Justiça confirma que SENACON não pode impor às casas noturnas cobrança de ingresso igual para homens e mulheres

A Justiça Federal em São Paulo decidiu que a SENACON – Secretaria Nacional do Consumidor não pode impor às casas noturnas que cobrem o mesmo valor para ingresso de mulheres e homens. “A polêmica começou com edição de nota técnica do órgão de governo para obrigar as casas noturnas do país a igualar a cobrança. Esses estabelecimentos, na busca de conseguir um equilíbrio de público, cobra valor menor pelo ingresso de pessoas do sexo feminino. Para os funcionários do SENACON, isso representaria preconceito contra as mulheres, além de tentativa de usá-las para atrair homens”, relata Percival Maricato, titular do escritório que patrocinou a causa em nome da ABRASEL, entidade de bares e restaurantes.

Por meio do ajuizamento de ação civil coletiva se esclareceu como funciona o setor, a necessidade de buscar o equilíbrio de públicos, fator importante para tornar o local atrativo, alegou-se ainda a necessidade de respeito à livre iniciativa, à liberdade econômica, ao direito do empresário dirigir seu negócio, mantê-lo aberto, economicamente viável. Citou-se ainda o abuso no intervencionismo do Estado na vida das pessoas, das empresas, querendo determinar detalhes da vida social.

A liminar suspendendo a ordem da SENACON foi confirmada com a sentença favorável do juiz da 27º Vara Cível da Justiça Federal.

Na sentença está disposto:

 

– “A condição de dignidade da pessoa (no caso específico do gênero feminino) se manifesta no respeito à sua possibilidade de defesa, de opinar, de discernir, de se impor nas relações sociais e individuais, sem necessitar de qualquer apoio paternalista do Estado. Pensar o contrário, em muitas situações, como pretende o ato administrativo (nota técnica) em apreciação, promove uma situação de vitimização da mulher, considerando-a incapaz de se impor em relações sociais com o sexo contrário. Por sua vez, a atitude dos estabelecimentos comerciais em querer promover o acesso mais amplo das mulheres apresenta também um viés paternalista, contudo, sem revelar uma situação de abuso ou afronta a pessoa do sexo feminino, pois caso esta não concorde com o critério de diferenciação de preços simplesmente não mais frequentara tal local ou simplesmente pagara sua entrada no valor que é cobrado do sexo masculino. Em suma, o que deve prevalecer é sempre a vontade a mulher em se afirmar na situação em concreto, ao fazer suas escolhas sem a necessidade de uma intervenção direta do Estado”.

 

Para Maricato, decisões como essa da SENACON, tomadas em gabinete, sem nenhuma preocupação com a realidade, a sobrevivência de todo um ramo de negócios, motivou a aprovação pelo Congresso da Lei da Liberdade Econômica, que diz justamente do abuso regulador e inconsequente. Com a nova lei, todo funcionário público que pretender fazer uma norma desse tipo, deve antes apresentar avaliação das consequências econômicas e sociais.

 

 

A SENTENÇA

1. TRF3
Disponibilização:  segunda-feira, 23 de março de 2020.
Arquivo: 11 Publicação: 58
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – CAPITAL SP SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SAO PAULO 17ª VARA CÍVEL
AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65) Nº 5009720-21.2017.4.03.6100 / 17ª Vara Cível Federal de São Paulo AUTOR: ASSOCIACAO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES – SECCIONAL SAO PAULO Advogados do(a) AUTOR: DIOGO TELLES AKASHI – SP207534, PERCIVAL MENON MARICATO – SP42143, DANIEL D ALO DE OLIVEIRA – RS30659 RÉU: UNIÃO FEDERAL S E N T E N Ç A Trata-se de ação civil pública, ajuizada pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES SECCIONAL SÃO PAULO ? ABRASEL/ SP em face da UNIÃO FEDERAL, com pedido de liminar, para o fim de obter provimento jurisdicional que determine à parte ré que revogue a NOTA TÉCNICA Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON, bem como se abstenha de aplicar penalidades administrativas aos estabelecimentos associados à parte autora que agirem de forma diversa de suas previsões, tudo conforme narrado na exordial. A inicial veio acompanhada de documentos (Ids ns.º 1815844, 1815846, 1815848, 1815851 e 1815853). Em cumprimento ao disposto no art. 2º, da Lei 8.437/92, foi determinada a oitiva da autarquia demandada (Id n.º 1839224), tendo sua manifestação sido devidamente apresentada (Id n.º 1993841). O Ministério Público Federal requereu nova vista dos autos para apresentação de parecer após a juntada da manifestação da parte ré (Id n.º 1955488). Foi proferida decisão que recebeu a petição inicial para determinar o processamento do presente feito, bem como para deferir o ?o pedido de liminar formulado para o fim de determinar que a ré que se abstenha de autuar ou aplicar punições aos estabelecimentos associados à autora, em razão da Nota Técnica Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON que dispõe sobre a ilegalidade na diferenciação de preços entre homens e mulheres, até decisão final? (Id n.º 2079491). Em face da mencionada decisão, a União Federal noticiou a oferta de agravo de instrumento, bem como requereu Juízo de retratação (Id n.º 2300809). No entanto, referida decisão foi mantida (Id n.º 2359045). Muito embora o Procon tenha sido devidamente notificado da decisão acima (Id n.º 2098158), não apresentou manifestação nos autos. O Ministério Público Federal se deu por ciente da decisão que concedeu o pedido de liminar, bem como requereu o regular processamento do feito (Id n.º 2255367). Na sequência, a Defensoria Pública da União requereu seu ingresso no feito como Amicus Curiae, o que foi deferido (Id n.º 2359045). Contestação devidamente ofertada pela parte ré que argui preliminares de falta de interesse de agir, impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da vida eleita, carência da ação e ilegitimidade ativa. No mérito, em breve síntese, sustentou que a Nota Técnica n.º 02/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON não criou direito nem obrigação, bem como não impôs qualquer obrigação de conduta aos associados do autor ou a quem quer que seja. Aduziu que tal Nota Técnica apresenta regularidade formal, bem como se trata de ato meramente elucidativo e recomendatório e demonstra que a prática comercial praticada por bares e casas noturnas infringe normas legais e constitucionais e, ainda, que não há intervenção do Estado na livre iniciativa privada. Portanto, a presente demanda deve ser julgada improcedente (Id n.º 2783681). Posteriormente, as empresas BHA Promoções e Eventos Ltda e MM Produtora de Eventos Eireli ? EPP requereram seu ingresso no feito como assistentes litisconsorcial ativo (Id n.º 3937301), o que foi indeferido, tendo em vista que referidas empresas não integram o rol de legitimados a propositura de ação civil pública, nos termos do art. 5º da Lei n.º 7.347/85 (Id n.º 14359236). Houve réplica (Id n.º 4049567). As partes foram instadas a especificarem as provas que pretendiam produzir. A Defensoria Pública da União requereu a juntada de documentos, bem como a produção de prova oral e pericial (Id n.º 15155564). Já a União Federal noticiou que não teria provas a produzir (Id n.º 15498569). A parte autora deixou de requer provas. Em seguida, foi proferida decisão que indeferiu a prova documental juntada aos autos pela DPU, por não cumprir o disposto no art. 224 do Código Civil. Também foi indeferido o pedido com relação a prova oral e pericial, por se tratar de matéria de direito. Não havendo outras provas a serem produzidas, foi determinada a vinda dos autos à conclusão para prolação da sentença. É o relatório, no essencial. Passo a decidir. I ? DAS PRELIMINARES As questões acerca da impossibilidade jurídica do pedido, inadequação da via eleita e a ilegitimidade ativa, alegada pela autarquia ré em sua primeira manifestação nos autos, já foram apreciada pela decisão objeto da Id n.º 2079491. Assim, mesmo que reiterada na contestação, a matéria encontra-se preclusa. Prosseguindo, resta configurado o interesse de agir da parte autora. A circunstância de terem sido tecidas na contestação considerações quanto ao mérito do pedido indica que a providência almejada não poderia ser alcançada de maneira voluntária, ou seja, sem a intervenção do Poder Judiciário. Por fim, não há que se falar em carência da ação. Em verdade, essa questão se confunde com o próprio mérito da ação. Logo, sua natureza não é de mera preliminar. II ? DO MÉRITO Verifica-se que, em sede de cognição sumária, foi deferida a medida liminar requerida pela parte autora. Além disso, após a prolação da referida decisão não se constata a ocorrência de fato que pudesse conduzir à modificação das conclusões ou do convencimento deste Juízo, razão pela qual é de se adotar a decisão (Id n.º 2079491), como parte dos fundamentos da presente sentença, ponderando-se, desde logo, que a fundamentação remissiva, [1] per relationem , encontra abrigo na jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal. Eis o teor da decisão liminar: ?Trata-se de ação civil pública, ajuizada pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTE ? SECCIONAL DE SÃO PAULO em face da UNIÃO FEDERAL, com pedido de liminar, para o fim de obter provimento jurisdicional que determine a ré que se abstenha de autuar ou aplicar punições aos estabelecimentos associados à autora, em razão da Nota Técnica Nº 2/2017/GAB- DPDC/DPDC/SENACON que dispõe sobre a ilegalidade na diferenciação de preços entre homens e mulheres, até decisão final, conforme fatos narrados na inicial. A parte autora apresentou documentos. Foi determinada a oitiva da parte que compõe o polo passivo da ação. A União apresentou manifestação. Alegou, em preliminar, que o pleito pretendido pela autora é juridicamente impossível. Esclareceu que a revogação da Nota Técnica somente pode ocorrer por motivos de conveniência, e sendo um ato administrativo apenas a Administração caberia sua revogação. Menciona que cabe ao Poder Judiciário a revisão dos atos administrativos tão somente sob o ponto de vista da legalidade (não da conveniência). Aduziu a ilegitimidade ativa da parte autora sob o fundamento de que o pleito de provimento judicial formulado para que haja a revogação da Nota Técnica Nº 2/2017/GAB- DPDC/DPDC/SENACON, não possui pertinência temática com o seu objeto social, nem leva a uma representatividade adequada para a propositura da ação civil pública em nome dos representados. Relatou que não se pode admitir à associação que defenda qualquer interesse, sem que haja um vínculo necessário entre o objeto pretendido e os fins estatutários da entidade civil, para que haja a representatividade adequada do grupamento substituído processualmente. Asseverou, ainda, a inadequação da via eleita, eis que procura a autora defender os interesses individuais de cada um dos filiados. No mérito, esclareceu que a Nota Técnica foi editada por órgão competente e ao Poder Judiciário cabe a apreciação dos aspectos quanto à legalidade do ato administrativo, sendo-lhe, porém, vedada a incursão nos aspectos políticos do ato ou no seu mérito. Alegou que em nenhum momento a Nota atacada na petição inicial aponta que o objetivo é aumentar os preços para o público feminino. Mencionou que além da Nota Técnica nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON não ter introduzido qualquer inovação no ordenamento jurídico, porque apenas interpretou dispositivos constitucionais e legais há muito existentes, a Senacon nada “impõe” aos demais órgãos integrantes do sistema, que possuem plena autonomia administrativa, financeira e funcional. Ressaltou que as restrições aos associados da autora decorrem diretamente da Constituição Federal e da lei, de modo que a sustação da orientação da Senacon não tem o poder de modificá-las. Esclareceu que tanto a Senacon quanto os demais órgãos do sistema nacional do consumidor têm o dever de ofício de reprimir as condutas de fornecedores que estejam em desacordo com a lei em sentido amplo. Alegou, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor prevê a nulidade de cláusulas discriminatórias, destacando que isso ocorre quando a legislação estabelece que são nulas, de pleno direito, as cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade (art. 51, IV); que violem os princípios fundamentais do sistema jurídico (art. 51, IV, § 1o, I); assim como, quando declara nula a cláusula estabelecida em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. É o relatório. Decido. Em relação ao requerido pelo Ministério Público Federal na Petição de ID nº 1955488, tendo em vista o prazo noticiado para início da fiscalização objeto da Nota Técnica mencionada nos autos, passo a análise do pedido de tutela formulado, com manifestação ministerial a posteriori. Afasto a preliminar aventada pela União quanto à impossibilidade jurídica do pedido. É cediço que compete ao Judiciário exercer o controle da legalidade do ato administrativo. Nos termos do disposto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, é certo que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário. Ademais, no caso, o pedido é juridicamente possível, uma vez que a decisão proferida nestes autos refletira na liberdade empresarial e na livre iniciativa das empresas que exploram o ramo de bares e restaurantes. Afasto, ainda, a alegação de ilegitimidade ativa invocada pela União Federal, eis que a decisão a ser proferida nestes autos está ligada à livre concorrência e livre iniciativa do mercado de bares e restaurantes. Nesse sentido, verifico que no Estatuto da autora consta como um dos objetivos da Associação, fomentar o desenvolvimento e o incremento da atividade econômica do segmento representado, bem como das demais atividades que com este estejam direta ou indiretamente relacionadas e, ainda, atuar no estímulo para o crescimento da indústria gastronômica (ID 1815851). Por fim, entendo que a alegação de inadequação da via eleita deve ser afastada, tendo em vista que os efeitos da decisão proferida nestes autos a toda evidência refletirá em todos os estabelecimentos que exploram atividade de bares e restaurantes. Ademais, não é possível cogitar que os efeitos de eventual revogação do ato administrativo combatido nos presentes autos (Nota Técnica Nota Técnica Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON) tenha efeito apenas para determinados estabelecimentos. O objeto da presente ação é a revogação da Nota Técnica Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON que dispõe sobre a ilegalidade na diferenciação de preços entre homens e mulheres nos estabelecimentos de lazer e entretenimento mencionados na inicial. Narra a parte autora que o Ministério da Justiça, através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor e da Secretaria Nacional do Consumidor, editou a NOTA TÉCNICA Nº 2/2017/GAB- DPDC/DPDC/SENACON, cuja ementa dispõe: ?Direito do consumidor. Diferenciação de preços entre homens e mulheres. Afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e princípio da isonomia. Prática comercial abusiva. Utilização da mulher como estratégia de marketing que a coloca situação de inferioridade?. Esclarece que a referida Nota Técnica, conforme consta de seu próprio teor, trata sobre a ilegalidade de diferenciação de preços entre homens e mulheres no setor de lazer e entretenimento. Visa, segundo seu texto, ?o cumprimento dos princípios basilares da Constituição Cidadã, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio isonomia/igualdade nas relações de consumo?, bem como ?combater ainda a ilegalidade de discriminação de gêneros nas relações de consumo, vez que a mulher não é vista como sujeito de direito na relação de consumo em questão e sim com um objeto de marketing para atrair o sexo oposto aos eventos, shows, casas de festas e outros? . Relata a parte autora que quem sofrerá os seus efeitos são justamente aquelas que a ré diz que pretende defender, invertendo a lógica da proteção do consumidor, além de interferir de forma excessiva e desarrazoada nos Princípios Constitucionais da livre iniciativa, da liberdade econômica, da segurança jurídica dos comerciantes, dentre outras dezenas de liberdade públicas estabelecidas pela Constituição da República, que passaram a estar ameaçados de sofrer sanções por parte da ré caso continuem a praticar descontos especiais para o publico feminino. Esclarece que nos termos da Nota Técnica a diferença de preços se presta a utilizar a mulher como incentivo, ou seja, como forma de atrair consumidores masculinos para o ambiente com a diferenciação de preços, visando o lucro do estabelecimento. Entende a autora que, desta forma, abusa a ré do intervencionismo na iniciativa privada, criando cada vez mais embaraços à atividade econômica. No entender da parte autora, o excesso de intervenção gera custos e insegurança jurídica para quem se dedica a investir no setor de bares e restaurantes, para criar empregos, pagar tributos e distribuir renda. Esclarece a parte autora que, na realidade, as casas que cobram ingresso diferenciado o fazem para tentar equilibrar o acesso dos dois sexos e, dessa forma, proporcionar um ambiente mais favorável à sociabilidade. Segundo relata a parte autora, mesmo nos locais onde há esta promoção, o público masculino é sempre superior ao feminino, muitas vezes maior que 60% do total de frequentadores. Isso porque, culturalmente, o público masculino ainda tem mais liberdade e, infelizmente, maior remuneração (com o que a Ré deveria se preocupar) que o público feminino para frequentar casas noturnas. Ao seu entender, ao contrário do público masculino, o feminino precisa de mais estímulos para frequentar casas de noturnas, dentre eles o próprio equilíbrio entre os dois sexos, pois nenhuma mulher se sentiria à vontade ao frequentar sozinha ou em apertada minoria os locais com ampla presença de homens. Menciona a parte autora que a cobrança de um valor menor no ingresso, ou até a isenção do custo, está longe de ser estratégia de marketing, uma vez que visa contribuir para se obter um equilíbrio entre os sexos no estabelecimento, e assim deixar as mulheres mais a vontade e sem medo de sair à noite para se divertir. A lógica é a mesma de se destinar vagões de metrô especiais para mulheres, academias de ginásticas especializadas no público feminino, e até mesmo serviços de táxi e uber voltados especialmente para mulheres. Visa-se, com estes estímulos, criar um ambiente mais seguro e confortável para a frequência por parte das mulheres, incentivando-as a sair de casa e viver suas vidas livremente, sem riscos de assédio. Ressalta a parte autora que as casas noturnas não cobram mais caro de homens, apenas dão um desconto para mulheres, estratégia de mercado lícita, que, por consequência, ajuda a aumentar o movimento geral. Nesse sentido, promoções com descontos não podem ser impedidas, em virtude da livre iniciativa do mercado em regular os seus preços. Relata a parte autora que o modelo de organização econômica adotado pelo ordenamento constitucional, alicerçado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, consagra, entre outros, o princípio da livre concorrência, o que pressupõe a liberdade de atuação e de gestão das empresas exploradoras da atividade econômica, inclusive no que concerne ao estabelecimento dos preços dos bens e serviços produzidos. Ressalta, ainda, o fato de que a exploração da atividade econômica pela iniciativa privada subsume-se ao regime jurídico de direito privado, regendo-se, em linhas gerais, por regras de direito civil e direito comercial, também reservadas à competência legislativa da União, nos termos do artigo 22, inciso I, da Constituição Federal. Esclarece a autora que o texto constitucional é claro ao autorizar a intervenção estatal na economia, por meio da regulamentação e da regulação de setores econômicos. Entretanto, o exercício de tal prerrogativa deve se ajustar aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica, nos termos do art. 170, da Constituição. Assim, a faculdade atribuída ao Estado de criar normas de intervenção estatal na economia (…) não autoriza a violação ao princípio da livre iniciativa, fundamento da República (art. 1º) e da Ordem Econômica (art. 170, caput). Pois bem. Segundo a Nota Técnica combatida nos presentes autos ? ID nº 1815853, a diferenciação de preços afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia, consubstanciando tal ato em prática comercial abusiva, uma vez que coloca a mulher a um patamar de inferioridade. O art.1ª da Carta Magna estabelece: ?Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (…).? O artigo 5º, inciso I, por sua vez, estabelece o seguinte: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;” A Constituição Federal trata dos princípios gerais da atividade econômica e assim dispõe: ?Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor;? A liberdade econômica surge como forma de manifestação socioeconômica, que permite a libertação de vínculos históricos que restringem a livre iniciativa das pessoas, o que proporciona uma maior oportunidade de iniciativa econômica, direcionada especialmente ao bem estar social. José Afonso da Silva, na obra Curso de Direito Constitucional Positivo (2014, 39. ed., Malheiros, p. 808/809) afirma: ?Assim, a liberdade de iniciativa econômica privada num contexto de uma Constituição preocupada com a realização da justiça social (o fim condiciona os meios), não pode significar mais do que ?liberdade de desenvolvimento da empresa no quadro estabelecido pelo poder público e, portanto, possibilidade de gozar das facilidades e necessidades de submeter-se às limitações impostas pelo mesmo?. É legítima, enquanto exercida no interesse da justiça social. Será ilegítima, quando exercida com o objetivo de puro lucro e realização pessoal do empresário. Daí porque a iniciativa econômica pública embora sujeita a outros tantos condicionamentos constitucionais, se torna legítima, por mais ampla que seja, quando assegurada a destinar a todos a existência digna, conforme ditames da justiça social?. ?A livre concorrência está configurada no art. 170, IV, como um dos princípios da ordem econômica. Ela é uma manifestação da liberdade de iniciativa e, para garanti-lá, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira antissocial. Cabe então ao Estado intervir para coibir o abuso?. Modesto Carvalhosa, na obra Direito Concorrencial (2016, v. II, 2ª Tiragem, RT, p. 188) afirma ?A Constituição Federal de 1988 definiu, portanto, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Para tanto, observa-se o princípio da livre concorrência, que deve ser conjugado com os princípios da soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, defesa do consumidor, defesa do maio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte? . Ou seja, a liberdade econômica não é um direito isolado, afeito a si mesmo, eis que correlacionado com a justiça social, com o bem da sociedade, o que exige o respeito aos direitos que preservam a pessoa como centro de referência social. Destarte, a Constituição Federal ao mesmo tempo em que garante o direito a livre concorrência, a liberdade de comércio, a liberdade de empreender, preserva ainda sua atenção nos efeitos desses direitos econômicos na esfera individual de cada pessoa e da coletividade social. Portanto, nossa Constituição Federal apesar de adotar o modelo econômico capitalista, que garante liberdade econômica, não se afasta da proteção dos direitos do ser humano como essência do existir em condições dignas ? moral e material. Em suma, a Constituição Federal, em especial no artigo 170, garante o equilíbrio entre os direitos econômicos, sociais e individuais. Estabelecida tal premissa em minha fundamentação, passo adiante no meu decidir. Com efeito, baseado nos dispositivos constitucionais acima, constata-se que o mercado brasileiro é autorregulador, onde vigora o princípio da livre concorrência e iniciativa. Tal premissa é pautada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, a fim de permitir ? assegurar – a todos uma existência digna e a valorização do trabalho humano, em prol de toda sociedade. A exceção emerge somente para os casos de abuso ou concorrência desleal, cuja intervenção estatal se faz necessária, consistente em medidas que positivam impedimentos à formação ilegal de cartéis ou a práticas comerciais abusivas ou de desrespeito às pessoas. Logo, a intervenção estatal na economia, como instrumento de regulação dos setores econômicos, como já observado, é consagrada pela Carta Magna de 1988, como instrumento de evitar abusos pelo poder econômico. Contudo, deve ser exercida a intervenção estatal com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica, cuja previsão foi consagrada no art. 170, da Constituição Federal, de modo a não violar o princípio da livre iniciativa. Nesse sentido, compete ao Estado uma intervenção a fim de possibilitar a proteção dos valores consagrados na Lei Maior e ao mesmo tempo, harmonizar a liberdade econômica com o interesse social. Deste modo, consagra-se o equilíbrio dos direitos e objetivos previstos nos artigos 1°, 5° e 170°, todos da Constituição Federal. A Constituição Federal revela o instrumental jurídico para que ocorra o equilíbrio entre o direito de livre concorrência, de liberdade econômica, com os direitos sociais e individuais. Nesta toada, os artigos 173 e 174 da Constituição Federal tratam dos casos de intervenção estatal na atividade econômica, nos seguintes termos: ?Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. (…) Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado?. Verifica-se, pois, que a atuação do Estado deve disciplinar situações em que não se observa a liberdade econômica, impondo medidas para evitar abuso do poder econômico. Este é o objetivo do art. 173, § 4º, da CF/88 – o qual estatui que a lei reprima o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário de lucros. Revela-se ainda pela normatividade do artigo 170, da Constituição Federal, a preocupação com a valorização do trabalho humano e da livre-iniciativa, a fim de assegurar a toda sociedade uma existência digna. Também sob a égide da Constituição Federal de 1988, foi editada a Lei nº 8.078/90 ? Lei do Consumidor, partindo da preocupação constitucional em proporcionar um política de proteção estatal aos consumidores, em razão da posição dos mesmos face às grandes empresas atuantes no mercado, diante da característica de hipossuficiência do consumidor, bem como pela necessidade de normatização das relações de consumo, como meio de se evitar abusos. Nesse sentido instrumental de proteção ao consumidor, vale destacar o disposto no artigo 51, IV da referida lei que estabelece: ?Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (…) IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade?. A normatividade do artigo 51, inciso IV, do CDC, é concretizadora da principiologia abarcante do artigo 170, da Constituição Federal, ou seja, expressão de revelação da Justiça Social, proteção da dignidade humana, respeito à pessoa como centro de referência socioeconômica. Ao se revelar qualquer situação em relações de consumo que apontem o desrespeito ao inciso IV do artigo 51 do Código do Consumidor, ter-se-á a ofensa direta a principiologia do artigo 170, da Constituição Federal. Contudo, não é o caso da situação tratada nestes autos, eis que não se verifica a abusividade dos empreendedores individuais na cobrança de preços diferenciados para homens e mulheres, como a seguir se verá. Cumpre ressaltar, também, que em relação à proteção contra as práticas abusivas dentro do cenário econômico nacional foi criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Justiça, responsável pelo controle do equilíbrio do setor econômico, a fim de assegurar a livre concorrência e evitar o abuso do poder econômico, através de medidas preventivas e repressivas. Verifica-se, portanto, que os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência estão intimamente ligados, eis que objetivam proporcionar harmonia entre as relações de mercado e as relações de consumo. Por um lado, é certo que o direito brasileiro, fundado na livre iniciativa, assegura a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica subordinando-a a autorização dos órgãos públicos, nos casos previstos em lei (art. 170, § único da Constituição Federal). Por outro lado, a ponderação dos interesses em questão, deve ser analisada em consonância com os princípios constitucionais. Ora, é certo que lei reprime o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, CF/88). Por sua vez, o Código de Defesa do Consumidor busca proteger o consumidor nas relações de consumo com o prestador ou fornecedor do produto ou serviço, nas situações em que ocorrem abusos ou violações de direitos. Entretanto, não se assevera plausível que determinado ato administrativo (nota técnica), pautado estritamente em presunções venha a impedir que a livre concorrência e a livre iniciativa exerçam o seu papel no mercado. No caso concreto, a Nota Técnica N. 2/2017 consignou que a diferenciação de preços entre homens e mulheres nos estabelecimentos (bares e restaurantes) afronta o princípio da dignidade humana e o princípio da isonomia, bem como consiste em prática comercial abusiva. Esclarece em seus termos que tal pratica acaba por utilizar a mulher como estratégia de marketing e a coloca em situação de inferioridade. Contudo, não me parece ser essa a realidade social da situação explanada. No caso concreto, é necessário verificar se a questão da diferença de preços entre homens e mulheres nos estabelecimentos configura abuso. Em seguida, é necessário analisar se de fato existe a necessidade de regulamentação pela Administração Pública dos valores cobrados para homens e mulheres nos estabelecimentos de entretenimento e lazer. Preliminarmente, não vislumbro a questão da diferenciação de preços como uma estratégia de marketing a ponto de desvalorizar a mulher e reduzi-la a condição de objeto, tampouco de inferioridade. É sabido que em nossa sociedade, infelizmente, a mulher ainda encontra posição muitas vezes desigual em relação ao homem, a exemplo da remuneração salarial, jornada de trabalho e voz ativa na sociedade. Sem mencionar, inclusive, os casos de violência doméstica e abusos sofridos no cotidiano, seja por palavras, gestos ou atitudes diversas. Tal fato pode ser reforçado pelas inúmeras notícias que nos deparamos no dia a dia, tais como as de abusos sofridos em meios de transporte e até em locais de entretenimento (bares, restaurantes e casas noturnas). Nesta realidade social, a diferenciação de preços praticada pelos estabelecimentos pode ter como objetivo a possibilidade de participação maior das mulheres no meio social. Acredito que a diferença de preços nos estabelecimentos – objeto de discussão nestes autos – de forma alguma torna a mulher inferior ou tem por intuito qualquer propósito de discriminação em seu sentido negativo ? depreciativo ? para o gênero feminino – e que leve o gênero masculino a suportar economicamente o desconto promovido para o sexo feminino. Admitir que a diferença de preços confira à mulher a conotação de ?isca? como meio de proporcionar uma situação que leve o local comercial a ser frequentado por muitos homens (gerando lucro ao estabelecimento) conduz à ideia de que a mulher não tem capacidade de discernimento para escolher onde quer frequentar, e ainda, traduz o conceito de que não sabe se defender ou, em termos mais populares que não sabe ?dizer não? a eventuais situações de assédio de qualquer homem que dela se aproximar. Ora, a mulher como qualquer ser humano, deve ser tratada com dignidade. Aliás, esse princípio é consagrado na própria Constituição Federal ao estabelecer que a República Federativa do Brasil tem como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana. A condição de dignidade da pessoa (no caso específico do gênero feminino) se manifesta no respeito a sua possibilidade de defesa, de opinar, de discernir, de se impor nas relações sociais e individuais, sem necessitar de qualquer apoio paternalista do Estado. Pensar o contrário, em muitas situações, como pretende o ato administrativo (nota técnica) em apreciação, promove uma situação de vitimização da mulher, considerando-a incapaz de se impor em relações sociais com o sexo contrário. Por sua vez, a atitude dos estabelecimentos comerciais em querer promover o acesso mais amplo das mulheres apresenta também um viés paternalista, contudo, sem revelar uma situação de abuso ou afronta a pessoa do sexo feminino, pois caso esta não concorde com o critério de diferenciação de preços simplesmente não mais frequentara tal local ou simplesmente pagara sua entrada no valor que é cobrado do sexo masculino. Em suma, o que deve prevalecer é sempre a vontade a mulher em se afirmar na situação em concreto, ao fazer suas escolhas sem a necessidade de uma intervenção direta do Estado. O que não pode ocorrer é uma imposição obrigatória do Estado ao agir dos estabelecimentos comerciais, como pretende o ato administrativo regulador, supostamente entendo como abusiva a conduta de tais entes comerciais e presumindo como fragilizadas na sua vontade de querer e de se defender as pessoas do sexo feminino. Entendo que o Estado brasileiro deve intervir o mínimo possível na vida das pessoas, ou seja, que as pessoas (independentemente do sexo) em suas relações pessoais e individuais sejam as verdadeiras determinadoras do seu agir e do seu conduzir como ser humano consciente de suas atitudes e consequências de suas escolhas pessoais. Ressalto ainda a inexistência de evidências de que o desconto concedido para a mulher na entrada do estabelecimento é suportado pelo homem, ou seja, de que o custo é repassado ou consumidor do sexo masculino. Também não há demonstração de que conduta de igualar o preço da entrada no estabelecimento implicaria em redução do valor, tornando assim a entrada acessível economicamente para ambos os sexos (homens e mulheres). Destaco que, em exemplos mais recentes, o Estado vem intervindo na vida das pessoas, considerando-as hipossuficientes intelectuais para quererem e se autodeterminarem, revelam-se nos atos administrativos (divulgados amplamente na impressa) como a de impedir os estabelecimentos comerciais de ofertarem nas mesas de refeições os recipientes de sal a ser servido voluntariamente pelo cliente; de proibir descontos maiores para os clientes que pagam a vista com dinheiro (o que foi revertido recentemente por meio de medida provisória); a possibilidade de escolha da gestante do tipo de parto que pretende ver submetida (caso não haja recomendação médica em contrário), dentre outras situações que ao pretexto de tutelar as pessoas, promovem uma restrição das pessoas se autodeterminarem. Cumpre recordar que o desconto oferecido para mulheres em bares, restaurantes e casas noturnas já se tornou uma praxe há muito aceita pela sociedade, de modo que não configura prática atentatória à dignidade da mulher. Tal fato se deve às diversas razões já apresentadas, tal como o fato de ostentar a mulher na maioria das vezes menor remuneração no mercado de trabalho. Destaco que a Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro estabelece no art. 4º o seguinte: ?Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito?. Vê-se, pois, que constitui fonte do direito, dentre outros, o costume, que pode ser traduzido como uma espécie de norma aceita pela sociedade e já enraizada como obrigatória pela consciência do povo, sem que o Poder Público a tenha estabelecido. Nesse contexto, determinadas práticas já foram estabelecidas como costumes pela sociedade e aceitas, sem ostentar a conotação de prática abusiva ou violadora de boas regras de convivência. Um clássico exemplo é o da denominada ?caixinha? oferecida àqueles que nos prestam serviços no cotidiano dos bares e restaurantes. Repousam aí, inclusive, determinadas práticas efetuadas em relação às mulheres, que de maneira alguma traduzem discriminação, tais como descontos em estabelecimentos, promoções, e até gentilezas corriqueiras (abrir a porta do veículo, ceder o assento, carregar objeto pesado, etc.). Ainda que os costumes sociais estejam em constante mutação, entendo que tal transformação deve partir voluntariamente da sociedade, sem que qualquer atuação indevida Estado nessa evolução, eis que as escolhas individuais e sociais devem partir das pessoas como centros de autodeterminação de suas vidas. Em suma, determinadas diferenciações, desde que não sejam para causar humilhação, discriminação ou ofensa à dignidade das pessoas, são permitidas, como acontece com a diferenciação de preços praticada pelos estabelecimentos comerciais. Partindo dessa premissa, é perfeitamente plausível que as casas que cobram ingresso diferenciado o façam para tentar equilibrar o acesso dos dois sexos e, dessa forma, proporcionar um ambiente mais favorável à sociabilidade. Portanto, apesar da evolução dos costumes, acredito que a diferenciação de preços nãos se revela abusiva. É sabido que mesmo nos locais onde há esta promoção, o público masculino é sempre superior ao feminino, considerando que em nossa sociedade o público masculino ainda tem mais liberdade e, como já dito, maior remuneração salarial para frequentar bares, restaurantes e casas noturnas. É certo que o estímulo financeiro para o público feminino cria um ambiente mais seguro e confortável para a frequência por parte das mulheres, incentivando-as a saírem de suas casas. No caso da Nota Técnica combatida nestes autos, existe apenas uma presunção de fatos (que supostamente afrontariam a dignidade do sexo feminino), que não condizem com a realidade. Desta forma, não devem ter regulamentação exigida os preços a serem cobrados do público masculino e feminino. Entendimento contrário acaba por interferir na livre iniciativa consagrada pela Constituição Federal e criando cada vez mais embaraços à atividade econômica, eis que a intervenção estatal se faz necessária nos casos de abuso e concorrência desleal, que não é o caso presente. Ressalto, inclusive, que a mulher, assim como qualquer pessoa, tem a opção de escolher o lugar que pretende frequentar para o seu lazer, vale dizer, se entender que determinado local não lhe é conveniente, tem a opção de escolha ao não frequentá-lo. Deveras, sobre o tema apresentado, importante ressaltar a existência de diferenciações positivas e negativas. No caso em questão, a diferenciação na cobrança de preços entre homens e mulheres praticadas pelos bares, restaurantes e casas noturnas, que a Nota Técnica presume-se atentatória a dignidade humana, não se revela como abuso de direito. As discriminações que devem ser evitadas são as que humilham, espezinham as que levam a afronta da honra, da dignidade da pessoa humana, o que não se revela no caso de diferenciação dos preços, de acordo com o sexo, pois homens e mulheres não são afrontados em sua honra com tal diferenciação. Por não existir abuso por parte dos estabelecimentos comerciais, a liberdade econômica dos associados da entidade autora há de prevalecer sem qualquer restrição indevida do Estado por meio do ato administrativo regulamentar em espécie. Por fim, o artigo 8°, do Código de Processo Civil, dispõe que o juiz ao aplicar o ordenamento jurídico devera observar a razoabilidade, o que ocorre no momento ao afastar o ato administrativo que interfere indevidamente na liberdade empresarial sem que se faça presente qualquer conduta abusiva dos associados da parte autora. Observe-se: ?Art. 8° Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência? Diante do todo exposto acima, RECEBO A PETIÇÃO INICIAL para determinar o processamento da presente ação e DEFIRO o pedido de liminar formulado para o fim de determinar que a ré que se abstenha de autuar ou aplicar punições aos estabelecimentos associados à autora, em razão da Nota Técnica Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON que dispõe sobre a ilegalidade na diferenciação de preços entre homens e mulheres, até decisão final. Cite-se a parte ré. Oficie-se com urgência o PROCON do Estado de São Paulo da presente decisão.? III ? DO DISPOSITIVO Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido para determinar à parte ré que revogue a NOTA TÉCNICA Nº 2/2017/GAB-DPDC/DPDC/SENACON, bem como se abstenha de aplicar penalidades administrativas aos estabelecimentos associados à parte autora que agirem de forma diversa de suas previsões. Procedi à resolução do mérito, nos termos do art. 487, I do CPC. Condeno a parte ré na verba honorária a ser calculada sobre o valor da causa, na forma do art. 85, §§3º e 5º, do CPC, conforme vier a ser apurado em futura liquidação, bem como nas despesas processuais comprovadamente incorridas pela parte autora (art. 84 do CPC). Custas ex lege . Encaminhe-se cópia da presente via correio eletrônico ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos termos do Provimento COGE nº 64/05 ? Corregedoria Regional da 3ª Região, em virtude do agravo de instrumento interposto. Deixo de remeter os presentes autos ao E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por força do disposto no artigo 496, §3º, I do CPC. Intime(m)-se. São Paulo, 19 de fevereiro de 2020.
logo Âmbito Jurídico