A Lei de Crimes Tributários, conhecida formalmente como Lei nº 8.137/1990, é o principal diploma legal que trata dos crimes contra a ordem tributária no Brasil. Ela define as condutas ilícitas relacionadas ao não pagamento de tributos mediante fraude, além de prever sanções penais para quem comete tais infrações. A aplicação dessa lei é de extrema importância, pois serve como instrumento para combater práticas como sonegação fiscal, fraude em documentos fiscais, omissão de receitas e outras formas de evasão tributária. Este artigo aborda tudo o que você precisa saber sobre a Lei de Crimes Tributários: sua estrutura, os tipos penais previstos, penas aplicáveis, formas de defesa, a relação com o processo administrativo fiscal, prescrição e sua importância para o sistema tributário nacional.
O que é a Lei de Crimes Tributários
A Lei de Crimes Tributários é a norma que define e pune condutas que lesam o erário público por meio de fraudes fiscais. Ela foi promulgada em 27 de dezembro de 1990 com o objetivo de preencher uma lacuna na legislação penal brasileira, que até então não tratava de forma sistemática os crimes relacionados à arrecadação de tributos.
Seu foco está nas condutas dolosas, ou seja, aquelas praticadas com intenção de fraudar o sistema tributário, e não no simples inadimplemento. A lei atua como um complemento à legislação tributária, dando suporte ao Estado para exigir não apenas o pagamento dos tributos, mas também a responsabilização criminal de quem age de forma fraudulenta para evitar essa obrigação.
Diferença entre infração administrativa e crime tributário
É essencial compreender a diferença entre infração administrativa tributária e crime tributário. A infração administrativa ocorre quando o contribuinte descumpre obrigações tributárias, mas sem dolo ou fraude. Por exemplo, o atraso no pagamento de um tributo, o envio de uma declaração com erro sem intenção de sonegar, ou o não recolhimento por dificuldades financeiras.
Já o crime tributário exige a presença de dolo, ou seja, a vontade consciente de fraudar, omitir ou manipular informações com o objetivo de reduzir ou suprimir tributos de forma ilícita. Exemplo clássico é a emissão de notas fiscais frias para simular operações inexistentes e diminuir o valor do imposto devido.
Essa distinção é fundamental, pois apenas as condutas dolosas com intenção de fraude são penalmente puníveis. Infrações administrativas estão sujeitas a sanções como multas, juros e correção monetária, mas não geram ação penal.
Principais crimes tributários previstos na lei
A Lei nº 8.137/1990 elenca diversas condutas que configuram crimes tributários. A seguir, apresentamos os principais artigos e suas respectivas tipificações penais:
Artigo 1º – Crimes materiais contra a ordem tributária
Esse artigo trata de condutas que envolvem efetiva supressão ou redução de tributo, mediante:
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Omissão de informações ou prestação de declarações falsas às autoridades fazendárias
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Fraude nos livros ou documentos exigidos pela legislação fiscal
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Elaboração de documentos falsos ou inidôneos
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Negação de emissão de notas fiscais
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Inclusão de elementos inexatos em documentos fiscais
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Uso de créditos de tributos indevidos ou inexistentes
A pena prevista para essas condutas é de 2 a 5 anos de reclusão, além de multa.
Artigo 2º – Crimes formais contra a ordem tributária
Prevê punição para quem impede ou frustra a fiscalização tributária. Exemplos:
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Recusar ou omitir entrega de documentos fiscais
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Destruir ou alterar livros contábeis ou registros fiscais
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Criar obstáculos à fiscalização, como impedir acesso de agentes
A pena é de 6 meses a 2 anos de detenção, e multa.
Artigo 3º – Crimes contra a Fazenda Pública
Inclui a conduta de dar causa à inscrição de despesas inexistentes ou superfaturadas nos registros contábeis da empresa com o intuito de reduzir o lucro tributável.
Pena: 6 meses a 2 anos de detenção, e multa.
Elementos essenciais para a configuração do crime tributário
Para que se configure um crime tributário, alguns requisitos legais e fáticos devem estar presentes:
Dolo
A intenção de fraudar é o elemento central. O simples erro, omissão por negligência ou dificuldade financeira não caracteriza crime. O agente deve ter atuado com consciência e vontade de burlar o sistema.
Efeito tributário
Nos crimes do artigo 1º, é necessário que a conduta resulte efetivamente em supressão ou redução de tributo. Não basta a tentativa ou a fraude que não cause prejuízo.
Materialidade e autoria
É preciso haver prova da materialidade do crime (fato concreto) e da autoria (quem o praticou). A responsabilidade penal é sempre pessoal, ou seja, não se pune empresa, mas sim a pessoa física que cometeu a infração.
Relação entre processo administrativo fiscal e processo penal
Um dos pontos mais relevantes na aplicação da Lei de Crimes Tributários é a sua interdependência com o processo administrativo fiscal. Em regra, o Ministério Público só pode oferecer denúncia criminal após o encerramento da esfera administrativa, quando o crédito tributário estiver definitivamente constituído.
Ou seja, enquanto o contribuinte estiver discutindo o débito com a Receita Federal ou a Secretaria da Fazenda em um processo administrativo (impugnação, recurso, etc.), não poderá ser processado criminalmente. Esse entendimento visa assegurar o direito ao contraditório e evitar dupla persecução pelo mesmo fato.
Além disso, se o contribuinte obtiver decisão administrativa que anule o lançamento tributário, também estará afastada a possibilidade de punição penal, pois faltará o requisito da materialidade da infração.
Pagamento do tributo como causa de extinção da punibilidade
Outro aspecto importante da Lei de Crimes Tributários é a possibilidade de extinção da punibilidade mediante o pagamento do tributo. Isso significa que, se o acusado quitar o débito tributário, com acréscimos legais, antes do recebimento da denúncia ou até mesmo antes do trânsito em julgado da sentença, o processo penal pode ser extinto.
Esse benefício está previsto no artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, que alterou a sistemática de responsabilização criminal nos crimes contra a ordem tributária. O objetivo da norma é priorizar a recuperação do crédito tributário em vez da punição penal, salvo em casos de conduta dolosa grave ou reincidência.
Vale destacar que esse benefício só se aplica aos crimes materiais (artigo 1º). Nos crimes do artigo 2º, o simples pagamento do tributo não afasta o caráter criminoso da conduta, já que se trata de obstrução à fiscalização, independentemente de prejuízo efetivo.
Acordo de não persecução penal nos crimes tributários
Com o advento do Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/2019), foi introduzido no Código de Processo Penal o instituto do acordo de não persecução penal (ANPP). Trata-se de uma alternativa ao processo penal, aplicável quando:
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O crime for cometido sem violência ou grave ameaça
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A pena mínima cominada for inferior a 4 anos
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O investigado confessar formalmente a prática do crime
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Não houver reincidência criminal ou habitualidade delitiva
Nos crimes tributários que se enquadram nessas condições, é possível ao investigado propor acordo ao Ministério Público, comprometendo-se a reparar o dano (pagar o tributo), prestar serviços à comunidade e cumprir outras condições. Com isso, evita-se o processo criminal e seus efeitos.
O ANPP é uma ferramenta importante na resolução eficiente de litígios tributários com repercussão penal, poupando tempo e recursos do sistema de justiça.
Prazos de prescrição nos crimes tributários
Como em qualquer delito, os crimes tributários estão sujeitos à prescrição penal, que é o prazo que o Estado tem para processar e julgar o réu. Os prazos são determinados conforme a pena máxima prevista, de acordo com o Código Penal:
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Até 1 ano de pena: 3 anos
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De 1 a 2 anos: 4 anos
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De 2 a 4 anos: 8 anos
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De 4 a 8 anos: 12 anos
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Mais de 8 anos: 20 anos
Nos crimes do artigo 1º (pena de até 5 anos), a prescrição é, via de regra, de 12 anos. Nos crimes do artigo 2º (pena de até 2 anos), o prazo é de 4 anos.
Importante: a prescrição não corre enquanto o processo administrativo fiscal estiver em curso. Ou seja, enquanto o contribuinte discute o débito com o Fisco, o prazo fica suspenso.
Responsabilidade do contador e de terceiros
A Lei de Crimes Tributários também pode alcançar contadores, consultores, prepostos e qualquer pessoa que concorra para a prática do crime. O contador, por exemplo, pode responder criminalmente se tiver participado ativamente da fraude, como falsificar lançamentos contábeis ou instruir o cliente a praticar conduta ilícita.
Contudo, não basta o simples exercício da função. É necessário provar que o profissional agiu com dolo, contribuindo de forma direta ou relevante para o resultado. O mero erro contábil, sem intenção fraudulenta, não configura crime.
A jurisprudência tem evoluído no sentido de não responsabilizar automaticamente sócios ou contadores, exigindo prova efetiva de envolvimento e consciência da fraude.
Consequências da condenação por crime tributário
A condenação por crime tributário pode trazer diversas consequências para o réu, além da pena privativa de liberdade e multa. Entre os efeitos mais comuns estão:
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Inscrição no rol de culpados, com reflexos na reputação pessoal e profissional
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Perda do cargo público ou função de confiança (em caso de servidor)
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Proibição de contratar com a administração pública
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Suspensão dos direitos políticos, nos termos da Lei da Ficha Limpa
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Dificuldade de obtenção de crédito e restrições no mercado financeiro
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Execução da multa penal, com possibilidade de penhora de bens
A condenação também pode gerar efeitos civis e administrativos, como ação de reparação de danos, cobrança judicial de tributos e impedimento de exercício de atividades reguladas.
Medidas de prevenção e compliance tributário
Para evitar envolvimento em crimes tributários, pessoas físicas e jurídicas devem adotar uma série de medidas preventivas, entre elas:
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Manutenção de escrituração contábil regular e transparente
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Revisão periódica de obrigações acessórias e declarações fiscais
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Treinamento da equipe contábil e financeira
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Consulta a advogados especializados antes de operações de risco
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Implementação de programas de compliance tributário, com auditoria interna, controle de documentos fiscais, código de conduta e canal de denúncias
Empresas que investem em governança e conformidade fiscal reduzem drasticamente o risco de autuação e responsabilização criminal, além de reforçarem sua reputação no mercado.
Jurisprudência e interpretações atuais
A jurisprudência brasileira, especialmente dos tribunais superiores, tem consolidado importantes diretrizes sobre a Lei de Crimes Tributários. Entre os entendimentos mais relevantes estão:
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A exigência de constituição definitiva do crédito tributário para o início do processo penal
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A possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo
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A necessidade de prova do dolo específico e do efetivo prejuízo ao erário
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A não responsabilização automática de sócios ou contadores sem prova de envolvimento consciente
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A aplicabilidade do acordo de não persecução penal aos crimes do artigo 1º da Lei nº 8.137/1990
Essas interpretações reforçam o caráter garantista do direito penal tributário e limitam o uso indiscriminado do processo penal como ferramenta de cobrança.
Perguntas e respostas
O que é a Lei de Crimes Tributários?
É a Lei nº 8.137/1990, que define e pune crimes praticados contra a ordem tributária, como sonegação, fraude fiscal e obstrução à fiscalização.
Qual a diferença entre não pagar um imposto e cometer um crime tributário?
O não pagamento, por si só, é infração administrativa. Já o crime exige dolo, fraude ou omissão deliberada com o objetivo de suprimir tributo.
Se eu pagar o imposto atrasado, o crime é anulado?
Sim, em muitos casos. O pagamento integral do tributo antes do recebimento da denúncia pode extinguir a punibilidade penal.
O que acontece se eu for condenado por crime tributário?
Você pode cumprir pena de prisão, pagar multa, perder direitos políticos e sofrer restrições em sua vida civil e profissional.
A empresa pode ser processada criminalmente?
Não. A responsabilidade penal é pessoal. Apenas pessoas físicas podem responder criminalmente. A empresa responde administrativamente e civilmente.
O contador pode ser preso por erro no imposto?
Somente se for comprovado que ele agiu com dolo, isto é, com intenção de fraudar ou participar ativamente do crime.
Qual o prazo para o Estado cobrar criminalmente um crime tributário?
O prazo depende da pena máxima prevista. Em geral, é de 4 a 12 anos, mas fica suspenso enquanto houver discussão administrativa do débito.
Posso fazer acordo para não responder criminalmente?
Sim. Em alguns casos, é possível firmar acordo de não persecução penal, comprometendo-se a pagar o tributo e cumprir outras condições.
Qual a pena para sonegação fiscal?
A pena varia de 2 a 5 anos de reclusão, além de multa, conforme o artigo 1º da Lei nº 8.137/1990.
Compliance tributário ajuda a evitar crimes fiscais?
Sim. Um bom programa de conformidade previne erros, reduz riscos e demonstra boa-fé da empresa perante o Fisco e a Justiça.
Conclusão
A Lei de Crimes Tributários é um instrumento jurídico fundamental para coibir condutas que lesam os cofres públicos e desequilibram a concorrência entre contribuintes. Ao estabelecer punições para a fraude fiscal e à sonegação, a lei promove justiça fiscal e fortalece o sistema tributário brasileiro.
Compreender o que configura crime tributário, conhecer os limites entre inadimplência e fraude, entender as possibilidades de defesa, os mecanismos de extinção da punibilidade e os direitos do acusado são essenciais tanto para quem atua no meio jurídico quanto para empresas e profissionais expostos a riscos tributários.
Mais do que uma ferramenta de repressão, a Lei de Crimes Tributários deve ser compreendida dentro de uma lógica preventiva, onde a informação, a transparência e a boa gestão fiscal se tornam os principais aliados do contribuinte. Adotar práticas de compliance, investir em assessoria jurídica especializada e manter uma postura ética são as melhores formas de evitar sanções penais e preservar a integridade das atividades econômicas.