Judicialização do direito à saúde: Aspectos relevantes da Audiência Pública n. 04/2009

Resumo: Sem que aqui se pretenda aprofundar o debate em toda a sua extensão, o que já seria inviável em face das limitações espaciais deste trabalho, e sem falar na evidente complexidade da matéria, a presente pesquisa tem por mira traçar alguns delineamentos sobre a atuação do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas de saúde, o que a doutrina generalizou chamar de judicialização da saúde. O estudo teve como marco inicial a Audiência Pública de n. 04/2009, realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que teve o escopo de discutir as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde. Foi feita ainda uma pesquisa no acervo jurisprudencial do STF, objetivando compilar o entendimento pretoriano. A jurisprudência do STF e a doutrina dominante, embora haja alguma resistência isolada, assentaram o entendimento de que a saúde é direito público subjetivo não podendo ser reduzido à promessa constitucional inconsequente. Numa outra dimensão, acabaram por consagrar que os entes da federação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem responsabilidade solidária. No mais, defendem ainda que o Poder Judiciário deve fomentar a aplicação imediata dos elementos vinculados ao mínimo existencial, não de maneira absoluta, mas, sobretudo, criteriosa, acurada na apuração do conjunto probatório, não se aceitando incondicionalmente a reserva do possível na forma costumeira articulada pelo Estado para se eximir da prestação de saúde.

Palavras-chave: Judicialização da Saúde. Audiência Pública. Supremo Tribunal Federal. Reserva do possível. Mínimo existencial.

Abstract: Unless here the discussion intends to go deeper into the whole his extension, which would be already impracticable in view of the space limitations of this work, and not to mention the obvious complexity of the matter, the present inquiry has since sight draws some delineations on the acting of the Judiciary in the efetivação of the public policies of health, what the doctrine generalized to call of judicialização of the health. The study took the Public Audience as an initial landmark of n. 04/2009, carried out by the Federal Supreme Court (STF), which had the aim of there talked the technical, scientific, administrative, political and economical questions wrapped in the judicial decisions about health. An inquiry was still done in the heap jurisprudencial from the STF, aiming to compile the understanding pretoriano. The jurisprudence of the STF and the dominant doctrine, though some isolated resistance, they established the understanding of which the health is a right subjective public without being able to be reduced to the inconsistent constitutional promise. In another dimension, they finished by consecrating that the beings of the federation, Union, States, Federal area and Local authorities have supportive responsibility. In more, they defend still that the Judiciary must promote the immediate application of the elements linked to the existential minimum, not in absolute way, but, especially, discerning, treated with care in the counting of the probational set, without accepting incondicionalmente the reserve of the possible one in the customary form articulated by the State to be exempted from the health installment.

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Keywords: Judicialização of the Health. Public audience. Federal Supreme Court. Reserve of the possible one. Existential minimum.

Sumário: 1. Introdução. 2. Direito à Saúde no Brasil. 2.1. Breve Histórico. 2.2. Conceito. 2.3. Políticas públicas de saúde. 2.4. Atuação do poder judiciário na efetivação do direito à saúde. 2.4.1. O orçamento e sua implicação no direito à saúde. 2.4.2. O direito à saúde e  sua  eficácia e  efetividade  entre  a  reserva  do  possível e o mínimo existencial. 3. Aspectos debatidos na Audiência Pública do STF sobre judicialização do direito à saúde. 3.1. Sessão de audiência pública n. 04/2009. 3.2. Acesso às prestações de saúde no Brasil – desafios ao  poder  judiciário. 3.2.1. Fatores que ensejam a judicialização do direito à saúde. 3.3. Responsabilidade dos entes da federação. 3.4. Sistema Único de Saúde – SUS. 3.4.1. O direito à vida e as diretrizes constitucionais do SUS. 3.4.2. Registro de medicamentos e insumos da Agência Nacional de  Vigilância Sanitária e aos protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS. 3.5. Métodos para desafogar o poder judiciário. 3.6. As contribuições advindas com a realização da audiência pública 04/2009. 4. Principais argumentos e pedidos feitos ao STF sobre direito à saúde. 4.1. Arguição  de  Descumprimento de Preceito Fundamental n. 45/ 2004. 4.2. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/2000. 4.3. Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175/2009. 4.4. Agravo Regimental no  Recurso  Extraordinário  com  Agr.  n.12.424/2014. 4.5. Recurso Extraordinário n. 754945/2013. 4.6. Recurso Extraordinário n. 713241/2012. 4.7. Panorama geral das decisões analisadas. 5. Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

No Brasil, problemas no atendimento em hospitais públicos, reclamações contra planos de saúde e falta de acesso a remédios e a procedimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) têm elevado o número de ações judiciais na área da saúde, com demandas que têm por objeto, por exemplo, obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos, tratamentos e disponibilização de leitos hospitalares, tanto no setor público quanto no setor privado.

Essas demandas judiciais são de extrema significação, uma vez que, do ponto de vista jurídico elas reclamam a concretização de uma norma constitucional que veicula um direito fundamental. Do ponto de vista da saúde pública, elas apontam para as compreensões e as tensões atinentes aos princípios norteadores das políticas de saúde pública e as consequências de sua implementação.

Considerando a relevância e a controvérsia do processo de judicialização da saúde, o presente trabalho objetiva de maneira didática mostrar o posicionamento que impera na Suprema Corte acerca da atuação do Poder Judiciário no fornecimento de medicamentos e tratamentos que são disponibilizados e os que não são pelo SUS. Para isso, num primeiro momento, serão feitas algumas considerações sobre o contexto histórico do direito à saúde e a atuação do Poder Judiciário para sua efetivação.

Em um segundo plano, apresenta-se os aspectos debatidos na Audiência Pública de n. 04/2009, sendo abordados os seguintes tópicos: os desafios do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde; a responsabilidade dos entes da federação; o SUS; o registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e os Protocolos e Diretrizes Terapêuticas do SUS. Ao final, buscar-se-á estabelecer métodos para desafogar o Poder Judiciário.

Na última parte, utilizando-se o recurso de filtro de pesquisa no site do Supremo Tribunal Federal, realizou-se um estudo de suas decisões que enfrentaram a problemática da judicialização da saúde. Para tanto, foram selecionadas 06 (seis) decisões do acervo jurisprudencial do Pretório Excelso, a fim de se fazer uma análise pormenorizada – analisando o pedido das ações e quais os elementos que os ministros utilizaram para a construção do veredicto -, isto porque muitas delas se repetiam em seus argumentos, chegando, sempre, à mesma conclusão; outras não tinham relação com o objetivo traçado por este trabalho. Ao fim, procurou-se traçar um panorama geral das decisões analisadas, para então, chegar ao entendimento sedimentado da Suprema Corte.

Ao que se vê, a presente pesquisa, não busca criticar a corrente que é contra a judicialização da saúde, muito menos exaltar os seus defensores, e sim, desvendar o entendimento firmado pelo STF acerca desse fenômeno que se alastra na justiça brasileira, levando em conta, para tanto, os dados colhidos nos julgados pretoriano e na Audiência Pública, realizada nos dias 27, 28 e 29 de abril e 4, 6 e 7 de maio de 2009.

2  DIREITO À SAÚDE NO BRASIL

2.1 Breve histórico

A preocupação com a saúde pública no Brasil inicia-se somente no século XIX, quando inúmeras pestes e doenças como: varíola, febre amarela, meningite, poliomielite, gripe espanhola, dentre outras, acometeram a sociedade brasileira.[1] Nesta época, apenas os ricos tinham acesso aos médicos, enquanto os pobres só dispunham de atendimento filantrópico nos hospitais de caridade e das benzedeiras.

É nesse contexto, que surge o decreto legislativo n. 4.682/1923, de autoria do deputado Eloy Chaves, regulamentando as caixas de aposentaria e pensões – financiadas pelas empresas, trabalhadores e pela UNIÃO -, contemplando seus beneficiários com benefício previdenciário e a assistência à saúde.

Posteriormente, no governo Getúlio Vargas, as estruturas de saúde foram centralizadas e uniformizadas nos Institutos de Assistência e Previdência Social (IAPS) – oferecendo serviços de saúde de caráter curativo – que mais tarde se transformou no atual Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS).

Em meio as intensas reivindicações de uma pluralidade de grupos sociais, eis que surge no Brasil com a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) assentado nos princípios da participação popular, equidade, descentralização, universalidade – saúde para todos, ricos e pobres, com ou sem carteira assinada – e integralidade das ações de saúde, desde a vacina até o transplante.

Acresça-se que com o advento da CRFB, o direito à saúde foi elevado à categoria de Direito Fundamental, de direito subjetivo público, desta forma, o indivíduo passou a ser detentor do direito e o Estado o seu devedor (art. 196 da CRFB), a partir de então, a saúde deixou de ser vista como favor, privilégio ou caridade.

2.2. Conceito

A Organização  Mundial de Saúde (OMS), no preâmbulo de sua Constituição (1946), define a saúde como "um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades".

Palmilhando essa mesma trilha, Sérvulo Correia (apud SILVA, 2010, p. 77) expressa de maneira ampla o conceito de saúde, a saber:

“Um sistema de normas jurídicas que disciplinam as situações que tem a saúde por objeto imediato ou mediato e regulam a organização e o funcionamento das instituições destinadas à promoção e defesa da saúde.”

De acordo com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o direito à saúde é um direito social (art. 6º da CRFB), um dever do Estado (art. 196, CRFB), competindo a todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) a sua proteção e defesa (art. 23, II, CRFB).

Percebe-se nesse passo que o conceito de saúde delineado pela Constituição Federal de 1988 afastou a concepção de saúde como dever do Estado apenas no sentido de coibir ou evitar a propagação de doenças que colocam em risco a saúde da coletividade, passando-se para o estabelecimento e exigência do Estado de garantir a saúde através da formulação e execução de políticas públicas, além da prestação de serviços públicos e fornecimento de bens para promover, prevenir e recuperar a saúde.

Logo, resta ultrapassada a dimensão arcaica sobre saúde como sendo apenas ausência de doença, bem como a visão estática de saúde apresentada de maneira individualizada e inatingível, passando a ser vista a partir da afirmação da cidadania em sua plenitude e, reitere-se, pela aplicabilidade imediata dos dispositivos garantidores dos direitos sociais estabelecidos na CRFB.

Nesse sentido, aliás, a lição do art. 2º da Lei n. 8.080/1990 – Lei Orgânica da Saúde (LOS) –, in verbis:

“Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

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§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.”

Destaque-se, por oportuno, que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, dentre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais, de acordo com o estabelecido no art. 3º da Lei Orgânica da Saúde.

Por certo, na atual conjectura brasileira, não se pode mais considerar a saúde de forma desconexa do contexto socioambiental em que estão inseridos os indivíduos e a coletividade, podendo-se firmar como razoável o entendimento de Silva (2010, p. 79) – em sua obra intitulada Direito Fundamental à Saúde -, de que no Brasil “o atual estágio em que se encontra a saúde é o espelho das desigualdades sociais, da pobreza, do nível de vida da maioria da população, da ausência de políticas públicas eficazes para o setor.”.

Conclui-se, portanto, que sem a perspectiva de alteração desse quadro socioeconômico, a garantia ao direito à saúde fica comprometida de efetivação na amplitude preconizada na Constituição da República Federativa do Brasil.

2.3. Políticas públicas de saúde

De maneira generalizada, pode-se dizer que políticas públicas são ações do Estado com o objetivo de alcançar determinada finalidade em nome do interesse público.

Na doutrina de Barcellos (2010, p. 102) a expressão política pública “designa-se a coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados.”.

Nessa linha, Silva (2010, p. 164) em suas reflexões sobre direito fundamental à saúde, assevera que:

“As políticas públicas de saúde correspondem ao conjunto de ações de governo que regulam e organizam as funções públicas do Estado para o ordenamento do setor, englobando as atividades governamentais executadas diretamente pelo aparato estatal e as relacionadas à regulação de atividades realizadas pela iniciativa privada no sistema complementar.”

Como se vê, as políticas públicas estão diretamente relacionadas com o pressuposto de uma atividade de intervenção do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico, social, cultural e político.

Daí porque Gilberto Bercovici (apud SILVA, 2010), ao discorrer sobre o instituto das políticas públicas, enfatizar que:

“O fundamento das políticas públicas está na necessidade de concretização dos direitos dos cidadãos através das prestações positivas do Estado, de tal forma que a principal política pública será o desenvolvimento nacional o qual deverá ser harmonizado com as demais. Assim, do desenvolvimento econômico e social aliado à eliminação das desigualdades sociais far-se-á a síntese dos objetivos históricos nacionais.”

Nesta senda, é fácil perceber que o Estado por meio das políticas públicas pode, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins previstos na Constituição (e muitas vezes detalhado pelo legislador), sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais cuja fruição direta dependa de ações governamentais.

Não é despiciendo lembrar que no direito nacional a Constituição Federal funciona como grande pano de fundo na fixação de políticas públicas, nas áreas econômica, educacional, habitacional, ambiental, saúde e previdenciária.

Entrementes, embora haja previsão constitucional e infraconstitucional (Lei n. 8.080/1990 e a Lei n. 8.142/1990) de políticas públicas, sua implantação pelo Estado é incipiente e nem de longe tem sido efetuada de maneira integrada e articulada com a sociedade civil, já que é perceptível a ausência de planejamento, outrossim, a pouca e quase inexistente atuação e prevenção de doenças através de ações em áreas como o saneamento básico. O que se vê quando muito no Brasil, é campanha nacional de vacinação, o que se mostra insuficiente frente aos problemas da saúde pública no país.

Uma questão é certa: para que as políticas públicas saiam do papel e integre o mundo fático é necessário que o Estado trabalhe em parceria com a sociedade para que desenvolva amplamente sua capacidade de cumprir seus papeis mais relevantes visando garantir direitos mediante a implementação de políticas públicas.

De qualquer sorte, a política pública deve estar vocacionada para fazer acontecer os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil indicados no artigo 3º da CRFB, a saber: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

2.4 Atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde

Na sociedade brasileira, uma parcela significativa da população não tem condições de arcar com os custos de remédios e tratamento cirúrgico, restando, então, a essas pessoas, recorrerem aos entes públicos para o fornecimento de medicamentos e tratamento, a título gratuito, mas muitas vezes tal pretensão resta frustrada, fazendo com que os usuários do sistema de saúde recorram ao Poder Judiciário em busca de prestações de serviço de saúde.

Essa presença do Poder Judiciário na efetivação das políticas públicas de saúde é conhecida no mundo forense pelo nome de judicialização da saúde.

O significado amplo da expressão judicialização é delineado pelo Ministro do Pretório Excelso, Luís Roberto Barroso (apud BRITO NOBRE, p. 356) da seguinte forma:

“Judicialização significa que questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se, como intuitivo, de uma transferência de poder para as instituições judiciais, em detrimento das instâncias políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Essa expansão da jurisdição e do discurso jurídico constitui uma mudança drástica no modo de pensar e de praticar o direito no mundo romano-germânico. Fruto da conjugação de circunstâncias diversas, o fenômeno é mundial, alcançando até mesmo países que tradicionalmente seguiram o modelo inglês — a chamada democracia ao estilo de Westminster —, com soberania parlamentar e ausência de controle de constitucionalidade. Exemplos numerosos e inequívocos de judicialização ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo, documentando que nem sempre é nítida a linha que divide a criação e a interpretação do direito.”

Pode-se dizer que o processo de judicialização da saúde é bastante emblemático no ordenamento jurídico brasileiro, possuindo defensores e opositores das mais diversas categorias.

Os que repudiam o processo de judicialização da saúde propalam diariamente uma visão negativa da atuação do Poder Judiciário na efetivação do direito à saúde, uma vez que carrega forte insinuação de que o poder judicante ao deferir liminares em processos judiciais movidos para esse fim, estaria usurpando a competência do Poder Executivo, bem como, interferindo no mérito do ato administrativo. Outros, por sua vez, apontam que a concessão individualizada de prestações por conta de processos individuais ou mesmo para determinados grupos de litigantes, acarreta um impacto sobre o sistema público de saúde como tal, gerando, instabilidade e insegurança jurídica, além de provocar o que, Sarlet, cognominou de “desorganização da Administração Pública”.

Outra corrente entende que a concessão, pela via judicial, de prestações em caráter individual ou para determinados grupos, constitui via ilegítima de efetivação do direito à saúde, esta linha argumentativa assevera que os direitos sociais são direitos de titularidade coletiva (transindividual) e não permitem, por sua natureza, uma subjetivação individual, sobretudo para o efeito de serem deduzidos judicialmente. De igual modo, existem ainda os que vislumbram na tutela judicial individual uma violação do princípio da isonomia, já que tal sistemática acaba privilegiando apenas parcela da população, notadamente, aquela que dispõe da informação e dos recursos suficientes para buscar o acesso ao sistema judiciário.

Todavia, tais argumentos são de somenos importância, e, de resto, não esgotam o rol de objeções que podem ser encontradas na doutrina e jurisprudência pretoriana.

Com feito, há que ter em conta que o princípio da igualdade não pode servir de argumento para eventual violação da dignidade concreta de cada indivíduo, ainda mais quando o impacto negativo em relação a terceiros (não beneficiados pela tutela individual ou não integrante do grupo beneficiado), não é comprovado pelo Poder Executivo. Importa sublinhar que compete ao Poder Público o ônus de provar que a Administração Pública não tem ou não pode dispor de recursos necessários para atender a decisão judicial sem prejudicar a tutela de outros direitos para outras pessoas.

De resto, a doutrina majoritária, já assentou o entendimento – tese esta, que já encontra respaldo na jurisprudência do STF – de que a titularidade dos direitos sociais e do direito à saúde, em particular, é tanto individual quanto coletiva, não se podendo, pelo menos não de forma generalizada, afastar uma litigância individual com base nesta linha argumentativa.

De outra parte, quando o Judiciário atua na efetivação do direito à saúde, não se quer dizer que o poder judicante está a fazer as vezes do Executivo – administrando o orçamento -, mas sobretudo, aferindo se o Poder Executivo anda respeitando as balizas constitucionalmente previstas em relação à saúde, isso porque, não raro, se presencia no país a execução de políticas públicas em absoluta desconformidade com as prioridades estabelecidas na Carta Política, no que se refere à garantia dos direitos fundamentais, bem como ao estabelecido nas leis orçamentárias, em flagrante desvio de finalidade.

Prossegue nessa linha Andrea Kreall (apud SILVA, 2010, p. 415) aduzindo que “até hoje, existem muitos Municípios onde se gasta – legalmente – mais dinheiro em divertimentos populares (contratação de trios elétricos) ou na manutenção da Câmara do que com toda a área da saúde.”.

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Por certo, bem mais coerente é o posicionamento ditado pelo magistrado Sarlet (2010, p. 141), quando se posiciona a respeito da atuação do poder judiciário na efetivação do direito à saúde, da seguinte forma:

“Por força da aplicabilidade imediata das normas de direito fundamentais e da necessária preservação da supremacia da normativa constitucional, ao legislador e administrador (tal como ao Juiz) não se pode, especialmente em matéria de direitos fundamentais, assegurar ao legislador e ainda mais ao administrador uma margem de ação plena, absolutamente imune ao controle com base na constituição, permitindo, por exemplo, por omissão (deliberada, ou não) a exclusão de medicamentos ou outras prestações indispensáveis à própria vida da pessoa, além da necessária salvaguarda em relação a bens e serviços que possam dar conta das peculiaridades de casos individuais, já que as necessidades de cada pessoa (e mesmo alternativas de tratamento) podem variar fortemente de caso a caso, e a padronização pode resultar em inevitável exclusão de tratamento da doença em algumas situações.”

Assim, na esteira do até agora exposto, resta evidente a legitimidade do Judiciário para determinar entrega das prestações de serviço de saúde pelo Estado, eis que o direito à saúde como direito fundamental não se encontra sob a discricionariedade da Administração Pública, muito menos do Poder Legislativo, mas se compreende nas garantias institucionais da liberdade, na estrutura dos serviços públicos essenciais e na organização de estabelecimentos públicos (hospitais, clínicas, etc.).

2.4.1 O orçamento e sua implicação no direito à saúde

A Carta Política de 1988 prevê em seu art. 165 que as despesas públicas deverão ser determinadas previamente, conforme os recursos arrecadados, por meio do orçamento público e deverá respeitar as metas, traçadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO, art. 165, II, da CRFB/1988), os objetivos almejados na Lei do Plano Plurianual (PPA, art. 165, I, da CRFB/1988); bem como a gestão administrativa e financeira declinados na Lei Orçamentária Anual (LOA, art. 165, III, da CRFB/1988).

Essas normas (PPA, LDO e LOA), são verdadeiros instrumentos preventivos e aplicadores de políticas públicas, pois agem definindo e quantificando ações administrativas, e prioridades a serem realizadas pelo Poder Executivo e, também, por servirem de parâmetro no controle da gestão pública.

Ocorre que, na atualidade, em face do processo conhecido como judicialização da saúde, há quem afirme que o excesso de intervenção do Poder Judiciário nas políticas públicas – na tentativa de se efetivarem as garantias constitucionais do direito à saúde -, acaba muitas vezes impedindo a realização prática das diretrizes traçadas pelo Estado Democrático de Direito. Outros sustentam que a partir do momento em que a população passou a reivindicar, via sistema judiciário, a aquisição de remédio inexistente nas relações de medicamentos essenciais e excepcionais, houve um comprometimento do orçamento.

De outra banda, existem aqueles defendendo a tese de que na falta de recursos para atender a todos – a escassez de recursos exige que o Estado faça escolhas, o que pressupõe preferências e que, por sua vez, pressupõe preteridos – deve-se retirar recursos de outras áreas (transporte, fomento, serviço de dívida) onde sua aplicação não está intimamente ligada aos direitos mais essenciais do Homem: sua vida, integridade física e saúde.

Acerca do assunto, o decano do STF, Ministro Celso de Melo (BRASIL, STF, 1997) já teve oportunidade de se manifestar, na medida liminar intentada pelo Estado de Santa Catarina, a saber:

“Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art 5°, 'caput'), ou fazer prevalecer, secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que razões de ordem ético jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção o respeito indeclinável à vida”. (STF – Pet: 1246 SC, Relator: Min. Celso de Mello, data de julgamento: 31/01/1997, data de publicação: DJ 13/02/1997).

Percebe-se nessa trilha que há no Pretório Excelso, firme orientação segundo a qual o direito à vida é um direito superior, que não pode ser contrastado com questões menores como as finanças públicas. Em outras palavras, na ponderação entre o direito à saúde, ligado ao direito à vida, e questões de ordem financeira, estas sempre deverão ser preteridas em relação àquela.

Portanto, por mais que se possa admitir a limitação de recurso não se pode esquecer a finalidade da arrecadação de recursos públicos, que outra não é senão a de realizar os objetivos fundamentais traçados na Constituição: promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência.

De toda sorte, é razoável defender-se o entendimento de Amaral (2011, p. 112), para quem:

“O Judiciário, ao invés de substituir a decisão do agente público pela sua, exigir deste que num prazo curto justifique suas escolhas e procedimentos e, ao final desse prazo, apreciar as razões trazidas, ainda que para não acatá-las talvez se esteja dando um grande passo para uma maior racionalização.”

Assim sendo, a atuação do Poder Judiciário não deve estar adstrita à decisão de conceder ou não o medicamento, ao contrário, essa deve ser subsidiária; cabe a ele também fiscalizar a destinação dos recursos públicos pelos demais poderes, bem como em que dimensão está sendo trabalhada a efetivação dos direitos fundamentais.

2.4.2 O direito à saúde e sua eficácia e efetividade entre a reserva do possível e o mínimo existencial

O Poder Público para justificar as limitações de políticas públicas e a impossibilidade de atendimento das reivindicações formuladas pela sociedade, perante o Poder Judiciário no que se relaciona ao direito à saúde, tem adotado a doutrina da reserva do possível.

A cláusula da reserva do possível impõe limites à realização de direitos fundamentais pela via judicial, a razão para esses limites está na escassez de recursos do Estado, daí, não havendo recursos para atender a todos os pedidos baseados em direitos fundamentais – saúde – previstos na Constituição, é imperioso que sejam rejeitados quando apresentados em juízo.

Sobre esse aspecto, Ingo Sarlet e Mariana Figueiredo (2010, p. 30), defendem que:

“A reserva do possível constitui, em verdade (considerada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e fático dos direitos fundamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos fundamentais, por exemplo, na hipótese de conflito de direitos, quando se cuidar da invocação – desde que observados os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos fundamentais – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito fundamental.”

Nesse particular, o Defensor Público da União (DPU) Leonardo Lorea Mattar (BRASIL, STF, 2009), estabelece 4 (quatro) parâmetros para identificar se o instituto da reserva do possível deve ser acolhido pelo Poder Judiciário ou não – para ele,  juntando esses elementos, provavelmente o juiz tenha condições de decidir se há, ou não, a possibilidade de aplicação do instituto da reserva do possível -, quais sejam; “a) orçamento geral da União e dos Estados; b) orçamento destinado à área da saúde; c) gastos com decisões judiciais na área da saúde; e, d) o superávit primário.”.

Mesmo diante destes critérios, o defensor público entende não ser possível a aplicação desse princípio para restringir o direito à saúde da população do País.

Percebe-se, pois, que a ideia de que a situação orçamentária seja aceita legalmente como óbice à satisfação de direitos fundamentais não é bem recebida pela doutrina nacional.

O entendimento mais balizado de Débora Diniz (BRASIL, STF, 2009), assinala que “a tese da reserva do possível parte do falso pressuposto de que o orçamento é absolutamente inflexível e de que finitude orçamentária se confunde com escassez.”.

Não é diferente o entendimento de Andreas Joachim Krell (apud SILVA, 2010, p. 192), para quem “a reserva do possível em um país pobre como o Brasil poria em sério risco a efetividade dos direitos fundamentais, além de levar à relativização de direitos invioláveis.”.

É bem verdade que a reserva do possível determina a observância dos fatores orçamentários para garantia de políticas públicas e que a retirada de determinado valor para pagamento de despesas de uma única pessoa compromete o orçamento já limitado, deixando, assim, de atender à coletividade. Entrementes, razões vinculadas à reserva do possível não podem servir de argumento para eventual violação da dignidade concreta de cada indivíduo, ainda mais quando o impacto negativo em relação a terceiros (não beneficiados pela tutela individual ou não integrante do grupo beneficiado), consistente na possível inexistência de recursos para atendimento de outras demandas, em sua grande maioria, não é objeto de demonstração plausível.

Vale frisar que nem mesmo o princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária nem o da separação dos poderes assumem feições absolutas que dirá o princípio da reserva do possível, na qual deve obediência aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

Não se deve, contudo, perder de mira que sendo o direito à saúde um direito fundamental consagrado no Constituição da República de 1988, é de se aludir também seu vínculo com a dignidade da pessoa humana e, por conseguinte, seu alcance ao patamar das necessidades existenciais de todo e qualquer indivíduo, para que se estabeleça o que se denominou de mínimo existencial.

O mínimo existencial, integrante do núcleo da dignidade da pessoa humana, atribui ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder público, exigível nas hipóteses de redução ou inadimplemento dos direitos fundamentais, da prestação dos serviços sociais básicos, realizada através de políticas públicas.

Segundo Torres (2010, p. 74), pode-se dizer que:

“A proteção positiva do mínimo existencial não se encontra sob a reserva do possível, pois a sua fruição não depende do orçamento nem de políticas públicas, ao contrário do que acontece com os direitos sociais (…) o Judiciário pode determinar a entrega das prestações positivas, eis que tais direitos fundamentais não se encontram sob a discricionariedade da Administração ou do Legislativo, mas se compreendem nas garantias institucionais da liberdade, na estrutura dos serviços públicos essenciais e na organização de estabelecimentos públicos (hospitais, clínicas, escolas primárias, etc.).”

Sobre esse particular, a tendência atual do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça é o de prestigiar o mínimo existencial, notadamente nas demandas de caráter individual, a partir de elementos consistentes, de provas inequívocas em cada caso concreto, do dever do Estado em prover através de prestações o direito à saúde pugnado na via judicial.

Nesse passo, infere-se que o Poder Judiciário considera a dimensão do direito à saúde como um direito fundamental de aplicabilidade imediata (§1º do art. 5º da CRFB).

3 ASPECTOS DEBATIDOS NA AUDIÊNCIA PÚBLICA DO STF SOBRE        JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE

3.1. Sessão de audiência pública n. 04/2009

A Sessão de Audiência Pública nº 04, convocada em março de 2009 intitulada Judicialização do Direito à Saúde, foi um evento de elevada importância para a racionalização do direito à saúde, no qual reuniu diversos especialistas e juristas, com o objetivo de esclarecer as questões técnicas, científicas, administrativas, políticas e econômicas envolvidas nas decisões judiciais sobre saúde.

No evento foram debatidos os seguintes tópicos: acesso às prestações de saúde no Brasil – desafios ao Poder Judiciário; responsabilidade dos entes da federação e financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS); gestão do SUS – legislação do SUS e universidade do sistema; registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e protocolos e diretrizes terapêuticas do SUS; políticas públicas de saúde – integralidade do sistema e assistência farmacêutica do SUS.

A Audiência foi presidida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que não deixou de esboçar seu posicionamento acerca do tema, com os seguintes termos:

“Posições radicais que neguem completamente a ação do Poder Judiciário ou que preguem a existência de um direito subjetivo a toda e qualquer prestação de saúde não são aceitáveis. Devemos buscar uma posição equilibrada, capaz de analisar todas as implicações das decisões judiciais, sem comprometer os direitos fundamentais dos cidadãos e, em especial, o direito à saúde”. (BRASIL. STF. 2009).

Não há como discordar do entendimento do ministro, já que é necessário o Poder Judiciário se posicionar nas demandas em que lhes são afetas de maneira flexível – sem radicalismo-, com prudência, analisando caso a caso.

A par dessas considerações, será feito a seguir uma explanação sobre os pontos relevantes levantados pelos especialistas na Sessão Pública de n. 04/2009.

3.2 Acesso às prestações de saúde no Brasil – desafios ao Poder Judiciário

No Brasil, quando o paciente se depara com a falta de medicamento e tratamento, uma das primeiras medidas a ser tomar é a propositura de ação judicial para a sua obtenção.

Frente a isso, o órgão julgador – que não pode deixar sem resposta os casos submetidos à sua apreciação -, vem se deparando com o desafio de resolver um complexo “quebra-cabeça” de conciliar a eficácia imediata dos direitos sociais, a universalidade do sistema único de saúde e a desigualdade social, o direito subjetivo e o direito coletivo à saúde, a escassez de recursos e o uso indevido do orçamento, a justiça comutativa e a justiça distributiva, dar prioridade às políticas de prevenção ou à recuperação; a efetiva participação da comunidade no sistema, a distribuição de tarefas entre os entes da federação e as desigualdades regionais.

Uma questão é certa: apesar dos desafios é direito de cada indivíduo buscar no âmbito do Poder Judiciário a correção de uma injustiça e garantia de um direito fundamental.

Como bem diz, Ingo Sarlet (2011, p. 140):

“A negativa de quem não foi atendido não poderá obter a tutela jurisdicional, implica não apenas negar a possibilidade de efetivação do direito à saúde (com as consequências daí advindas em termos de violação – no plano jurídico e fático – de tal direito) quanto acaba por criar um segundo nível de ‘discriminação’, impedindo que tal indivíduo busque, por meio do Poder Judiciário, a correção da desigualdade. Com outras palavras, o cidadão é duplamente ‘punido’: a) por não ter recursos e necessitar do sistema de saúde pública que não o atende mesmo no que diz com prestações já previstas em lei; b) por não poder litigar para corrigir tal estado de coisas.”

Assim, é imperioso o Poder Judiciário tutelar o direito à saúde na omissão dos entes federados em fornecer os medicamentos e procedimentos necessários para o tratamento de toda e qualquer enfermidade.

Ressalte-se que se eventualmente o Poder Judiciário limitasse o dever Constitucional do Estado ao fornecimento de medicamentos listados em portarias do governo, correr-se-ia o risco dos responsáveis pela área de saúde nos Estados, sob a alegação de falta de recursos, suspenderem o fornecimento, decretando, com isso, segundo a ABRAF – Associação Brasileira de Amigos e Portadores de Hipertensão Arterial Pulmonar -, morte de centenas de pessoas e de milhares de pessoas no futuro.

De outra parte, não podemos olvidar que a excessiva judicialização objetivando fornecimento de medicamentos e tratamentos não contemplados nas políticas de saúde enseja, segundo Dias Toffoli (BRASIL. STF, 2009) em ingerência indevida do Poder Judiciário na esfera precípua dos demais Poderes do Estado (Estado-Administração), cria nova modalidade de beneficiários – aqueles que possuem uma liminar e com isso terá tratamento preferencial -, altera a distribuição de recursos, outrossim, desvia o orçamento destinado a cobrir os tratamentos básicos para as hipóteses não amparadas.

Todavia, é bem verdade que diante da omissão do legislativo ou do executivo em garantir um patamar mínimo em termos de direitos sociais, o Poder Judiciário não só tem o ‘poder’ de intervir, mas também o ‘dever’ constitucional de garantir uma vida digna aos seus jurisdicionados.

Ademais, vale dizer, que essa atuação do Poder Judiciário é fundamental para assegurar a vida do paciente, outrossim, tem efeito pedagógico, posto que o governante, depois de alguns anos,verificando que esse direito é efetivamente um direito garantido, ele vai saber que é necessário alocar mais recursos da rubrica da saúde, sob pena de haver a intervenção do Poder Judiciário.

Neste sentido, mister se faz transcrever o dito pela ABRAF, na Sessão Pública nº 04/2009, in verbis:

“A vida dos portadores de hipertensão arterial pulmonar no nosso País tem sido assegurada graças à proteção do Poder Judiciário, que compele o Estado a fornecer o medicamento recomendado – pois, em que pese a medicação ser adotada, hoje, em países altamente desenvolvidos, os órgãos do Governo, no Brasil, tentando fugir ao fornecimento, usam de todos os subterfúgios para não adotá-los.” (BRASIL. STF, 2009).

O caso relatado acima pela entidade ABRAF, transparece o entrave existente na seara administrativa, para se fornecer – de forma gratuita – medicamento ao cidadão brasileiro.

Por tais razões, é importantíssimo que se preserve a via do Poder Judiciário para que se compila o Estado a fornecer medicamentos e tratamentos aos jurisdicionados, quando necessário e quando deficiente a prestação do serviço pela Administração Pública.[2]

Contudo, o órgão julgador não pode esquecer que em determinados casos, satisfazer as necessidades das pessoas que estão à sua frente, que têm nome, sobrenome, CPF, que têm suas histórias, que têm uma doença grave, que necessitam de um tratamento específico, pode, por outro lado, sacrificar o direito de muitos outros cidadãos anônimos e que dependem igualmente do sistema público de saúde.

3.2.1 Fatores que ensejam a judicialização do direito à saúde

A Audiência Pública n. 04/2009, trouxe à tona para a sociedade civil, que a questão da judicialização do direito à saúde, na maioria dos casos, não decorre de uma decisão administrativa de não fornecer medicamentos ou tratamentos, tão pouco, de uma vedação legal a sua dispensação, mas sim, de uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas públicas já estabelecidas.

Nessa linha de análise, Claudia Fernanda de Oliveira Pereira (BRASIL. STF, 2009), destaca que a maioria das ações judiciais propostas no Distrito Federal visão fornecimento de medicamentos que constavam nos protocolos da SES/DF ou na REME/DF (Relação de Medicamentos do Distrito Federal) e que não foram dispensados por uma deficiente gestão no sistema de compras, sem agilidade e devida programação, gerando, portanto, pleitos judiciais ou aquisições emergenciais questionáveis. Citou como exemplo ações impetradas para compra de medicamentos banais, como aspirinas, a um custo inferior a 20 (vinte) reais.

Adib Jatene (BRASIL. STF, 2009), por sua vez, pontua que em torno de 60% (sessenta por cento) dos pleitos no Estado de São Paulo não necessitariam da demanda do Judiciário, posto que são pleitos atendidos nos programas de políticas públicas, fazendo parte da distribuição regular.

Ao que se vê, para os especialistas em matéria de saúde pública, no Brasil, o problema talvez não seja de judicialização ou, em termos mais simples, de interferência do Poder Judiciário na criação e implementação de políticas públicas em matéria de saúde, pois o que ocorre, na quase totalidade dos casos, é apenas inexecução das políticas públicas de saúde já existentes por parte dos entes da federação.

Cleusa R. da Silveira (BRASIL. STF, 2009) segue linha semelhante de conclusão, ao constatar a necessidade de o Poder Judiciário traçar critérios para concessão de Tratamento Fora do Domicílio (TFD), da seguinte forma:

“a) Para pacientes atendidos na rede pública, com a garantia de que o atendimento será realizado na rede pública contratada ou conveniada ao SUS, porque o TFD é um tratamento normalmente de urgência, em que o paciente tem de ser deslocado do seu domicílio para ser atendido num outro centro de referência; b) quando esgotadas as possibilidades de tratamento no município de residência; c) para uma distância superior a 50 quilômetros entre o município de residência e a referência.”

Ressalte-se, não obstante, que existem casos em que ações para TFD o paciente é encaminhado para onde ele quer, como ele quer, ou como o seu médico assim entender. Às vezes ele fura a fila num setor, num Estado ou num Município que já está sobrecarregado, deixando outras referências que poderiam atender muito melhor que naquela localidade.

É por isso, que se deve privilegiar o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.

Todavia, se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação da saúde pelo Estado, decorre de uma omissão legislativa e/ou administrativa, de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou de uma vedação legal a sua dispensação.

De qualquer forma, e como enfatizado pelo Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175 (BRASIL. STF, 2009):

“Independentemente da hipótese levada à consideração do Poder Judiciário, as premissas analisadas deixam clara a necessidade de instrução das demandas de saúde para que não ocorra a produção padronizada de iniciais, contestações e sentenças, peças processuais que, muitas vezes, não contemplam as especificidades do caso concreto examinado, impedindo que o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde. Esse é mais um dado incontestável, colhido na Audiência Pública – Saúde”.

3.3 Responsabilidade dos entes da federação

A Carta Política de 1988 preconiza no art. 196, caput, que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”. Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado brasileiro, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar ao cidadão desprovido de recursos financeiros o acesso à medicação e aos tratamentos necessários para ter preservada a sua saúde.

Acerca do assunto, o STF já teve a oportunidade de se manifestar, repetidas vezes, no sentido de que a União, Estados e Municípios respondem solidariamente pelas demandas de saúde.

Para Luís Roberto Barroso (BRASIL. STF, 2009) esta jurisprudência que consagra uma solidariedade entre todos os entes federativos. Embora possa parecer uma decisão libertadora, na medida em que assegura ao administrado receber a prestação de qualquer dos três entes, do ponto de vista prático, isto cria grande dificuldade administrativa e grande dispêndio desnecessário de recursos, porque há três estruturas que passam a funcionar para, em juízo, atuarem para a defesa da Fazenda Pública.

Assim, Barroso (BRASIL. STF, 2009) conclui sua tese da seguinte forma:

“Quando na distribuição do sistema, seja clara a responsabilidade de um ente, seja por ser um medicamento relacionado a atendimento básico, estratégico ou excepcional, quando o sistema for claro, a jurisprudência precisaria, em nome da racionalidade, da eficiência e da economia de recursos escassos estabelecer que o réu da ação vai ser a entidade estatal responsável por aquela prestação e ponto. Com isso se evitam as multiplicações de atuações administrativas. As Procuradorias dos Estados vivem assoberbadas em muitas situações que não precisariam atuar. Penso que, quando haja dúvida razoável sobre quem é responsável, aí, sim, parece natural que a jurisprudência se incline pela solidariedade.”

Com efeito, a esfera municipal é a instância mais próxima do cidadão, além de ser o centro de grande parte da proteção da saúde, pelo que denota a importância do município como poder público na garantia desse direito. Ocorre que a maioria dos mais de 5.500 (cinco mil e quinhentos) municípios não possuem condições financeiras para arcar com o contingente de demandas que lhes são afetas.

De todo modo, a fim de acabar com essa celeuma, a Defensoria Pública de São Paulo (SP) na Audiência Pública de n. 04/2009, propôs a criação de um sistema de compensação financeira entre os entes federados. Nesse sistema de compensação financeira, o município ou o Estado que vierem a arcar, dentro da repartição administrativa, das divisões administrativas do SUS, com medicamento que não seria de sua autoria, terá direito a uma compensação.

Desta forma, parece certo que, quanto ao desenvolvimento prático desse tipo de responsabilidade solidária, deve ser construído um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos.

3.4 Sistema Único de Saúde – SUS

Na esteira do art. 4º da Lei n. 8.080/1990, o SUS é o conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público.

Ao que se vê, o SUS é um sistema que pertence à rede pública de saúde e tem como finalidade prestar o acesso à saúde de forma gratuita a todos, independente de crença, cor, classe social, já que, todos têm o mesmo direito. Esse sistema tem como atribuição garantir ao cidadão o acesso às ações e serviços públicos de saúde, nos moldes traçados pela CRFB/88 e as demais leis correlatas.

A Lei n. 8.080/1990, nos arts. 5º e 6º, traça os objetivos do SUS, a saber: identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; formular política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a redução de riscos de doenças e de outros agravos, bem como, estabelecer condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços por intermédio das ações assistenciais e das atividades preventivas.

É nesse contexto que Luis Fux (BRASIL. STJ, 2008), lembra que:

“O SUS visa a integralidade da assistência à saúde, seja individual ou coletiva, devendo atender aos que dela necessitem em qualquer grau de complexidade, de modo que, restando comprovado o acometimento do indivíduo ou de um grupo por determinada moléstia, necessitando de determinado medicamento para debelá-la, este deve ser fornecido, de modo a atender ao princípio maior, que é  a garantia à vida digna”. (STJ; EDcl-AgRg-REsp 863.853; Proc. 2006/0144063-5; SC; Primeira Turma; Rel. Min. Luiz Fux; Julgado em 13 de maio de 2008. DJE: 16 de junho de 2008).

Não restam dúvidas de que a criação do SUS foi um importante passo para uma mudança significativa no modelo assistencial e na tradução das necessidades de saúde da população brasileira. Ao suprimir, ainda que inicialmente, a existência de um modelo centrado na doença, deu margem para a construção de um modelo de atenção integral à saúde, pautada em princípios doutrinários asseguradores de práticas de saúde.

Todavia, analisando a atual conjectura da saúde pública no país, evidencia-se que o SUS aparece desacreditado, seja pelo contraste entre a qualidade do sistema público e o privado, seja pela ineficiência no atendimento.

Como dito pelo professor SILVA (2010, p. 91) o SUS, no contexto atual, em muitas oportunidades encontra-se diante da situação de garantir o fundamental para grande parte da população e o de garantir o direito individual à saúde de alguns poucos indivíduos que conseguem por meio de uma decisão judicial medicamentos cujo custo efetividade não é plenamente conhecido e validado.

Na visão de Jairo Bisol (BRASIL. STF, 2009), os problemas cruciais do SUS, inclusive os que impactam sobre a universalidade do sistema, não são de ordem gerencial, não são redutíveis aos temas da assistência farmacêutica e da alta complexidade. Mas sim, em decorrência da construção do SUS em cima de um modelo de ofertas oriundas do complexo industrial de grupos corporativos e dos planos privados de saúde, e não das demandas da população. De modo que, antes de referenciar-se num pacto do Estado com a sociedade, evidencia uma subordinação das decisões políticas fundamentais aos interesses de setores produtivos privados e corporativos na área da saúde.

A especialista Maria Inez Pordeus Gadelha (BRASIL. STF, 2009) é mais objetiva. Desde logo, esclarece que o grande desafio no SUS para a questão da integralidade, da assistência ou também da atenção à saúde, de uma maneira geral, é a sua composição. Segundo ela temos um sistema, na realidade, de financiamento público, mas em sua composição a maioria é de prestadores privados. Então, torna-se quase impossível a autoridade pública – que é a gestora do SUS -, ter condições de articular interesses tão diversos, públicos e privados, dentro de um sistema em que a maioria é de natureza privada.

Assevera ainda, que quando falamos da integralidade, não se pensa apenas em integralidade da assistência. Há de se pensar na integralidade do sistema, em si, que conjuga ações, atividades e políticas de promoção à saúde, de prevenção à doença, de terapêutica de doenças e de cuidados paliativos. Isso ganha uma importância fundamental porque temos de buscar a integração de inúmeras especialidades e de inúmeras profissões para o atendimento a um tipo específico de doença ou condição.

Nota-se que a integralidade assistencial traduz muitas interfaces em que as duas principais, que são importantes para todas as áreas envolvidas, seriam a do diagnóstico e a dos cuidados paliativos.

De outra banda, do ponto de vista de sua base jurídico legal, o SUS está bem desenhado, carecendo, no entanto, de algumas ações legislativas urgentes, especialmente a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29, para minimizar o impacto do subfinanciamento e a elaboração de uma lei de responsabilidade sanitária para garantir a melhor aplicação e mais transparência de aplicação dos recursos públicos.

3.4.1 O direito à vida e as diretrizes constitucionais do SUS

Na prática, no dia a dia das ações de medicamento o grande argumento é de que o direito à vida não pode ceder perante regras internas do SUS, outrossim, perante procedimentos burocráticos.[3]

Para isso, o Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Rodrigo Tostes de Alencar Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009), ensina que o direito à vida deve prevalecer apenas em questões emergenciais.

Assim, ao explanar na Audiência Pública acerca da dicotomia entre direito à vida e as normas do SUS, Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009) adota a tese de que o afastamento de normas do SUS seja ao menos usado quando efetivamente o direito à vida está sendo ameaçado, que são, efetivamente, as ações que ocorrem nos plantões judiciários quando uma pessoa, senão receber um determinado tratamento, pode vir a falecer, ou pode vir a perder uma função vital, ou ter uma grave lesão em questão de horas. Aliás, em geral, essa pessoa, se procurar as emergências dos hospitais públicos, sabidamente as melhores – o que é uma exceção, já que se apregoa que o sistema privado é sempre melhor -, mas, se essa pessoa se dirigir diretamente à emergência de um hospital público, provavelmente será atendida mais rápido.

Arrematou ainda, ser cada vez mais comum pedidos feitos ao Poder Judiciário “em abertos de medicamentos”, lavrados na seguinte forma: que seja determinada a entrega do medicamento “x”, e quaisquer outros que forem considerados necessários ao longo do tratamento. Com isso, são criados títulos executivo-judiciais absolutamente em aberto que geram execuções que não terminam com um inchaço em progressão aritmética, quiçá geométrica do Judiciário, já que esse cidadão terá mais direito do que todos os seus outros concidadãos, pois, ao contrário de um cidadão qualquer que pode pedir um medicamento na rede pública, esse poderá pedir todo e qualquer medicamento que um médico diga que é necessário para aquele tratamento, ainda que não mencionado expressamente no pedido e na sentença.

3.4.2 Registro de medicamentos e insumos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e aos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT do SUS.

Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na ANVISA, bem como, medicamento e tratamento em desconformidade com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas[4].

Acerca do registro de remédios, destaca-se na legislação nacional a Lei Federal n.º 6.360/76, ao dispor em seu art. 12, que nenhum dos produtos de que trata esta Lei (os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos), inclusive os importados, poderão ser industrializados, expostos à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde (MS). Conquanto, o art. 18 da referida lei ainda determina que, em se tratando de medicamento de procedência estrangeira, deverá ser comprovada a existência de registro válido no país de origem.

De outro lado, o artigo 16 da Lei retromencionada estabelece os requisitos para a obtenção do registro, entre eles o de que o produto seja reconhecido como seguro e eficaz para o uso a que se propõe.

Nesta direção, percebe-se, pois, que os medicamentos e vacinas não registrados na ANVISA, do ponto de vista da lei brasileira, não têm sua eficácia e segurança estabelecidas, assim como, um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Daí porque, a Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde – SCTIE/MS (BRASIL. STF, 2009) sinalizar que “os medicamentos não registrados na ANVISA não podem ser adquiridos pelo SUS mediante uma ordem judicial, pois ao invés de garantir o direito à saúde podem representar, inclusive, um risco à saúde”.

Contudo, essa conclusão não afasta a possibilidade do Poder Judiciário ou da própria Administração Pública, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso.[5] Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.

Sobre o assunto o Excelso STF em decisão paradigmática na STA n. 175/2009, lavrada pelo Ministro Gilmar Mendes, assim se manifestou:

“A elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.”

De toda forma, parece sensato concluir que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada.

3.5 Métodos para desafogar o Poder Judiciário

O Defensor André da Silva Ordacgy (BRASIL.STF, 2009) traz as seguintes contribuições, a fim de solucionar a problemática que assola o Poder Judiciário – o aglomerado de ações objetivando fornecimento de medicamento e tratamento de forma gratuita -, quais sejam:

“a) é necessário um controle informatizado dos medicamentos. É muito comum se ouvir a reclamação de que o beneficiado daquela prestação de saúde poderia estar recebendo em duplicidade medicamentos, ou seja, ele pode receber pela União, pelo Estado, pelo Município, e aí ele estar fazendo uma estocagem ilegal de medicamentos. Isso é uma exceção; pode acontecer. Não é a regra geral, mas, em acontecendo, a melhor forma de sanar isso não é evitar-se, criar um óbice para o direito à saúde, e, sim, criar mecanismos de controle; e o sistema informatizado surge aí como a melhor alternativa; b) a valorização da tutela coletiva na medida em que visa resolver o problema de forma coletiva, e não restrita a casos individuais; c) a transferência de determinados tratamentos de saúde pública à iniciativa privada; d) a expansão da sistemática adotada no Estado do Rio de Janeiro, na qual referido Estado e a Defensoria Pública fizeram um termo de cooperação onde o jurisdicionado, quando ele comparece à Defensoria, ao invés de se ingressar com uma ação judicial, se verifica o termo de cooperação, verifica se a relação de medicamentos disponibilizados na Secretaria Estadual de Saúde, onde houve o compromisso de fornecimento, ao invés de se ajuizar ação, aguarda-se, é enviado um ofício à Secretaria Estadual de Saúde dentro desse termo de cooperação, onde se aguarda sessenta dias para que o Estado do Rio de Janeiro, voluntariamente, entregue esse medicamento. Em não o entregando, ajuíza-se então ação judicial; e) a formação de Câmaras Prévias de Conciliação para que seja levado os casos concretos de maior dificuldade para encontrar uma solução, em não havendo uma solução, é ajuizada então a ação judicial; e, por fim; e) que haja uma exigência por parte do Poder Judiciário de que o jurisdicionado ao  ajuizar uma ação de medicamentos junte laudo médico, e nesse laudo médico, além da descrição da doença e do remédio que o médico está indicando, é necessário que indique também o princípio ativo daquele medicamento, para que haja possibilidade de fornecimento de um medicamento genérico ou um mais em conta. É preciso que o próprio jurisdicionado, através da Defensoria Pública, apresente três orçamentos de remédios.”

E, como ressaltou o constitucionalista Luís Roberto Barroso (BRASIL. STF, 2009) na mesma ocasião, essa transformação da ação individual em uma ação coletiva permite que se realize a ideia de universalização e a ideia de igualdade. Vai-se realizar e se atender aquele direito para todo mundo, ou não, mas não se vai criar um modelo em que o atendimento passa a ser lotérico – depende de ter informação, depende de cair em um determinado juízo.

Conquanto, o jurista Ingor Sarlet quando de sua fala na Audiência Pública, propôs a criação pelo STF de súmulas vinculantes e decisões vinculantes na seara da saúde.

O Ministério da Saúde – representado por Alberto Beltrami e Antônio Carlos Figueiredo Nardi – defendeu a criação de protocolos, atualizados periodicamente, que possibilitem o uso racional de medicamentos, exames e procedimentos e, principalmente, a qualidade do acesso ao cuidado na saúde. Para tanto, propôs:

“a) o fortalecimento dos mecanismos de regulação para o uso de novos procedimentos terapêuticos de eficácia comprovada; b) atualizar os protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas já existentes e elaborar novos protocolos, atualizando-os periodicamente, sempre com base na melhor evidência científica disponível; c) o aperfeiçoamento da Comissão de Incorporação de Tecnologias (CITEC), do Ministério da Saúde, ampliando sua composição, agilizando suas decisões e tornando o seu funcionamento mais transparente; d) aperfeiçoar a organização da pesquisa em redes de centros de referência para estabelecer nacionalmente resultados; e) incrementar a criação de Centros de Referência – em conjunto com Estados e Municípios – para a assistência de pacientes; e, por fim, f) quanto às ações judiciais, criar os mecanismos necessários para oferecer ao Judiciário – como há em alguns Estados – assessoria técnica em centros de referência, por profissionais ad hoc, sem conflito de interesses e sem relação com a assistência e prescrição aos pacientes.”

Contribuindo com sua larga experiência o procurador Mascarenhas (BRASIL. STF, 2009), fez um destaque enriquecedor a ser implementado/copiado nas demais unidades da federação, senão vejamos:

“No Estado do Rio de Janeiro, temos tomado iniciativas em colaboração com outros entes federativos, em colaboração com o município do Rio de Janeiro, em colaboração com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, muito combativa sempre na questão de medicamentos, mas que se mostrou muito colaborativa, dentro dos seus limites, acordos que geraram a criação de uma central única para recebimentos e mandados judiciais, exatamente para evitar o cumprimento em duplicidade de medidas judiciais; acordos com a Defensoria Pública para que ações, pelo menos em relação aos remédios expressamente constantes de listas, não sejam mais propostas, e para que o medicamento seja entregue mediante simples entrega de ofício. Hoje mais de trezentos remédios e alguns exames já são feitos dessa forma há mais de um ano. Esses acordos já foram estendidos a algumas cidades do interior. Também colocamos, farmacêuticos à disposição de duas Varas de Fazenda Pública na Capital para auxiliar o juiz, para dar um auxílio técnico ao juiz, na avaliação da pertinência de determinado medicamento, da existência ou não de um medicamento equivalente nas listas do SUS. Também foi criado pela Secretaria de Saúde um software disponibilizado para os juízes de Fazenda Pública para que tenham acesso a esses medicamentos.”

A partir dessas sugestões, Adib Jatene (BRASIL. STF, 2009), animou-se a propor que todo pleito em que se solicitar liminar para fornecimento de medicamento, produto, insumo e procedimento, que venha acompanhado da recusa da autoridade em atender ao pleito. Isso significa que a reivindicação foi apresentada e não atendida. Assim, a decisão do juiz seria sobre uma recusa do gestor do SUS.

3.6 As contribuições advindas com a realização da audiência pública n. 4/2009

Em boa hora o STF propôs a realização da Audiência Pública de n. 04/2009, com a finalidade de se discutir o processo de judicialização de saúde no Brasil.

Após a realização da audiência, foi grande a expectativa acerca de qual passaria a ser o entendimento do STF sobre o direito à saúde e as questões a ele relacionadas que haviam sido abordadas na ocasião. Em setembro de 2009 o então presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, proferiu decisão na STA de nº 175/2009, na qual definiu uma sequência de hipóteses que deveriam ser avaliadas antes da decisão nos processos envolvendo o direito à saúde.

Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou no ano de 2010 a Recomendação nº 31, visando melhor subsidiar os magistrados na solução das demandas judiciais envolvendo a saúde. Dentre outras orientações, o CNJ recomendou que os juízes evitassem autorizar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA e que ouvissem os gestores, sempre que possível, antes da apreciação de medidas de urgência.

O Poder Legislativo também se moveu e elaborou a Lei n. 12.401/2011 que define que a assistência terapêutica integral no SUS, inclusive a farmacêutica, consiste em: 1) dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado; 2) oferta de procedimentos terapêuticos, em regime domiciliar, ambulatorial e hospitalar, constantes de tabelas elaboradas pelo gestor federal do SUS, realizados no território nacional por serviço próprio, conveniado ou contratado.

O CNJ, em meritória atuação proativa, instituiu o Fórum Nacional do Judiciário (FNJ) para monitoramento e resolução das demandas de assistência à saúde, formalizado no ano de 2010 através da Resolução n. 107[6]. Entre as atribuições do FNJ, destaca-se a elaboração de estudos e medidas concretas para o aperfeiçoamento, reforço e efetividade dos processos judiciais, além de refletir sobre a prevenção de novos conflitos em matéria de saúde.

Em 2011, o CNJ ainda publicou a Recomendação de n. 36 que trouxe regramentos específicos para o julgamento de demandas envolvendo a saúde suplementar.

Por outra face, exsurge neste cenário a portaria de n. 650, de 20 de novembro de 2009, do CNJ, que criou o grupo de trabalho para estudos e propostas de medidas concretas e normativas para as demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde, que coordenado pela Comissão de Relacionamento Institucional e Comunicação adotou recomendação direcionada a todos os tribunais visando a inclusão da matéria Direito à Saúde nos concursos de ingresso a magistratura, outrossim, orientar o oferecimento de cursos de aperfeiçoamento nessa área pelas escolas da magistratura, contribuindo assim para a melhor formação dos juízes nas questões relacionadas ao Direito à Saúde.

Neste cenário, no ano de 2014, o Poder Judiciário aprovou 45 enunciados sobre direito à saúde, no evento intitulado de I Jornada de Direito à Saúde, a fim de uniformizar e orientar a jurisprudência pátria acerca do assunto.

Não obstante todas essas ações por parte do Poder Judiciário, tem-se observado que as demandas judiciais na seara da saúde continuam a crescer e a envolver pedidos de medicamentos, procedimentos ou produtos que não estão em nenhum protocolo clínico ou lista elaborada pelos gestores do SUS, bem como pedidos de itens não autorizados ou registrados pela ANVISA.

De todo modo, cumpre advertir que algumas demandas muito frequentes e que consomem um elevado volume de recursos, referem-se a alguns vazios assistenciais existentes no SUS e essa é uma discussão que o SUS tem que fazer internamente, com a participação das três esferas de gestão – judiciário, legislativo e executivo.

4 PRINCIPAIS ARGUMENTOS E PEDIDOS FEITOS AO STF SOBRE O DIREITO   À SAÚDE

A pesquisa, neste ponto, terá estudo voltado para a análise das decisões do Supremo Tribunal Federal no tocante à saúde. Para que este estudo pudesse ser concretizado foi feita pesquisa no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal.

Algumas decisões anteriores à Audiência Pública, embora com fundamentos semelhantes, foram reproduzidas para que se possa demonstrar como o STF já vinha se posicionando acerca do tema saúde. As decisões em questão foram proferidas por Ministros do STF no ano de 2000 a 2014.

4.1 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 45/2004

Trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) promovida pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) contra veto presidencial do § 2º do art. 55 (posteriormente renumerado para art. 59), de proposição legislativa que se converteu na Lei n. 10.707/2003 (LDO), destinada a fixar as diretrizes pertinentes à elaboração da lei orçamentária anual de 2004.

O autor da presente ação constitucional sustenta que o veto presidencial importou em desrespeito a preceito fundamental decorrente da Emenda Constitucional (EC) n. 29/2000, que foi promulgada para garantir recursos financeiros mínimos a serem aplicados nas ações e serviços públicos de saúde.

Vale referir que o Presidente da República, logo após o veto parcial ora questionado, veio a remeter, ao Congresso Nacional, projeto de lei, que, transformado na Lei nº10.777/2003, restaurou, em sua integralidade, o § 2º do art. 59 da Lei nº 10.707/2003 (LDO), dele fazendo constar a mesma norma sobre a qual incidira o veto executivo. Razão pela qual foi extinção a ADPF n. 45 por perda do objeto.

Destarte, em que pese não tenha sido apreciado o mérito da ADPF de n. 45, faz-se necessário o seu estudo, uma vez que, a mesma, traz em seu corpo uma abordagem acerca da intervenção do Poder Judiciário na implementação dos direitos fundamentais, da eficácia do art.196 da CRFB/88 – que regulamenta o direito à saúde em âmbito constitucional – e, um estudo sistemático do princípio da reserva do possível.

Antes de mais, cumpre estabelecer o percurso metodológico desenvolvido pelo Ministro Celso de Melo quando da análise incidental da ação.

A decisão proferida na ADPF pelo Ministro Celso de Melo, percorreu o mesmo caminho de sua decisão proferida na RTJ de n. 185/794-796 e RTJ 175/1212-1213, isto é, em ambas o Ministro aduz que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado; que a omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

Destacou ainda, que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário – e nas do STF, em especial – a atribuição de formular e de implementar políticas públicas, pois nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos políticos- jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.

Nesse sentido, resta claro que a intervenção do Poder Judiciário para a implementação do direito à saúde não viola o princípio da Separação dos Poderes (art. 2º do Pergaminho Constitucional). 

Celso de Melo não deixa de conferir, no entanto, significativo relevo ao tema pertinente à reserva do possível, nos seguintes dizeres:

“Cumpre advertir, que a cláusula da reserva do possível – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.”[7]

4.2 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 271.286-8/2000 [8]

Trata-se de recurso de agravo regimental interposto pelo município de Porto Alegre contra decisão que não conheceu recurso extraordinário, mantendo com isso decisão emanada do Tribunal de Justiça de Porto Alegre, que, apoiando-se no art. 196 da Constituição da República, reconheceu incumbir, ao Município de Porto Alegre, solidariamente com o Estado do Rio Grande do Sul o fornecimento gratuito, de medicamentos necessários ao tratamento da AIDS, nos casos que envolvessem pacientes destituídos de recursos financeiros e portadores do vírus HIV.

O Município alegou que a decisão ao deixar de observar a repartição de competência para operacionalização dos serviços de saúde, como forma de gestão financeira dos recursos, afronta o princípio federativo da separação dos poderes, bem como ao art. 198 e seu parágrafo único, da CRFB/1988, que responsabiliza as três esferas federativas pelo financiamento, ações e serviços de saúde; violação do art. 167, I, da CRFB/1988, que veda o início de programas ou projetos não incluídos na LOA.

Na decisão o Ministro Celso de Melo entendeu que o caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei fundamental do Estado.

Para o Ministro relator do recurso de agravo não basta, portanto, que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal de um direito. Torna-se essencial que, para além da simples declaração constitucional desse direito, seja ele integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que o direito – como o direito à saúde – se qualifica como prerrogativa jurídica de que decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado, a implementação de prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.

Por fim, a Ministra Ellen Gracie reconheceu a competência solidária dos entes federados no tocante à saúde ao afirmar que[9]:

“Na realidade, o cumprimento do dever político-constitucional consagrado no art. 196 da Lei Fundamental do Estado, consistente na obrigação de assegurar, a todos, a proteção à saúde, representa fator que, associado a um imperativo de solidariedade social, impõe ao Poder Público, qualquer que seja a dimensão institucional em que este atue no plano de nossa organização federativa.”

Diante dos argumentos expostos, o Ministro Relator Celso de Melo seguido pelos demais ministros da 2ª Turma do STF negaram provimento ao agravo regimental, reforçando a ideia de uma solidariedade dos entes públicos e a necessidade de elaboração de políticas públicas.

4.3 Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n. 175/2009

Trata-se do pedido de Suspensão de Tutela Antecipada (STA) nº 175, formulado pela União, em que o ente federado objetiva a STA proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª região – em sede de recurso de Apelação da Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal – que determinou à União, ao Estado do Ceará e ao Município de Fortaleza o fornecimento do medicamento ZAVESCA (miglustat) em favor de C.A.D.C.N, portadora de doença neurodegenerativa grave (NIEMANN-PICK TIPOC).

A União ajuizou pedido de suspensão, alegando, em síntese, a ilegitimidade ativa do Parquet Federal e a ilegitimidade passiva da União. Sustentou a ocorrência de grave lesão à ordem pública, uma vez que o medicamento requerido não foi aprovado pela ANVISA e não consta da Portaria n. 1.318 do Ministério da Saúde; e de grave lesão à economia pública, em razão do alto custo do medicamento (R$ 52.000,00 por mês). Inferiu, ainda, a possibilidade de ocorrência do denominado “efeito multiplicador”.

O Ministro Gilmar Mendes decidiu a questão da seguinte forma: que a análise da ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal e da ilegitimidade passiva da União e do Município refoge ao alcance da STA, matéria a ser debatida no exame do recurso cabível contra o provimento jurisdicional que ensejou a presente medida; que o alto custo do medicamento não é, por si só, motivo para o seu não fornecimento, visto que a Política de Dispensação de Medicamentos excepcionais visa a contemplar justamente o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis; que os documentos juntados pelo autor atestam que o medicamento foi prescrito por médico habilitado, sendo recomendado pela Agência Européia de Medicamentos; e, por fim, destacou que apesar de a União e de o Município de Fortaleza alegarem a ineficácia do uso de Zavesca para o tratamento da doença de Niemann-Pick Tipo C, não comprovaram a impropriedade do fármaco, limitando-se a inferir a inexistência de Protocolo Clínico do SUS.

Com base nestes argumentos, o Ministro Gilmar Mendes indeferiu o pedido de tutela antecipada.

4.4 Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo n. 812.424/2014

O Estado do Piauí interpôs o presente recurso de agravo, deduzindo, em síntese, que o Tribunal do Estado do Piauí teria transgredido preceitos inscritos na Constituição da República.

Inicialmente, o Ministro Gilmar Mendes esclareceu que eventual acolhimento da pretensão recursal do Estado de Piauí certamente conduziria a resultado inaceitável sob a perspectiva constitucional do direito à vida e à saúde. É que essa postulação – considerada a irreversibilidade, no momento presente, dos efeitos gerados pela gravidade da patologia que afeta o paciente (que é portador de hepatopatia crônica, child c, diabetes mellitus tipo 2 e insuficiência renal crônica não dialítica) – impediria, se aceita, que ela, pessoa destituída de qualquer capacidade financeira, merecesse o tratamento inadiável a que tem direito e que se revela essencial à preservação de sua própria vida.

A decisão proferida neste agravo percorreu o mesmo caminho das decisões do Ministro Celso de Melo analisada anteriormente, isto é, inicia seu voto com a análise, de forma meticulosa, do artigo 196 da Constituição da República, fazendo menção ao tema dos direitos sociais e a problemática quanto à sua prestação; agrega ao seu voto fundamentos de ordem jurisprudencial e doutrinária, decidindo, por fim, pela improcedência do pedido formulado pelos entes públicos.

O que importa mencionar nesta decisão é o assentamento feito pelo Ministro Relator, acerca da responsabilidade dos entes estatais frente à problemática do direito á saúde, senão vejamos:

“Impende ressaltar, quanto à discussão sobre a responsabilidade solidária das pessoas políticas que integram o Estado Federal brasileiro, que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento que torna inacolhível a pretensão deduzida pela parte ora agravante. (…) tratando-se de situação configuradora de responsabilidade solidária das pessoas políticas que compõem a estrutura institucional do Estado Federal brasileiro, que, em matéria de implementação de ações e serviços de saúde, existe verdadeiro dever constitucional “in solidum”, que confere ao credor (a pessoa física, no caso) o direito de exigir e de receber, a seu critério, de um, de alguns ou de todos os devedores (os entes estatais, na espécie) a obrigação comum.”

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, foi negado provimento ao presente recurso de agravo.

4.5 Recurso Extraordinário n. 754945/2013

Cuida-se de Recurso Extraordinário interposto pelo Estado do Pará, União e Municípios, contra julgado da Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Pará, na qual reconheceu ao autor, acometido de doença renal crônica-que necessita de 3 (três) sessões semanais [de] hemodiálise -, tratamento de saúde fora do domicílio, com as despesas a serem suportadas pelos entes públicos.

A União e o Estado do Pará alegam, em preliminar, ilegitimidade passiva, sob o argumento de que caberia ao município de origem, com exclusividade, custear as diárias reclamadas pelo autor.

No mérito, a União reprisa os argumentos da preliminar, enquanto que o Estado do Pará sustenta que o autor encontra-se em Belém desde 2002, quadro que não se identifica com o tratamento fora do domicílio, que exige esporadicidade, consoante o disposto no artigo 1º, § 4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde.

O Município de Itupiranga, de seu turno, diz que as diárias estão sendo pagas ao autor, a despeito de ser vedado o custeio de tratamento de longa duração.

Segundo os recorrentes não há controvérsia acerca da enfermidade e tampouco da necessidade do tratamento fora do domicílio. Dizem Estado e Município, porém, que o artigo 1º, § 4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde prevê o custeio de transporte e diárias para o paciente e, se for o caso, para seu acompanhante, apenas se o deslocamento for eventual e temporário.

A Ministra Carmen Lúcia, valendo-se dos argumentos proferidos pelo Ministro do STJ, José Delgado, em caso similar aos dos autos, repeliu a preliminar de ilegitimidade passiva arguida, da seguinte forma:

“A Carta Magna de 1988 erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado (art. 196). Daí, a seguinte conclusão: é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves.”

No mérito, sustenta a Ministra relatora, em síntese, que o tratamento fora de domicílio é um instrumento legal que busca garantir, mediante o custeio público de transporte e diárias para alimentação e pernoite, inclusive de acompanhante, a prestação de serviços médico-hospitalares a portadores de enfermidades que por carência de meios técnicos no município em que residem possam receber tratamento adequado em localidade diversa.

Na espécie, a Ministra consignou que o autor sofre de doença renal crônica e que necessita de 3 (três) sessões semanais [de] hemodiálise, havendo indicação, ainda, de transplante de rins, não havendo, portanto, controvérsia acerca da enfermidade e tampouco da necessidade do tratamento fora do domicílio.

Quanto a interpretação dada ao art. 1º, § 4º, da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde. A Ministra decidiu da seguinte forma:

“A interpretação a ser dada ao § 4º do artigo 1º da Portaria n. 55/99/SAS do Ministério da Saúde é a de que, no caso de hospitalização continuada, as diárias não devem ser pagas. Isto porque, estando hospitalizado, é bem óbvio que o paciente e seu acompanhante não custearão alimentação e pernoite. Daí, aliás, o dispositivo não excluir o custeio de transporte. No caso concreto, não há registro de que o paciente esteja hospitalizado; ao reverso, os documentos que instruem a inicial dizem apenas da ocorrência das sessões semanais de hemodiálise. Quanto a permanecer em Belém, não se pode presumir que o autor haja mudado de domicílio, tampouco que seja esse o seu ânimo. Com efeito, o quadro sugere que o autor, premido pela imperiosa necessidade de manter o tratamento, mora de favor em casa de terceiro. Ademais, não se pode pretender dar efetividade à norma constitucional limitando no tempo o custeio de diárias, uma vez que o paciente não escolhe ou controla a enfermidade de que é portador. Observo, por fim, que o Município apresentou recibos de pagamento de diárias, inclusive do período em que o autor diz não haver recebido. Contudo, o mesmo Município diz indevido o pagamento, pelo que presumo que sua continuidade se dá apenas por força da decisão que antecipou os efeitos da tutela. Concluo, assim, que o interesse processual persiste.”

Por fim, a Ministra Carmen Lúcia, julgou parcialmente procedente o pedido para, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela, determinar aos réus, especialmente ao Município de Itupiranga, que mantenham o pagamento de diárias em favor do autor e de seu acompanhante.

4.6 Recurso Extraordinário n. 713241/2012

Neste recurso o Estado do Rio Grande do Norte busca desconstituir sentença que julgou procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, e condenou o Estado a fornecer, mensalmente, à criança J. L.D.S., 24 (vinte e quatro) latas por mês de leite ALFARÉ e 06 (seis) latas por mês do suplemento NIDEX, no prazo de 05 (cinco) dias, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (um mil reais).

O Recorrente alega que o Tribunal de origem teria contrariado os arts. 2º, 196 e 198, §§ 1º, 2º e 3º, da Constituição da República; que não cabe ao Judiciário, sob pena de violação ao art. 2º da Lex Mater, imiscuir-se na escolha legitimamente feita pelo Executivo para direcionar as verbas orçamentárias – que são finitas – para a compra deste ou daquele medicamento; que as normas constitucionais citadas pela decisão vergastada, art. 196 e 198, II, da Constituição Federal, são normas programáticas e, ademais, em nenhum momento sinalizam no sentido de fornecimento de medicamento, mas de implementação de ‘políticas sociais e econômicas’, ‘acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação’, e ‘atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços da comunidade.

Segundo salientado pela Ministra Carmen Lúcia, é dever do Estado prestar toda assistência necessária aos que precisam de medicamentos, suplementos ou tratamentos imprescindíveis à sua saúde, ainda que gratuito, se estes não podem provê-los, não devendo dito direito ser negado, sob o pálio de que tal proceder macular o princípio da autonomia dos Estados-membros, encartado nos arts. 18 e 25 da CF, por competir a cada Estado dispor sobre as suas próprias políticas públicas.

Pontuou ainda a relatora que não há de se falar em violação ao princípio da legalidade orçamentária ou das disposições da Lei de Responsabilidade Fiscal, já que a situação dos autos é emergencial, sendo certo que, em se tratando de saúdedireito social que é erigido entre os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Carta Magna – deve ser cumprido, independentemente de previsão orçamentária específica ou abertura de procedimento licitatório. É o que se extrai da norma preconizada no art. 24, IV, da Lei nº 8.666/93, mormente existindo no orçamento verbas destinadas para a execução da saúde pública, sem destinação específica.

Por fim, finalizou a julgadora que negar a proteção perseguida nas circunstâncias dos autos, omitindo-se em garantir o direito fundamental à saúde viola o dever constitucional erigido nos dispositivos constitucionais e infraconstitucional citados e atenta contra à dignidade da pessoa humana e à vida, já que o direito à saúde não pode ser relativizado, haja vista a primazia do bem da vida nele garantido, principalmente aos declaradamente necessitados e sem condições de provê-lo, hipótese na qual o princípio da reserva do possível é mitigado, por ser ele inaplicável em matéria de preservação dos direitos fundamentais, notadamente em se tratando de criança.

Nesta senda, foi negado seguimento ao Recurso Extraordinário, sob o argumento de que a sentença recorrida não merece reparos, sendo inconteste o direito do infante J.L.D.S. de receber a alimentação especial postulada.

4.7 Panorama geral das decisões analisadas

As decisões analisadas apontam que a demanda judicial brasileira mais recorrente no âmbito da saúde é constituída por pedidos de medicamentos e na suposta urgência de obter um exame diagnóstico ou procedimento, considerados capazes de solucionar determinada “necessidade” ou “problema de saúde”.

Os autores das ações judiciais alegam em juízo não possuírem condições financeiras para adquirir o medicamento e que a assistência farmacêutica integral é direito fundamental garantido pela Constituição. Argumentam ainda que as leis que subsidiam o direito à saúde e a assistência farmacêutica compreendem o fornecimento do medicamento por eles necessitados, que estes direitos não dependem de regulamentação infraconstitucional para serem exercidos e não podem ser condicionados por políticas públicas de saúde ou por questões orçamentárias.

Nesse passo, e em abono dessa afirmativa, a jurisprudência pretoriana defende o entendimento de que apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos.

De outra banda, nos pedidos feitos ao STF, é comum a tentativa dos entes da federação de fugir a sua responsabilidade, mediante invocação de que ela recai sobre uma só e determinada esfera de governo, ou seja, tentar atribuir integral obrigação àquele ente que não foi acionado judicialmente.

Todavia, o STF (embora alguma resistência isolada) considera a responsabilidade solidária dos entes federados em relação ao direito à saúde, podendo o jurisdicionado opinar livremente por quem deseja acionar judicialmente, se União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Não temos dúvida de que o Estado brasileiro é responsável pela prestação dos serviços de saúde. Todavia, essa responsabilidade solidária, deve ser construída em cima de um modelo de cooperação e de coordenação de ações conjuntas por parte dos entes federativos.

Vale destacar ainda, ser pacífico no STF o entendimento de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde.

No que diz respeito à aplicação da Teoria da Reserva do Possível, é imperioso que se ressalte que em algumas hipóteses, em matéria de preservação dos direitos à vida e à saúde, não se aplica tal entendimento por considerar que ambos são bens máximos e impossíveis de terem sua proteção postergada.

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, mormente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, não se discute mais se o direito à saúde deve ou não deve ser cobrado judicialmente, pois isso já foi consolidado que sim. Hoje, o que gera dificuldades é determinar em quais casos concretos essa exigibilidade é essencial à manutenção das condições elementares à existência humana.

Para isso, o Supremo Tribunal Federal convocou no ano de 2009 uma audiência pública. Neste evento, ficou constatada a necessidade de se redimensionar a questão da judicialização do direito à saúde no Brasil, isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre em razão de uma omissão absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas tendo em vista uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas.

A Audiência Pública revelou, ainda, a necessidade de maior difusão de conhecimentos entre os magistrados a respeito das questões técnicas que se originam ou são refletidas nas demandas por prestações de saúde; a falta de informações clínicas prestadas aos juízes a respeito dos problemas de saúde enfrentados pelos autores dessas demandas; a generalizada concessão de provimentos judiciais de urgência, sem audiência dos gestores dos sistemas responsáveis por aquelas políticas, mesmo quando essa audiência não oferece qualquer risco de afetar o direito em causa.

Desta forma, infere-se das posições defendidas, seja na audiência pública do STF, seja na jurisprudência pretoriana, que o Poder Judiciário, no momento, não se encontra preparado para dar as respostas que a comunidade almeja, notadamente no que se refere aos membros que integram o 1ª grau de jurisdição, que necessitam se debruçar em outras fontes que não somente a jurídica, para decidir sobre o direito à saúde.

Logo, há que se considerar que o tema judicialização do direito à saúde – atuação do Poder Judiciário em questões relevantes nas searas política e social, decididas finalisticamente pelo controle centralizado do Poder Judiciário –  ainda tem um longo caminho a ser percorrido para sua pacificação, ao menos em pontos estruturantes. Todavia, enquanto isso não ocorre o Estado-juiz deve sempre ter cautela e prudência nas demandas relacionadas ao direito à saúde que lhes são apresentadas, não sendo suficientes para seu deferimento provas precárias.

Por certo, deve ser analisado cada caso concreto de maneira minuciosa, em seus mais diversos aspectos, inclusive na urgência da necessidade dos que buscam o Poder Judiciário para obter do Estado uma prestação capaz de permitir o acesso a determinado serviço, garantindo o seu direito à saúde, que, por vezes, precisam de imediato atendimento, sob pena de perecimento da vida.

De outro lado, é preciso considerar que os tribunais brasileiros no que pertine ao direito à saúde, seja quanto a cuidados médicos preventivos, curativos e de reabilitação, seja quanto a tratamento ambulatorial, hospitalar intensivo, seja, enfim, quanto ao fornecimento de medicamentos – embora aqui e acolá se possa deparar com julgados que desbordem da razoabilidade -, tem o Judiciário brasileiro contribuído decisivamente para a efetivação, promoção e desenvolvimento desse direito social.

Nunca é demais lembrar que o direito à saúde é direito fundamental inerente ao ser humano e, assim, é dever do Estado assegurar à sociedade um tratamento digno, seja na rede pública ou particular.

 

Referências
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TORRES, RICARDO LOBO. O mínimo existencial, os direitos sociais e os desafios de natureza orçamentária. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2. ed. rev. e ampl. Porto Alegre: Livr. Advogado, 2010, p.63-78.
 
Notas:
[1] Por certo, no século XX, a saúde pública era vista como “estado de ausência de doença”. Em outras palavras, a saúde pública era estática, individualizada e inatingível, sem os aspectos do compromisso social, resultado das ações realizadas pelo Estado e pela sociedade civil.

[2] O art. 5º, inciso XXXV da CRFB/1988, afirma que “a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito”, pode-se dizer que aí reside a legitimidade constitucional do Poder Judiciário para atuar na defesa do direito à saúde, ante a omissão dos demais poderes.

[3] Na jurisprudência, essa tese já se reflete de forma majoritária.

[4] Pode-se dizer que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas consistem num conjunto de critérios que permitem determinar o diagnóstico de doenças e o tratamento correspondente com os medicamentos disponíveis e as respectivas doses.

[5] Os argumentos relativos ao uso inadequado de medicamentos sem comprovação da sua eficácia e a ausência de registro dos fármacos junto a ANVISA não podem ser utilizados para justificar gestões ineficientes, pois as políticas públicas que não concretizam os direitos fundamentais inerentes à dignidade da pessoa humana desatendem mínimo existencial, assegurado pela Carta Magna.

[6] A Resolução ainda prevê a possibilidade de os Tribunais realizarem termos de cooperação técnica com órgãos ou entidade públicas ou privadas para o cumprimento de suas atribuições.

[7] Daí a correta ponderação de ANA PAULA DE BARCELLOS (2002, p. 245-246) de que a limitação de recursos existe é uma contingência que não se pode ignorar. O intérprete deverá levá-la em conta ao afirmar que algum bem pode ser exigido judicialmente, assim como o magistrado, ao determinar seu fornecimento do Estado. Por outro lado, não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentárias é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível.

[8]O STF decidiu questões idênticas nos seguintes julgados: RE n. 280.642, DJ 17.11.2000; AG.RG. no RE n. 255.627-1.

[9]O mesmo entendimento foi o esboçado pelo Ministro Gilmar Mendes quando do julgamento do AG. REG. na Suspensão de Liminar n. 47/Pernambuco.


Informações Sobre o Autor

Flávia Wanzeler Carvalho

Advogada. Pós-graduação em Advocacia Trabalhista em andamento


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