Judicialização e o processo político

Introdução

A crise da política
institucional brasileira parece nos colocar em uma ciranda onde os interesses
populares estão longe do que poderia trazer a sonhada solução para a eterna
crise social do país.

Pagamos uma das
maiores cargas tributárias do mundo, a qual a democracia ainda nos alcançou no
momento em que não se pode decidir onde será aplicado esse dinheiro que nos
cobram, somos obrigados pelas leis a cumprir normas deveres, mas não apresentamos
reais instrumentos para cobrar aos políticos os deveres. Em nossa história
democrática  foram
tantos os casos de decepção, que a descrença nos políticos faz parte da cultura
brasileira.

A descrença vem
confirmar que tanto a ética 
na política, também não é capaz de vencer a estrutura raizada dos
políticos.

Observa-se quando se chega ao poder, o Governo
tem que barganhar com as diversas forças políticas do parlamento para que seus
projetos sejam aprovados. Talvez para mudar toda essa estrutura bastaria um grande processo de moralização da política ou
condenar toda classe de políticos? A política foi retirada da vida cotidiana  e tornou-se uma
profissão exercida por poucos em função de cargos nas instituições de poder.

Os movimentos sociais
são incapazes de se desatrelar as atuais atuações, com a força da autonomia
sindical posta pela proposta de reforma sindical e privatização da universidade
pelo projeto da reforma universitária, o Governo mostrou ter escolhido seu lado
ao defender a política econômica pela cartilha do Fundo Monetário Internacional
e pelas grandes nações capitalistas.

Essa crise deve nos
levar a refletir sobre nosso papel na história do Brasil, assumiremos nosso papel como protagonistas de nossa história?
Construindo organizações populares nos bairros, construindo um direito na nossa
autonomia de julgar melhorar vidas da forma mais bem questionada.

Judicialização da política

É um fenômeno
observado de comportamento institucional observado em diversas sociedades
contemporâneas. Segundo a literatura que tem se dedicado ao tema apresenta dois
componentes:

1 – Um novo “ativismo
judicial”, isto é, uma nova disposição de tribunais judiciais no sentido de
expandir o escopo das questões sobre os quais eles devem formar juízos
jurisprudenciais, (muitas dessas questões até recentemente ficavam reservadas
ao tratamento dado pelo Legislativo ou pelo Executivo);

2 – O interesse de
políticos e autoridades administrativas em adotar procedimentos semelhantes aos
processos judiciais e parâmetros jurisprudências em suas deliberações (muitas
vezes o judiciário é politicamente provocado a fornecer esses parâmetros).

Do ponto de visa do
processo político como um todo, a judicialização da
política contribui para o surgimento de um padrão de interação entre os poderes
(eptomizado no conflito entre tribunais constitucionais e o Legislativo ou Executivo),
que não é necessariamente deletério da democracia. A idéia é que democracia
constitui um “requisito” da expansão do poder judicial. Nesse sentido, a
transformação da jurisdição constitucional em parte integrante do processo de
formulação de políticas publica deve ser vista como um desdobramento das
democracias contemporâneas. A judicialização da política ocorre porque os tribunais
são chamados a se pronunciar onde o funcionamento do Legislativo e do Executivo
se mostra falhos, insuficientes ou insatisfatórios. Sob tais condições ocorre
uma aproximação entre direito e política, tornando-se difícil distinguir entre
um “Direito” e um interesse “político” sendo possível caracterizar o
desenvolvimento de uma política de diretório.

Um esquema
de legitimação das decisões judiciárias afetam a sociedade ou parcelas
significativas dela onde os políticos estatais através do processo de
adjudicação propõem entendimento peculiar da função do judiciário para embasar
conclusões.

O favorecimento o
ativismo judicial e a conseqüente incorporação de matéria política desse poder,
afirma simplesmente que o papel do judiciário é conferir as resoluções de
conflitos tem por missão a reforma estrutural da
sociedade em que os grupos prejudicados não tivessem oportunidade de votar ou
articular politicamente sendo o processo Legislativo inadequado para amparar
seus direitos.

Essa doutrina da
“falha legislativa” apresenta como visão reducionista do ativismo judicial e
insuficiente para explicar o papel que o judiciário deveria assumir no estado
contemporâneo.

Outra forma
entenderia reduzir a democracia à regra de maioria, negando papel fundamental à
Constituição  na
limitação do poder.

Abordagem meramente
funcional do papel do judiciário em base na prática americana, figura
insuficiente para diversos problemas que enseja, negligenciando explicação
detalhada da teoria política, da teoria do direito além de diversos aspectos da
teoria do direito além de diversos aspectos sociológicos. Atualmente, a questão
é recolocada na comunidade jurídica sob o prisma dos direitos fundamentais,
como uma espécie de limite ao alcance das decisões majoritárias.

Discurso
democrático

O princípio
processual da inércia e os princípios dispositivos, atrelados ao princípio do
contraditório e da ampla defesa, da imparcialidade e ao dever de fundamentação
do julgado, fazem com que o processo judicial se torne um ambiente propício
para que os conflitos de interesses sejam solucionados de forma justa e
democrática. Na esfera parlamentar, apresenta freqüência, de vitória, não o
melhor argumento, mas o argumento defendido pelos grupos mais poderosos. Já na
judicial, o melhor argumento tem mais chance de vir à tona, pois o juiz deve
seguir parâmetros objetivos de racionalidade, obtidos a partir de um debate
ético em que se assegure a transparência e a paridade de arma por parte dos
debatedores.

Se democracia
significa a participação do povo na tomada das decisões que lhe afetam, então
não se pode dizer que o processo judicial não é democrático. A participação do
povo ou (pelo menos das pessoas que serão diretamente atingidas pelo resultado
do processo judicial) seria muito mais efetiva do que a participação do povo na
elaboração de uma lei.

Há várias lides
individuais que, pela interpretação, acabam afetando outras pessoas que não
participaram do processo. Uma Súmula Vinculante, por exemplo, afeta uma gama
muito ampla de pessoas que sequer sabem da existência do processo judicial.

Mas, o processo nem
sempre se pauta pela ética do discurso. A participação efetiva do povo é muito
limitada, o Ministério Público é quem patrocina as lides
coletivas e o resultado não passará de uma conjugação de argumentos
apresentados pelo próprio Estado.

Sistema judicial e
político em rota de colisão

O sistema político
atravessa um momento de tensão sem precedentes cuja natureza da judicialização
da política conduz à politização da justiça, essa é a opinião do sociólogo
português Boaventura Santos. Há judicialização da política sempre que os
tribunais, no desempenho normal das suas funções, afetam significativamente as
condições da ação política ou questões que originariamente deveriam ser
resolvidas na arena política e não nos tribunais. Esse fato pode ocorrer por
duas vias principais: uma de baixa intensidade, quando membros isolados da
classe política são investigadores e eventualmente julgados por atividades
criminosas que podem ter ou não a ver com o poder ou a função que a sua posição
social destacada lhes confere, quando parte da classe política, não se
conformando ou não podendo resolver a luta pelo poder pelos mecanismos
habituais do sistema político democrático, transfere para os tribunais os seus
conflitos internos através de denúncias, ao Ministério Publico ou ajuizando
ações finais.

O objetivo dessa
tática é que, através da exposição judicial e junto aos órgãos de imprensa de
seus adversários, qualquer que seja o desenlace, o enfraqueça ou mesmo o
liquide politicamente, algo questionável sob o ponto de vista ético e
democrático.

O professor Boaventura Santos, afirma que no momento em que isso ocorre
à classe política, ou parte dela, quando ocorre a renuncia ao debate
democrático e a transformação da luta política em luta judicial “tende a
provocar convulsões sérias no sistema político”. A judicialização da política
pode conduzir a politização da justiça e esta consiste num tipo de questionamento
da justiça que põe em causa, não só a sua funcionalidade, como também a sua
credibilidade, ao atribuir-lhe desígnios que violam as regras da separação dos
poderes dos órgãos de soberania.

A politização da
justiça coloca o sistema judicial numa situação de stress institucional que,
dependendo da forma como o gerir, tanto pode revelar dramaticamente a sua fraqueza
como a sua força.

O uso do judiciário,
o deslocamento desmentido de questões políticas para o campo judicial pode
revelar ausência de espírito democrático, em tese, litigância de má – fé, pois
o desvirtua um verdadeiro processo eleitoral para atingir seus fins.

Interferência
judicial no mundo político

Partindo do
pressuposto de que qualquer interpretação do direito traz em si alguma medida
de criatividade por partes dos juízes, o verdadeiro problema que se coloca é o
do grau de criatividade e dos modos, limites e aceitabilidade da criação do
direito por obra dos tribunais judiciários, ressalta que certo grau de
criatividade não deve ser confundido com total liberdade de intérprete. Tanto o
processo Legislativo quanto o jurisdicional constituem processos de criação
judiciária em relação ao da Legislativa.

O ponto de partida
para a diferenciação entre processo Legislativo e processo Jurisdicional é para
Cappelletti, o procedimento ou estrutura de tais processos de formação do
direito: o processo judicial, diferentemente dos processos legislativos e
administrativos, impõe uma atividade passiva, não pode ser iniciado pelo
próprio tribunal, mas necessita de um autor, condição sem o qual não pode o
juiz exercer em concreto o poder jurisdicional.

A sociedade
democrática desfaz os laços sociais e os refaz socialmente. Ela é obrigada,
hoje, a fabricar o que anteriormente era outorgada pela tradição, pela religião
ou pelos costumes. Forçada a “inventar” a autoridade, sem sucesso, ocorre então
para o juiz.

Nota-se que a
Constituição de 1988 promove a judicialização da política a fim de viabilizar o
encontro da comunidade com os seus propósitos, declarados formalmente na
Constituição de 1988, no entanto, nos anos imediatamente seguintes à
democratização, a judicialização da política estava condenada à letra morta,
salvo algumas incursões do Ministério Público, a Suprema Corte estava próxima
de uma concepção ortodoxa da teoria da separação dos poderes somando a uma
apropriação das ações públicas por parte dos interesses corporativos.

O Legislativo e o
Governo, freqüentemente através da concessão de liminares, “uma parcela diminuta
dessas ações resultavam em decisões substantivas do mérito”, o que indica que o
processo de judicialização da política ainda se encontra num estágio
embrionário no país e, além disso, em sua maioria favorece as políticas
governamentais.

Conseqüentemente, não
existe uma linha condutora ou racionalizadora. A clara ausência demonstra que
os estudos sobre judicialização da política estão ainda em estágio embrionário,
os esforços empregados provavelmente serão valiosos na definição de uma
abordagem mais uniforme e coerente.

Função judicial na
democracia

É possível ser um
Estado liberal não necessariamente democrático, no qual, embora limitado o
poder, é restrita a participação no Governo às classes possuidoras, um Governo
democrático não é necessariamente liberal, o que ocorre quando se garante à
totalidade ou à maioria participar do Governo, a democracia dos antigos na
Grécia, na passagem para democracia dos  modernos, mantém na  integra a titulação do poder no povo, mas
altera o modo ou procedimento como esse direito se exerce. Da democracia direta
passa-se à democracia representativa. A institucionalização da democracia
representativa como fundamento do Estado, já estava presente a recorrente
quanto ás imperfeições da democracia direta para o bom exercício do Governo. Do
mesmo modo a participação individual do cidadão em resolver os seus assuntos
privados, o cidadão não – educado, ainda prevalece à definição mínima  de democracia como
um conjunto de regras de procedimentos para a formação de decisões coletivas,
em que facilita a participação mas ampla possível dos interessados  com o sistema de controle e limitação
recíproca  entre os órgãos dos poderes e
a representação política foi à solução que redesenhou uma ordem política
democrática, preservando simultaneamente a liberdade e a igualdade.

Conclusão

O processo político
de judicialização da política é uma resposta política do judiciário ao quadro
de emissão dos demais poderes em implementar as
políticas de efetivação dos direitos. O judiciário como Poder Neutro não é
fonte de direito novo. O afastamento da lei inconstitucional é restauração da
ordem ofendida. A independência para interpretação definitiva da Constituição e
para o controle e limitação dos outros poderes é a última no Estado liberal.
Para garantir esse atributo foi dada ao judiciário a garantia da vitaliciedade
e da inamogibilidades de modo à por os juízes a salvo da interferência do
debate político. A função judicial é neutra nesse sentido porque o juiz não
passa do limite da lei. A judicialização da política traz em si teoricamente a
iniciativa de criação do direito novo, construindo a partir de um amplo
universo de princípios e valores, ensejando uma discricionalidade e abertura de
muitas opções políticas, o que pode induzir o juiz a assumir facções,
comprometendo a imparcialidade, a principal razão de transferência ao Estado
juiz do poder de dizer o direito. A diferença entre processo político de perda
de mandato e processo jurídico de perda de mandato é que, no primeiro, não
temos juízes togados e no segundo sim, com relação à invalidação do ato
administrativo político decidido pelo Conselho de Ética e Decoro parlamentar,
somente a própria Câmara dos Deputados tem autonomia para revogar o ato no
plenário. O mesmo princípio se aplica ao Poder Judiciário, que deve revogar seus
atos administrativos disciplinar típicos, portanto,
privativo da Câmara dos Deputados, pelo qual, o Poder Legislativo determina a
punição do agente político por infração ao conjunto de regras morais, legais e
éticas aplicáveis aos titulares de mandato eleitoral.

Aos estudos sobre
esta temática tem mecanismos institucionais, os mais diversos ou por uma
alteração no modo de interpretar judicialização obedecem a uma lógica
particular variando de país para país. 

 

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Mario Bezerra da Silva


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