Masson (2015, p. 125) a “interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é a que busca amoldar a lei à realidade atual. Evita a constante reforma legislativa e se destina a acompanhar as mudanças da sociedade. É o caso do conceito de ato obsceno, diferente atualmente do que era há algumas décadas”. Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 76) ainda afirma que “toda interpretação deve ser progressiva, sob pena de a lei desvirtuar-se dos fins sociais e das exigências do bem comum”.
Ademais, vislumbra-se que a interpretação progressiva esta intimamente relacionada com a interpretação extensiva, não por acaso afirma Damásio de Jesus (1995, p. 38) pela legitimidade da interpretação progressiva, pois “tem seus limites determinado pela interpretação extensiva”.
O sempre festejado Luis Jiménez de Asúa (1958, p. 27) vai além e chega a afirmar que não só se pode interpretar progressivamente as leis em vigor, como também se fazer uma análise dos “projetos de reforma que existam no país”.
De todo o exposto, verifica-se de forma nítida que a interpretação progressiva tem seus limites determinado na interpretação extensiva e ao mesmo tempo se relaciona com a interpretação teleológica, porquanto relaciona-se com o evoluir do ambiente social dando conformidade com as concepções já alteradas conforme visto alhures.
11 INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA OU INTRA LEGEM
Em tempos passados a interpretação analógica chegou a ser confundida com a analogia, a título de exemplo o professor Antonio José Costa e Silva (2004, p. 5) tecendo comentários ao Código Penal de 1890, buscando distinguir a interpretação extensiva da analogia aduziu que a analogia só seria possível “quando o legislador lhe pressupõe a aplicação (com nos artigos 236, 286 e 370)[iii] ou quando se trata de favorecimento ao criminoso (analogia in bona partem)”.
Hoje, com os institutos da interpretação analógica e analogia bem delineados, podemos dizer que ocorre a interpretação analógica quando o legislador fornece uma sequência enumerada, seguida de uma formulação genérica, sendo que esta deverá ser interpretada de acordo com sequência anteriormente enumerada.
Conforme Rogério Greco (2007, p. 43) isso se dá, pois, o legislador não pode “prever todas as situações que poderiam ocorrer na vida em sociedade, e que seriam similares àquelas por ele já elencadas”. Daí se permitir de forma expressa um recurso que amplie o alcance da norma penal.
O Código Penal tanto na parte geral quanto na parte especial e a Legislação Penal Extravagante nos fornecem vários exemplos de interpretação analógica. A título de exemplo o artigo 61, II, alínea “c” e “d” e o art. 71 do Código Penal, parte geral:
Art. 61 – São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:
II – ter o agente cometido o crime:
- c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
- d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
O art. 61 do Código Penal trata das circunstâncias agravantes. Nas alíneas “c” e “d” o legislador enumera algumas hipóteses (à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação), em seguida lança mão de uma fórmula genérica (ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido). É justamente esta fórmula genérica que se trata da interpretação analógica. Vejamos o art. 71, CP que trata do crime continuado que também traz hipótese de interpretação analógica:
Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O mesmo pode-se dizer do art. 71 onde o legislador após fornecer uma sequência enumerada (condições de tempo, lugar, maneira de execução), vem e prevê uma fórmula genérica (e outras semelhantes).
Na parte especial do Código Penal também há diversos dispositivos onde se lança mão da interpretação analógica, onde em todos deve-se levar em consideração o que já foi visto anteriormente – a fórmula genérica deverá ser interpretada de acordo com a sequência enumerada. Vejamos alguns exemplos:
Art. 121. Matar alguém:
- 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
Conforme Marcel Gomes de Oliveira (2011) “ao final do rol (emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura) o legislador de forma a abarcar outras formas tão graves quanto às elencadas lançou mão da interpretação analógica aduzindo que o homicídio também será qualificado se praticado por “outro meio insidioso ou cruel”, portanto, chega-se à conclusão que o emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia e tortura são meios insidiosos e cruéis.
Na Legislação Penal Extravagante temos ainda várias hipóteses, a título de exemplo o art. 241-C e 243 da Lei nº. 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Além do mais a interpretação analógica é perfeitamente possível no direito penal, desde que a sua lógica não extrapole os limites da extensão plausível nos termos estabelecidos pelo legislador. Daí se ter que a interpretação analógica não pode ser confundida com analogia.
O sempre festejado Nelson Hungria (1980, p. 97) denomina a interpretação analógica de analogia intra legem. O aludido autor ainda tece alguns críticas a alguns fórmulas genéricas, a título de exemplo o “qualquer outro recurso que torne impossível a defesa do ofendido”, pois para o citado autor tal fórmula fornece uma “elasticidade inteiramente aberrante do seu sentido, chegando-se a querer reviver, através dela, a antiga e quase sempre inexpressiva agravante de ‘superioridade em força ou em armas’ do art. 39 do Código Penal de 1890.
Ainda sobre o assunto o professor Rogério Greco (2007, p. 44) aduz que a interpretação analógica é espécie de interpretação extensiva. Assim, para o aludido autor a interpretação extensiva seria gênero de onde decorreria duas espécies: interpretação extensiva em sentido estrito e interpretação analógica. No mesmo diapasão deste entendimento Magalhães Noronha (1985, p. 72) e Alexandre Couto Joppert (2008, p. 35), onde afirma que a “interpretação analogia, em sua essência, nada mais é do que uma espécie de interpretação extensiva, em que a própria lei autoriza a extensão de seu conteúdo ou alcance”.
11.1 Interpretação analógica e sua aplicação na jurisprudência
O Superior Tribunal de Justiça fazendo uma interpretação restritiva do art. 92, I do Código Penal – dispositivo o qual defini a perda do cargo, função pública ou mandado eletivo -, terminou por vedar a interpretação extensiva ou a interpretação analógica para fins de cassação de aposentadoria de servidor público aposentado. Em resumo, o efeito da condução é estritamente para aquele que se encontra no exercício do cargo e este efeito não poderá ser estendido para atingir o aposentado, ainda que o crime tenha sido cometido durante o exercício da função. Nestes termos:
Ainda que condenado por crime praticado durante o período de atividade, o servidor público não pode ter a sua aposentadoria cassada com fundamento no art. 92, I, do CP, mesmo que a sua aposentadoria tenha ocorrido no curso da ação penal. De fato, os efeitos de condenação criminal previstos no art. 92, I, do CP – segundo o qual são efeitos da condenação criminal a “perda de cargo, função pública ou mandato eletivo” -, embora possam repercutir na esfera das relações extrapenais, são efeitos penais, na medida em que decorrem de lei penal. Sendo assim, pela natureza constrangedora desses efeitos (que acarretam restrição ou perda de direitos), eles somente podem ser declarados nas hipóteses restritas do dispositivo mencionado, o que implica afirmar que o rol do art. 92 do CP é taxativo, sendo vedada a interpretação extensiva ou analógica para estendê-los em desfavor do réu, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. Dessa maneira, como essa previsão legal é dirigida para a “perda de cargo, função pública ou mandato eletivo”, não se pode estendê-la ao servidor que se aposentou, ainda que no decorrer da ação penal. Precedentes citados: REsp 1.317.487-MT, Quinta Turma, DJe 22/8/2014; e RMS 31.980-ES, Sexta Turma, DJe 30/10/2012. REsp 1.416.477-SP, Rel. Min. Walter de Almeida Guilherme (Desembargador convocado do TJ/SP), julgado em 18/11/2014.
Na mesma linha de entendimento o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Ag Int no REsp 1585531 entendeu que aquele que danificava o patrimônio público do Distrito Federal não poderia responder pelo crime de dano qualificado (art. 163, parágrafo único, III, CP)[36], tendo em vista que o aludido dispositivo não fazia menção ao mesmo. Assim, entendeu por vedar a interpretação analógica buscando abarcar o Distrito Federal. Nestes termos:
Ementa: Penal. Agravo Interno no Recurso Especial. Dano qualificado. Crime praticado contra o patrimônio do Distrito Federal. previsão do ente Federativo no art. 163, parágrafo único, inc. III, do Código Penal. Ausência. Vedada a Interpretação analógica in malem partem. Matéria Constitucional. Impossibilidade de análise por esta Corte, por usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Agravo desprovido. 1. O inciso III do parágrafo único do art. 163 do Código Penal, ao qualificar o crime de dano, não faz menção aos bens do Distrito Federal. Dessa forma, o entendimento desta Corte perfilha no sentido de que ausente expressa disposição legal nesse sentido, é vedada a interpretação analógica in malem partem, devendo os prejuízos causados ao patrimônio público distrital configurarem apenas crime de dano simples, previsto no caput do referido artigo. 2. Incabível o enfrentamento de matéria constitucional por esta Corte, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal – STF. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1585531/DF. Agravo interno no recurso especial 2016/0064448-5. Relator(a) Ministro Joel Ilan Paciornik. Quinta turma. DJ 02/02/2017).
12 ANALOGIA[37] [38]
Na analogia aplicar-se-á a uma hipótese não regulada por lei, alguma outra disposição semelhante. A analogia também é conhecida como paridade, suplemento analógico, aplicação analógica ou integração analógica. Na analogia não se há interpretação, mas mera integração da norma, por isso a analogia se encontrar didaticamente nos livros e manuais em capítulo à parte, justamente para que não seja confundido como forma de interpretação.
Nas palavras do professor na universidade de Bonn Claus Roxin (1997, p. 140) a “analogia é mover uma regra legal para outro caso não regulado na lei através do argumento de similaridade (de casos)”. Ou então conforme Cintra, Grinover e Dinamarco (2004, p. 102) “consiste a analogia em resolver um caso não previsto em lei, mediante utilização de regra jurídica relativa a hipótese semelhante”.
Historicamente a vedação da analogia no direito penal está atrelada ao princípio da legalidade. Todavia, em registros anteriores ao período do Iluminismo, como por exemplo a Magna Charta Libertatum inglesa do Rei João Sem Terra, de 1215, e a Constitutio Carolina germânica de 1532 – não possuem o sentido moderno de legalidade que estudamos nos dias atuais. Dissertando sobre o assunto Santiago Mir Puig (2007, p. 87) ensina que “a Magna Carta inglesa não excluía o costume e, ao que parece, tinha significado que garantia processual, e a Carolina não proibia a analogia contra o réu”.
Na Alemanha nazista não era diferente, onde a analogia era amplamente permitida.[39]
Ainda no âmbito histórico, o Código Criminal do Império de 1830 trouxe o princípio da legalidade e junta com ele as discussões doutrinárias que à época já circundavam em relação à analogia, interpretação analógica e interpretação extensiva. Acrescenta-se que nesta época os institutos não eram perfeitamente delimitados em suas diferenças e a doutrina comumente utilizava analogia e interpretação analógica como sinônimos.
O Código Penal de 1890 equiparou de forma errônea a analogia a interpretação, afirmava o art. 1º, em sua segunda parte que “A interpretação extensiva por analogia ou paridade não é admissível para qualificar crimes, ou para aplicar-lhes penas”. Já na época o professor Galdino Siqueira (2003, p. 40) em sua obra já afirmava ser “passível de censura é ainda a disposição dessa alínea, por considerar analogia como caso de interpretação, e ainda por encerrar termos equipolentes (…) Apreciemos o nosso código, distinguindo o que ele confunde, isto é, a interpretação da aplicação da lei”.
O legislador através do Código Penal de 1940 e posteriormente com a reforma da parte geral de 1984, dada através da Lei nº. 7.209, seguiu os entendimentos firmados na doutrina brasileira e deixou o assunto afeto aos trabalhos científicos. Lembrando que já era cediço que o artigo que tratava da reserva legal já continha, por si só, a vedação legal a analogia in malam partem.
Hodiernamente, pouquíssimos países subsistem com a possibilidade de aplicação da analogia no âmbito penal. Por exemplo, a China ainda admite a analogia contrária ao réu, ainda que restritamente no âmbito da sua Suprema Corte.
Conforme se analisará adiante a analogia poderá ser utilizada em benefício da parte (analogia in bonam partem) ou em prejuízo da parte (analogia in malam partem).
12.1 Conceito e natureza jurídica
Conceitualmente na analogia aplicar-se-á a uma hipótese não regulada por lei, alguma outra disposição semelhante. A analogia também é conhecida como paridade, suplemento analógico, aplicação analógica ou integração analógica. Na analogia não se há interpretação, mas mera integração da norma, por isso a analogia se encontrar didaticamente nos livros e manuais em capítulo à parte, justamente para que não seja confundido como forma de interpretação. Daí se dizer que sua natureza jurídica se trata de auto integração da norma para suprir lacunas.
12.2 Fundamento
O fundamento da analogia repouso no foro íntimo do ser humano, voltado quase sempre a necessidade de igualdade jurídica. Afinal, em uma mesma situação de fato devem comportar as mesmas soluções jurídicas, como afirmou Espínola Filho (1960, p. 229) que tais fatos leva “a reconhecer que tal processo traduz numa harmonia íntima, ligando entre si as relações de direito, com o que realiza a ideia muito mais elevada de igualdade jurídica, que, por si só, justifica, fundamentalmente, a analogia”.
Ou então conforme aduziu Damásio de Jesus (1995, p. 42) o seu fundamento pode ser encontrado à identidade da ratio legis “com inspiração no princípio de que, onde existe a mesma razão de decidir, é de aplicar-se o mesmo dispositivo de lei: ubi eadem legis ratio, ibi eadem legis dispositio”.
12.3 Requisitos e operação mental
A doutrina costuma citar que para a realização da analogia se faz necessário o preenchimento de três requisitos, destaca-se que tais requisitos estão relacionados a analogia legal (legis), tendo em vista que está relacionado à norma:
1º) Um fato não regulamentado pelo legislador;
2º) O legislador regulou através de lei um fato que possui semelhança como fato não regulamentado;
3º) Um ponto comum entre o fato não regulamento e o fato regulamentado.
Didaticamente explicamos com exemplo concreto, fazendo uma comparação com os requisitos anteriores:
1º) Aborto permitido em caso de gravidez decorrente de estupro de vulnerável (art. 217-A), não está regulamentado pelo legislador;
2º) Aborto permitido em caso de gravidez decorrente de estupro (art. 213, CP) está regulamentado pelo legislador;
3º) Ponto comum: estamos diante em ambos os casos de uma gravidez não consentida, resultante de estupro; todavia, um está regulamentado (estupro – art. 213) e o outro não (estupro de vulnerável – art. 217-A).
Por fim, conforme Damásio de Jesus (1995, p. 43) “o emprego do suplemento analógico se fundamenta na seguinte operação mental: de uma determinada regra, que regula certa situação, passa o exegeta para outra regra, compreendendo não só a prevista, como também a não prevista”.
12.4 Distinção entre analogia e interpretação extensiva e analógica[40]
Tercio Sampaio Ferraz Junior (2018, p. 323) “o cuidado especial com a interpretação extensiva provoca uma distinção entre esta e a interpretação por analogia. A doutrina afirma que a primeira se limita a incluir no conteúdo da norma um sentido que já estava lá, apenas não havia sido explicitado pelo legislador. Já na segunda, o intérprete toma de uma norma e aplica-a um caso para o qual não havia preceito nenhum, pressupondo uma semelhança entre os casos. Por exemplo, se a norma pune o lenocínio, o intérprete dirá que sob a rubrica deste símbolo está também a exploração de motéis em que se tolera a presença de casais, dos quais não se pergunta se são ou não casados ou se estão lá apenas por motivos libidinosos”.
Conforme Henrique Bacigalupo (1996, p. 35) “a analogia se distingue comumente da interpretação extensiva: enquanto esta importa a aplicação mais ampla da lei até onde o consciente do sentido literal da mesma, se entende por analogia a aplicação da lei a um caso similar ao legislado mas não compreendido em seu texto (…)”.
A interpretação extenisva e a analogia, embora pareçam semelhantes, se disntiguem em excesso[41]. De forma objetiva Gonzalo Quintero Olivares (2010, p. 127) dispara “a interpretação, inclsuive quando se trata da chamada interpretação extensiva, se faz sobre uma norma. A analogia se pratica precisamente na ausência de uma norma”.
12.5 A questão da terminologia
Conforme já foi visto alhures em tempos passados a doutrina costuma se confundir com as expressões próximas no vocábulo, mas distantes no significado. Por isso, hodiernamente, os conceitos de analogia, interpretação analógica e interpretação extensiva estão bem definidos e delineados. A analogia também pode ser terminologicamente reconhecida pelas seguintes denominações: integração analógica, suplemento analógico e aplicação analógica. Observe que em momento algum se utilizou a terminologia “interpretação”, pois conforme já vimos na natureza jurídica não se trata de interpretação da norma penal, mas de mera integração.
12.6 Igualdade lógica entre interpretação analógica e analogia
Assunto abordado pelo professor Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 61-62) através de estudos na doutrina alienígena (Günter Stratenwerth, Fritjof Haft, Eugenio Raúl Zaffaroni etc), onde se constata que entre a interpretação analógica e analogia existe uma igualdade lógica, embora tais institutos sejam nitidamente distintos. Conforme o citado autor “interpretação analógica e analogia têm por objeto grupos de casos previstos e não previstos pela lei penal – portanto, comparam grupos de casos: a interpretação identifica grupos de casos previsto pela lei penal; a analogia identifica grupos de casos não previstos, mas semelhantes aos casos previstos na lei penal”. Por fim, arremata afirmando que “essa igualdade lógica não permite confundir os conceitos de interpretação e analogia da lei penal”.
12.7 O princípio da máxima taxatividade interpretativa
O aludido princípio é proposto pelo professor Eugenio Raul Zaffaroni et al. (2006, p. 207) para ele “quando o legislador se utiliza de expressões ambíguas, conceitos vagos ou valorativos de duvidosa precisão, o direito penal tem duas opções: a) declarar a inconstitucionalidade da lei; ou b) aplicar o princípio da máxima taxatividade interpretativa”.
Para o aludido autor a preferência será pela declaração da inconstitucionalidade, quando a aplicação da máxima taxatividade interpretativa se tornar artificiosa, carecendo de um ponto de apoio legal, ou quando este ponto de apoio for um tanto distante, ou ainda, quando a lei contém uma irracionalidade irredutível que não responde a um notório erro material de impressão. Por fim, ainda conforme o citado autor (2006, p. 208) o princípio da máxima taxatividade interpretativa se manifesta no âmbito hermenêutico “por meio de uma proibição absoluta da analogia in malam partem”.
12.8 Espécies de analogia
Doutrinariamente a analogia pode ser subdivida em analogia legal (quando existe uma norma semelhante específica e analogia jurídica (quando se busca a semelhança por vários preceitos). Neste sentido Claus Roxin (1997, p. 140) aduz que a analogia “se distingue entre analogia legal e analogia jurídica, quando a regra jurídica que se vai utilizar tem por origem um preceito concreto (se trata de analogia legal) ou de uma ideia jurídica que se desenvolva de vários preceitos (se trata de analogia jurídica)”.
Ainda sobre o assunto – traçando uma distinção entre analogia legal e jurídica -, (p.) aduz
A analogia pode ainda ser dividida em: analogia in bonam partem (quando se utiliza de norma semelhante para preencher uma lacuna existente para beneficiar a parte) e analogia in malam partem (quando se utiliza de norma semelhante para preencher uma lacuna existente para incriminar ou piorar a situação do réu). Por se tratar de um assunto que demanda maiores discussões falemos as análises nos subtópicos abaixo.
12.8.1 A analogia in malam partem
A analogia in malam partem pode ser conceituada nas palavras de Luiz Vicente Cernichiaro e Roberto Lyra Filho (1973, p. 86) como “a aplicação de uma norma que defini o ilícito penal, sanção ou consagre occidentalia delicti (qualificadora, causa especial de aumento de pena e agravante) a uma hipótese não contemplada, mas que se assemelha ao caso típico. Evidentemente, porque prejudica e contrasta o princípio da reserva legal, é inadmissível”.
Assim, vale ressaltar mais uma vez que tendo por base angular o princípio da legalidade (art. 1º, CP), onde só há crime se houver uma lei prévia designando a conduta como criminosa, há de se afirmar nas palavras de Nilo Batista (2005, p. 75) que “salta aos olhos a total inaplicabilidade da analogia (…) a toda e qualquer norma que defina crimes e comine penas, cuja expansão lógica, por qualquer processo é terminantemente vedado, havendo neste ponto unanimidade na doutrina brasileira”.
No mesmo sentido assevera Julio Fabbrini Mirabete (2007, p. 104) que “em decorrência do princípio da reserva legal, fica vedado a aplicação da analogia in malam partem no direito penal incriminador (…)”. Assim para Fabrício Leiria (1981, p. 71) “no que tange às normas incriminadoras, as lacunas, porventura existentes, devem ser consideradas como expressões da vontade negativa da lei (…). Nestas hipóteses, portanto, não se promove a integração da norma ao caso por ela não abrangido”.
Em análise sobre o tema, em especial pelos postulados de um Estado Democrático de Direito Roberto Livianu (2006, p. 52-53) assevera que este tipo de analogia deve ser afastado, “lembrando que nos regimes totalitários da Alemanha nazista e da União Soviética era admitida”.
12.8.2 A analogia in bonam partem[42]
No Brasil, Edgard Magalhães Noronha (p. 73)
Feito os delineamentos acerca da analogia – onde se constata essa quando se aplica ao caso não previsto em lei alguma outra norma semelhante. Podemos dizer que está aplicação (preenchimento da lacuna) só terá campo quando for para beneficiar a parte, isto é, a analogia in bonam partem.
Edgardo Alberto Donna (1999, p. 134), por exemplo, fazendo uma análise das hipóteses de lesões corporais qualificadas na legislação argentina, e da inexistência legal de lesão qualificada pelo aborto, interpreta o artigo da lesão corporal informando que naquele país não há previsão legal de tal modalidade e “se a interpretação extensiva da lei não se encontra proibida, há de ser muito cuidadoso com o não “sobre passar” do texto legal para não violar o princípio da legalidade”.
Exemplo que durante muito tempo foi citado pela doutrina brasileira – de aplicação da analogia in bonam partem – se tratava da hipótese de realização de aborto quando a gravidez fosse resultante de atentado violento ao pudor. Todavia, com o advento da lei nº. 12./2009, o legislador terminou por revogar o delito de atentado violento ao pudor do Código Penal (revogado art. 214, CP). Na situação, o art. 128 do CP só previa a hipótese de aborto permitido nos casos de gravidez resultante de estupro, mas colmatando a norma – aplicando a norma permissiva a um caso semelhante -, entendeu-se, por bem, aplicar analogicamente para beneficiar a parte que teria engravidado em decorrência de atentado violento ao pudor.
Na atualidade podemos permanecer com a aplicação da analogia in bonam partem nos casos em que ocorrer gravidez em decorrência de estupro de vulnerável[43]. Conforme salientamos, o art. 128 só permite o médico realizar o aborto no caso de estupro (art. 213), não havendo menção ao estupro de vulnerável (217-A). Porém, pela mesma semelhança aduzida acima, aqui também, será perfeitamente possível a aplicação da analogia em benefício da parte[44].
12.9 A questão das normas penais incriminadoras e não incriminadoras
Conforme foi visto alhures, diante do princípio da reserva legal (art. 1º, CP) é vedado à analogia em relação às normas penais em sentido estrito, isto é, aquelas responsáveis por criar crimes e cominar penas. Assim, não pode o juiz lançar mão do suplemento analógico com o objetivo de criar crimes e cominar penas. Em certas ocasiões pode-se até lamentar a omissão legislativa de determinadas práticas não constituírem delito. Mas isso, não pode jamais, dar ensejo ao intérprete em querer preencher lacunas criminais utilizando de normas semelhantes.
Exemplo salutar para dirimir esse tipo de questão foi enfrentado pelo STF no julgamento (cola eletrônica), onde terminou por decidir a Suprema Corte que o delito de “cola eletrônica” não encontrava guarida na legislação penal brasileira. Diante da decisão do STF, o legislador terminou por editar a Lei nº. TAL, onde acrescentou ao Código Penal o art. 311-A – definindo o crime de “fraudes em certames de interesse público”.
Doutrinariamente há ainda vários exemplos, é o caso do furto de uso, não havendo previsão legal expressa no Código Penal não pode o intérprete lançar mão do dispositivo semelhante do Código Penal Militar para abarcar situações do Código Penal comum.
Do exposto fica mais uma vez claro a proibição da analogia in malam partem.
Conforme foi visto, no que tange as normas penais em sentido estrito não resta qualquer dúvida da vedação do emprego da analogia in malam partem às mesmas. Por outro lado, em relação às normas penais não incriminadoras há grande celeuma na doutrina nacional e alienígena sobre a aplicação da analogia in bonam partem às mesmas.
Para se ter uma linha de raciocínio sobre o tema devemos fazer uma distinção entre direito excepcional e direito não excepcional:
- a) direito excepcional – quando se estiver diante de uma regra e esta regra comportar uma determinada exceção, esta nunca poderá ser ampliada, ainda que seja para abarcar fatos semelhantes, mas não previstos expressamente.
Sobre o assunto o professor Damásio de Jesus (1995, p. 47) afirma que o autor italiano “Battaglini, opinando sobre o assunto, diz que as normas não propriamente penais (as não incriminadoras), embora não sendo leis penais na verdadeira acepção da palavra, também vale para elas a proibição da analogia, porquanto são normas excepcionais”. Em resumo, para o referido autor a analogia in bonam partem estaria excluída do âmbito penal das normas não incriminadoras.
Assim, nesta linha de entendimento, as eventuais lacunas das normas penais não incriminadoras (por exemplo, as que descrevem causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade) não poderiam ser suplementadas pela analogia in bonam partem, tendo em vista que as exceções previstas pelo legislador devem ser analisadas estritamente.
No Brasil a antiga LICC em seu art. 6º previa que “A lei, que abre exceção a regras gerais, ou restringe direitos, só abrange os casos que especifica”. Tal dispositivo era oriundo do próprio direito italiano e assim como lá, aqui também aportaram às discussões acerca deste tema.
Na atualidade Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 78-79) é seguidor do aludido entendimento, afirmando que é admissível o emprego da analogia in bonam partem no direito penal, salvo quando se tratar de normas excepcionais. Acrescenta o aludido autor:
De acordo com a hermenêutica, a lei excepcional não admite analogia. Por exemplo, o rol do §2º do art. 348 do CP, que, no delito de favorecimento pessoal, isenta de pena o ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, não pode ser ampliado para isentar também o sobrinho ou concubina. Trata-se, sem dúvida, de lei excepcional, uma vez que disciplina de modo contrário à regra geral de que quem comete um delito deve responder por ele. Outra norma excepcional é a prevista no art. 128, II, do CP que isenta de pena o médico que realiza aborto, quando a gravidez resulta de estupro. Deve ser vedada a sua aplicação ao aborto em que a gravidez é resultante de violação sexual mediante fraude (art. 215 do CP)[45].
O referido autor ainda traça uma distinção entre as normas não incriminadoras excepcionais previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal. As normas que excluem a antijuridicidade ou culpabilidade previstas na parte geral não podem ser consideradas normas excepcionais, “pois os seus preceitos são aplicados a todo o ordenamento jurídico-penal”. Daí se dizer que é admissível à analogia in bonam partem, o mesmo pode ser aplicado às normas da parte especial que tenham abrangência geral, como por exemplo, o perdão judicial do crime de homicídio culposo (art. 121, §5º, e art. 129, §8º).
Por fim cita Damásio de Jesus (1995, p. 47-48) que são contra o emprego da analogia in bonam partem em relação às normas penais não incriminadoras “Pannain, Carnelutti, Petrocelli, Sebastian Soler e Luiz Jiménez de Asúa”, no Brasil se pronunciava seguindo esse entendimento “Nelson Hungria”.
- b) direito não excepcional – as normas penais não incriminadoras não podem ser vistas como normas excepcionais, pois os preceitos que proíbem determinadas condutas são imperativos particulares, portanto, mais que regras gerais próprias. Ademais, são expressões de princípios gerais. Assim, a respeito das normas penais não incriminadoras (aquelas que excluem a antijuridicidade e culpabilidade) seria perfeitamente possível o emprego da analogia in bonam partem.
Por fim cita Damásio de Jesus (1995, p. 47) que são a favor o emprego da analogia in bonam partem em relação às normas penais não incriminadoras tem “Carrara, Binding, Mezger, Massari, Manzini, Rocoo, Scarano, Betiol, Delitala, Schmidt, Vassali, Santi Romano, Adolfo Shönke e Grispigni (…) José Frederico Marquesm Magalhães Noronha, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Costa e Silva, Oscar Stevenson e Narcélio de Queiróz”.
Em um Estado Democrático de Direito, onde os postulados do direito penal devem ser orientados pelos princípios voltados à dignidade da pessoa humana e os princípios gerais de direitos humanos, em especial, para restringir a sanha punitiva estatal, pactuamos com a maioria da doutrina para fins de aplicação da analogia in bonam partem às normas penais não incriminadoras. Pois entendemos que tais normas não podem ser vistas como excepcionais e como já visto, não há qualquer restrição legal para a ampla aplicação da analogia in bonam partem no direito penal. A única analogia que tem a sua aplicação vedada no direito penal, por expressa previsão legal no art. 1º, CP, é a analogia in malam partem.
12.10 Necessidade da analogia
Conforme analisado alhures a analogia é uma necessidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro, não por acaso está previsto expressamente no art. 4º da Lei de Introdução as Normas do Direito brasileiro. Todavia, conforme ficou evidenciado, o direito penal por ter como base fundamental no seu processo de elaboração o princípio da reserva legal (ou legalidade) – não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal -, afastando-se, portanto, o costume incriminador.
Logo, no âmbito das normas criminais fica vedado a utilização de analogia para alcançar fatos semelhantes não previstos em lei. Por outro lado, a doutrina majoritária afirma ser plenamente possível a utilização da analogia no âmbito não incriminador (analogia in bonam partem) – como forma de restringir o poder punitivo estatal – consequência lógica de um estado democrático voltado aos direitos humanos e a dignidade da pessoa humana.
12.11 Analogia e sua aplicação na jurisprudência
Diversos temas relacionados ao estudo da analogia têm sido demandados nos tribunais superiores – seja em relação à analogia in bonam partem[46] ou in malam partem. Independentemente das posições adotadas, percebe-se divergências adotadas sobre determinados pontos, fatos os quais denotam a hermenêutica utilizada pelos membros de cada uma das Cortes em seus posicionamentos e os elementos de interpretação utilizados para se chegar conclusão da aplicação ou não da analogia. A seguir, vejamos os entendimentos firmados acerca de diversos assuntos de interesse penal.
Sobre a questão da aplicação da analogia em âmbito penal, doutrinadores sustentavam que a qualificadora do concurso de pessoas do crime de furto (art. 155, §4º, IV, CP) seria desproporcional e, portanto, eivada de vício de constitucionalidade, devendo esta ser substituída pela majorante do concurso de pessoas no crime de roubo (art. 157, §2º, II, CP). Argumentavam que se aplicando a majorante do roubo ao crime de furto, seria mais benéfico e proporcional ao réu.
Tanto o STJ[47] quanto o STF refutaram tal possibilidade, tendo em vista ter expressa previsão legal cada uma das modalidades, não se admitindo, portanto, analogia. Nestes termos:
Dosimetria da pena. Furto qualificado. Integração da norma. Majorante do crime de roubo com concurso de agentes. Inadmissibilidade. (…) As questões controvertidas neste writ — acerca da alegada inconstitucionalidade da majorante do § 4º do art. 155 do CP (quando cotejada com a causa do aumento de pena do § 2º do art. 157 do CP) (…) — já foram objeto de vários pronunciamentos desta Corte. No que tange à primeira questão, inexiste lacuna a respeito do quantum de aumento de pena no crime de furto qualificado (art. 155, § 4º, CP), o que inviabiliza o emprego da analogia. A jurisprudência desta Corte é tranquila no que tange à aplicação da forma qualificada de furto em que há concurso de agentes mesmo após a promulgação da CF de 1988 (HC 73.236, rel. min. Sidney Sanches, 1ª T, DJ de 17-5-1996). [HC 92.926, rel. min. Ellen Gracie, j. 27-5-2008, 2ª T, DJE de 13-6-2008.]
Outro tema que causa discussão na doutrina e na jurisprudência é a questão da eventual tipicidade do furto de sinal de TV a cabo. Em resumo, a celeuma repousa se o sinal de TV a cabo pode ser equiparado à energia para fins de aplicação do §3º do art. 155. O Superior Tribunal de Justiça entende que o sinal de TV a cabo pode ser subtraído, portanto, passível de ser objeto do crime de furto, pois o sinal de TV a cabo é equiparado e energia. Neste sentido, STJ no julgamento do REsp 1123747/RS:
PENAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO DE SINAL DE TV A CABO. TIPICIDADE DA CONDUTA. FORMA DE ENERGIA ENQUADRÁVEL NO TIPO PENAL. RECURSO PROVIDO. I. O sinal de televisão propaga-se através de ondas, o que na definição técnica se enquadra como energia radiante, que é uma forma de energia associada à radiação eletromagnética. II. Ampliação do rol do item 56 da Exposição de Motivos do Código Penal para abranger formas de energia ali não dispostas, considerando a revolução tecnológica a que o mundo vem sendo submetido nas últimas décadas. III. Tipicidade da conduta do furto de sinal de TV a cabo. IV. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
Por outro lado, o STF em sentido diametralmente oposto, entendendo que equiparar sinal de TV a cabo à energia seria uma analogia in malam partem, portanto, sendo vedada no direito penal:
O sinal de TV a cabo não é energia e, assim, não pode ser objeto material do delito previsto no art. 155, § 3º, do CP. Daí a impossibilidade de se equiparar o desvio de sinal de TV a cabo ao delito descrito no referido dispositivo. Ademais, na esfera penal não se admite a aplicação da analogia para suprir lacunas, de modo a se criar penalidade não mencionada na lei (analogia in malam partem), sob pena de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade. [HC 97.261, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 12-4-2011, 2ª T, DJE de 3-5-2011.]
O art. 168 do Código Penal trata do crime de apropriação indébita, trazendo no seu §1º, inc. II a hipótese de majoração de pena “quando o agente recebeu a coisa: na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial”. Surgiu uma dúvida acerca da expressão “síndico” elencada entre as hipóteses do aludido inciso. Em resumo: o síndico expressado na lei penal se trata do síndico administrador judicial ou do síndico condominial?
O Superior Tribunal de Justiça enfrentou a matéria e lançando mão de diversos recursos interpretativos entendeu o seguinte:
DIREITO PENAL. HIPÓTESE DE INAPLICABILIDADE DA MAJORANTE DESCRITA NO ART. 168, § 1°, II, DO CP. O fato de síndico de condomínio edilício ter se apropriado de valores pertencentes ao condomínio para efetuar pagamento de contas pessoais não implica o aumento de pena descrito no art. 168, § 1°, II, do CP (o qual incide em razão de o agente de apropriação indébita ter recebido a coisa na qualidade de “síndico”). Isso porque, conforme entendimento doutrinário, o “síndico” a que se refere à majorante do inciso II do § 1º do art. 168 do CP é o “administrador judicial” (Lei n. 11.101/2005), ou seja, o profissional nomeado pelo juiz e responsável pela condução do processo de falência ou de recuperação judicial. Além do mais, o rol que prevê a majorante é taxativo e não pode ser ampliado por analogia ou equiparação, até porque todas as hipóteses elencadas no referido inciso – “tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial” – cuidam de um munus público, o que não ocorre com o síndico de condomínio edilício, em relação ao qual há relação contratual. REsp 1.552.919-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 24/5/2016, DJe 1/6/2016[48].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
- Introduzimos o trabalho demonstrando a vasta pesquisa realizada para elaboração do mesmo, bem como da necessidade de se aprofundar na temática da hermenêutica penal. Ademais, vimos o conceito de norma jurídica, onde esta deve ser analisada no campo do dever ser e a necessidade de se interpretar a norma penal em uma perspectiva plural (buscando privilegiar os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana).
- Conceituamos interpretação, onde pode ser entendida como a atividade mental que busca estabelecer o conteúdo e significado contido na lei. Foi verificando ainda a distinção entre hermenêutica e interpretação, onde a primeira é entendida como ciência e a segunda como objeto de estudo da própria ciência.
- Vimos que o objeto da interpretação é aquilo que vai recair a atividade do intérprete, ou seja, a busca da vontade da lei, dos seus sentidos, se desvinculando da vontade do legislador.
- Na evolução histórica da interpretação da lei penal foi visto que por muito tempo a matéria interpretativa no âmbito penal já foi rechaçado por ilustres autores, tendo em vista que aduziam que a lei penal não merecia interpretação, pois a lei penal deveria ser o mais precisa possível. Entre argumentos favoráveis e contrários a interpretação da lei penal, pode-se dizer que o instituto se desenvolveu de forma célere, em especial através da escola do Iluminismo no século XVIII, passando ao Sociológico e posteriormente ao Direito Livre.
- Os princípios reitores da interpretação da Lei Penal não são tratados por todos os autores, porém Luiz Flávio Gomes cita cinco princípios, a saber: a) princípio hierárquico; b) princípio de vigência; c) princípio da unidade sistemática; d) princípio dinâmico; e, por fim; e) princípio da liberdade interpretativa.
- Tema de grande relevância na atualidade a interpretação da lei penal conforme a Constituição abordou, em resumo, que a Constituição deve servir de vértice a todo o ordenamento jurídico. Daí se afirmar que o Direito Penal e o Direito Constitucional se vinculam de um modo formal através da supremacia constitucional.
- Já na interpretação da Lei Penal e Garantismo – assunto proposto por Luigi Ferrajoli -, viu-se a necessidade de se delimitar o máximo possível a intervenção penal – sendo que esta é uma das formas mais drásticas de interferência estatal na vida do cidadão – definindo seus conceitos e fazendo previsível a reação punitiva.
- Adentramos nas classes e métodos interpretativos, assunto o qual foi devidamente esmiuçando, passando pela interpretação quanto ao sujeito (autêntica ou legislativa, doutrinária ou científica; judicial ou jurisprudencial), posteriormente pela interpretação quanto aos meios (gramatical ou literal, lógica ou teleológica) por fim, chegamos na interpretação quanto ao resultado (declaratória ou estrita, restritiva, extensiva ou ampliativa). Destaca-se ainda que dentro de cada um dos tópicos o assunto foi devidamente esmiuçado com diversas abordagens da doutrina e jurisprudência nacional e internacional.
- Os costumes no âmbito do direito penal têm uma função interpretativa, pois servem como um significativo instrumento de elucidação do alcance do conteúdo típico das normas penais incriminadoras. Fornecendo parâmetros, por exemplo, nos conceitos de repouso noturno (art. 155, §1º, CP), ou ato obsceno (art. 233, CP).
- A interpretação da lei penal e o princípio do in dubio pro reo foi dissertado, ficando demonstrado, embora divergência doutrinária, a sua aplicação ao direito penal no campo da interpretação da lei penal.
- Vimos a interpretação progressiva, entendida como aquela que busca adequar à lei a realidade atual.
- Já na Interpretação analógica também denominada de intra legem, buscamos trazer sua conceituação, casos concretos previstos em lei e sua aplicação na jurisprudência.
- Por fim, abordamos a analogia, onde através do seu conceito e sua natureza jurídica ficou evidente não se tratar de hipótese de interpretação, por isso ser analisada em capítulo apartado dos tópicos referentes à interpretação da lei penal. Vimos ainda o seu fundamentos; requisitos; distinção entre analogia e interpretação extensiva e analógica; as terminologias utilizadas como sinônimo; a igualdade lógica existente entre interpretação analógica e analogia; o princípio da máxima taxatividade interpretativa, proposto por Eugenio Raúl Zaffaroni; espécies de analogia (analogia legal, analogia jurídica, analogia in malam partem e analogia in bonam partem); adentramos ainda na discussão pouca aventada na doutrina acerca da questão das normas penais incriminadoras e não incriminadoras; a necessidade da analogia para o ordenamento jurídico; e, a analogia e sua aplicação na jurisprudência.
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[1] Estudos específicos sobre a matéria em: TRAPANI, Mario. Cesare Beccaria y el control del poder punitivo del Estado: Doscientos cincuenta años después. Fernando Velásquez Velásquez Renato Vargas Lozano Juan David Jaramillo Restrepo (organizadores). In: Cesare Beccaria y la interpretación de la ley penal. La creación judicial de la norma penal y su control político. Memórias 3. Universidad Sergio Aboleda. Bogotá, 2016. PP. 93-193.
[2] No mesmo sentido ARECHIGA, Manuel Vidaurri. Liber ad Honorem Sergio García Ramírez. La Interpretación de la Ley Penal. Tomo I. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie E: VARIOS, Núm. 94. Disponível em: https://biblio.juridicas.unam.mx/bjv/detalle-libro/116-liber-ad-honorem-sergio-garcia-ramirez-t-i
[3] Sobre o assunto em: MAGLIARDI, Mario Duran. Constituición y Sistema Penal. Estudios Constitucionales, Año 13, Nº 2, 2015, pp. 475-482. ZAFFARONI, E. R. Feria Internacional del Libro de Guadalajara. Guadalajara, Jal., México, 5 de diciembre de 2014: “Os Direitos Humanos incorporados em tratados, convenções e Constituições, são um programa, um dever ser do que deve se tornar, mas isso não é ou, pelo menos, não é de todo. Por isso, não faltam aqueles que minimizam sua importância, cometendo o erro de não conhecer sua natureza. Esses instrumentos normativos não apontam e não podem apenas apontar o objetivo que deve ser alcançado no plano do ser. Sua função é claramente heurística”. P. 8. VIDAL, I. L. La interpretación jurídica y el paradigma constitucionalista. 2008, pp. 257-278.
[4] Luiz Flávio Gomes desenvolve a Teoria Constitucionalista do Delito – dando um novo enfoque à Teoria do Delito sob o prisma da Constituição Federal. GOMES, Luiz Flávio. Teoria Constitucionalista do Delito e Imputação Objetiva: o novo conceito de tipicidade objetiva na pós-modernidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
[5] No mesmo sentido GOMÉZ, Pedro J. Montano. La Constituición de la República y el Derecho Penal Uruguayo. “Houve uma constitucionalização do direito penal tanto em matéria substantiva como procedimental. A constituição incorpora preceitos e enuncia valores e postulados – particularmente no campo dos direitos fundamentais -, que incidem de maneira significativa no direito penal e, às vezes, orientam e determinam o seu alcance”. PP. 1-23.
[6] A título de exemplo André Luís Callegari (2009, p. 40) advoga “O problema dos crimes de perigo abstrato é que não há necessidade de prova do perigo, bastando a realização da conduta descrita no tipo penal. (…) A mera presunção não se coaduna com o moderno Direito Penal da culpabilidade, onde se reprova o fato realizado e, dentro deste, deve-se analisar se houve ou não o perigo de lesão para o bem jurídico tutelado”.
[7] Luiz Flávio Gomes (2009, p. 392), Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 108), onde cita a doutrina internacional.
[8] Sobre um estudo aprofundado da matéria: RODRÍGUEZ, Cristina Méndez. La deriva de los delitos de peligro en la LO 1/2015 de 30 de marzo de reforma del Código penal: la equiparación punitiva de los delitos de peligro dolosos e imprudentes y de los delitos de resultado y peligro abstracto. Una forma de “solventar” la confusa interpretación y aplicación de los tipos penales de peligro. Estudios Penales y Criminológicos, vol. XXXVII, diciembre de 2017. PP. 487-538.
[9] De forma semelhante, Zaffaroni, E. R. Em Busca de las Penas Perdias. Capítulo Sexto: La Limitación de la Violencia Selectiva por la Llamada ‘Teoria del Delito’, oferece na sua obra “a interpretação conglobada dos tipos penais como instrumento limitador”, onde afirma que “a consideração da norma conglobada no conjunto normativo e a interpretação deste em forma restritiva e coerente, não é mais que o resultado deste mandato limitador, que é a razão de ser do poder judiciário e do poder dos juristas no sistema penal”. PP. 262-264.
[10] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. “Denominei esta interpretação jurídica do fato de “interpretação operativa”, no meu artigo Interpretazione dottrinale e interpretazione operativa, Rivista Internazionale di Filosofia dei Diritto, 1966,1, p. 290-304. Sobre as interpretações da lei e as subsunções sub-reptícias realizadas pelo juiz na descrição do fato, para eludir os princípios de estrita legalidade e de estrita jurisdicionariedade, cf. infra os pontos 3 e 4 do parágrafo 9”. P. 67.
[11] Adotando uma forma diferenciada da abordagem sobre as classes e métodos interpretativos: MUÑIZ, Joaquín Rodríguez-Toubes. Aspectos de la interpretación jurídica: un mapa conceptual. Trabajo parte del Proyecto de investigación der2010-19897-c02-02. Una versión inicial fue presentada en las XXIV jornadas de la sociedad española de Filosofía jurídica y Política (santander, 14-15 de marzo de 2013). 2014, pp. 339-369. “nos estudos sobre a interpretação jurídica, os doutrinadores da teoria do direito e da metodologia falam com muita frequência de critérios, técnicas, métodos, princípios, argumentos, modelos, enfoques, direções, diretivas, pressupostos, normas, regras…; e de outros elementos afins. Mas estes nomes são empregados de modo muito distante e sem se apreciar nenhuma convenção sólida de como se relacionam o estruturam. Para escolher qual o termo usar e como usá-los se aplicam razões de estilo ou se copia outros autores, mas com grande flexibilidade e as vezes com inconsistência. Esta diversidade terminológica e a inconsistência que resulta não deve ser objeto de grande preocupação, porque aqui não há nada importante em jogo – mais da claridade – que dependa do uso de uma ou outra palavra. Sem embargo, ordenar e precisar a terminologia é um exercício rentável, porque requer ordenar de forma precisa as ideias. Por outra parte, algum tipo de convecção terminológica contribuiria para a fluidez das discussões metodológicas”.
[12] Sobre a limitação dos métodos de interpretação no México: OROPEZA, Manuel González. La Interpretación Jurídica em México. 1996, PP. 66-76. “Formalmente, a constituição federal outorga com exclusividade ao Congresso a União, a faculdade para interpretar as leis, pois segundo se prescreve no inciso f do artigo 72 Constitucional ‘En la interpretación, reforma o derogación de las leyes o decretos, se observarán los mismos trámites establecidos para su formación’, o que significar dizer que só existe a interpretação autêntica elaborada pelo legislador nas leis ou em seus procedimentos de reforma. Sem embargo, as leis no México distam muito de serem explícitas e claras e o legislador não há tomado a função de brindar critérios interpretativos através da reforma e atualização das normas. Longe deles, o processo legislativo se mostra lento e muito complexo, onde os interesses de grupos poderosos prevalecem sobre os ditados do sentido comum e da opinião pública. O poder judiciário não pode estar mais vilipendiado em nosso país; apesar dos esforços para melhoras a administração da justiça, sobretudo a nível federal, o juiz não se trave em geral a integrar as deficiências das leis, o conceito de jurisprudência tem se tornado obsoleto e cheios de defasagens, e mesmo que sua pretensão seja aclarar os obscuros conceitos legais, existem pouquíssimas teses que logram êxito interpretativo”. P. 66.
[13] Em sentido contrário: CERVINI, R. El principio de legalidad y la imprescindible determinacion suficiente de la conducta incriminada en los crimenes contra el sistema financiero: Con referencia al Art.4 de la Ley brasileña. 7492/86. 2004. PP. 1-10.
[14] Como será analisado a interpretação judicial só terá força obrigatória quando se tratar de súmula vinculante ou da coisa julgada material no caso concreto.
[15] A interpretação doutrinária possuí vasta gama de discussões. Muitas vezes as interpretações são voltadas para aquilo que o doutrinador defende. Neste sentido, ZAFFARONI, E. R. Derecho Penal Humano y poder em el siglo XXI. Conferencias de Guatemala. 2016, p. 1-2: “Os criminalistas fazem e escrevem discursos interpretativos de material legislativo (trabalho de políticos, que fornecem as chamadas fontes de direito penal) com um objetivo prático claro: eles aspiram a operadores legais (juízes, promotores públicos e advogados) aceitam suas interpretações e os juízes as convertem em jurisprudência”. No mesmo sentido: ZAFFARONI, E. R. El Derecho Latinoamericano en la fase superior del colonialismo. Buenos Aires: Madres de Plaza de Mayo, 2015. PP. 23-24.
[16] Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 60) ao tratar da interpretação autêntica divide esta em duas formas: contextual e paralela; e, para tal autor a exposição de motivos do Código Penal seria uma forma de interpretação autêntica paralela. Vejamos: “A interpretação autêntica é produzida pelo legislador, de dois modos principais: a) a interpretação autêntica contextual, como definições de conceitos empregados na lei, aparece no próprio texto da lei – por exemplo, o conceito de causa definido no art. 13, CP; B) a interpretação autêntica paralela, como esclarecimento dos motivos e indicação dos propósitos do legislador, aparece nas Exposições de Motivos que acompanham as leis penais mais importantes – por exemplo, a Exposição de Motivos do Código Penal”.
[17] O professor Antonio Luís Machado Neto (1973, p. 217) cita em sua a obra Compêndio de Introdução ao Estudo do Direito a expressão “usual” como sinônimo de interpretação judicial. Já Oscar Macedo de Soares (2004, p. 02) cita em sua obra Código Penal da República dos Estados Unidos do Brasil a expressão “forense” como sinônimo de interpretação judicial.
[18] No mesmo sentido: MALARÉE, Hernán Hormazábal; RAMÍREZ, Juan Bustos. Lecciones de derecho penal. Madrid: Trotta, 2006. P. 116.
[19] Cleber Masson (2015, p. 124), Flávio Augusto Monteiro de Barros (2010, p. 74), Wiliam Wanderley Jorge (2005, p. 48), Magalhães Noronha (1985, p. 70-71), Damásio de Jesus (1995, p. 31)
[20] Luiz Flávio Gomes (2009, p. 53), Rogério Greco (2007, p. 40), embora este último não trate da interpretação lógica.
[21] Mais sobre o tema em: PRESA, M. C. G. La interpretaión literal de la Ley. PP. 131-149.
[22] Luiz Flávio Gomes (2008, p. 53) e Julio Fabbrini Mirabete (2011, p. 35) distinguem a interpretação lógica da interpretação teleológica. Em resumo, para estes autores a interpretação lógica pode ser conceituada como argumentos lógicos dedutíveis que se chegam a determinada conclusão, sem se precisar ao certo as verdadeiras finalidades da lei. A título de exemplo o professor Luiz Flávio Gomes (2009, p. 53) dispara “alguns tipos de argumentos lógicos são muito apropriados também no Direito Penal: argumento contrario sensu ou a contrario, argumento a fortiori etc. Se o Código Penal pune a bigamia (CP, art. 235), a fortiori, pune também o terceiro casamento, o quarto etc.”.
[23] Para um estudo aprofundado da matéria: MUÑIZ, Joaquín Rodríguez-Toubes. El criterio histórico en la interpretación jurídica. Vol. 22. Universidade de Santiago de Compostela. 2013. P. 599-632.
[24] Antonio Camaño Rosa em sua obra “Interprteación de las leyes penales” (p. 245) assevera que a rubrica estaria inserida no âmbito da interpretação autêntica, tendo em vista que a rubrica é expressa no Código pelo legislador, sendo dotada, todavia, de valor relativo, ao contrário da lei propriamente dita: “participam deste caráter as rubricas e outras divisões sistemáticas do nosso Código Penal vigente, pois também são obra do legislador, mesmo que seu valor exegético seja relativo”.
[25] BUSTOS RAMÍREZ, Juan; MALAREE, Hernan Hormazabal. Significación social y tipicidade. (p. 33): “Mas é aí que as regras de interpretação desempenham um papel. O importante, porém, é que a adequação social já sinalizou um quadro de referência de significância social, e que o intérprete não pode deixar de lado ao considerar um comportamento concreto”.
[26] Claus Roxin, apud (RAMIREZ, J. B; MALAREE, H. H. Significación social y tipicidad. p. 32-33), onde se insere no âmbito doutrinário o princípio da adequação social como uma forma de interpretação restritiva: “(…) fazem falta princípios como o introduzido por Wezel, da adequação social, que não é uma característica do tipo, mas sim um auxiliar interpretativo para restringir o teor literal que ocorre também em formas de condutas socialmente admitidas”. No mesmo sentido Cezar Roberto Bitencourt em Erro de Tipo e Erro de Proibição: uma análise comparativa. 2010, p.56.
[27] ZAFFARONI, E. R. Derecho Penal y protesta social. Fazendo uma análise restritiva dos tipos penais em relação aos protestos sociais, onde se analisa os mesmos através de uma compatibilização com as normas Constitucionais e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos. (Originalmente publicado en Urquizo Olaechea, José (Org.). “Modernas tendencias de dogmática penal y política criminal. Libro homenaje al Dr. Juan Bustos Ramírez”. Lima: Idemsa, 2007, pp. 1061-1077).
[28] Cezar Roberto Bitencourt (2006, p. 43) aduz que conforme Klaus Tiedemann o princípio da insignificância é denominado de “princípio bagatelar”.
[29] SCHMITT; GOMES, 2007, pp. 44-45. Princípios penais Constitucionais: Direito e Processo Penal à Luz da Constituição Federal. No mesmo sentido “a função dogmática (interpretativa e prática) do princípio da ofensividade”.
[30] Estudos aprofundados da matéria em: SIMAZ, Alexis Leonel. Principio de Legalidad e Interpretacion en el Derecho Penal: Algunas Consideraciones sobre la Posibilidad de Interpretar Extensivamente la Ley Sustantiva. PP. 1-35. “Quase todos os Estados modernos reconhecem a validade do princípio da legalidade criminal, cujo conteúdo mínimo implica a exigência de uma lei prévia, escrita, estrita e certa. Tal declaração não parece ser problemática no presente. Entre as possíveis interpretações que um texto normativo (tipo penal) pode oferecer, alguns argumentam que o mais restritivo possível deve ser escolhido, enquanto outros acham que não existe tal limitação, desde que o conteúdo literal não entre em colapso. O presente trabalho tentará demonstrar o sucesso da segunda posição”.
[31] DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. (2016, p. 43) “É vedado, em matéria penal, o emprego da analogia in malam partem e de interpretação com efeitos extensivos em prejuízo da liberdade. Não procede, assim, a assertiva de que seria admissível, nesse âmbito, o emprego da interpretação com efeitos extensivos, não obstante autores entendam dessa forma”.
[32] Sobre o estudo aprofundado da matéria em: ASCENÇÃO, José de Oliveira. O direito: introdução e teoria geral. Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1982.
[33] A título de exemplo: RIBEIRO, Sergio Nogueira. Crimes passionais e outros temas. (1975, p. 32) “O beijo dado em público constitui crime de ato obsceno? Resposta: depende. Se for dado de forma indecorosa, com requintes de sensualidade, na boca, no pescoço ou nas pernas, sim, podendo o casal ser preso em flagrante e ficar sujeito à pena de três meses a um ano de detenção. Do contrário, se for dado com respeito, na face ou na testa, nada terá de criminoso, revelando, portanto, por parte do casal, um apurado senso de educação”.
[34] Também tecendo críticas aos conceitos indeterminados de “ato obsceno”, onde termina por causar insegurança jurídica no sistema normativo: NUCCI, Guilherme de Souza. Princípios constitucionais penais e processuais penais. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[35] No mesmo sentido CERVINI, R. El principio de legalidad y la imprescindible determinacion suficiente de la conducta incriminada en los crimenes contra el sistema financiero: Con referencia al Art.4 de la Ley brasileña 7492/86. 2004. “Essa dificuldade é especialmente evidente nos casos em que o legislador libera o intérprete para especificar uma entidade contida na descrição típica que não pode ser determinada senão por meio do próprio mundo avaliador do juiz. É o caso, por exemplo, da referência ao “ato obsceno”, ao conceito de corromper sexualmente uma pessoa, ao pornográfico”. P. 03.
[36] Observe que, posteriormente, no ano de 2017, através da Lei nº. 13.531 o Legislador modificou o inciso III do parágrafo único do art. 163, CP, onde terminou por acrescentar o Distrito Federal, Autarquias, Fundações públicas e empresas públicas, nestes termos: “III – contra o patrimônio da União, de Estado, do Distrito Federal, de Município ou de autarquia, fundação pública, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviços públicos”. Salienta-se que em relação à União, Estados, Municípios, sociedade de economia mista e empresa concessionária de serviços públicos já havia expressa previsão legal.
[37] Juarez Cirino dos Santos (2010, p. 63-64) aborda o tema da Analogia trazendo uma classificação diferente da doutrina brasileira majoritária. Para o aludido mestre a analogia pode ser divida em: 1) analogia proibida e analogia permitida. Estas podem ser subdivididas em: 1.1) analogia a símile e 1.2) analogia a maiori ad minus. Por fim, a analogia a maiori ad minus pode ser subdividida em: 1.2.1) analogia in bonam partem e 1.2.2) analogia in malam partem.
[38] Uma abordagem da matéria de forma aprofundada e didática na doutrina nacional e internacional em: Damásio de Jesus (1995, p. 41-48) e Rogério Greco (2007, p. 46-48).
[39] A título de exemplo sobre o período nazista, expoentes do Direito Penal Alemão da época se dispuseram a interpretar o Direito Penal de acordo com os anseios do Füher. Sobre o assunto Francisco Muñoz Conde (2004, p. 388-389) ressalta: “MEZGER, também entre 1933 e 1945, fez Dogmática, é dizer, sistematizou e racionalizou para sua interpretação e aplicação o direito penal positivo, mas esforçando-se em todo o momento em adaptá-lo seguindo os postulados ideológicos nacional-socialistas. Assim, por exemplo, pela via da interpretação teleológica admitiu sem problemas a analogia como fonte de criação do direito penal ‘conforme o saudável sentimento do povo alemão’, cuja interpretação correspondia, em última instância, ao Füher”.
[40] O professor Eduardo González Cauhapé-Cazaux (2003, p. 18), em seu manual de Direito Penal Guatemalteco, a nosso ver, de forma errônea, trata a interpretação extensiva como sinônimo de interpretação analógica.
[41] Sobre o estudo da matéria em: MANSILLA, Guillermo Cerdeira Bravo de. Analogía e interpretación extensiva: una reflexión (empírica) sobre sus confines. Tomo LXV, fasc. III. 2012, pp. 1001-1073.
[42] Francisco Munoz Conde e Mercedes Arán (2010, p. 123) esboçam que na doutrina e jurisprudência espanhola há ainda àqueles que discordam da aplicação até mesmo da analogia in bonam partem, tendo por base o art. 4.5 do Código Penal Espanhol, afirmando que “se a proibição da analogia prejudicial é perfeitamente clara, problemas maiores causaram a aceitação ou rejeição da chamada analogia in bonam partem (ou beneficiosa para o réu), já que embora não o prejudica, também significa aplicar a lei a suposições que não contempla. (…) A este respeito, argumentou-se que a analogia benéfica (por exemplo, aquele que supunha a aplicação de uma circunstância eximente expressamente previsto no Cp) deve ser aceita porque no próprio Código Penal, há um exemplo de sua admissão no caso da circunstancia atenuante análoga. No entanto, tal argumento não é suficiente na medida em que, como já foi dito, não é de um caso de aplicação analógica, mas de interpretação de uma lei que contém uma cláusula de analogia”.
[43] Na mesma linha de raciocínio Cleber Rogério Masson (2016, p. 641) “da mesma forma, por analogia in bonam partem, é permitido o aborto quando a gravidez resultar de estupro de vulnerável (CP, art. 217-A)”.
[44] Atente-se que os crimes sexuais do Código Penal Militar não sofreram qualquer tipo de alteração legislativa. Tendo, inclusive, no art. 233, em plena vigência, o crime de atentado violento ao pudor. Ademais, o CPM não possuí qualquer norma justificante para os casos de gravidez resultante de estupro ou atentado violento ao pudor. Assim se dizer que em caso de gravidez decorrente de estupro ou atentado violento ao pudor em âmbito castrense, nada impediria a aplicação por analogia do art. 128 do Código Penal – melhor forma de se analisar sistematicamente as normas sob uma ótica da dignidade sexual da mulher que foi violentada, embora Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 224) cita que o STF no julgamento do HC 116.254-SP, tenha afastado a aplicação do perdão judicial do Código Penal ou Código Castrense. Neste sentido: “A analogia, ainda que in bonan partem, pressupõe lacuna, omissão na lei, o que não se verifica na hipótese, em que é evidente no Código Penal Militar a vontade do legislador de excluir o perdão judicial do rol de causas de extinção da punibilidade”.
[45] Parece entender da mesma forma, citando Nelson Hungria: NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. PP. 77-78.
[46] DIREITO PENAL. REMIÇÃO DA PENA PELA LEITURA. A atividade de leitura pode ser considerada para fins de remição de parte do tempo de execução da pena. O art. 126 da LEP (redação dada pela Lei 12.433/2011) estabelece que o “condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena”. De fato, a norma não prevê expressamente a leitura como forma de remição. No entanto, antes mesmo da alteração do art. 126 da LEP, que incluiu o estudo como forma de remir a pena, o STJ, em diversos julgados, já previa a possibilidade. Em certa oportunidade, salientou que a norma do art. 126 da LEP, ao possibilitar a abreviação da pena, tem por objetivo a ressocialização do condenado, sendo possível o uso da analogia in bonam partem, que admita o benefício em comento, em razão de atividades que não estejam expressas no texto legal (REsp 744.032-SP, Quinta Turma, DJe 5/6/2006). O estudo está estreitamente ligado à leitura e à produção de textos, atividades que exigem dos indivíduos a participação efetiva enquanto sujeitos ativos desse processo, levando-os à construção do conhecimento. A leitura em si tem função de propiciar a cultura e possui caráter ressocializador, até mesmo por contribuir na restauração da autoestima. Além disso, a leitura diminui consideravelmente a ociosidade dos presos e reduz a reincidência criminal. Sendo um dos objetivos da LEP, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e sua readaptação ao convívio social, impõe-se a interpretação extensiva do mencionado dispositivo, o que revela, inclusive, a crença do Poder Judiciário na leitura como método factível para o alcance da harmônica reintegração à vida em sociedade. Além do mais, em 20/6/2012, a Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (Depen) já haviam assinado a Portaria Conjunta 276, a qual disciplina o Projeto da Remição pela Leitura no Sistema Penitenciário Federal. E, em 26/11/2013, o CNJ – considerando diversas disposições normativas, inclusive os arts. 126 a 129 da LEP, com a redação dada pela Lei 12.433/2011, a Súmula 341 do STJ e a referida portaria conjunta – editou a Recomendação 44, tratando das atividades educacionais complementares para fins de remição da pena pelo estudo e estabelecendo critérios para a admissão pela leitura. HC 312.486-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 9/6/2015, Dje 22/6/2015.
[47] Inclusive, o STJ editou a Súmula nº. 442 com o seguinte teor: “É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo”.
[48] DIREITO PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE DANO COMETIDO CONTRA O PATRIMÔNIO DO DF. A conduta de destruir, inutilizar ou deteriorar o patrimônio do Distrito Federal não configura, por si só, o crime de dano qualificado, subsumindo-se, em tese, à modalidade simples do delito. Com efeito, é inadmissível a realização de analogia in malam partem a fim de ampliar o rol contido no art. 163, III, do CP, cujo teor impõe punição mais severa para o dano “cometido contra o patrimônio da União, Estados, Municípios, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista”. Assim, na falta de previsão do Distrito Federal no referido preceito legal, impõe-se a desclassificação da conduta analisada para o crime de dano simples, nada obstante a mens legis do tipo, relativa à necessidade de proteção ao patrimônio público, e a discrepância em considerar o prejuízo aos bens distritais menos gravoso do que o causado aos demais entes elencados no dispositivo criminal. HC 154.051-DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 4/12/2012.
[i] Antonio José da Costa e Silva (2004, p. 04) citando Ferri, aduz que “a observância das leis tais como elas são é condição fundamental da comunhão civil – ‘legum servi esse debemus, ut liberi esse possimus’. E é o meio mais sugestivo para a sua correção por parte do poder competente. Se uma lei penal – substantiva ou processual – é errada ou já não corresponde às condições sociais, modificadas, o juiz que, aplicando-a como ela é, lhe põe em evidência e iniquidade ou os danos, pratica um ato muito mais útil e reto aquele que, com a própria sentença, pretende corrigir ou substituir a lei…, levando assim as massas dos cidadãos a incerteza acerca do que é permitido ou proibido, isto é, frustrando, destarte um dos mais característicos e objetivos efeitos da justiça penal prática, que é dar precisão concreta e cotidiana notoriedade às normas do direito objetivo”.
[ii] Art. 150 (…), § 4º – A expressão “casa” compreende: I – qualquer compartimento habitado; II – aposento ocupado de habitação coletiva; III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Art. 327 – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. Art. 121 (…), § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
[iii] Artigos 236, 286 e 370 do Código Penal de 1890: Art. 236. Si o crime, declarado no artigo antecedente, for cometido por carcereiro, guarda ou empregado de cadeia, casa de reclusão, ou estabelecimento semelhante, contra mulher que esteja presa, ou depositada, debaixo de sua custodia ou vigilância, ou contra mulher, filha ou irmã, curada ou tutelada de pessoa que se achar nessas circunstâncias: Penas – de prisão celular por um mês a um ano e perda do emprego, além das outras mais em que incorrer. Art. 286. Deixar de fazer, dentro de um mês, no registro civil a declaração do nascimento de criança nascida, como fazê-la a respeito de criança que jamais existira, para criar ou extinguir direito em prejuízo de terceiro: Pena – de prisão celular por seis meses a dois anos. Art. 370. Consideram-se jogos de azar aqueles em que o ganho e a perda dependem exclusivamente da sorte. Parágrafo único. Não se compreendem na proibição dos jogos de azar as apostas de corridas a pé ou a cavalo, ou outras semelhantes.