A busca e apreensão de veículos financiados é uma medida judicial que permite ao credor retomar o bem objeto de contrato de financiamento com garantia de alienação fiduciária, caso o devedor não cumpra com sua obrigação de pagamento. Essa prática é regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.043/2014, que alterou dispositivos do Decreto-Lei nº 911/1969, e complementada pelo Código de Processo Civil de 2015.
Neste artigo, vamos explicar de forma detalhada e acessível como funciona a busca e apreensão de veículos financiados, quais são os direitos e deveres de quem financia um automóvel, como o credor pode acionar a Justiça para recuperar o bem, quais as etapas do processo judicial, os prazos legais, os meios de defesa do consumidor, o papel do juiz, e o que fazer caso o veículo seja apreendido. Também traremos exemplos práticos, análise da jurisprudência e uma seção final de perguntas e respostas para esclarecer as dúvidas mais comuns sobre o tema.
O que é a alienação fiduciária de veículos
A alienação fiduciária é uma modalidade de garantia em que o devedor (comprador) transfere ao credor (normalmente uma instituição financeira) a propriedade resolúvel do bem até o pagamento total da dívida. No caso de veículos, isso significa que, embora o comprador utilize o carro, ele permanece como “propriedade fiduciária” do banco ou financeira até que a dívida seja quitada.
Essa forma de financiamento é muito utilizada no Brasil para aquisição de veículos novos e usados, sendo regida principalmente pelo Decreto-Lei nº 911/1969, que disciplina a alienação fiduciária de bens móveis, com diversas atualizações ao longo dos anos.
O veículo financiado com alienação fiduciária será registrado com o gravame no Detran, de modo que o comprador somente poderá transferir o bem ou obter a propriedade plena após quitar todas as parcelas.
O que é busca e apreensão de veículos
A busca e apreensão é uma ação judicial que o credor fiduciário move contra o devedor que está em atraso com o pagamento do financiamento. O objetivo é retomar o bem (veículo), por meio de ordem judicial, com base na cláusula contratual de alienação fiduciária.
Esse processo tem natureza de ação possessória, e é regulado pelo Decreto-Lei nº 911/1969 e pelo Código de Processo Civil, especialmente quanto ao rito processual e à garantia de contraditório.
Diferente da execução comum, a ação de busca e apreensão permite que o juiz autorize liminarmente a apreensão do veículo, ou seja, antes mesmo que o devedor seja citado, bastando que o credor comprove o contrato e a inadimplência.
Fundamento legal da busca e apreensão
O principal fundamento jurídico da busca e apreensão de veículos financiados está no Decreto-Lei nº 911/1969, que foi alterado por diversas normas ao longo do tempo, especialmente pela Lei nº 13.043/2014.
Segundo esse decreto:
A inadimplência de qualquer parcela autoriza o credor a requerer a busca e apreensão do bem.
A ação pode ser ajuizada no domicílio do devedor ou onde estiver o bem.
A propriedade plena do veículo será consolidada em nome do credor se o devedor não pagar a dívida em cinco dias úteis após a execução da medida.
A venda do bem pode ser realizada extrajudicialmente, mediante leilão.
O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, se aplica subsidiariamente ao procedimento, em especial quanto aos recursos e às formas de citação, contestação e julgamento.
Requisitos para a busca e apreensão
Para que a busca e apreensão de um veículo seja autorizada, o credor deve preencher alguns requisitos formais:
Contrato de financiamento com cláusula de alienação fiduciária registrado no Detran.
Prova da inadimplência do devedor, como boletos vencidos ou demonstrativos de débito.
Petição inicial com os pedidos adequados, como liminar de apreensão, citação do devedor e consolidação da propriedade.
Comprovação do inadimplemento, conforme prevê o artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/69.
Com esses documentos, o juiz pode conceder liminarmente a apreensão do veículo, determinando que seja buscado onde estiver, com auxílio de oficial de Justiça e, se necessário, força policial.
Etapas do processo de busca e apreensão
O processo de busca e apreensão de veículos financiados segue as seguintes etapas:
1. Propositura da ação
A instituição financeira (credor fiduciário) propõe a ação no juízo competente, apresentando o contrato e os comprovantes da inadimplência.
2. Pedido de liminar
Na petição inicial, o autor pede liminar para apreensão do veículo. O juiz pode deferir a medida sem ouvir o devedor, desde que estejam preenchidos os requisitos legais.
3. Cumprimento da liminar
Com a liminar deferida, o oficial de Justiça é autorizado a localizar e apreender o veículo. Em alguns casos, é necessário o apoio da polícia para garantir o cumprimento da ordem.
4. Citação do devedor
Após a apreensão, o devedor é citado para apresentar resposta no prazo de 15 dias. Ele pode apresentar contestação, purgação da mora (pagamento), alegar nulidade do contrato ou outras defesas cabíveis.
5. Prazo para purgação da mora
Após a apreensão, o devedor tem cinco dias úteis para pagar a dívida, incluindo parcelas vencidas, encargos e despesas com a ação. Se fizer esse pagamento, o juiz determinará a restituição do veículo ao devedor.
6. Consolidação da propriedade
Se o devedor não pagar no prazo, a propriedade plena do veículo será consolidada em nome do credor, e ele poderá vender o bem.
7. Leilão do bem
O veículo pode ser vendido extrajudicialmente ou em leilão, com a finalidade de quitar a dívida. Se houver saldo remanescente, o valor deve ser devolvido ao devedor. Se faltar valor, o credor pode buscar cobrança do restante.
Quais são os direitos do consumidor
O consumidor que financiou um veículo com alienação fiduciária tem vários direitos garantidos por lei. Entre os principais, estão:
Direito à informação clara e adequada
O contrato deve conter cláusulas claras, com as taxas de juros, encargos, número de parcelas, e condições da alienação fiduciária. Qualquer cláusula abusiva pode ser considerada nula com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Direito de purgar a mora
O devedor tem o direito de pagar as parcelas em atraso (purgar a mora) dentro de cinco dias úteis após a apreensão do veículo. Esse direito é fundamental para evitar a perda do bem.
Direito à ampla defesa
Mesmo que o juiz conceda liminarmente a apreensão do veículo, o devedor tem direito à defesa, podendo apresentar contestação, impugnação de valores ou questionar cláusulas contratuais abusivas.
Direito de ser notificado
O devedor deve ser citado regularmente e deve receber informações sobre a data do leilão, valor da dívida, e possibilidade de quitação.
Meios de defesa na ação de busca e apreensão
O devedor tem vários meios legais para se defender em uma ação de busca e apreensão. Alguns deles são:
Contestação do contrato
É possível contestar a validade do contrato, alegando cláusulas abusivas, juros excessivos ou ausência de assinatura válida.
Revisão do contrato
O devedor pode ingressar com ação revisional, pleiteando a revisão das cláusulas contratuais, como taxas de juros acima dos limites legais ou cobrança indevida de encargos.
Purgar a mora
É o meio mais eficaz para manter o bem. O devedor deve pagar o valor integral da dívida vencida (incluindo multa, juros e despesas processuais) em até cinco dias úteis da apreensão.
Alegar pagamento ou renegociação
Se o devedor já tiver renegociado a dívida ou realizado pagamento, pode apresentar comprovantes e solicitar a extinção do processo.
Alegar má-fé da financeira
Se a financeira tiver agido com má-fé ou requerido a busca sem esgotar a negociação com o cliente, isso pode ser arguido como defesa, inclusive com pedido de indenização por danos morais.
O que acontece após a apreensão do veículo
Quando o veículo é apreendido:
Ele fica sob responsabilidade do credor, geralmente guardado em pátio conveniado.
O devedor é notificado para pagar a dívida em cinco dias úteis.
Se houver o pagamento, o veículo é devolvido.
Se não houver pagamento, o credor consolida a propriedade e pode vender o bem para recuperar o valor financiado.
Vale lembrar que a apreensão não extingue a dívida. Se o veículo for vendido por valor inferior ao saldo devedor, a instituição financeira pode ajuizar ação para cobrar o valor restante.
Possibilidade de acordo
Mesmo com a ação em andamento, é possível que o devedor negocie com o banco. Os tribunais incentivam a solução consensual e, muitas vezes, as instituições financeiras aceitam receber o valor parcelado ou refinanciar a dívida.
Firmar um acordo pode evitar custos judiciais, perda do bem e complicações com o nome negativado.
Consequências da busca e apreensão
A busca e apreensão traz consequências significativas para o devedor:
Perda do bem, caso não haja pagamento no prazo.
Negativação do nome nos órgãos de proteção ao crédito.
Cobrança do saldo devedor, se a venda do veículo não quitar integralmente a dívida.
Comprometimento da reputação financeira, dificultando novos financiamentos.
Por isso, é essencial que o devedor busque orientação jurídica assim que começar a ter dificuldades para pagar as parcelas, a fim de prevenir a judicialização da dívida.
Jurisprudência sobre busca e apreensão
A jurisprudência dos tribunais superiores tem consolidado o entendimento sobre o procedimento de busca e apreensão. Exemplos:
STJ – REsp 1.419.697/SP
Reconhece o direito do devedor de purgar a mora no prazo de cinco dias úteis após a apreensão, conforme o artigo 3º do Decreto-Lei nº 911/69.
TJSP – Apelação Cível 1009450-64.2019.8.26.0011
Afirma que a contestação do contrato e a revisão das cláusulas podem ser apresentadas dentro da contestação na própria ação de busca e apreensão.
TJMG – Apelação Cível 1.0024.15.567899-2/001
Decide que a ausência de cláusula clara sobre o valor total da dívida pode gerar nulidade parcial do contrato de financiamento com alienação fiduciária.
Esses julgados demonstram a importância da análise jurídica do contrato e a possibilidade de reversão da medida, quando houver abusos.
Perguntas e respostas
O que é alienação fiduciária?
É uma garantia em que o bem financiado permanece como propriedade do credor até o pagamento integral da dívida. É muito usada em contratos de financiamento de veículos.
O que é purgar a mora?
É o ato de pagar as parcelas em atraso, incluindo encargos e custas processuais, no prazo de cinco dias úteis após a apreensão do veículo, para reavê-lo.
Posso perder o carro por atraso de apenas uma parcela?
Sim. A lei permite a busca e apreensão a partir da inadimplência de uma única parcela.
O banco pode tomar meu carro sem ordem judicial?
Não. A apreensão do veículo só pode ocorrer por ordem judicial expedida por um juiz.
Como posso saber se o carro financiado tem alienação fiduciária?
Essa informação consta no CRLV (documento do veículo) e pode ser verificada no Detran, onde aparece a observação de gravame.
É possível recuperar o carro depois da apreensão?
Sim. Se o pagamento for feito dentro do prazo legal (cinco dias úteis), o bem será devolvido. Após esse prazo, a propriedade é consolidada no nome do credor.
E se o carro for vendido por valor inferior à dívida?
O devedor continuará responsável pelo saldo restante, que pode ser cobrado judicialmente.
A financeira pode cobrar juros abusivos?
Não. Se houver indícios de juros abusivos, é possível pedir a revisão do contrato na Justiça.
Conclusão
A ação de busca e apreensão é um instrumento eficaz à disposição dos credores para reaver veículos financiados quando ocorre inadimplência, mas também é um processo que exige observância rigorosa dos direitos do consumidor. Embora o credor possa obter liminar para a apreensão do veículo de forma célere, o devedor tem garantido o direito à ampla defesa, à purgação da mora e à contestação judicial do contrato.
É fundamental que o consumidor conheça seus direitos e procure auxílio jurídico ao receber qualquer notificação judicial ou perceber que não conseguirá manter os pagamentos em dia. Negociar com a financeira antes do ajuizamento da ação ou mesmo durante o processo pode ser o melhor caminho para preservar o veículo e evitar prejuízos financeiros e emocionais.
Por fim, conhecer a legislação que rege a alienação fiduciária e o procedimento da busca e apreensão é essencial tanto para instituições financeiras quanto para os consumidores, assegurando que os contratos sejam respeitados e que nenhum direito seja violado.