Meio ambiente e a EURATOM

Resumo: A presente pesquisa visa estabelecer um paralelismo entre os princípios de Direito Ambiental, sedimentado em âmbito internacional e internalizados nos países, com a elaboração do Tratado Europeu de Energia Atômica e o impacto na construção da atual conjuntura energética da União Europeia e o consequente alcance da Segurança Energética.

Palavras-Chave. Princípios. Direito Ambiental. União Europeia. Segurança Energética. Energia Atômica.

Abstract: This research aims to draw a parallel between the principles of Environmental Law, like an element of International Law sedimented in countries with the preparation of the European Atomic Energy Treaty – EURATOM and its impact on construction of the current energy situation of the European Union and the consequent achievement of Energy Security.

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Keywords: Principles. Environmental Law. The European Union. Energy Security.Atomic Energy.

Sumário: 1. Histórico da Energia Nuclear – Breves Notas. 2. A Energia – Ponto central na Construção da União Européia. 3. Princípios de Direito Ambiental no Tratado da EURATOM. 4. O Exemplo da França. 5. Conclusão. 6. Referências

1. Histórico da Energia Nuclear – Breves Notas.

O estudo do átomo remonta há aproximadamente quinhentos anos antes de Cristo, na Grécia Antiga, realizado pelos filósofos Demócrito e seu discípulo Leucipo. Demócrito elaborou os contornos da Teoria Atomística ou Teoria do Átomo, na qual afirma que o Universo possuía uma constituição elementar única, dotada de indivisibilidade, invisibilidade, impenetrabilidade e mobilidade interna, ou seja, possuidora de movimento próprio.

Séculos depois, em 1803, John Dalton (1766-1844), químico e físico inglês retornando à Teoria do Átomo de Demócrito, estabeleceu postulados importantes acerca dos átomos, indicando que aqueles são partes formadoras dos elementos químicos e que não podem ser subdivididos por processo químico conhecido à época, bem como preservam suas características básicas, portanto, sua individualidade nas reações químicas. Ademais, todos os átomos de um mesmo elemento químico são idênticos em todos os aspectos e este elemento químico é determinado pelo peso dos seus átomos, logo elementos químicos diferentes, átomos diferentes. O primeiro postulado remonta os ensinamentos do químico francês Antoine Lavoisier (1743-1794) e sua Teoria da Conservação da Matéria resumida na frase popular que “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.”

Michael Faraday, físico inglês (1791-1867), contribuiu para o conhecimento científico mundial ao estudar o fenômeno eletromagnético presente nos átomos, indicando pioneiramente que os átomos são possuidores de energia interior, por possuírem cargas elétricas em suas estruturas. Por sua vez, Dimitri Medeleiev (1834-1907), químico russo organizou os elementos químicos conhecidos pelo Homem, através dos pesos de seus átomos em uma tabela periódica.

Joseph Jonh Thomson ou J.J Thomson, físico inglês ( 1856-1940), na esteira dos estudos de seus compatriotas e de outros cientistas da época descobriu o elétron, como parte componente do átomo, dotada de carga elétrica negativa, concluindo que o núcleo atômico possui carga elétrica positiva, denominados de prótons, recebendo por esta descoberta o Prêmio Nobel em 1906. Elaborou assim o modelo atômico batizado de “Pudim de Ameixas”, no qual o átomo é formado de um núcleo rígido (o pudim) onde os elétrons estão fixados (as ameixas). Seu discípulo Ernest Rutheford (1871-1937) iniciou os estudos acerca do elétron, tendo comprovado sua existência como parte elementar do átomo através da experiência envolvendo tubos de raios catódicos. Foi dele também o desenvolvimento do Modelo Atômico-Planetário, onde o núcleo do átomo é formado de cargas elétricas positivas, os prótons , sobre o qual gravitam cargas elétricas negativas, os elétrons.

Em 1895, William Conrad Roentgen (1845-1923) descobriu um tipo de radiação que atravessa corpos opacos, e que os mesmos tinha a propriedade de excitar substâncias fosforizantes e fluorescentes. Devido a desconhecimento de tal fenômeno, o físico alemão os denominou de Raios X. Esta descoberta se associou à observação de Henri Becquerel (1852-1908) ao constatar que sais de Urânio emitem radiações análogas às do Raio X, as quais deixavam marcas em chapas fotográficas. Neste ponto da evolução científica já se tinha noção de que alguns elementos químicos tem como propriedade a emissão de radiação, como foi o caso do Urânio.

Coube à Marie Curie (1867-1934) anunciar a descoberta de que o elemento químico Tório apresentava as mesmas características radioativas do Urânio. Junto com seu marido Pierre Curie (1859-1906), a física francesa separaram por meios químicos diversos elementos radioativos e se descobriu o Polônio, em 18 de julho de 1898, e que este também possuía como característica a emissão de radiação.

Ademais, os Estudos perpetrados pelo físico italiano Enrico Fermi (1901-1954) lançaram as primeiras bases teóricas para os conceitos de fusão e fissão nucleares. Tais bases foram mais tarde colocadas à prova por Otto Hahn (1879-1968) e Fritz Strassman (1902-1980) quando, finalmente, revelaram à comunidade científica mundial a fissão nuclear. Parceira de Otto Hahn, Lise Meitner (1878-1968), física austríaca e estudiosa da radioatividade e da física nuclear, comunicou à comunidade científica que o elemento químico Bário era subproduto da fissão do Urânio, corroborando, mais uma vez, que a fissão nuclear é possível e viável do ponto de vista científico.

Sendo assim, somente em Janeiro de 1939 nos Estados Unidos, o encontro entre Niels Bohr (1885-1962), Albert Einstein (1879-1955) e Enrico Fermi, quando a Europa já se encontrava ameaçada pelas “nuvens negras” do Nazismo Alemão, a possibilidade de obtenção de energia elétrica com base na fissão atômica e a conseqüente reação em cadeia foi cogitada pela reunião das pesquisas efetuadas até aquela data.

Diante de tal perspectiva, Einstein comunicou estas pesquisas ao Governo Norte-Americano, liderado por Franklin Delano Roosevelt, o qual prontamente agiu no sentido da criação de uma comissão sob os cuidados da Marinha Americana incumbida de fornecer infra-estrutura material, logística e recursos financeiros para o desenvolvimento de um reator nuclear. É neste momento que toda a pesquisa sobre energia nuclear foi direcionada para fins bélicos. O cume destas pesquisas científicas se encontra em dezembro de 1942, quando o mundo já estava envolto nos conflitos armados e os Estados Unidos já tinham ingressado na guerra, com a construção e operação do primeiro reator de energia nuclear, através da reação em cadeia estável da fissão de átomos de Urânio, conhecido como o Projeto Manhattan, por ter sido grande parte desenvolvido na Universidade de Columbia, em Nova York.

2. A Energia – Ponto central na Construção da União Européia.

Ao se olhar para o passado, o combustível usado para que a Humanidade entrasse na era industrial foi o carvão. Elemento de fácil acesso nas economias europeias, impulsionou o surgimento e a consolidação do setor industrial, liderado pela Inglaterra. Desde este momento, as economias nacionais européias passaram a ser dependentes de uma fonte de energia, logo começou a fazer parte da política estatal de desenvolvimento, devendo ser protegida pelas forças militares das potências recém industrializadas. Entretanto, o carvão necessita de uma logística dificultosa. Se imaginar que toneladas de carvão eram estocadas perto das fábricas à espera de consumo, por si só já gera um problema de espaço, por outro lado, os meios de transporte desta matéria-prima, no caso trens, mas, principalmente, os navios, grandes modais de trocas comerciais nacionais e internacionais precisavam ser abastecidos por carvão em curto espaço de tempo, obrigando as empresas transportadoras a possuírem estoques de carvão em cada localidade em que tais modais deveriam ter sua parada, acarretando um elevado custo no desempenho da atividade comercial.

Daniel Hémery, Jean-Claude Debeir e Jean-Paul Deléage explicam o sucesso da Inglaterra com o carvão, apesar da dificuldade logística:

“O grande atrativo do carvão estava não somente no seu preço na boca da mina mas no baixo custo do seu transporte, ligado ao fato de que pode ser enviado por via marítima. O sea coal, como foi chamado por muito tempo, deu lugar, com efeito, a uma importa atividade de cabotagem, em função da qual a frota carvoeira beneficiava-se de inúmeros privilégios e recebia abundantes capitais, que a transformaram no setor de ponta da construção e das inovações navais.”[1]

E foi o carvão que após os resultados devastadores da Segunda Grande Guerra uniu os países europeus em torno de um único objetivo comum relacionada ao fornecimento de energia para a reconstrução do parque industrial europeu. Em 1951, Bélgica, Países Baixos (Holanda), Luxemburgo, Alemanha Ocidental, França e Itália assinaram o Tratado de Paris, formando a Comunidade Econômica do Carvão e do Aço – CECA. O carvão foi utilizado pelo fato de que nestes países havia quantidade considerável deste recurso mineral, a baixo custo de extração, portanto, capaz de alavancar o crescimento econômico da Europa, sem depender de fontes de energia estrangeiras. Importar energia prejudicaria o reerguimento econômico-industrial europeu.

Além disso, os governos componentes da CECA continuaram seus esforços na busca de fontes alternativas de energia, com o intuito de reduzir a dependência única e exclusiva do carvão, a fim de viabilizar novas janelas econômicas para a renascente indústria européia e sua respectiva população. O mundo já tinha conhecimento dos efeitos nocivos da energia nuclear, devido aos acontecimentos nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki, contudo, a fissão de materiais nucleares é a que fornece maior quantidade de energia em menor espaço territorial. Deste modo, com o intuito de tornar a energia nuclear viável ao consumo doméstico e industrial, os mesmos países que fundaram a CECA criaram a Comunidade Européia de Energia Atômica – EURATOM, através do Tratado de Roma em 1957. Tanto a CECA quanto a EURATOM são organizações que tem o claro escopo de sustentar o crescimento econômico-industrial da Europa por meio do fornecimento constante de energia a preços módicos aos países europeus, estratégia denominada de Segurança Energética, que deu suporte para a construção da Comunidade Econômica Europeia – CEE.

Um ponto chave do tratado de criação da EURATOM está relacionado com as primeiras preocupações com o Meio Ambiente, na medida em que os governos europeus davam mais enfoque à energia nuclear, do que a gerada pelo carvão, bem antes da Declaração de Estocolmo em 1972. Apesar de toda a euforia de reconstrução da Europa, é importante lembrar que neste período o mundo vivia as tensões da Guerra Fria, encabeçadas pelos Estados Unidos e a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS. Em outras palavras, a corrida armamentista entre os blocos divergentes era extremamente acirrada, marcadas pelo desenvolvimento de armas nucleares cada vez mais destruidoras, testadas em territórios remotos de certos países a céu aberto ou mesmo em alto-mar.

Nesta época, os líderes mundiais tinham plena consciência do poder das bombas atômicas e durante pouco mais de 10 anos, a partir das detonações ocorridas no Japão em 1945, os Estados Unidos lideraram a indústria energética nuclear mundial. Para não perder competitividade de poder, a ex-URSS empreendeu esforços humanos e financeiros para igualar forças no cenário internacional, realizando diversos testes nucleares em territórios remotos da Sibéria. Mas foi no ano de 1955 que o então Presidente Dwight Eisenhower lançou o Programa “Átomos para Paz”, o qual promoveu o desenvolvimento pacífico da energia nuclear em todo o mundo e de modo contundente influenciou a criação da EURATOM, em 1957. Mesmo diante destes esforços políticos, países europeus como a França e Inglaterra, por exemplo, continuaram a realizarem testes nucleares em arquipélagos situados nos oceanos Atlântico, Pacífico e Índico.

Dessa forma, durante décadas os princípios de proteção ao meio ambiente foram completamente ignorados pelas grandes potências, principalmente no tocante à realização de poderosos testes nucleares em regiões inóspitas e distantes dos centros urbanos, mas que guardam suas peculiares riquezas de fauna e flora, tudo em prol de uma disputa de força bélica em âmbito internacional.

3. Princípios de Direito Ambiental no Tratado da EURATOM.

Antes de adentrar na análise dos princípios de Direito Ambiental, vale lembrar que neste mesmo tratado foi instituída a Comunidade Econômica Europeia, a qual lançou as bases para a futura integração econômica que culminaria com a construção da atual União Europeia, logo esta comunidade de países já nasceu com a preocupação ambiental antes da Declaração de Estocolmo de 1972. Um dos órgãos formadores da Comunidade recebeu o nome de Comissão Europeia sob a qual ficou com a incumbência de criar um Centro Comum de Investigação Nuclear, o qual se responsabilizava pelos estudos de aprimoramento do setor energético nuclear europeu.

A primeira preocupação dos elaboradores do Tratado da EURATOM está afeto à proteção da população local e dos trabalhadores das usinas nucleares em termos de proteção sanitária, logo estava estabelecido as linhas iniciais para o que no futuro se denominaria de meio ambiente do trabalho. Isto demonstra que os efeitos da radiação em seres humanos foi amplamente estudado nos anos seguintes às explosões atômicas nas cidades japonesas, na medida em que foi necessário o desenvolvimento a curto prazo de novas técnicas de tratamento médico para as vítimas da referidas detonações atômicas.

Diz o art. 30 e 34 do Tratado da EURATOM, respectivamente

“Art. 30. Serão estabelecidas na Comunidade normas de base relativas à proteção sanitária da população e dos trabalhadores contra os perigos resultantes das radiações ionizantes. Entende-se por normas de base: a) As doses máximas permitidas, que sejam compatíveis com uma margem de segurança suficiente;b) Os níveis máximos permitidos de exposição e contaminação; c) Os princípios fundamentais de vigilância médica dos trabalhadores.[…]

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Art. 34 Qualquer Estado-Membro, em cujos territórios se realizem experiências particularmente perigosas, deve tomar medidas suplementares de proteção sanitária relativamente às quais obterá previamente o parecer da Comissão. Será necessário o parecer favorável da Comissão quando os efeitos das experiências forem susceptíveis de afetar os territórios de outros Estados-Membros.

Art. 35. Os Estados-Membros providenciarão pela criação das instalações necessárias para efetuar o controlo permanente do grau de radioatividade da atmosfera, das águas e do solo, bem como o controlo do cumprimento das normas de base. A Comissão tem direito de acesso a estas instalações de controlo e pode verificar o seu funcionamento e eficácia. […]”

Nestes dispositivos está assentado o princípio jurídico-ambiental da prevenção, já que a proteção sanitária se refere ao fornecimento de vestuário apropriado para o manuseio dos elementos radioativos, desenvolvimento de medicamentos que absorvem e promovem a eliminação mais rápida do corpo humano, caso haja exposição à radiação, sistemas de monitoramento dos índices de radioatividade nos ambientes das usinas e arredores, relativos ao ar, solo e água, plano de contingências e eventual evacuação dos trabalhadores e das populações vizinhas em caso de vazamentos ou acidentes nucleares. Em outras palavras, o princípio da prevenção está relacionado com a exata noção dos efeitos danosos de algo perigoso para o meio ambiente, assim a proteção sanitária estabelecida nos referidos dispositivos.

Por sua vez, o art. 36 do Tratado da EURATOM:

“Art. 36. As informações relativas aos controles referidos no artigo 35 serão comunicadas regularmente pelas autoridades competentes à Comissão, a fim de que esta seja mantida ao corrente do grau de radioatividade susceptível de exercer influência sobre a população.”

Este dispositivo estabeleceu que os Estados-Partes possuidores de usinas nucleares em seus territórios tem o dever de informar regularmente às autoridades da Comissão Europeia sobre todo o tipo de atividade relativa aos materiais físseis ocorridas em território europeu. Logo, isto se coaduna com o princípio jurídico-ambiental da informação, e na na lição de Édis Milaré expõe de forma bastante clara os contornos deste importante princípio. Segundo ele:

“este princípio impõe o constante diálogo entre o Estado e a sociedade e entre diversos segmentos sociais, no bojo dos processos decisórios e na formulação e execução de políticas públicas voltadas a conservação e à recuperação dos recursos que compõem o ambiente.”[2]

A informação é relevante para estabelecer um grau de confiança entre os países europeus em relação à energia nuclear, tendo em vista que dentro de usinas nucleares programas bélicos voltados para a construção de artefatos nucleares, comprometendo a paz na Europa. Ademais, a informação serve, ainda, para permitir o conforto e a tranqüilidade das populações que diretamente ou indiretamente se relacionam com a energia nuclear.

Tais princípios de direito ambiental ampliaram seus efeitos para o que, atualmente, os europeus conhecem como Direito da Energia Nuclear, a partir da fundação em 23 de Outubro de 1956 foi criada a Agência Internacional de Energia Atômica – AIEA, com atuais 136 membros, com sede em Viena, Áustria. da Agência Internacional da Energia Atômica – AIEA, órgão da Organização das Nações Unidas – ONU, dentro do Programa “Átomos para a Paz”. Desse modo, a normatização das atividades do setor energético-nuclear tende a ter base principiológica diferenciada e mais rígida se comparado com as demais fontes de energia conhecidas.

Desde esta data, a AIEA tem atuado sistematicamente na divulgação dos benefícios na energia nuclear, além realizar fiscalizações nos programas nucleares nacionais, para tentar assegurar o uso pacífico dos materiais nucleares, sem obter sucesso em alguns casos, mas, principalmente, auxiliar os Estados-parte no desenvolvimento de normas reguladoras assecuratórias do uso pacífico dos insumos atômicos. Em outras palavras, a AIEA é uma autêntica agência reguladora multilateral do setor energético nuclear mundial. Este trabalho tem tido grande êxito, principalmente, pelo intercâmbio de experiências entre os Estados, formando uma teia de informações imprescindíveis para o aprimoramento da técnica de geração de energia nuclear, refletido no aumento dos pedidos de auxílio e adesões ao Estatuto do AIEA nos últimos anos.

Assim, em Direito da Energia Nuclear tem-se o princípio do controle permanente ou contínuo que está conectado com a fiscalização constante dos órgãos reguladores, nacional e internacional, no que se refere à atividade industrial nuclear. Isto é, o agente atuante na atividade nuclear deve seguir à risca todas as normas impostas no termo de permissão concedido pelo órgão regulador doméstico e estrangeiro. Este controle pode ser feito de forma direta através de Ministério criado especificamente para este intuito, ou através de agências reguladoras e/ou executivas que podem vir a exercer esta função de polícia administrativa aos agentes que atuam na cadeia produtiva de processamento e/ou reprocessamento de material nuclear, inclusive exercendo rígido controle de qualidade e eficiência energética nas empresas estatais.[3]

Ademais, o princípio da prevenção em Direito Ambiental ganhou respaldo no que se refere à ao princípio da segurança individual. Este é o primeiro e mais importante requisito a ser levado em consideração, quando se trata do uso da energia nuclear. Isto se deve ao fato da energia nuclear requerer extremo cuidado em seu manuseio, mas que se efetivado gera enormes benefícios para a humanidade. Procedimentos rigorosos devem ser utilizados na rotina de uma usina nuclear, a fim de proporcionar tranqüilidade e conforto dos operários e engenheiros e outros trabalhadores transitórios. A segurança individual é o ponto de partida inicial para se pensar em trabalhar com materiais físseis, já que eles trazem em sua natureza a capacidade de emitir ondas radioativos, extremamente nocivas para os seres vivos, independente de sua natureza, desde uma bactéria até o ser humano, todos podem sofrer modificações genéticas se expostos à esta radiação.

O princípio da informação em Direito Ambiental encontra correspondente no princípio da transparência. Este goza do mais alto grau de problemática entre os Estados, pois em todos eles, a atividade nuclear é questão de Soberania e tratada como detentora de extrema confidencialidade. Os países devem disponibilizar informações dos seus programas nucleares, como forma de criar um ambiente confiável e cordial de relações intergovernamentais. É fato que a publicidade não deve ser total, pois existem aspectos que merecem sigilo, todavia, as informações prestadas a AIEA possuem o sigilo necessário devido à neutralidade e seriedade desta instituição em âmbito internacional. Devido à sensibilidade do tema, a transparência dificilmente será absoluta, pois divulgar dados de pesquisas científicas nesta área é comprometer os rumos e as estratégias políticas de um país. Para isso o controle da AIEA é fundamental para garantir o mínimo de transparência dos programas nucleares nacionais.

4. O Exemplo da França.

A França é o grande paradigma mundial da eficiência da energia nuclear, mas tudo provém da cultura do provo francês em se ver como nação livre, independente e, soberana. Tal fato é emblemático no cenário mundial pois resgatou o orgulho francês depois da fragorosa derrota na Segunda Guerra Mundial e dominação por cerca de 5 anos pela Alemanha Nazista.

Com a economia em colapso após a Segunda Guerra Mundial, as tratativas para a criação da Comunidade Econômica do Carvão e do Aço foram bem sucedidas e, as relações com a Alemanha foram retomadas. Desta feita, a França poderia ter se contentado, à época, em ter sua Segurança Energética baseada em carvão e seguindo os mesmos passos das outra nações européias na política substitutiva do carvão pelo petróleo/gás. Porém, os franceses escolheram um outro caminho na estrada rumo à Segurança Energética. Lançaram seus esforços no desenvolvimento de uma indústria energético-nuclear de ponta ao longo destes quase 70 anos do fim dos combates da Segunda Grande Guerra.

Herbst e Hopley afirmam que:

“Para o francês, a ideia de ser dependente da energia proveniente do volátil Oriente Médio é bastante perturbador. Cidadãos franceses, apesar da ciência da diminuição do sua importância como superpotência no estágio pós-Segunda Guerra, rapidamente aceitou a noção de que o poder nuclear pode ser uma necessidade desde que eles, com reduzida importância, não podia assegurar ou proteger de forma adequada as importações de petróleo”.[4]

O governo francês também lançou campanhas educativas, reveladoras dos benefícios da energia nuclear, com o intuito de estimular o apoio popular ao projeto nuclear francês. Isto gerou efeitos positivos, resultando no fato de dois terços da população francesa é favorável à energia nuclear. Ademais, campanhas televisivas milionárias foram ao ar para reforçar a ligação entre energia nuclear e a eletricidade usada pelos franceses, além é claro, da política de incentivo à visitação das instalações nucleares pelos cidadãos franceses.[5]

Acrescentado a isso, há uma cultura francesa de valorização dos cientistas e engenheiros, a pesquisa em geral. Isto passou para o campo da política, servidores públicos de alto escalão e autoridades governamentais foram formadas como cientista e não como burocratas ligados ao Direito, à Economia e à Política. Tal fato eleva o nível de pensamente e de debate no tocante ao desenvolvimento de políticas públicas energéticas.

Se comparado com o Brasil, a discrepância é assombrosa. As indicações para áreas estratégicas da economia nacional provém de indicações políticas despreocupadas com a capacidade técnica das autoridades. Por outro lado, a forma de seleção dos profissionais que exercerão funções importantes na Administração Pública é feita sem critérios, onde a mera memorização de dispositivos legais é suficiente para ingresso em uma carreira pública e, é motivo de aplausos de grande parte da sociedade, ou questões que exploram o diletantismo intelectual de parte dos examinadores, sem qualquer cunho prático, impedem a formação de uma massa crítica de servidores ciente da sua função. O mesmo ocorre com os profissionais de outros setores administrativos públicos, inclusive Poder Judiciário, Ministério Público e Advocacia Pública, com o agravante de serem investidos de poderes e prerrogativas constitucionais.

Atualmente, segundo informações da WNA, 75% da energia produzida na França é advinda de 59 usinas nucleares (Belleville 1 e 2, Blayas 1-4, Bugey 2-5, Cattetom 1-4, Chinon B 1-4, Chooz B 1-4, Civaux 1 e 2, Cruas 1-4, Dampierre 1-4, Fessenheim 1 e 2, Flamanville 1 e 2, Golfech 1 e 2, Gravelines B 1-4, Gravelines C 5 e 6, Nogents/Seine 1 e 2, Paluel 1-4, Penly 1 e 2, Saint-Alban 1 e 2, Saint-Laurent B 1 e 2, Tricastin 1-4 e Phenix). Além disso, a França tem o menor custo de geração deste tipo de energia no mundo, a tecnologia nuclear mais avançada e reaproveita 17% do dejetos nucleares na geração de energia elétrica.[6]

Tamanha força energética, a França tem exportado energia para Bélgica, Alemanha, Itália, Espanha, Suíça e Grã-Bretanha com lucro de 3 bilhões de euros por ano, indicando que a eficiência energética e a Segurança Energética, ambas nucleares são possíveis, desde que haja vontade política e respaldo popular para o desenvolvimento de uma matriz energético-nuclear confiável.

Desta maneira, a disposição das instalações nucleares em território francês possibilita o acesso à energia elétrica a todas as regiões. Há uma certa proporcionalidade na distribuição de pontos de geração de energia elétrica. Esta conformação permite uma interligação eficiente das redes de transmissão elétrica, permitindo que em caso de falha, soluções alternativas sejam adotadas sem comprometer a totalidade do sistema.

Outra grande inovação da França se refere a empresa francesa DCNS desenvolveu uma espécie de usina nuclear submarina (tecnologia FlexBlue), com elevados níveis de segurança de instalação. Com isso, os riscos de um ataque terrorista foi reduzido drasticamente, bem como o furto de materiais radioativos foi praticamente debelado.

Em outras palavras, atacar um usina nuclear submarina é praticamente impossível pelos padrões internacionais de ataques terroristas da atualidade, também não é possível o acesso de pessoas comuns à estas instalações, é preciso mergulhadores especializados, logo a ocorrência de furto de material radioativo ganha mais um obstáculo físico, representado pela coluna d’água existente acima do gerador nuclear e, existem também uma proteção extra feita por uma rede fabricada em material especial, que afasta qualquer choque de animais ou rochas contra estas instalações e, até mesmo bloqueia contra agressões militares, como por exemplo ataques com torpedos.

Em suma, a França está na vanguarda do desenvolvimento de usinas nucleares altamente seguras tanto em terra firme, como instaladas no leito marinho, podendo ser um paradigma a ser seguido por outros países que intencionam tornar a energia nuclear a sua principal matriz energética.

Conclusão

Em síntese, é perceptível que os princípios de Direito Ambiental na Europa tiveram suas primeiros esboços traçados durante a corrida armamentista nuclear da Guerra Fria, explicitadas no Tratado da Comunidade Europeia da Energia Atômica – EURATOM, em 1957, bem como sedimentados e divulgados pela Agência Internacional de Energia Atômica no campo do Direito da Energia Nuclear, no interior dos atributos da ONU.

Mitos e preconceitos em relação à energia nuclear devem ser abandonados pela classe jurídica formadora de opinião. Os estudiosos do Direito devem sempre estar abertos a novos paradigmas e novas ideias, a eles cabem a modernização do conjunto de leis vigente, são a palavra técnica dos anseios populares, consequentemente, àqueles que gozam de poderes constitucionalmente atribuídos terão melhor embasamento teórico e empírico face à questão energético-nuclear, quando da tomada de decisões ou na elaboração de pareceres técnicos. Frear o avanço técnico-científico e econômico através de um olhar arcaico é agir contrário ao que prega a Constituição Federal, sobretudo, frente às suas atribuições estatais.

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O acidente nuclear ocorrido com a Usina Nuclear de Fukushima, controlada pela Tokyo Eletric Power Company – TEPCO, em abril de 2011 foi decorrente de uma hecatombe natural e não por causa do uso da energia nuclear em si. De fato a referida usina nuclear suportou toda magnitude do maremoto, o grande vilão foi o tsunami que destruiu os geradores que forneciam energia para os refrigeradores do reator nuclear. O mesmo nível catastrófico ocorreria se um terremoto destruísse as usinas hidrelétricas de Itaipu ou Tucuruí, causando um verdadeiro tsunami fluvial, consequentemente, ceifando milhares de vidas humanas. O acidente nuclear em Fukushima foi uma exceção ao uso da energia nuclear como fonte de energia elétrica, até porque países como o Japão não possuem outras opções de geração de energia elétrica devido a sua diminuta extensão territorial e, obviamente, a princípio, nenhum outro país irá subsidiar energia aos japoneses em ambiente internacional altamente concorrencial. Para o Japão ou se usa a energia nuclear ou fica no “escuro”, na medida em que este tipo de energia consome pouco espaço territorial e supre grande parte da demanda doméstica do Japão. O uso do território japonês deve ser altamente otimizado, tendo em vista a sua enorme população e o tamanho das terras passíveis de receber culturas agrícolas.

Por outro lado, a decisão da Alemanha de desativar todas as usinas nucleares até o ano de 2022, tomada em 30 de maio de 2011, também não influencia, de forma contundente, a política governamental de outros Estados, pois a energia nuclear continuará a ser usada em proporção industrial por uma questão de Soberania e auto-determinação inerente aos povos e, por conseguinte, aos Estados. Aliás, a Alemanha tem amplo conhecimento de todo o ciclo do urânio em território nacional, logo a decisão do governo alemão encabeçado pela Chanceler Angela Merkel constitui um “luxo” para o país, pois a grandiosidade econômica e tecnológica da Alemanha permite que outras fontes alternativas de energia sejam aprimoradas a ponto de suprir a falta da energia nuclear em um primeiro momento, isto não quer dizer que no futuro as usinas nucleares alemãs sejam novamente reativadas por outras necessidades domésticas e uma outra conjuntura política por parte do governo alemão, utilizando todo o know-how de décadas de uso eficiente da energia nuclear em solo germânico.

A energia nuclear já é uma realidade em alguns países, sobejamente naqueles que não possuem grandes extensões territoriais, logo não são detentores de muitas opções para a produção de energia no seu espaço territorial, como é o caso do Japão ou da Coréia do Sul. A fissão nuclear supre a demanda energética nesses países e não será descartada de forma abrupta por estes governos. O intuito da Comunidade Internacional é estabelecer normas gradativamente mais rígidas, capazes de minimizar os riscos de acidentes nucleares, os quais, desde Chernobyl, tem se intensificado e são poucos os relatos de tais incidentes. Assim, em futuro próximo, cada vez mais países ingressarão em sua própria era nuclear, com a finalidade de promoverem seus próprios crescimentos econômico-industriais, mantendo a “locomotiva capitalista” em movimento.

 

Referências
ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BORGES, Marcos A. S. SEGURANÇA ENERGÉTICA E SOBERANIA. Aspectos jurídicos e geopolíticos do crescimento da participação da energia nuclear na matriz energética brasileira. 2011. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2011.
HERBST, Alan. M., HOPLEY, George.W. Nuclear Energy Now. Why the time has come for the world’s most misuterstood energy source. New Jersey – Unites States of America: John Wiley & Sons, Inc, 2007.
INOGATE Energy Portal. http://www.inogate.org/
International Energy Outlook 2005. US Energy Information Administration. Disponível em:  www.eia.doe.gov/security/contents.html.
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. www.iea.org
INTERNATIONAL NUCLEAR SAFETY CENTER. www.insc.anl.gov.
INTERNATIONAL ATOMIC ENERGY AGENCY. www.iaea.org.
NUCLEAR ENERGY AGENCY. www.oecd-nea.org.
SALDANHA, Eduardo. Teoria das Relações Internacionais. Curitiba: Juruá, 2009.
SARFATI, Gilberto. Teoria de Relações Internacionais. São Paulo: Saraiva, 2005.
World Nuclear Association. www.world-nuclear.org.
 
Notas:
 
[1] HÉMERY, Daniel; DEBEIR, Jean-Claude; DELÉAGE, Jean-Paul. Uma História da Energia. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993. P.151.

[2] MILARÉ, Edis. Direito Ambiental. A Gestão Ambiental em foco. 6ªed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

[3] Para maiores informações sobre princípios do Direito da Energia Nuclear, BORGES, Marcos A. S. SEGURANÇA ENERGÉTICA E SOBERANIA. Aspectos jurídicos e geopolíticos do crescimento da participação da energia nuclear na matriz energética brasileira. 2011. 150 f. Dissertação (Mestrado em Direito) Faculdade de Direito, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2011.

[4] To the French, the thought of being dependent on the volatile Middle East for their energy was quite disturbing. French Citizens, perhaps sensing their diminished role as a superpower on the post-World War II stage, quickly accepted the notion that nuclear power might be a necessity since, they, in their diminished role, could not adequately secure or protect their supply of imported oil. (No original) HERBST, Alan. M., HOPLEY, George.W. Nuclear Energy Now. Why the time has come for the world’s most misuterstood energy source. New Jersey – Unites States of America: John Wiley & Sons, Inc, 2007, p. 100.

[5] HERBST, Alan. M., HOPLEY, George.W. Nuclear Energy Now. Why the time has come for the world’s most misuterstood energy source. New Jersey – Unites States of America: John Wiley & Sons, Inc, 2007, p. 101

[6] World Nuclear Association. www.world-nuclear.org.


Informações Sobre o Autor

Marcos Aurélio dos Santos Borges

Advogado atuante no Estado do Pará e Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho – RJ. Especialista em Direito Tributário e Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – RJ. Especialista em Direito Internacional Público por título conferido pelo Comitê Jurídico Interamericano da Organização dos Estados Americanos – OEA. Graduação em Direito pela Universidade Federal do Pará. Parecerista-Avaliador ad hoc da Universidade Federal de Uberlândia.


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