Quando o legislador projetou a direção que pretendia prestigiar no CPC de 2015, definiu que o princípio da efetividade precisaria prevalecer dentre os princípios norteadores do novo Código de Processo Civil. Um dos pontos de grande desconforto quando pensamos em efetividade é justamente a ineficácia de muitos procedimentos executórios. Muitas são as vezes que escutamos operadores do direito e de “partes” frustradas mencionarem que “ganharam, mas não levaram”.
Com esse olhar, percebemos que a nova redação do IV do artigo 139 do Código de Processo Civil Brasileiro (Lei 13105/2015), cria uma vastidão de possibilidades e interpretações da acerca das medidas coercitivas que visam dar efetividade as execuções civis. Isso em razão do legislador não ter sido categórico em quais medidas seriam possíveis para se perseguir a efetividade almejada. Atribuindo aos magistrados poderes muito amplos na perseguição ao crédito.
A positivação desse tipo de atipicidade gera uma enorme insegurança jurídica aos devedores, que não sabem por onde e nem como serão cobrados. Sem falar na enorme desproporcionalidade que pode atingir os executados, já que as medidas dependem do bom senso dos magistrados para sua aplicação.
Caberá ao judiciário definir os limites, através de sistema de precedentes, do alcance das medidas coercitivas atípicas constantes do inciso IV do artigo 139 do CPC.
Nesse período de 7 anos (desde a entrada em vigor do CPC/2015), foram proferidas várias decisões judiciais que causaram enorme discussão dentro da comunidade jurídica, inclusive causando espanto na mídia não especializada, como por exemplo, a que diz respeito à adoção de medidas coercitivas atípicas como a apreensão de passaporte ou carteira nacional de habilitação (CNH) para a satisfação de processos de execução.
Com o intuito de dar uma direção na interpretação acerca do tema, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguiu com o processamento, sob ótica dos recursos repetitivos, do Tema 1.137 que pretende colocar um fim na divergência interpretativa do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil. Tal controvérsia, sobre a possibilidade ou não de utilização de meios de coerção atípicos por Juízes na condução de execuções civis será relatada pelo Ministro Marco Bruzzi e terá como parâmetro fático os recursos representativos de números 1.955.539 e 1.955.574.
Além do debate sobre a amplitude ou não, das medidas que deverão ser utilizadas para dar efetividade as execuções civis, um ponto que precisa ser amplamente analisado, está relacionado a questão dos limites temporais das medidas coercitivas atípicas.
Num primeiro plano, é fundamental entender se tais medidas foram tomadas observando as tentativas já efetivadas e frustradas das medidas regulares para efetivação da decisão judicial, principalmente para aqueles que entendem que as medidas coercitivas atípicas só devem ser utilizadas como últimas possibilidades. Num segundo plano, entra em debate se tais medidas têm ou não uma limitação temporal. E em relação a esse último ponto, limitação temporal, destacamos um recente julgado do STJ e que comentaremos no decorrer do presente estudo.
Quando do julgamento do HC 711.194, em que a impetrante pretendia reaver seu passaporte, apreendido há dois anos como medida coercitiva atípica para obrigar a mesma a quitar uma dívida de honorários advocatícios de sucumbência, a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por maioria, entendeu que medidas coercitivas atípicas – como a apreensão de passaporte de pessoa inadimplente – podem ser impostas pelo tempo suficiente para dobrar a resistência do devedor, de modo a convencê-lo de que é mais vantajoso cumprir a obrigação judicial imposta do que, por exemplo, não poder viajar ao exterior.
O magistrado monocrático (que julgou a ação de onde se originou a medida coercitiva atacada pelo HC 711.194) acabou concluindo pela necessidade de tal medida, apreensão do passaporte, já que, no caso concreto, a impetrante, sua filha e seu genro perderam uma ação judicial e acabaram condenados, em abril de 2006, no pagamento de honorários advocatícios de sucumbência dos advogados que representaram a parte contraria e vencedora no caso, estipulados a época na monta de R$ 120.000,00 (atualmente atualizado para R$ 920.000,00). E até hoje o crédito permanece sem pagamento.
Além do tempo, o advogado subscritor da execução, demonstrou que a mãe e a filha eram empresárias do ramo de petróleo e combustível e que havia muitas outras execuções ajuizadas contra elas e ainda sem satisfação dos créditos, o que na interpretação do mesmo demonstra claramente que a impetrante não tem intenção em dar cumprimento efetivo as decisões judiciais e por essa razão, as medidas atípicas de coerção seriam fundamentais para dar efetividade ao cumprimento da decisão judicial da execução em questão.
Como muito tempo se passou desde o início da execução e o crédito permanece sem satisfação, considerando ainda que a parte sequer indicou bens para garantir a execução, o Tribunal de Justiça de São Paulo, onde tramita a execução, manteve a ordem judicial de retenção dos passaportes e o caso acabou sendo levado ao STJ.
Com a intenção de demonstrar uma possibilidade alternativa de quitação da dívida, a impetrante, ora paciente do HC, ofereceu no mesmo 30% dos seus rendimentos mensais como aposentada e pensionista. O que significaria algo em torno de R$ 1.500, 00 mensais.
Segundo a relatora do HC, ministra Nancy Andrighi, a proposta lhe parece “desrespeitosa e ofensiva ao credor e à dignidade do Poder Judiciário, na medida em que são oferecidas migalhas em troca de um passaporte para o mundo e, quiçá, para a inadimplência definitiva”.
Esse posicionamento se dá em razão da irrisória proposta de quitação da dívida, já que mesmo que o valor de R$ 920 mil não fosse mais atualizado ou corrigido a partir de 2022, seriam necessários 601 meses, ou 50 anos, para a quitação total da dívida.
A ministra ressaltou em seu voto que a devedora tem 71 anos de idade e que a expectativa média de vida dos brasileiros, de acordo com o IBGE, é de 76,8 anos. Para Ministra, “é bastante razoável inferir que nem mesmo metade da dívida será adimplida a partir do método sugerido pela paciente, de modo que está evidenciada a absoluta inocuidade da medida”.
De acordo com a ministra, as medidas atípicas “devem ser deferidas e mantidas enquanto conseguirem operar, sobre o devedor, restrições pessoais capazes de incomodar e suficientes para tirá-lo da zona de conforto, especialmente no que se refere aos seus deleites, aos seus banquetes, aos seus prazeres e aos seus luxos, todos bancados pelos credores”.
A limitação temporal das medidas coercitivas atípicas, segundo a relatora, é questão inédita no STJ, sendo, portanto, o julgamento do r. HC o ponto inicial de discussão sobre a temporalidade de tais medidas. Prevalecendo, por enquanto, um entendimento que o tempo não será o remédio que solucionará a reversão de tais medidas quando adotadas. Sendo o pagamento da dívida o caminho mais curto para se conseguir a reversão de medidas que parecem, de fato, incomodar mais os devedores do que os comandos judiciais regulares.
Para Ministra, não deve haver um tempo fixo pré-estabelecido para a duração de uma medida coercitiva, a qual deve perdurar pelo tempo suficiente para dobrar a renitência do devedor.
“Não há nenhuma circunstância fática justificadora do desbloqueio do passaporte da paciente e que autorize, antes da quitação da dívida, a retomada de suas viagens internacionais”, concluiu Nancy Andrighi em seu voto sobre os fatos trazidos pela paciente no HC 711.194.
Certamente o debate sobre esse ponto ainda será revestido de diversos outros capítulos e certamente teremos julgadores que possuem entendimentos diferentes, mas acreditamos que o STJ, até o momento, acerta quando se posiciona dessa maneira. Já que segue a mesma direção do legislador (pelo menos como enxergamos a intenção do legislador ao inserir o texto do artigo 139 inciso IV no CPC de 2015), que positivou tal possibilidade justamente pensando em dar efetividade a comandos judiciais que eram desconsiderados por parte dos devedores e que se incomodados ao máximo, deverão encontrar formas de satisfazer os créditos de maneira regular e se afastarem de medidas que tanto incomodam aqueles que se acham inatingíveis aos comandos do judiciário.
Contudo, esse é apensa o início de uma longa caminhada, já que caberá ao judiciário definir os limites, através de sistema de precedentes, da temporalidade das medidas coercitivas atípicas constantes do inciso IV do artigo 139 do CPC.
Mano Fornaciari Alencar – Coordenador do Setor Contencioso Cível Empresarial e de Recuperação de Crédito da SiqueiraCastro do Rio de Janeiro.
Graduação na Universidade Gama Filho Rio de Janeiro / RJ. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Superior de Advocacia – ESA/OAB-RJ, e Pós-graduação em Processo e Gestão Jurídica pela IBMEC/RJ. Eleito pela Análise Advocacia 500 um dos advogados mais admirados do Brasil nas áreas Cível, Consumidor e Imobiliário, e um dos advogados mais admirados do Brasil pelas empresas dos setores de Bancos e Comércio.