Menino de 9 anos dá ré em Porsche e bate em muro em SC: análise jurídica

um menino de 9 anos, em Itapema, Santa Catarina, entrou em um Porsche estacionado, deu marcha ré e colidiu com o muro de um condomínio. A análise será fundamentada nas leis brasileiras, considerando o Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406/2002), o Código de Trânsito Brasileiro (CTB, Lei nº 9.503/1997), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei nº 8.069/1990) e outras normas aplicáveis. Vou abordar as responsabilidades do menor, dos pais ou responsáveis, do proprietário do veículo e de terceiros, caso existam.

1. Contexto Factual

O menino de 9 anos entrou em um Porsche pertencente a um vizinho, que estava estacionado e aparentemente destravado, com a chave dentro. O proprietário do veículo já havia mostrado o carro ao menino anteriormente, permitindo que ele conhecesse o interior e suas funcionalidades. O menino ligou o veículo, engatou a marcha ré e colidiu com o muro do condomínio. Não houve feridos, mas o veículo, avaliado em mais de R$ 1 milhão, sofreu danos e não possuía seguro. O incidente foi registrado por câmeras de segurança e ocorreu em 4 de março de 2025.

2. Capacidade Jurídica do Menor

De acordo com o art. 5º do Código Civil Brasileiro, a menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa passa a ter plena capacidade para os atos da vida civil. Como o menino tem apenas 9 anos, ele é considerado absolutamente incapaz (art. 3º, inciso I, do Código Civil), ou seja, não pode responder diretamente por seus atos, nem civil nem penalmente.
  • Consequência: A responsabilidade pelos atos do menor recai sobre seus pais ou responsáveis legais, conforme o art. 932, inciso I, do Código Civil, que estabelece que os pais são responsáveis pela reparação civil dos danos causados por seus filhos menores que estejam sob sua guarda e companhia.

3. Responsabilidade Civil dos Pais ou Responsáveis

O art. 932, inciso I, do Código Civil determina que os pais são solidariamente responsáveis pelos danos causados por seus filhos menores. Essa responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa dos pais, bastando que o dano tenha sido causado pelo menor sob sua guarda.
  • Aplicação ao caso: O menino causou danos materiais ao Porsche (parte traseira avariada) e ao muro do condomínio. Os pais do menor, portanto, são responsáveis por indenizar tanto o proprietário do veículo quanto o condomínio pelos prejuízos materiais.
  • Base legal para a indenização: O art. 927 do Código Civil estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. O ato do menino, embora ele não tenha capacidade para ser responsabilizado diretamente, é considerado ilícito (art. 186 do Código Civil), pois violou o direito de propriedade alheia e causou prejuízo.
  • Danos a serem reparados:
    • Porsche: Reparos na parte traseira do veículo, cujo valor pode ser elevado, dado que o carro é de luxo (estimado em mais de R$ 1 milhão).
    • Muro do condomínio: Custos de reparo do muro, a serem arcados pelos pais, caso o condomínio exija.
Observação: Não há menção a danos morais no caso, mas, se o proprietário do veículo ou o condomínio alegarem abalo emocional ou prejuízo à imagem (no caso do condomínio, por exemplo), isso poderia ser pleiteado judicialmente, conforme o art. 5º, inciso V, da Constituição Federal, e o art. 186 do Código Civil.

4. Responsabilidade do Proprietário do Veículo

O proprietário do Porsche também pode ter alguma responsabilidade no incidente, dependendo das circunstâncias. Há dois pontos a considerar:
4.1. Deixar o veículo destravado com a chave dentro
Segundo relatos, o proprietário costumava deixar o Porsche destravado, com a chave dentro, para facilitar a movimentação por funcionários do condomínio. Isso pode ser interpretado como uma conduta negligente, pois contraria o dever geral de cuidado previsto no art. 186 do Código Civil. Deixar um veículo de alto valor destravado e com a chave acessível em um local onde crianças circulam pode ser considerado uma imprudência que contribuiu para o evento danoso.
  • Responsabilidade concorrente: O art. 945 do Código Civil prevê que, se a vítima (no caso, o proprietário do veículo) contribuiu para o dano por sua negligência, a indenização pode ser reduzida. Assim, os pais do menor poderiam argumentar que a conduta do proprietário foi um fator determinante para o incidente, reduzindo o valor da indenização que lhes seria imputada.
  • Precedentes: Em casos semelhantes, tribunais brasileiros já reconheceram a culpa concorrente de proprietários que deixam veículos acessíveis a terceiros, especialmente menores. Por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que a guarda inadequada de bens perigosos (como um veículo) pode gerar corresponsabilidade (REsp 1.197.828/SP).
4.2. Mostrar o veículo ao menor
O fato de o proprietário ter mostrado o carro ao menino dias antes, permitindo que ele conhecesse o interior e suas funcionalidades, pode ter estimulado a curiosidade da criança. Embora isso não seja, por si só, um ato ilícito, pode ser interpretado como uma conduta que aumentou o risco do incidente, especialmente se o proprietário sabia da idade do menino e de sua incapacidade para lidar com um veículo.
  • Conclusão: O proprietário pode ser considerado parcialmente responsável pelo incidente, o que pode levar a uma repartição da responsabilidade civil. Por exemplo, um juiz poderia determinar que os pais do menor arquem com 70% dos danos, e o proprietário, com 30%, dependendo das provas de negligência.

5. Responsabilidade no Âmbito do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)

O art. 310 do CTB prevê que é crime “permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada”, com pena de detenção de 6 meses a 1 ano ou multa. No entanto, para que o proprietário do Porsche seja penalmente responsabilizado por esse artigo, seria necessário provar que ele ativamente permitiu ou confiou o veículo ao menor.
  • Análise: Não há indícios de que o proprietário tenha autorizado o menino a dirigir o veículo no momento do incidente. O fato de o carro estar destravado e com a chave dentro configura negligência, mas não necessariamente uma permissão direta. Assim, é improvável que o proprietário seja responsabilizado criminalmente com base no art. 310 do CTB.
  • Responsabilidade administrativa: O art. 163 do CTB prevê uma infração gravíssima para quem entrega a direção a pessoa não habilitada, mas, novamente, isso exige uma ação deliberada do proprietário, o que não parece ser o caso.

6. Responsabilidade do Condomínio

O condomínio, como administrador do espaço onde o incidente ocorreu, não parece ter responsabilidade direta no caso, a menos que haja prova de negligência em sua gestão. Por exemplo, se o condomínio sabia que o proprietário deixava o veículo destravado e não tomou medidas para coibir essa prática (como advertências ou regras internas), poderia ser argumentada uma corresponsabilidade.
  • Dano ao muro: O condomínio pode exigir dos pais do menor a reparação do dano ao muro, com base no art. 186 do Código Civil.
  • Segurança no condomínio: Se o condomínio possui câmeras de segurança (como mencionado no caso), isso demonstra que havia alguma vigilância, o que reduz a possibilidade de sua responsabilização.

7. Aspectos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)

O ECA (Lei nº 8.069/1990) protege os direitos das crianças e adolescentes, mas também prevê medidas socioeducativas para menores que cometem atos infracionais. Como o menino tem 9 anos, ele é considerado uma criança (menor de 12 anos) e, portanto, não pode ser submetido a medidas socioeducativas, que se aplicam apenas a adolescentes (12 a 18 anos), conforme o art. 103 do ECA.
  • Ato infracional: O ato do menino poderia ser enquadrado como um ato infracional análogo ao crime de dano (art. 163 do Código Penal), mas, por sua idade, ele não pode ser responsabilizado penalmente.
  • Medidas protetivas: O art. 101 do ECA prevê que, em casos como esse, o Conselho Tutelar pode ser acionado para aplicar medidas protetivas à criança, como orientação aos pais ou encaminhamento para programas sociais, visando evitar a reincidência de comportamentos de risco.

8. Ausência de Seguro do Veículo

O fato de o Porsche não ter seguro implica que o proprietário não poderá acionar uma seguradora para cobrir os danos. Isso reforça a responsabilidade dos pais do menor (e possivelmente do próprio proprietário, caso sua negligência seja comprovada) para arcar com os custos do reparo.

9. Conclusão e Repartição de Responsabilidades

Com base na legislação brasileira e nos fatos apresentados, a repartição de responsabilidades seria a seguinte:
  • Pais do menor: São os principais responsáveis pela reparação dos danos (Porsche e muro do condomínio), conforme o art. 932, inciso I, do Código Civil. A responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa, já que o menor estava sob sua guarda.
  • Proprietário do veículo: Pode ser considerado parcialmente responsável, com base no art. 945 do Código Civil, por sua negligência ao deixar o carro destravado com a chave dentro. Essa conduta contribuiu para o incidente, e um juiz pode reduzir a indenização devida pelos pais, atribuindo uma parcela da responsabilidade ao proprietário.
    • Exemplo prático: Se os danos totais (Porsche + muro) forem avaliados em R$ 100.000, o juiz pode determinar que os pais paguem 70% (R$ 70.000) e o proprietário arque com 30% (R$ 30.000), dependendo das provas de culpa concorrente.
  • Condomínio: Não parece ter responsabilidade direta, mas pode exigir a reparação do dano ao muro.
  • Menor: Não pode ser responsabilizado civil ou penalmente devido à sua incapacidade absoluta (art. 3º, inciso I, do Código Civil). O Conselho Tutelar pode ser acionado para aplicar medidas protetivas.

10. Recomendações

  • Aos pais: Buscar um acordo extrajudicial com o proprietário do veículo e o condomínio para reparar os danos, evitando uma ação judicial que pode ser mais custosa.
  • Ao proprietário: Adotar medidas de segurança para evitar que o veículo fique acessível a terceiros, como travar as portas e não deixar a chave dentro. Ele também pode pleitear judicialmente a reparação dos danos, mas deve estar preparado para uma eventual redução da indenização devido à sua possível culpa concorrente.
  • Ao condomínio: Estabelecer regras internas mais rígidas sobre a guarda de veículos no estacionamento, para evitar incidentes semelhantes no futuro.

Essa análise reflete uma interpretação crítica das normas aplicáveis, considerando tanto a responsabilidade objetiva dos pais quanto a possível negligência do proprietário do veículo. O caso ilustra a importância de cuidados na guarda de bens perigosos, como veículos, especialmente em ambientes onde há circulação de crianças.
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