Parece consenso que o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) foi (e ainda é) medida legislativa bastante elogiável, especialmente por ter, em seu objetivo, resguardar àqueles que, ao lado das crianças e dos adolescentes, eventualmente mais necessitem da atenção da nossa sociedade.
No bojo dos dispositivos do Estatuto do Idoso, a partir do art. 11, encontra-se a obrigação alimentar.
Alimentos, como bem acentuado por Silvio de Salvo Venosa, deve ser compreendido, “em sua conotação vulgar, como tudo aquilo necessário para sua subsistência” (in Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2005. 5. e. p. 391). Para termos a noção jurídica de alimentos, esclarece o mesmo doutrinador, basta agregar o conceito de obrigação.
Assim, a peculiaridade com relação aos alimentos estabelecidos no Estatuto do Idoso é a solidariedade em que coloca os prestadores da aludida obrigação (art. 12), dando ao idoso o direito de escolher entre os mesmos, diferente dos alimentos que são comumente fixados no bojo do Direito de Família, no qual reina a subsidiariedade.
É sabido também que, na falta de prestadores, a obrigação recai sobre o Estado, no âmbito da assistência social (art. 14).
Por força do art. 13 do Estatuto do Idoso, as transações referentes a alimentos, até o dia 14 de julho de 2007, só poderiam ser celebradas perante o Promotor de Justiça, que as referendaria e, assim, adquiriria o aludido pacto força de título executivo extrajudicial.
A Lei 11.737/2008, publicada aos 15 de julho de 2008, veio alterar o art. 13 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), dando-lhe nova redação, especialmente para dar o poder de acompanhar e referendar tais transações não somente ao Ministério Público, mas também à Defensoria Pública. Em qualquer das situações, a força executiva da transação permanece intacta.
Em que pese a elogiável postura do legislador em colocar a Defensoria para tal função, certamente objetivando beneficiar o idoso, não há como deixar de tecer críticas ao dispositivo em exame.
Nos termos do art. 134 da Constituição Federal, a Defensoria Pública é instituição que presta advocacia pública aos necessitados, cabendo a ela prestar orientação jurídica e defesa dos mesmos, senão vejamos:
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV”
Por esse aspecto, verbi gratia, é que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo define-se como sendo uma “instituição cuja função é oferecer serviços jurídicos gratuitos aos cidadãos que não possuem recursos financeiros para contratar advogados, atuando em diversas áreas” (disponível em http://www.defensoria.sp.gov.br/dpesp/Default.aspx?idPagina=2868 – acesso em 15/07/2008).
Foge, pois, totalmente ao desiderato da Defensoria Pública a tutela dos direitos individuais indisponíveis (onde repousa a obrigação alimentar), função essa reservada unicamente ao Ministério Público, por força do art. 127 da Constituição Federal.
É preocupante, em nosso singelo entender, ver mitigada a participação do Ministério Público em assunto de relevo social indiscutível e de fiscalização e acompanhamento obrigatório pelo Estado, neste caso representado pelo Parquet, sob pena de se ver ele compelido à obrigação em debate, por força do já citado art. 14.
Noutro prisma, não há como se admitir que o defensor público que exerça a defesa e orientação jurídica dos necessitados tenha tal mister, ao passo que o causídico particular não o possa, quando, em verdade, exercem a mesma atividade profissional, apenas para públicos distintos.
Vale dizer, ainda, que a participação do Ministério Público é expressivamente destacada no Estatuto do Idoso, tamanha a importância da sua atuação em prol dos idosos. Diz-se isto porque, além de citá-lo no decorrer de todo esse ordenamento, cuidou de reservar um capítulo (o de número II) para tão valorosa instituição.
Para reforçar o entendimento aqui exarado, há que se citar, exemplificativamente, o art. 74, II do Estatuto do Idoso, que coloca como de competência do Ministério Público o dever de acompanhar e promover as ações de alimentos.
Nada se discute quanto à praticidade da novel legislação, pois, considerando que os representantes do Ministério Público estão sempre acumulados de funções e com questões de grande relevância no contexto social, a divisão de tal mister com a Defensoria Pública, por certo, aliviaria a grande demanda e, quiçá, beneficiaria a agilidade no atendimento da população.
Entretanto, é indiscutível o interesse do Estado, da sociedade e da família no que se referem aos alimentos. E se assim o é, há justificado interesse público nos mesmos. O descaso com tal assunto pode revelar enfrentamento de problemas sociais, além de se prejudicar inevitavelmente o direito à vida daqueles que, apesar de se encontrarem na melhor idade, eventualmente necessitem de maior amparo nessa faixa etária.
Nesse toar, ao se permitir que a Defensoria Pública acompanhe e referende a transação referente alimentos, há inevitável ofensa à reservada função constitucional do Ministério Público.
Informações Sobre o Autor
Carlos Eduardo Silva e Souza
Doutor em Direito pela Faculdade Autnoma de Direito de São Paulo; Mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso; Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso; Líder do Grupo de Pesquisa Direito Civil Contemporneo da FD/UFMT; Sócio-Diretor do Escritório Silva Neto e Souza Advogados