Quando um menor de idade é apreendido em flagrante pela prática de ato infracional, os responsáveis precisam agir com rapidez, cautela e conhecimento dos direitos garantidos ao adolescente pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A legislação brasileira determina um procedimento específico para casos de apreensão de menores, e o não cumprimento dessas normas pode levar à ilegalidade do ato. Neste artigo, você entenderá exatamente o que fazer nesse tipo de situação, quais são os direitos do menor, como funciona o procedimento legal e qual é o papel da família, da autoridade policial, do Ministério Público e do Judiciário.
O que é flagrante de ato infracional praticado por menor
O flagrante ocorre quando o adolescente é surpreendido no momento da prática de um ato infracional ou logo após, com evidências que apontem para a autoria. Ato infracional, por sua vez, é toda conduta descrita como crime ou contravenção penal cometida por alguém menor de 18 anos. O flagrante pode se dar por meio da apreensão do adolescente com objetos do crime, por perseguição imediata após o fato ou por delação testemunhal direta e imediata.
Exemplo clássico: um adolescente é pego com um celular recém-roubado e é reconhecido pela vítima momentos depois. Isso caracteriza o flagrante e permite sua apreensão.
Primeiras providências após a apreensão
Quando um menor é apreendido em flagrante, a autoridade policial deve, imediatamente, adotar uma série de providências. Os pais ou responsáveis devem ser informados sem demora, bem como o Ministério Público e a Defensoria Pública ou advogado constituído.
As providências imediatas incluem:
Comunicação da apreensão à família
Lavratura do auto de apreensão em flagrante de ato infracional
Garantia de direito ao silêncio e à presença do defensor
Encaminhamento ao representante do Ministério Público no prazo máximo de 24 horas
A ausência de qualquer dessas providências pode caracterizar ilegalidade no procedimento, passível de impugnação judicial.
Direitos garantidos ao menor apreendido
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) estabelece diversos direitos para os adolescentes em conflito com a lei. Abaixo estão os principais:
Direito ao respeito à integridade física e moral
Direito à presença de um defensor legal
Direito de não ser algemado, salvo em casos excepcionais e justificados
Direito a ser ouvido pela autoridade competente
Direito de comunicar-se com os pais ou responsáveis
Além disso, o adolescente só poderá ser mantido apreendido em delegacia até o prazo de 24 horas, e apenas em casos excepcionais. O mais comum é a condução imediata para uma unidade específica de atendimento socioeducativo.
O papel da autoridade policial
A autoridade policial é quem realiza o primeiro atendimento ao adolescente apreendido. Seu papel é apurar o fato, ouvir o menor (com a presença do responsável e do advogado ou defensor público), colher provas, e remeter o procedimento ao Ministério Público.
Durante o registro da ocorrência, é obrigatório:
Garantir o direito ao silêncio e a não autoincriminação
Verificar se o menor apresenta sinais de maus-tratos ou lesões
Comunicar a apreensão à família
Não manter o adolescente com adultos custodiados
É importante frisar que o policial não julga o adolescente. Ele apenas encaminha os fatos para os órgãos responsáveis pela investigação e julgamento.
O papel da família
A família exerce um papel fundamental nesse momento. Assim que souber da apreensão, os pais ou responsáveis devem:
Buscar informações imediatas na delegacia
Solicitar atendimento jurídico, caso o menor ainda não tenha sido assistido
Garantir apoio emocional ao adolescente
Acompanhar todas as etapas do processo
A presença da família pode influenciar positivamente na decisão da autoridade judicial e mostra que o adolescente tem suporte social e afetivo, algo que pode pesar na escolha de uma medida socioeducativa mais branda.
O que acontece após a apreensão
Após a apreensão, o menor é conduzido à Delegacia da Criança e do Adolescente (ou equivalente), onde será ouvido. Em seguida, no prazo máximo de 24 horas, o procedimento deve ser encaminhado ao Ministério Público.
O promotor pode:
Promover o arquivamento do caso (se não houver elementos suficientes)
Propor remissão (perdão judicial com ou sem aplicação de medida socioeducativa)
Oferecer representação (equivalente à denúncia) para que o caso seja julgado
Se houver representação, o juiz da Infância e Juventude analisará o pedido e poderá marcar audiência para oitiva do adolescente e julgamento.
Audiência de apresentação e decisão judicial
A audiência de apresentação deve ocorrer, preferencialmente, em até 45 dias. O adolescente será ouvido por um juiz, com a presença de advogado, promotor e, se possível, da família. O juiz pode decidir por:
Arquivamento
Remissão
Aplicação de medida socioeducativa
As medidas possíveis incluem:
Advertência
Obrigação de reparar o dano
Prestação de serviços à comunidade
Liberdade assistida
Semiliberdade
Internação em estabelecimento educacional
A internação é sempre a última medida, aplicada apenas em casos graves ou de reiteração infracional.
Como funciona a internação provisória
A internação provisória pode ser decretada quando houver necessidade de resguardar a ordem pública ou garantir o andamento do processo. No entanto, deve durar no máximo 45 dias, conforme prevê o artigo 108 do ECA.
Durante esse período, o adolescente permanece em unidade específica, com acompanhamento psicossocial e pedagógico. A ausência de estrutura adequada pode gerar pedidos de habeas corpus ou liberdade assistida, especialmente quando as condições do local violam os direitos do menor.
Quando cabe o habeas corpus
O habeas corpus é um instrumento jurídico utilizado para garantir a liberdade de alguém que está preso ou apreendido ilegalmente. No caso de menores, cabe habeas corpus quando:
O flagrante é ilegal (sem testemunhas, sem materialidade, com irregularidades)
O adolescente é mantido por mais de 24 horas em delegacia
Não há apresentação ao Ministério Público no prazo legal
A internação não foi fundamentada adequadamente
O habeas corpus pode ser impetrado pela família, pelo advogado ou pela Defensoria Pública.
O que é a remissão e quando ela pode ocorrer
A remissão é uma forma de exclusão do processo socioeducativo, que pode ser concedida pelo Ministério Público ou pelo juiz, em qualquer fase do procedimento. Ela pode ser:
Com aplicação de medida (como prestação de serviços)
Sem aplicação de medida (perdão puro e simples)
A remissão leva em conta o histórico do menor, a natureza do fato e o contexto social. É uma alternativa para evitar o estigma do processo e permitir ao adolescente retomar a vida sem a marca de uma medida judicial.
Diferença entre ato infracional e crime
É importante destacar que o adolescente não comete crime, mas sim ato infracional. A diferença está na responsabilização: menores de 18 anos não respondem criminalmente, mas sim com medidas socioeducativas previstas no ECA.
Essa distinção evita a punição penal e prioriza a reeducação, a reinserção social e a proteção integral do menor, conforme os princípios constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Papel do advogado ou defensor público
O advogado ou defensor público tem papel essencial na defesa do adolescente. Ele atua desde o momento da apreensão, garantindo que todos os direitos sejam respeitados. Suas funções incluem:
Acompanhar o menor nos depoimentos
Analisar a legalidade do flagrante
Requerer liberdade ou medidas alternativas
Defender o adolescente em juízo
Caso a família não tenha condições financeiras de contratar um advogado, a Defensoria Pública deve ser acionada imediatamente.
Medidas alternativas à internação
A internação deve ser a última opção, sendo priorizadas medidas em meio aberto, como:
Advertência: simples chamada de atenção verbal pelo juiz
Reparação de dano: obrigação de compensar a vítima
Prestação de serviços comunitários: trabalhos em hospitais, escolas, ONGs
Liberdade assistida: acompanhamento por assistente social ou psicólogo
Essas medidas têm caráter educativo e visam manter o adolescente no convívio familiar e escolar, sempre que possível.
Importância do acompanhamento psicológico e social
O acompanhamento psicológico e social do menor apreendido é fundamental para sua recuperação e reintegração. Profissionais de psicologia, serviço social e pedagogia atuam nas unidades de atendimento, elaborando planos individualizados de acompanhamento.
A omissão do Estado nesse suporte pode prejudicar o desenvolvimento do adolescente e contribuir para a reincidência.
Reincidência e novas apreensões
Caso o menor volte a ser apreendido por novos atos infracionais, o histórico anterior será levado em consideração. Isso pode resultar em medidas mais severas, inclusive internação, ainda que a infração atual não seja tão grave.
Por isso, o papel da família, da escola e da rede de proteção social é essencial para quebrar o ciclo infracional e dar novas oportunidades ao adolescente.
Registro e antecedentes de ato infracional
Os atos infracionais não geram antecedentes criminais, mas são registrados no sistema do Judiciário da Infância e Juventude. Esses registros são sigilosos e não podem ser utilizados contra o adolescente em sua vida civil futura, salvo para análise de reincidência no próprio sistema socioeducativo.
Perguntas e respostas
O menor pode ser preso por crime?
Não. Menores de 18 anos são inimputáveis penalmente. Eles respondem por ato infracional com medidas socioeducativas.
O que fazer imediatamente após a apreensão do menor?
Procurar a delegacia, garantir a presença de um defensor e acompanhar o procedimento. A família deve ser comunicada imediatamente.
O menor pode ser algemado?
Somente em casos excepcionais, com justificativa por escrito da autoridade policial.
A internação é obrigatória em qualquer caso?
Não. A internação é medida extrema, usada apenas quando há grave ameaça ou reiteração de atos infracionais.
O adolescente precisa de advogado?
Sim. A presença de um defensor (advogado ou defensor público) é obrigatória em todo o processo.
E se o flagrante for ilegal?
Pode ser impetrado habeas corpus para liberar o menor imediatamente.
A família será punida pelo ato do menor?
Não. A responsabilidade é individual, mas o juiz pode recomendar medidas de orientação, acompanhamento e apoio.
Quanto tempo dura a internação?
A internação pode durar até 3 anos, com reavaliações periódicas. A internação provisória, no entanto, é limitada a 45 dias.
É possível arquivar o caso sem julgamento?
Sim. O Ministério Público pode oferecer remissão ou o juiz pode arquivar o caso por falta de provas.
Conclusão
Quando um menor é apreendido em flagrante, é essencial agir com rapidez, garantir os direitos fundamentais e buscar a orientação adequada. O sistema socioeducativo existe para reeducar, não para punir como o sistema penal. A presença da família, o suporte jurídico adequado e o acompanhamento psicossocial são cruciais para transformar o episódio em uma oportunidade de mudança, e não em uma marca permanente na vida do adolescente. Conhecer os direitos e deveres envolvidos nesse processo é o primeiro passo para garantir justiça, proteção e dignidade ao menor em conflito com a lei.