Uma recente sentença se transforma em instrumento para balizar a forma como os planos de saúde devem lidar com pacientes num momento tão difícil como o de pandemias. Ao julgar a procedência de ação para que um dos maiores planos de saúde do país pague os medicamentos que foram usados para cuidados de uma hepatite C severa, o juízo da 13ª Vara Cível da comarca de São Paulo, impôs, na sentença, quais são os limites de interferência das operadoras nos tratamentos. “A finalidade do contrato é proporcionar ao consumidor o tratamento necessário e adequado à doença que o acometer. Quem deve decidir sobre o tratamento a ser realizado é o médico responsável, e apenas ele, conhecedor das peculiaridades e do estado de saúde do paciente. Admitir-se que a operadora do plano de saúde interfira no tratamento adotado pelo médico responsável seria submeter o paciente à opinião de médico que ele não escolheu. A relação médico-paciente é relação de confiança, a medicina não é ciência exata, e os tratamentos prescritos o são caso a caso”, relatou, na sentença, a juíza Fernanda Soares Fialdini.
Para os sócios do Matos e Bueno Advogados, escritório que patrocinou a causa, a sentença simboliza a importância de respeito à jurisprudência. Para Ricardo Vila Nova, decisões nas cortes superiores estabelecem parâmetros objetivos de respeito à cidadania, aos termos dos contratos entre operadoras de saúde e clientes e, sobretudo, ao ato médico. “Há embutida nas teses de judicialização de saúde a falsa premissa de haver excesso de abusos por quem defende acesso a tratamentos já adotados pela prática médica em função de não estarem listadas num órgão burocrático ou inexistente ao tempo de firmação de contrato de saúde suplementar. Sentenças como esta são modelo a demonstrar que abusos existem por parte de quem tenta postergar tratamento legítimo”, diz Robson Pedron Matos.
Os beneficiários do plano de saúde ajuizaram ação depois que a ré informou que não havia cobertura para o tratamento da hepatite C, pagou pelos medicamentos e buscou orientação legal, que constatou conduta abusiva e ilegal do plano de saúde. A ação pediu a condenação da ré ao reembolso dos R$ 78.415,00 gastos com medicamentos, e do que vier a ser despendido.
O deferimento da tutela de urgência para cobertura dos custos do tratamento médico prescrito foi contestado pela empresa. Alegou que os medicamentos prescritos – Velpatasvir 100mg/Sofosbuvir 400mg e Ribavirina 200mg – não estão cobertos pelo contrato. Que o tratamento não está elencado no rol da ANS, por isso não há cobertura obrigatória. Não há qualquer ilegalidade na cláusula contratual que relaciona as exclusões. Que agiu no exercício regular do direito. E não causou os danos cuja reparação os autores pleiteiam.
Ao analisar o caso, a juíza expõe que o autor recebeu diagnóstico de hepatite crônica pelo vírus C. Exames demonstraram a ocorrência de fibrose e cirrose, e foi recomendado tratamento imediato, com utilização dos medicamentos Velpatasvir 100mg/Sofosbuvir 400mg e Ribavirina 200mg. O autor é beneficiário do plano de saúde contratado com a ré, destinado a dar cobertura a atendimentos médicos, hospitalares, consultas, exames e internações. É destinatário final dos serviços prestados pela ré e faz jus à aplicação da legislação consumerista. O autor precisa ser submetido ao tratamento recomendado pelo médico que o acompanha, a fim de tratar de doença que não é excluída do plano contratado. Cabia à ré autorizar os procedimentos indicados pelo médico responsável, pois não lhe cabe interferir no tratamento. É abusiva a recusa.
“O Código de Defesa do Consumidor, no art. 51, inciso IV, reputa nula a cláusula contratual relativa ao fornecimento de produtos ou serviços que coloque o consumidor em desvantagem exagerada. E o § 1º explica que se presume exagerada a vantagem que restringe direitos e obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual. A finalidade do contrato é proporcionar ao consumidor o tratamento necessário e adequado à doença que o acometer. Quem deve decidir sobre o tratamento a ser realizado é o médico responsável, e apenas ele, conhecedor das peculiaridades e do estado de saúde do paciente. Admitir-se que a operadora do plano de saúde interfira no tratamento adotado pelo médico responsável seria submeter o paciente à opinião de médico que ele não escolheu. A relação médico-paciente é relação de confiança, a medicina não é ciência exata, e os tratamentos prescritos o são caso a caso”.