Advogada acredita que resultado do caso, ocorrido em Goiânia, pode ajudar a definir outros semelhantes no País
Uma mãe cega assegurou recentemente a guarda da filha na Justiça após o ex-marido utilizar a deficiência para questionar sua capacidade de criação. Com a definição do caso, já transitado em julgado, os pais terão a guarda compartilhada da criança, sendo o lar materno sua base de residência.
A advogada Marisa Pinho foi a representante de Jussara* na ação. Ela explica que, quando a criança nasceu, já havia aproximadamente dez anos que a mulher havia perdido a visão de ambos os olhos. Já a separação aconteceu após cerca de quatro anos de relacionamento, quando a menina tinha por volta de um ano de idade.
Jussara e a filha continuaram morando na mesma casa, enquanto o pai se mudou para um local na vizinhança, para manter a proximidade com a filha e auxiliar nos cuidados quando fosse necessário. Com o passar dos meses, na medida em que a menina foi crescendo, tornaram-se pontuais os aspectos em sua rotina para os quais sua mãe precisava de ajuda, conforme explica Marisa.
Pouco tempo depois da separação, o pai ingressou com pedido de guarda unilateral, argumentando que a deficiência da mãe a tornaria incapaz de cuidar da menina. De acordo com sua versão, exposta nos autos do processo, “diariamente ele se dirige à casa da Requerida par a fins de cuidar da criança, tendo em vista que a Requerida não tem condição física e pessoal para tanto, pois desenvolveu cegueira em ambos os olhos”.
A defesa de Jussara, porém, ressaltou que as visitas diárias do pai tratavam-se de “preciosismo” por ele não acreditar na capacidade da mulher de cuidar da própria filha. De acordo com a advogada, até então os fins de semana eram alternados entre os genitores, sendo que, quando estava encarregada da criança, a mulher conseguia cuidar de sua higiene e alimentação, com exceção da hora do banho, quando uma vizinha se encarregava da tarefa.
Marisa conta que o ambiente do lar materno era completamente preparado para evitar acidentes domésticos. Por exemplo, os alimentos eram cozidos em panelas elétricas. “Quando a infante completou dois anos, a única tarefa para a qual sua mãe ainda precisava da ajuda de terceiros era o transporte. Tudo isso foi atestado pela Oficial de Justiça, após a realização de visita in loco”, comenta.
No âmbito do respaldo legal para que Jussara cuidasse da própria filha, a advogada alegou que a dogmática introduzida no ordenamento jurídico pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), que colocou como regra a presunção de capacidade das pessoas com deficiência para os atos da vida civil, se opõe à argumentação do pai. Após todo o trâmite judicial, a decisão final do processo respaldou a argumentação da defesa, fixando a guarda compartilhada da menina e estabelecendo que sua base de residência é o lar materno.
Segundo Marisa, casos em que mulheres têm sua capacidade de cuidar dos filhos questionada na Justiça são recorrentes. “Infelizmente, é comum que mães que possuem qualquer tipo de deficiência tenham seu maternar questionado por terceiros, inclusive os pais de seus filhos. Não foi o meu primeiro caso do tipo. Também já auxiliei mães autistas em ações similares”, pontua.
A advogada acredita que o resultado do caso de Jussara deve ajudar na definição de outros semelhantes. “Uma coisa é a existência da lei dizendo, em abstrato, que deve-se presumir a capacidade da pessoa com deficiência. Outra coisa é a existência de uma decisão judicial aplicando corretamente a nova sistemática legal, a despeito da existência de preconceitos ainda muito latentes no imaginário coletivo”, avalia.
Assim, Marisa orienta a todos os genitores que passam por situação semelhante que procurem o assessoramento de advogados atualizados e especialistas na área, visto que terão o aparato argumentativo adequado para garantir que sejam observadas as garantias do Estatuto da Pessoa com Deficiência.
* Nome fictício
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