Limitação ao princípio do livre convencimento motivado do juiz em razão das súmulas vinculante

Resumo: As inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº45/2004 que propõe reformas no judiciário brasileiro, introduzem em nosso sistema as Súmulas Vinculantes, que antes mesmo de entrar em vigor já fomentava discussões no mundo jurídico, encabeçadas por processualistas e constitucionalistas, rachando as opiniões entre conservadoras e visionárias, pois enquanto os primeiros pensam na melhora da atividade jurisdicional o segundo vislumbra interferência na atuação do poder Legislativo, contrariedade a preceitos constitucionais de acesso à justiça, e ainda uma pretensão de limitar o entendimento nas instâncias judiciárias intervindo no livre convencimento motivado dos juízes e dos tribunais, através desse entendimento impositivo da Suprema Corte sobre determinadas matérias. Influenciando os demais órgãos da administração e do judiciário, e é exatamente nesse sentido que se foca o presente trabalho, contribuindo para discussão do tema de pujante relevância. [1]

Palavras-Chave: Súmula vinculante; emenda constitucional; instituto; livre convencimento motivado; persuasão racional.

Sumário: 1. Introdução 2. Súmulas 2.1. Conceito e peculiaridades 2.2. Emenda 45 e a Lei nº 11.417/06 2.3. Diferenças entre as súmulas comuns e as de efeito vinculante 2.4. Da pretensão legislativa do STF 2.5. Súmula vinculante no contexto prático 3. Princípios do direito processual 3.1. Princípio do devido processo legal 3.2. Princípio do inafastabilidade da jurisdição 3.3 princípio do duplo grau de jurisdição e outros 4. Princípio do livre convencimento motivado do juiz 4.1. Conceito e importância 4.2. Aplicação e abrangência 5. Da influência da súmula de efeito vinculante no princípio do livre convencimento 5.1. Considerações sobre as possíveis divergências 6. Conclusão. Referências.

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1. INTRODUÇÃO

Os assuntos abordados no presente trabalho são temas cujos debates são freqüentes na doutrina e na jurisprudência, apesar de ter seu escopo essencialmente teórico, sua relevância reside nas opiniões diametralmente opostas, fomentando discussões que trasbordam ao mundo fático social.

Haja vista as inovações propostas pela Emenda Constitucional nº 45/04 de uma reforma no Judiciário nacional, que traz em seu bojo o instituto da Súmula vinculante regulamentada pela Lei nº 11.417/06, que busca primeiramente a efetividade da prestação jurisdicional, e uma celeridade no julgamento dos processos, combatendo com rigor a morosidade da justiça no país, por meio da uniformização da hermenêutica jurídica.

Nesse sentido vale ressaltar o embate que há entre a tentativa dessa uniformização de entendimentos propostas pelas Súmulas e o livre arbítrio do magistrado, embasado no Princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz, definido pelo “poder” concedido a este para decidir a lide conforme seu entendimento e suas convicções subjetivas, atento a Lei e aos autos.

Eis que surge um contraponto teórico e prático, que será abordado no presente estudo, verificando se há ou não uma ofensa ao princípio supracitadoem face das Súmulas Vinculantes.

Estas por sua vez obedecem a alguns pressupostos e requisitos formais e materiais que serão destrinchados ao longo deste trabalho, mais que não obstante, visa propor um debate salutar, objetivo e claro, sem contudo, exaurir os assuntos aludidos, no que se refere ao advento do instituto da Súmula Vinculante em face do Princípio do Livre Convencimento do Magistrado, mais sobretudo de levantar seus aspectos mais relevantes, controversos e similares, se houverem, que propiciem uma discussão doutrinária de modo construtivo acerca dessa problemática na tentativa de facilitar a compreensão sobre tema em tela.

Mormente será trazido a baila, definições acerca do objeto desse estudo bem como dos assuntos relevantes que norteiam intimamente e acrescentam uma pitada a mais nessa controvérsia política-jurídica entre institutos e princípios aqui delineados que tanto excitam a comunidade jurídica.

Esse embate filosófico é muito comum no mundo jurídico, daí por que o Direito é uma ciência dinâmica tão sujeita a metamorfoses de opiniões, e quando de fato vivenciamos este conflito torna-se muito comum as discussões em seu entorno e é justamente a nossa proposta ao longo das exposições que se seguem.

2 SÚMULAS

2.1 CONCEITO E PECULIARIDADES

A palavra súmula decorre do latim summula, que nos dá uma ideia de sumário ou índice, no contexto gramatical, também chamadas juridicamente de enunciados, a súmula é oriunda de decisões judiciais, ou jurisprudências reiteradas que abarcam questões idênticas e repetitivas que chegam até a Corte Soberana.

O termo “vinculante” deriva da palavra vincular, relativo a vínculo, que significa ligar-se a, ou impor obrigação a, entre outras acepções, ou seja, conjugando as palavras, temos a expressão “súmula vinculante”, que consiste em nada mais do que uma orientação interpretativa (súmula)com base nas experiências jurídicas com efeito impositivo(vinculante).  

Foi suscitada em nosso ordenamento com essa denominação de “súmula” na década 60, pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal, sendo posteriormente implementada no Código de Processo Civil Brasileiro, hoje previsto no art. 476, ainda sem o caráter impositivo, que lhe é característico agora.

Desde sua concepção as súmulas apresentam objetivos claros, de pacificar e uniformizar as decisões em todos os órgãos do judiciário e da administração, propondo uma orientação interpretativa nas instâncias inferiores, quando da decisão de determinada demanda cujas questões já tivessem sido analisadas e por sua vez sumuladas pelo Egrégio Tribunal.

O que se busca através desse instituto é uma prestação jurisdicional mais eficiente, mais rápida, que respeite o direito de ação, e afaste ou minimize a possibilidade de interposição de recursos de natureza essencialmente procrastinatórias, que visem tão somente o retardamento da decisão definitiva, causando embaraços à jurisdição. O que prejudica o jurisdicionado e desvia a dedicação do Judiciário para esse tipo de ação, quando poderiam estar analisando questões de maior relevância. Ao fim o que se percebe é uma ofensa sem tamanho à duração razoável do processo, e a outros princípios inerentes ao bom andamento processual.

É fruto das decisões jurisprudenciais, ou seja, da interpretação majoritária entre os juízes, e ao longo do tempo se prestou a função de orientar outros juízes na análise de questões semelhantes, logo os tribunais trataram de utilizá-las denominando-as de enunciados que por sua vez acrescentou-se a terminologia súmula, por conseguinte agregaram seu efeito vinculativo.

2.2 EMENDA Nº 45/04 E A LEI Nº 11.417/06

Com o objetivo primordial de desafogar o Judiciário brasileiro foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que trata da Reforma no Poder Judiciário, trazendo consigo uma série de modificações inovadoras, dentre essas as Súmulas Vinculantes e o Conselho Nacional de Justiça, este um órgão autônomo com a função de fiscal da atividade judiciária, cuja finalidade é promover mudanças de curto e longo prazo como meio de melhorar o atendimento aos jurisdicionados e retomar a credibilidade da função privativa do Estado de prestar a jurisdição, essencial à manutenção do Estado Democrático de Direito.

A Emenda criada em 2004 que altera o artigo 103 da Constituição Federal, inova em atribuir uma característica peculiar, “sui generis” a um instituto já existente, o da súmula, antes um mero entendimento jurisprudencial de um colegiado, que passa a ter caráter de norma cogente, imperativa e que vincula os demais órgãos do judiciário à sua aplicação.

Nesse diapasão surge a Súmula de efeito vinculante que por sua vez é a expressão do entendimento da Suprema Corte, positivado, tal qual uma lei, pulverizando sua compreensão acerca de determinadas matérias com o fundamento de uniformizar o entendimento e por ser característico a partir da emenda a sua vinculação.

Saliente o devido respeito a sua aplicação no julgamento de lides semelhantes, cuja interpretação já houvera sido pacificada nos tribunais, pois o foco é padronizar as decisões e sustentar a segurança jurídica abalada pela reincidência de questões idênticas, reduzindo com isso o demasiado número de processos a serem analisados pelas instâncias recursais.

Pendente de legislação específica, a Lei 11.417/06 criada logo após a criação e aprovação da Emenda Constitucional n°45/04, veio para suprir essa lacuna, transcrevendo o disposto no art. 103-A da CF/88, que prevê possibilidade de edição, revisão e cancelamento da Súmula, e que também trata sobre os sujeitos legitimados para propositura desses atos que estão elencados no art. 3º da Lei, os mesmos legitimados para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Assim de acordo com a redação do § 2º do art. 2º desta Legislação. Fica determinado que o Procurador Geral da República se manifeste previamente sobre esses atos quando não for o propositor deles.

Ressalte-se em tempo que a Súmula vinculante passa a entrar em vigor e tem eficácia imediata logo após sua publicação em imprensa oficial, entretanto prevê o art. 4º da mesma Lei a possibilidade de restrição desses efeitos vinculantes da Súmula uma vez aprovada para um momento oportuno, em que se resguarde a segurança jurídica e o interesse público, desde que essa postergação de efeitos seja decidida por dois terços do pleno da Corte Suprema.

O texto da mencionada Lei também consagra o instrumento da reclamação no art. 7º, que por sua vez é o “recurso” ou o meio adequado para pretender sanar a divergência entre a decisão proferida pelo juízo singular ou colegiado e a Súmula vinculante, cabível quando houver contrariedade a súmula ou de maneira indevida negar-lhe a aplicação.

Manifestações doutrinárias favoráveis e desfavoráveis acerca dessa ferramenta são inevitáveis, muito por conta da importância de revisar ou de cancelar uma Súmula, haja vista sua intenção de uniformizar a interpretação jurídica, pois se objetivo também é de restringir ou peneirar o prosseguimento da demanda via recursal ao Órgão Máximo, o advento da Súmula vinculante não contribui para modificações nesse aspecto, de tal forma revela o constitucionalista José Afonso da Silva ao dizer:

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“Não parecem reduzir os recursos, pois está previsto que se o ato administrativo ou a decisão judicial contrariar a súmula aplicável caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará decisão reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da sumula conforme o caso do caso (art. 103-A, § 3º). Na verdade há uma mera troca de meios de impugnação: reclamação em vez de recurso ordinário ou extraordinário. Parece-nos que tem pouca utilidade relativamente ao âmbito da interpretação constitucional, para qual está previsto o efeito vinculante.” (SILVA, 2006, p. 516)

Entretanto prevê em sentido contrário o artigo 518, § 1ºdo Código de Processo Civil corroborando: “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com a súmula do STJ e do STF”.

Ou seja, a legislação processual é bem taxativa ao tratar sobre a impossibilidade de prosseguimento e de conhecimento do recurso se o juízo a quotiver decidido conforme entendimento colegiado expressado através de súmula ainda que não seja de natureza vinculante. Todavia tal dispositivo vem sendo alvo de críticas por entender alguns que ferem preceitos constitucionais como ampla defesa, duplo grau de jurisdição entre outros intrínsecos ao sistema processual nosso.

2.3 DIFERENÇAS ENTRE AS SÚMULAS COMUNS E AS DE EFEITO VINCULANTE

A Súmula Vinculante, para que goze dessa particularidade de norma impositiva, precisa atender a alguns requisitos, do contrário seria simplesmente uma Súmula, sem o efeito vinculativo, como são as oriundas dos tribunais superiores do trabalho, eleitoral e demais, que muito embora sejam cumpridas com certo rigor, não possuem a característica de norma cogente, intrínseco apenas as súmulas de efeito vinculante aplicando-se a esta o disposto na Lei 11.417/06, e no artigo 103-A da CF/88 inserido pela EC 45/04, que alude:

“Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”. (BRASIL, 1988).

Para adquirir esse efeito vinculante, a Súmula precisa observar os pressupostos formais de aprovação citados no §1º, ou seja, somente o Supremo Tribunal Federal tem competência para aprovar, revisar ou cancelar Súmulas Vinculantes desde que estejam presentes para a criação do enunciado 2/3 (dois terços) dos ministros da Suprema Corte, e preencher os pressupostos materiais que tratam da preexistência de decisões reiteradas de questões idênticas, bem como de que a matéria deve versar exclusivamente sobre direito constitucional, como visto acima.

Exige ainda a lei, de que haja uma controvérsia atual entre os entes da Administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, e dos Municípios, da mesma forma todas as instâncias do Poder Judiciário, vinculados a aplicação das súmulas, prescreve, além disso, que a matéria deva carregar divergência de tamanha relevância capaz de acarretar a temida insegurança jurídica e ensejar uma multiplicação de processos semelhantes, outro requisito legal e imprescindível é a exigência de que o objeto da súmula somente verse sobre validade, interpretação ou eficácia de normas determinadas.

Fica patente o efeito da EC 45 sobre a Súmula Vinculante e o poder a ela conferido, também através da lei que a regulamenta (Lei 11.417/06), com seus atributos peculiares e sua impositiva influência sobre o entendimento e a decisões proferidas nas instâncias inferiores, diferentemente das súmulas comuns dos tribunais.

Contudo entende a doutrina, que quem pode o mais pode o menos, ou seja, o STF pode editar súmulas que não sejam vinculantes, por que por óbvio nem toda súmula tem efeito vinculante, como já visto, o que não é possível aos outros tribunais superiores, já que compete exclusivamente ao Supremo a criação da interpretação de aplicação obrigatória.

2.4 DA PRENSTESÃO LEGISLATIVA DO STF

A organização dos poderes proposta por Locke e também de forma mais aprofundada pelo Barão de Monstesquie um libertário iluminista do século XVI, que afirmava que o poder só poderia ser limitado pelo próprio poder e recomendava um modelo de desconcentração da força estatal poderes no Brasil é regida pelo modelo tripartite, preconizado pelos filósofos John tendente a minimizar eventuais abusos, conferindo a cada segmento do poder institucionalizado, Legislativo, Executivo, e Judiciário uma atribuição específica, onde de maneira sistemática o Legislativo cria as Leis, o Executivo as executa, e poder Judiciário julga, com independência e autonomia, num sistema de fiscalização mútua ou recíproca, como forma de inibir arbitrariedades e exorbitações nas esferas de atuação, conhecido como “checks and balances”, ou freios e contrapesos, coexistindo os poderes sem hierarquia, de maneira harmônica e independente, executando as funções inerentes as suas respectivas competências, como esclarece o artigo 2º da nossa Magna Carta:

“São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

A Constituição Federal de 1988 recepciona esse conceito e refere-se a tal do art. 44 ao 130-A,no Título IV que tratada Organização dos Poderes da União e confiando-lhes atribuições exclusivas e privativas para o efetivo exercício de suas competências legais de maneira essencialmente independente.

Há previsão também deste dogma em textos internacionais como na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, que alude:

“Toda a sociedade na qual não esteja assegurada a garantia dos direitos nem determinada à separação dos poderes, não tem constituição”.

Importante ressaltar a relevância desse ideal de separação de poderes para nosso ordenamento que o adotou desde as primeiras criações constitucionais, previsto no texto atual da CF/88 no artigo 60, § 4º, inciso III, elencados no rol das cláusulas pétreas, com característica imutável, não obstante assevera o doutrinador constitucionalista:

“A ideia fundamental da doutrina da separação dos poderes é a contenção do poder. Daí, fácil percebe-se que o princípio da separação dos poderes é, senão de todas, uma das principais garantias das liberdades públicas. Sem a contenção do poder, o exercício ilimitado do poder desborda para práticas iníquas e arbitrárias, pondo em risco as liberdades individuais. Ao revés o poder limitado é liberdade garantida”. (CUNHA JR. 2011, p. 993).

Com efeito, oportuno esclarecer, que o critério de separação ou tripartição de poderes busca delimitar as funções típicas de cada ente, ou seja, a predominância de atuação daquele poder especifico, por exemplo, a função do Legislativo de criar Leis. Ainda sim para que gozem de autonomia administrativa, financeira, dentre outras, os órgãos vinculados aos podres da União necessitam por vezes praticar determinados atos, funções atípica deste, cuja atribuição é inerente a outro poder, vide a atuação do executivo de expedir Medida Provisória. Note-sea importância deste ideal, por que o que não pode haver é um exacerbado transbordo na atuação de um sobre outro, senão incorreriam em manifestas ofensas a preceitos constitucionais inalteráveis.

Apesar disso entende alguns estudiosos, que se vislumbra certa interferência do Judiciário na esfera de atuação do poder Legislativo, tratando-se, portanto de uma possível pretensão legislativa do STF quando edita Súmula Vinculante, ou seja, passa a criar e editar Lei em sentido material, por entendimento análogo, ultrapassando uma fronteira de atribuição, qual seja privativa das casas legislativas, câmara e senado.

Estamos diante de um novo paradoxo jurídico, que contribui para um aspecto negativo ao advento e a aplicação da Súmula vinculante em nosso ordenamento. Isso porque a Súmula vinculante é norma impositiva tal qual uma lei, sendo função típica do Poder Legislativo a criação das Leis, bem como aprová-las, devendo obediência aos preceitos constitucionais do processo legislativo adequado para promulgação de determinada espécie legislativa.

Contudo entende parte da doutrina de que é possível a manutenção da aplicação da Súmula editada pela Corte Supremanos demais órgãos do judiciário e da administração, desde que não haja ofensas, ou uma pretensão desta interferência na competência legislativa, em especial. Sendo assim defende acorrente mais conservadora de que poderia o STF submeter às propostas de súmulas à apreciação do Congresso Nacional, para que sejam observados os requisitos de aprovação e promulgação de uma Lei comum, e que a partir de então poderiam gozar de efeitos impositivos, vinculantes e cogentes, qualidade atribuída a uma Lei, que atendeu aos critérios formais e materiais para que pudesse vigorar em nosso ordenamento, sem qualquer disparate ao estabelecido na nossa Constituição. Assimao menos minimizaria esse aspecto polêmico e de certa forma contra producente sobre o instituto das Súmulas Vinculantes, sugere assim alguns tradicionalistas.

Entretanto de maneira diversa opina autor, sendo nossa opinião.

“A justificativa para a existência da súmula vinculante é a de pacificar conflitos existentes na sociedade sobre a matéria constitucional, diante de decisões antagônicas sobre validade de normas determinadas. Portanto, a súmula vinculante não se baseia em hipóteses, mas sim em conflitos reais, porém de plano abstrato. È mister do Poder Judiciário pacificar conflitos, mesmo os que ocorrem no confronto entre normas determinadas e a Constituição”. (SORMANI, 2005)

Entende o doutrinador em sua obra, de que é competência do Poder Judiciário dirimir os conflitos sociais, sem que haja nisso nenhuma intenção de legislar e interferir na esfera de atribuição do poder legislativo é o múnus público inerente ao Estado-Juiz expresso através do exercício de prestar a jurisdição por sua vez competência do Judiciário.

2.5 SÚMULA VINCULANTE NO CONTEXTO PRÁTICO

Faz-se necessário trazer a discussão do advento da Súmula Vinculante em no ordenamento pátrio, por que em tese é muito importante, especialmente para desentranhar processos e alavancar a prestação jurisdicional, daí a relação entre o Direito Processual as Súmulas Vinculantes e o Direito Constitucional, como prescreve a Carta Magna ao dizer que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluído da apreciação do judiciário, consagração do art. 5º inciso XXXV, dispositivo garantidor do direito de ação, o direito de provocar o judiciário quando necessário a resolução do conflito.

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Ressalte-se que vivemos atualmente em meio a uma crise institucional, instalada e enraizada, que corrói e interrompe a eficiência do judiciário nacional. Costuma-se levianamente dizer em nosso país que a “justiça tarda mais não falha”, em desacordo com o jargão popular entendemos que justiça que tarda, que atrasa que demora em dizer o direito, falha sim, morosidade não é sinônimo de justiça e sim de inoperância, de ineficiência, de um judiciário incompetente, passando a existir de fato um estado de calamidade, visto em alguns estados da federação, quando o assunto é atendimento ao jurisdicionado, e isso é notadamente incontestável. Agregado a essa afirmativa, vige aqui um sistema que permiti a parte, toda e qualquer forma de defesa cabível em demanda que mova ou que lhe mova, o que retarda ainda mais a solução do conflito.

É imprescindível a advertência, quanto ao supra-afirmado no que tange ao arcabouço de possibilidades de se defender durante um processo. Haja vista que não se pretende confrontar, ou tender a limitar os princípios da ampla defesa e o do direito de contraditar até o último grau de jurisdição, mas sim de que a manutenção e a garantia desses princípios sejam exercidos dentro dos ditames da boa-fé, da lealdade e dos bons costumes da vivência em sociedade.

Ora se por um lado busca-se a celeridade processual e por outro se percebe a duração desarrazoada da lide, presenciamos uma contrassenso jurídico e social pendente de ponderação, de intervenção e de imposição da vontade do Estado no gerenciamento das relações interpessoais, isso porque, o que está por se decidir num litígio, em que o Estado toma para si essa decisão, não são bens patrimoniais, tutelas, e direitos abstratos e sim vidas alheias que dependem diretamente da manifestação da “justiça estatal”, em especial da decisão judicial para dar continuidade a suas vidas, uma vez obstacularizada pela demanda dispendiosa e duradoura.

Portanto, ao menos de forma imediata, as Súmulas surgem como mais um instrumento ou ferramenta capaz de contribuir nesse processo tortuoso e gradual de desencalhar o judiciário, ressalvado seus contrapontos, dentro de um projeto concebido em 2004 através da Emenda a Constituição que propunha entre outras modificações uma reforma estrutural, e de paradigmas conjunturais, na função de dizer o direito do Estado-juiz, permitindo o acesso simples e uma saída satisfatória das partes uma vez cessada a contenda judicial.

Há de se convir ao final, que o Direito é uma ciência dinâmica, e suas inovações tendem a satisfazer os anseios de uma sociedade, daí então a necessidade de adequações a novos padrões culturais, éticos e sociais, com enfoque na prestação jurisdicional efetiva, leia-se rápida, que promova uma justiça social equânime, através de mecanismos que facilitem o acesso à justiça e garantam o exercício do direito de ação.

 Isto posto, induz afirmar que as possíveis pretensões de enunciados vinculantes tendentes a limitar a livre convicção do magistrado e de inibir quem por sua vez tenha sua pretensão de direito tolhida em razão de entendimento anterior vinculante e impositivo sobre determinada matéria, deve ser repelida, por isso a necessidade de externar o debate sobre o assunto, para então tentar entender a utilidade social dos institutos analisados.

Por fim comunga parte da doutrina, tratando sobre o tema, que se as inovações propostas pela Emenda n. 45/04, e pela Súmula Vinculante, obtiverem êxito, e atendam ao fim descrito na Lei, a justiça caminha, apesar de passos ainda curtos, na direção certa, para prestar um serviço judiciário de excelência, como ocorre nos países em que se respeitam amplamente os direitos do cidadão.

3 PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL

3.1 PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

Ao longo dessa importante discussão importante trazer para a ampliação da compreensão do objeto desse debate, a integração de outros temas relevantes pra que restem claro seus objetivos, suas semelhanças e controvérsias, através da análise da Súmula vinculante e suas influências no meio jurídico e administrativo em especial para o Princípio da Persuasão Racional, como visto até então.

Neste tópico trataremos sobre o Princípio do Devido Processo Legal, norteador e basilar para o Direito, porque dele decorrem todos os outros princípios processuais, que também serão destrinchados ao longo deste trabalho. Possui natureza de direito fundamental consagrado na Constituição Federal do Brasil no artigo 5º inciso LV, se perfaz no respeito aos ditames procedimentais específicos, a rigor todo sistema processual se fundamenta no processo legal.

Previsto na CF/88 como núcleo do arcabouço de proteção aos jurisdicionados assim disposto:

Art.5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV _ ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.” (BRASIL, 1988).

Por sua vez esta previsão decorreu em face da consagração da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz:

“Art.8º Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.”(Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948).

E a Convenção de São José da Costa Rica assegura o processo legal e servindo assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos como parâmetro internacional para reverência, obediência e respeito a este princípio, estando assim disposto:

“Art. 8o – Garantias judiciais.

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”. (Convenção de São José da Costa Rica, 1969).

Como visto acima o (due process of Law) devido processo legal é a garantia de manutenção do Estado Democrático de Direito, peculiarmente um auto limitador da “mão estatal” ,por que é nele que se amparam os cidadãos, quando buscam a intervenção do Estado-juiz para a solução do conflito, pois a eficácia, e a eficiência da jurisdição bem como o julgamento satisfatório só são possíveis se estiverem sob a égide do processo justo e equilibrado, do contrário teríamos uma sensação de insegurança jurídica, ou uma falsa convicção de legitimidade dos atos praticados pelo Estado, uma temeridade a manutenção da paz social de modo a não ter utilidade ou razão de existir, às demais garantias constitucionais e processuais se não por força da proteção do Princípio do Devido Processo Legal.

Importa afirmar que no devido processo legal vislumbra-se obediência e adoção de outros elementos dogmáticos imprescindíveis cuja aplicação é inerente ao processo justo, quais sejam o da garantia de tratamento isonômico das partes, do equilíbrio no contraditório e na ampla defesa, da duração razoável da lide, celeridade processual, entre tantos outros componentes do sistema processual concebidos com o objetivo primordial de assegurar e garantir a legitimidade e a legalidade na solução do conflito.

 Resta-nos entender que não há processo nem tão pouco nenhum procedimento sequer sem a influência deste nobre principio vigente no nosso sistema local.

3.2 PRINCÍPIO DO INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO

Acesso à justiça, assim é também denominado o princípio da Inafastabilidade da jurisdição, isto é, meio pelo qual o cidadão pode provocar a jurisdição para que, o juiz imparcial utilize de sua prerrogativa exclusiva, e representando a força do Estado, possa dizer o direito diante de uma resistência no outro polo, e mediar a solução com aplicação das normas legais.

Preconizado em nosso ordenamento na Lei Maior o direito de ação é mais uma instrumento a favor do cidadão em face do Estado-juiz, pois com a evolução do convívio em sociedade o indivíduo passa a eleger o Estado como intermediador dos conflitos sociais, modelo que surge logo após os costumes e as práticas de autodefesa, auto tutela, baseados na “Lei de Talião”, (de olho por olho dente por dente) entre outras formas de soluções de conflitos agora ultrapassadas. No direito de ação reside a possibilidade de ter sua pretensão a direito decidida de forma definitiva pelo Estado, já que possui o monopólio da jurisdição, como informa a própria Constituição no artigo 5º inciso XXXV.

“A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário nenhuma lesão ou ameaça a direito.”

A natureza jurídica como defende boa parte da doutrina é de um direito fundamental, subjetivo, abstrato, que por si só existe, entretanto é uma mera expectativa de satisfação, visto que, o direito de ação se limita apenas ao acionamento do judiciário, e na obrigação do Estado de dizer o direito, o que implica dizer que o acionante não necessariamente sairá vencedor na demanda, haja vista, o preenchimento dos requisitos procedimentais exigidos durante o processo, sob pena de não ter seu pleito conhecido, ou o julgamento do mérito da causa, se carente de um dos requisitos da ação e ou dos pressupostos processuais, essenciais para o exercício do direito de ação, nesse sentido se manifesta o jurista:

“Essas limitações não ofendem a garantia da ação, pois constituem restrições de ordem técnico processual, necessárias para a própria preservação do sistema e do bom convívio das normas processuais” (GONÇALVES 2011, p. 214).

Como se sabe a jurisdição é inerte, ou seja, não age de ofício, deve ser provocada pelos interessados, como preconiza o princípio da Inércia da Jurisdição, e o direito de ação revestido pelo exercício de amplo acesso a justiça é o meio pelo qual o jurisdicionado pode provocá-la. Em contrapartida o Estado que detém seu monopólio, ressalvado as hipóteses de mediação e arbitragem, tem por obrigação de prestar a justiça oferecendo um agente público, em regra sem ônus, que na função de magistrado, e por força do princípio do Juiz Natural que informa que o juiz é anterior ao processo, e existe antes da demanda, terá que decidir a questão, com total isenção de interesse.

Dito isso a prestação jurisdicional é um ideal preconizado na separação de poderes, como função típica do Poder Judiciário quando há violação de um direito, pois o Estado passa a ser também interessado na solução mais pacífica para o conflito, daí a ideia de convívio em sociedade, de busca pela justa composição dos litígios, de modo que a justiça seja concretizada com intervenção estatal, ao passo que reconheça, modifique ou extinga direitos uma vez alvos de uma discussão judicial.

3.3PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E OUTROS

O princípio supracitado costuma ser alvo de debates, cujas opiniões se antagonizam, gerando polêmicas entre doutrinadores quando o assunto é natureza jurídica do “princípio” do Duplo Grau de Jurisdição. Primeiramente por que correntes doutrinárias defendem de forma veemente seus pontos de vista ressaltando suas convicções, com base no que informa a Constituição e no que se tem entendido na jurisprudência, o que acaba por influenciar e trazer para seu polo seja de uma opinião ou outra os estudiosos do assunto.

 Sua relevância é notadamente incontestável em face da possibilidade de ter novamente um pleito uma vez indeferido, analisado por outro julgador ou julgadores, via recurso.

De fato, e do ponto de vista essencialmente positivista e legalista, da qual comungam a bancada mais conservadora da doutrina, não há uma previsão expressa do que entendemos hoje como direito de recorrer da decisão proferida, entretanto vislumbra-se na prática forense, e de forma majoritária o respeito à reanálise do mérito de uma demanda por outro julgador. Nesse toco manifesta-se, o jurista Nelson Nery Junior, como defensor do duplo grau de jurisdição como garantia fundamental constitucional, e assim conceitua-o:

“Consiste em estabelecer a possibilidade de a sentença definitiva ser reapreciada por órgão de jurisdição, normalmente de hierarquia superior à daquele que a proferiu, o que se faz de ordinário pela interposição de recurso. Não é necessário que o segundo julgamento seja conferido a órgão diverso ou de categoria hierárquica superior a daquele que realizou o primeiro exame”. (NERY JUNIOR, 2004)

Note-se que embora sua denominação trate de duplo grau, não necessariamente se fala em somente duas análise do mérito, pois a priori não há limites em grau de recurso, obviamente desde que sejam observados os requisitos procedimentais para cada espécie recursal, e que ainda não haja a coisa julgada. Ressalta a conceituação supra que em regra não é necessário que o julgamento posteriori seja realizado por órgão diferente ou hierarquicamente superior ao prolator da sentença.

Ainda dentro desse embate doutrinário e conceitual, tecer algumas observações acerca dos benefícios e dos malefícios do duplo grau de jurisdição éimprescindível, tendo em vista que existem argumentos contundentes sobre a desvantagem do respeito e da aplicação do duplo grau entendendo seus defensores que constitui tamanha ofensa ao direito de ação, por sobrecarregar o judiciário com reanálises de questões já decididas, por sua vez um entrave à celeridade e a economia processual, e que também seria um desprestigiamento ao juiz singular, por uma suposta pressão psicológica, sabendo da possibilidade de revisão de seus atos, sem contar o exacerbado número de recursos possíveis durante um processo que influi diretamente na sua duração e conclusão, são argumentos daqueles que julgam ser o duplo grau um equívoco institucionalizado.

Por outro lado majoritariamente e de forma mais eloquente, juristas entendem que o duplo grau se traduz numa garantia assecuratória constitucional para que os cidadãos possam exercer os demais direitos consagrados que o protegem no exercício do direito de ação, quando decidem levar ao Estado, as controvérsias acerca de sua liberdade, propriedade, patrimônio, entre outros, pois nele reside à possibilidade de controle dos atos estatais, e das decisões do juízo de piso.Ou ainda de que um magistrado mais experiente vai avaliar aquele mérito indeferido de forma mais aprofundada, com maior possibilidade de acertos, já que em regra as decisões se dão em colegiados com no mínimo três juízes. Enfim comungamos dessa ideia, desde que como já tratado em outra oportunidade, estejam essas fundadas na boa-fé humana.

Como visto não há uma taxativa previsão constitucional de obediência ao duplo grau, ainda sim há algumas exceções no tocante ao afirmado, em que pese às hipóteses de não aplicabilidade do princípio, mais que nem por isso podem ser entendidas como inconstitucionais, quais sejam os casos de competência originária do Supremo Tribunal Federal, também os embargos infringentes da Lei de Execução Fiscal que são julgados pelo mesmo órgão que proferiu a sentença, e ainda no art. 515 CPC § 3º onde permite a apreciação do mérito pelo tribunal ainda que a primeira instância não o tenha realizado, desde que conste nos autos elementos suficientes para tanto, também informa o §4 do mesmo artigo que se a nulidade da ocorrência for sanável o tribunal pode determinar realização ou renovação de ato processual antes de prosseguir no julgamento da apelação, entre outras possibilidades esparsas em nossa legislação 

 Essa apreciação do mérito via recurso, pode chegar ao órgão Máximo da Justiça, isso por que o princípio aqui em destaque, fundamenta a possibilidade de que a demanda possa ser conhecida, analisada e provida até o ultimo grau de jurisdição, nesse caso o Supremo Tribunal Federal, até que se esgote todas as possibilidades de defesa, por aplicação de alguns princípios citados supra e em defesa do in dubio pro réu, por que em nosso ordenamento só há culpado se houver o devido respeito a esses dogmas principiológicos que norteiam a atividade jurisdicional, já que é sabido que até a prolação da decisão definitiva e trânsito em julgado do processo ainda não há culpado, mais tão somente a figura do réu ou do acusado.

Por fim o exercício deste princípio é abrangente, e se realiza numa extensão do contraditório e da ampla defesa, ou na sua forma mais prática e palpável, um desdobramento do direito de ação, e a efetividade do respeito ao devido processo legal, onde uma decisão transborda da análise monocrática, singular, para em regra uma decisão colegiada, analisadas por magistrados de carreira com experiências mais, e capazes conjuntamente de emitirem decisões cuja compreensão se deu de modo coletivo e por vezes unânime.

4 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO DO JUIZ

4.1 CONCEITO E IMPORTÂNCIA

Antes de começarmos a tratar da conceituação do referido princípio, traremos previamente o princípio da Motivação das Decisões Judiciais, para que possamos compreender a partir de então a necessidade de fundamentação das decisões do juiz e, por conseguinte sabermos no que se baseia o foro íntimo para a formação da convicção do magistrado, fundados no princípio do Livre Convencimento Motivado ou da Persuasão Racional.

Descrito no artigo 93, inciso IX da Constituição atual assim:

“Todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença em determinados atos as próprias partes e a seus advogados ou somente a estes em casos nos quais a preservação do direito a intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse publico a informação”. (BRASIL, 1988)

Manifesta-se sobre o assunto o jurista Alexandre Câmara que diz:

“Vê-se, assim, que a garantia de motivação das decisões judiciais tem por fim assegurar uma justificação política para as decisões. Sim por que só se pode considerar como legítima do ponto de vista constitucional uma decisão que possa ser submetida a alguma espécie de controle (seja tal controle das partes, do próprio Judiciário ou da sociedade) e tal controle só e possível se a decisão judicial tiver sido fundamentada”. (CÂMARA 2011. p 59.)

Frise-se que as motivações das decisões do magistrado se dão por fatores externos e internos, pois no primeiro há uma razão político-social, qual seja a previsão do controle da legitimidade dos atos do juiz, como exposta a citação acima, pois só se sabe se foi justo e imparcial um julgamento após a publicação da sentença, ou seja, não é possível prever como será dito o direito naquele juízo particular e subjetivo do magistrado sem a externação da sua decisão, isto é, um controle pós, ou seja, se por exemplo, para o cargo de mandado eletivo há uma legitimidade prévia em razão do voto, nos atos praticados pelo juiz o controle é posterior, somente possível com a prolatação da sentença.

Por outro lado, observando fatores internos no âmbito processual, há o interesse das partes na solução do conflito através da análise criteriosa e equilibrada dos fatos trazidos aos autos, pois é na fundamentação da decisão que se pautará o vencedor e ou o vencido para elaboração das razões de seu recurso ou aindas e convencerem de que aquela era a maneira mais coerente de se avaliar de fato quem tem o direito.

Importante dizer também que são passiveis de nulidade absoluta as decisões cujas motivações não forem expostas de forma clara e objetiva, pois se assim o fossem reduziriam significativamente o número de recursos de embargos de declaração que visam atacar tão somente, omissões, contradições e obscuridades da decisão proferida. E ainda defende o doutrinador Wilson Alves de Souza(2011)de que as decisões incompletas, imprecisas e incongruentes também estão carentes de fundamentação, e esclarece: “[…] onde não há fundamentação não há sentença, tratar as duas hipóteses diferentemente fere o princípio da isonomia”. Ou seja, tanto a decisão cuja fundamentação não existe quanto à imperfeita e fora dos padrões da razoabilidade devem ser reconhecidas como nulas de pleno direito, por que de fato não há diferenças entre ambas nem motivos que justifiquem o tratamento desigual.

Por fim há que se dizer que a motivação das decisões é uma garantia de cunho constitucional, indispensável a segurança jurídica, a paz social, de modo a promover a concretização da prestação da jurisdição legitimada e eivada de legalidade que resguarde a liberdade do juiz de criar seu convencimento conforme o que se acosta aos autos e o que determina a Lei.

Cessada a explanação sobre as motivações das decisões judiciais com o fito de facilitar a compreensão do que se segue, como dito no início falemos agora sobre o objeto deste tópico, qual seja, as definições que envolvem o princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz.

Isto exposto, passemos a entender que o referido princípio da persuasão racional assim também conhecido, vigente em nosso ordenamento e decorrente do processo legal, consiste na liberdade ou na liberalidade conferida ao exercício da magistratura, de caráter eminentemente impessoal e inerente à função de magistrado, para que decida a lide instalada conforme seu convencimento particular desde que fundados nos ditames legais, em especial da nossa Lei Maior, e nas provas e depoimentos produzidos durante fase de instrução no processo de conhecimento, que lhes darão os subsídios e os fundamentos necessários para a formação de seu entendimento. Obviamente que na busca pela formação de seu convencimento o juiz pode ou deve ter em mente outros mecanismos sistemáticos, teleológicos entre outros métodos hermenêuticos interpretativos, além dos elementos indispensáveis citados, aliados ao entendimento doutrinário e jurisprudencial, e que agregados o ajude na conclusão definitiva acerca de determinado litígio, com isenção de interesse.

Apura-se ao fim dessa explanação conceitual, que no juízo subjetivo deve o magistrado através da sentença, seja ela de mérito ou não, rol previsto nos artigos 267 e 269 do CPC, expor as razões que o fizeram decidir daquela maneira, julgando ser a mais adequada, e evidentemente como já dito baseado nas imposições da Lei e na análise probatória.

É o puro e simples exercício do livre arbítrio atribuído à função exclusiva do magistrado de dizer o direito conforme o seu convencimento adquirido no juízo de valor que realiza sobre as controvérsias citadas no processo.

4.2 APLICACAÇÃO E ABRANGÊNCIA

O princípio ora alvo da discussão está inserido genericamente na ordem processual vigente, ou seja, pode ser conclamado tanto no Processo Civil quanto no Processo Penal. Presente no arcabouço normativo de ambos os seguimentos do Direito, na esfera cível é comumente aplicado e exercido com rigor nos tribunais em respeito à liberdade do magistrado de decidir, não obstante os penalistas acrescentam uma conotação quando da formação desse convencimento durante a fase de valoração probatória, assim manifesta autor:

“Caberá ao magistrado no decisum manifestar-se acerca de todas as provas produzidas, revelando o porquê de seu convencimento. Se valora mal, de regra, dará ensejo à reforma da decisão na fase recursal, caracterizando o error in judicandi.” (TÁVORA e ALENCAR, 2011, p. 382).

Para o Processo Penal o advento e a inserção do livre convencimento em nosso ordenamento se tornou uma evolução dos critérios anteriormente utilizados para valoração probatória. Isso por que havia previsão nos textos anteriores de uma prévia atribuição valorativa das provas produzidas durante a instrução, ou seja, não cabia ao juiz decidir qual prova teria maior relevância e sim a Lei, que estipulava e hierarquizava determinados meios de prova, sem qualquer possibilidade de manifestação interpretativa do magistrado, cabendo-o de forma vinculada, somente avaliá-las e decidir conforme as mesmas.

Era o sistema denominado de prova tarifada ou das regras legais, não mais vigente em nosso sistema por força do princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz ou da Persuasão Racional, que permite o magistrado liberdade para julgar o conjunto probatório com transparência e imparcialidade, rechaçando a incidência do sistema de pré-definição das provas, e o Código de Processo Penal assim aduz:

“Art. 155- O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvados às provas cautelares não repetíveise antecipadas.”(TÁVORA e ALENCAR, 2011, p. 379).

 

Na esfera cível as acepções e interpretações acerca do princípio são semelhantes, embora reserve algumas peculiaridades, assevera doutrinador:

“Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é previamente fixado na lei, o juiz, atendo-se apenas às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a consciência formada. Embora seja livre o exame das provas, não há arbitrariedade, porque a conclusão deve ligar-se logicamente à apreciação jurídica daquilo que restou demonstrado nos autos. E o juiz não pode fugir dos meios científicos que regulam as provas e sua produção, nem tampouco às regras da lógica e da experiência.” (THEODORO JUNIOR, 2009, p. 415).

Notadamente vê-se que em ambos os ramos do Direito Processual há reverência ao livre convencimento, ora por defender a convicção íntima do magistrado, ora para permitir que conheça das provas e as atribua relevância conforme seu entendimento e seu juízo subjetivo. Dito isso, resta claro o entendimento de que a aplicabilidade e abrangência do livre convencimento ocorrem na manifestação e formação do convencimento do magistrado e da fundamentação das suas razões.

5 DA INFLUÊNCIA DA SÚMULA DE EFEITO VINCULANTE NO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO

5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE AS POSSÍVEIS DIVERGÊNCIAS

Chegamos ao tópico derradeiro deste estudo, onde trataremos de modo sistemático e especial, do objetivo crucial de todo esse debate.

Após a construção dos argumentos, exposição de opiniões doutrinárias e da disciplina legal acerca do problema, e toda essa evolução dialética aqui proposta para enfim entendermos se de fato há ou não uma “limitação do princípio do Livre Convencimento Motivado do Juiz em razão da Súmula Vinculante”.

Durante uma controvérsia jurídica torna-se inevitável que os representantes de autor e réu invoquem a aplicação ou a observação do que assevera os princípios gerais do Direito, como fonte do Direito e da hermenêutica jurídica. O que se presta essencial para a prática jurídica forense, ao respeito aos princípios capazes de nortear o posicionamento do julgador. São normas de caráter essencialmente abstrato, que transcendem ao contexto, fundados no empirismo das relações sociais, que abrange uma gama de interpretações visando facilitar a compreensão de um direito protegido por norma principiológica constitucional.

Desta forma o princípio aqui invocado o do Livre Convencimento Motivado do Magistrado ainda mantém sua integral utilidade dentro do nosso ordenamento jurídico mesmo após a introdução da Súmula vinculante, pois se para o primeiro há uma previsão legal e uma razão de existir, para o segundo não é diferente.

Isso por que o legislador, a doutrina e a jurisprudência ao criarem esse derivado princípio, que se projeta pelas garantias constitucionais e processuais, entreviram o respeito ao direito fundamental da obediência ao devido processo legal, ao exercício equilibrado da ampla defesa e do contraditório, consagrados em nossa Constituição, e da liberdade concedida ao juiz para decidir conforme seu sentimento, se atendo de forma absoluta a Lei e as demais fontes do Direito, sempre com a obrigação de fundamentar o conteúdo de sua decisão, satisfazendo os jurisdicionados.

Por outro lado, particularmente a Súmula Vinculante confere sua eficiência dentro de um arcabouço judiciário notadamente carente de modificações que o faça eficaz e eficiente novamente, combatendo como já visto a morosidade, tão presente no andamento dos atos judiciários e administrativos, de modo a permitir e garantir que o cidadão exerça amplamente e seja protegido por outros direitos assegurados constitucionalmente, como o direito de ação, da duração razoável do processo, da inafastabilidade da jurisdição, da celeridade processual, do duplo grau de jurisdição entre outros intrínsecos ao arcabouço processual, citados e destrinchados ao longo desse estudo.

Com isso inevitável reconhecer também que a Emenda nº 45, cria um modelo de entendimento vinculante, entre outras modificações elencadas ao longo do estudo, com objetivos de solucionar os problemas logo acima descritos, para uma retomada de credibilidade do judiciário, já que é unanime o sentimento de descrença por parte dos jurisdicionados, de que seja possível uma solução eficiente intermediada pelo judiciário nacional.

Concomitante a isso, há de se convir que as ferramentas já existentes que comungam dos mesmos objetivos não podem ser repelidas ou revogadas por novas criações legais, é o caso do livre convencimento, ou seja, se ao longo dos anos construímos uma estrutura político-jurídico pelo qual se sustenta o Estado de Direito Democrático, não tem fundamento entendermos que novos institutos que almejam as mesmas satisfações possam entrar em conflito. Em que pese os argumentos aqui levantados de opiniões contra a manutenção desse modelo, assim descreve autora em seu artigo:

“Diante disso, a admissão e a efetiva adoção das súmulas vinculantes no Direito pátrio insultam e ameaçam a efetiva aplicação dos princípios constitucionais e processuais, chegando, por vezes, a ferir até o princípio constitucional da tutela jurisdicional e do livre acesso a justiça, concluindo-se assim pela incompatibilidade das referidas súmulas no atual ordenamento jurídico nacional frente, principalmente, ao princípio do Livre Convencimento do Magistrado”. (CARVALHO, 2008, p. 3)

Entretanto é público e notório que o que até aqui fora discutido não passa de uma tentativa de estabelecer um nexo interpretativo teórico e prático das ferramentas que buscam a satisfação da sociedade, através da prestação de um serviço público essencial a manutenção da paz social, por que do contrário haverá precedentes para insegurança jurídica tamanha capaz de acarretar a instalação de um caos primeiro no sistema judiciário e logo disseminado em todos os poderes da república.

6. CONCLUSÃO

Conclui-se ao longo deste estudo que a ciência jurídica é essencialmente social e não estanque, sofre modificações a todo tempo, um dinamismo essencial que se renova a cada segundo, por isso o Direito foi concebido, para dirimir os conflitos que ocorrem no cotidiano popular, que aumentam conforme evoluem as populações, que passaram a eleger o Estado como mediador da razão inter partes.

É nesse enfoque que surge à necessidade de inovação e adaptação às novas tendências sociais onde o Direito tenha capacidade de continuar promovendo uma justa composição das lides, conforme os anseios dos cidadãos.

Na oportunidade importante reconhecer que o objetivo principal desse trabalho científico é também trazer à tona a priori, uma discussão conceitual e teórica mais com uma importância prática imensurável, haja vista, o quão polêmico é o assunto e o número de estudiosos interessados e dedicados a compreender a problemática do judiciário em nosso país e os mecanismos que se tem buscado para a solução dessa mazela social que a tanto nos incomoda.

Pois vimos a cada tópico exposto os conceitos as peculiaridades de cada item aqui levantado, de forma didática e de fácil captação, de modo a construir um entendimento paulatino para que reste claro ao fim, uma ampla compreensão acerca do que foi abordado.

Onde no primeiro momento julgamos conveniente antes da conjugação dos assuntos da súmula vinculante e do princípio livre convencimento, tecer alguns comentários sobre a criação da súmula e alguns assuntos que estão diretamente ligados à sua inserção em nosso sistema legal, gerando polêmicas e acirradas discussões no tocante a sua natureza jurídica, da possível inconstitucionalidade de seus efeitos, da suposta pretensão de legislar e interferir na esfera legislativa e no sistema de separação dos poderes, da influência impositiva para os atos administrativos e jurídicos, enfim cada tema supracitado possui estreitas ligações seja no contexto conceitual ou prático com o objeto desse trabalho, ressalvando ainda o que foi tratado no início sobre os aspectos legais, ou seja, a aprovação da Emenda Constitucional nº45/04 que cria a súmula vinculante, da Lei nº 11.417/06 que regulamenta sua introdução e dá providencias sobre procedimentos específicos atinentes ao instituto, como os competentes para propor, o instituto da reclamação, entre outros afetos a súmula de efeito vinculante.

Com relação a isso demonstramos ao longo deste trabalho no tocante as súmulas que se de fato não houver pretensão legislativa, tolhimento a interpretações singulares e engessamento da máquina administrativa e judiciária, e se restarem eficientes do ponto de vista prático as inovações propostas pela emenda e suas intenções forem alcançadas, não há problemas em torno do seu advento, desde que também busquem agregados a outros mecanismos uma solução para o estado flagelante que se encontra a prestação da justiça no Brasil.

No que concerne ao princípio analisado, foram citados no discorrer do trabalho, outros princípios ou garantias constitucionais inerentes ao Processo que serviram de base para conclusão do entendimento a respeito do Livre Convencimento ou da Persuasão Racional, ou seja, alguns dos nobres princípios consagrados em nosso ordenamento jurídico, se não todos, pelos menos os mais relevantes que por sua vez servem de parâmetro para aplicação do livre convencimento. Sendo eles o Devido Processo Legal, o princípio da Inafastabilidade da Jurisdição, do Duplo Grau de Jurisdição, entre tantos outros destrinchados entrelinhas, e aqui suscitados com tanto primor e reverência.

Ainda sim entendemos que o livre arbítrio do magistrado deve ser respeitado, sem que haja pressões ou formas de limitar suas opiniões e seus sentimentos, por aplicação do princípio do Livre Convencimento Motivado, pois entende-se que o único limitador a arbitrariedades no exercício da magistratura é a própria Lei, por que o juiz até pode decidir conforme parâmetros íntimos, particulares e subjetivos, no entanto tem obrigação legal de motivá-las, de fundamentar suas convicções, de maneira que transpareça a imparcialidade no seu julgamento.

E é nesse sentido que se vislumbra a possibilidade de aplicação de ambos os institutos em análise sem que haja ofensas ou qualquer espécie de limitação principiológica e/ou controvérsias acerca das atribuições e das funções dos poderes constituídos.

Por último, entende-se possível que ambos os institutos possam coexistir em função de uma prestação jurisdicional salutar e mais efetiva, quais sejam os objetivos da reforma no judiciário propostos pela Emenda Constitucional nº 45/04, possibilitando um convívio numa sociedade justa, pacífica e harmoniosa fundados na verdadeira essência da democracia, preconizados no preâmbulo de nossa Constituição Federal.

 

Referências
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Notas:
[1] Artigo científico apresentado ao Curso de graduação em Direito, da Faculdade Dom Pedro II, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Laemisson Oliveira.


Informações Sobre o Autor

Whesley Ramos Soares da Silva

Advogado Especialista em Direito Público


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