Mercosul e a supranacionalidade: Meio de desenvolvimento regional

André Filipe da Rosa

Resumo: O MERCOSUL consta com o processo de integração intergovernamental desde sua criação, diferente do adotado pela União Europeia, que é pautado na supranacionalidade e no Direito Comunitário, como forma de dirimir conflitos internacionais do bloco. A comparação entre os blocos e o uso do modelo europeu é inevitável, haja vista a UE ser o bloco mais avançado no processo de integração regional, obtendo os maiores sucessos no setor econômico. Ainda que há diferenças nos objetivos iniciais de cada bloco e nas circunstâncias de suas criações, a reflexão da aplicação de um modelo similar no bloco do cone sul é válida, se a intenção for o desenvolvimento regional. Ocorre que, a possibilidade de aplicação desse instituto supranacional esbarra nos textos constitucionais dos Estados-membros e nos Tratados assinados anteriormente, exigindo assim, uma reforma inteligente e objetiva nos referidos dispositivos. Pretende-se demonstrar então a viabilidade do bloco latino-americano em abraçar o instituto da supranacionalidade, destacando as alterações que seriam necessárias para a implementação, assim como pontos positivos e negativos da sua funcionalidade, tudo isso com o intuito de desenvolver economicamente e culturalmente os Estados-membros, frente ao atual cenário internacional. Neste artigo foi aplicada metodologia hipotético-dedutiva, pois trata-se de um caso geral para o específico, elegendo uma hipótese que pode ser comprovada ou não com a experimentação.

Palavras-chave: Mercosul; integração; supranacionalidade; união europeia; desenvolvimento do bloco.

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Abstract: The MERCOSUR is part of the process of intergovernmental integration since its inception, different from the process adopted by the European Union, which is based on supranationality and community law, as a way of resolving international conflicts in the bloc. The comparison between the blocs and the use of the European model is inevitable, given that the EU is the most advanced bloc in the regional integration process, achieving the greatest successes in the economic sector. Although there are differences in the initial objectives of each block and in the situations of its creations, the reflection of the application of a similiar model in the block of the southern cone is valid if the intention is the regional development. It follows that the possibility of applying this supranational institution runs counter to the constitutional texts of the Member States and the previously signed Treaties, thus requiring an intelligent and objective reform of those provisions. The aim is to demonstrate the viability of the Latin American bloc to embrace the institute of supranationality, highlighting the changes that would be necessary for the implementation, as well as positive and negative aspects of its functionality, all with the purpose of developing economically and culturally the Member States, in the face of the current international scenario and globalization. In this article hypothetical-deductive methodology was applied, because it is a general case for the specific, choosing a hypothesis that can be proven or not with the experimentation.

Keywords: Mercosul; integration; supranationality; European Union; bloc development.

 

Sumário: Introdução. 1. Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). 1.1. Intergovernamentabilidade. 1.2. Processo de Integração. 2. Supranacionalidade. 2.1. Conceito. 2.2. Supranacionalidade na União Europeia. 3. Supranacionalidade no Mercosul. 3.1. Alterações no modelo do bloco. 3.2. Condições de aplicabilidade. 3.3 Vantagens e Desvantagens. Conclusão. Referências.

 

Introdução

A presente pesquisa dá atenção ao MERCOSUL e ao seu processo de integração, devido a sua importância para o sucesso de cada Estado-membro do bloco e seus cidadãos.

O desenvolvimento deste bloco depende diretamente do processo de integração adotado. No âmbito internacional há o exemplo bem-sucedido da União Europeia, que optou pela supranacionalidade em seu processo de integração, que hoje é o mais avançado. Este modelo de bloco deve servir como espelho para outros blocos que queiram avançar em seus processos integracionistas, mas apenas como exemplo, pois cada região carrega suas particularidades.

O objetivo desse artigo é explorar os processos de integração dos blocos latino-americano e europeu, comparando um ao outro, destacando suas diferenças e apontando as possibilidades de aplicação do instituto da supranacionalidade no MERCOSUL, com a intenção de obter resultados econômicos parecidos com aqueles já alcançados pelo continente europeu.

Pretende-se com o trabalho em questão destacar a viabilidade de aplicação do Direito Comunitário e da supranacionalidade, como meio de resolução de conflitos internacionais e o consequente desenvolvimento do bloco. Além disso, essa pesquisa encontra os entraves e barreiras na tentativa de se equiparar com o bloco europeu no que se refere ao processo de integração, como exemplo as Constituições nacionais de cada membro do MERCOSUL, somado aos Tratados já assinados, que em seus textos pouco se expressa acerca do instituto supranacional e a soberania compartilhada, e por fim, mas não menos importante, a observação das vantagens e desvantagens do referido instituto, caso passasse a vigorar no MERCOSUL.

O artigo divide-se em 3 (três) itens. O primeiro contemplará o MERCOSUL como bloco regional, desde sua origem, passando pela intergovernamentabilidade, que é o atual processo de integração do bloco, finalizando com o estudo do processo de integração em si.

O segundo item abordar-se-á supranacionalidade, o instituto do Direito Comunitário responsável pela tomada de decisões no âmbito regional do bloco, esclarecendo seu conceito, sua funcionalidade já aplicada na União Europeia e seus resultados já atingidos, gerando por consequência o desenvolvimento regional.

No terceiro item será analisada a possibilidade da aplicação da supranacionalidade no contexto do MERCOSUL, apresentando também as alterações necessárias no bloco para a implementação desse tipo de processo de integração, principalmente nos textos constitucionais dos Estados-membros. Esclarecendo que há pontos positivos, mas também há pontos negativos, caso venha a ser adotada a supranacionalidade neste bloco.

A técnica utilizada no presente artigo foi a de pesquisa e levantamento bibliográfico.

 

  1. Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)

A ideia de cooperação necessária para dar o primeiro passo na criação de um bloco econômico surgiu em 1985, quando houve a aproximação geopolítica entre Brasil e Argentina, duas das maiores potências econômicas da região, que representou uma ruptura na tradicional rivalidade entre esses dois Estados. Essa ideia embrionária foi proposta pelos presidentes de cada país na época, Raúl Afonsín presidente da República Argentina, e Tancredo Neves presidente da República Federativa do Brasil, o qual veio a falecer, mas seu vice-presidente, José Sarney, deu continuidade nas negociações, resultando na Declaração de Iguaçu e posteriormente em algumas Atas de integração, protocolos e acordos, como relata Oliveira (2003, p.139): “[…] os mecanismos que deram ensejo à unificação dos Estados-Partes do MERCOSUL foram: a Declaração do Iguaçu em 1985, e a Ata para a Integração Argentino-Brasileira, que instituiu o PICE (Programa de Integração e Cooperação Econômica).”.

Houve o amadurecimento da intenção de cooperação entre os Estados sul-americanos, tanto que em 1990 chegou-se no ápice deste procedimento, com a inclusão do Paraguai e Uruguai, consequência da assinatura da Ata de Buenos Aires, proposta por Carlos Meném e Fernando Collor de Mello, determinando que em quatro anos e meio seria criado um Mercado Comum.

Porém, esse lapso temporal pré-estabelecido não foi necessário, pois em 26 de março de 1991 na cidade de Assunção, capital da República do Paraguai, foi assinado pelos quatro Estados-membros, o tratado de Assunção, sendo a mais abrangente iniciativa de integração regional da América Latina, pois foi responsável pela criação do Mercado Comum do Sul – MERCOSUL. Segundo Stelzer (2007, p. 151) esse tratado tinha como primeiros objetivos a: “[…] eliminação de restrições não-tarifárias ou o desgravamento tarifário progressivo, linear e automático a ser implementado no comércio de bens, serviços e fatores produtivos dos quatro Países envolvidos: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, bem como, o estabelecimento de uma Tarifa Externa Comum (TEC), adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros países, coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre países participantes e a definitiva eliminação total de barreiras ao comércio local ainda não alcançada.”.

Dentre os princípios que regem o Mercado Comum do Sul a ausência de uma norma que estabeleça uma ordem supranacional, dificulta o cumprimento das normas do bloco econômico, as quais são submetidas as soberanias dos Estados Partes e seus interesses econômicos, sociais e políticos. A ausência da ordem supranacional enfraquece a consolidação da integração regional do bloco econômico.

O Tratado de Assunção não foi o único assinado pelos Estados-membros, constam ainda protocolos e instrumentos posteriormente efetivados, adicionais ao tratado constitutivo, que também são fontes normativas do MERCOSUL. Dentre eles, o Protocolo de Ouro Preto que tem grande importância, pois detalhou as regras de funcionamento institucional do bloco e fez com que o bloco fosse dotado de personalidade jurídica internacional, conforme o artigo 34 do Tratado de Assunção, bem como determina a estrutura e composição do bloco econômico.

Além disso, o Protocolo de Ouro Preto em seu artigo 37 instituiu que “as decisões dos órgãos do MERCOSUL serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados Partes” (Protocolo de Ouro Preto, 1996), o que alude o caráter intergovernamental deste bloco, diferente do modelo adotado pela União Europeia, onde prevalece a integração supragovernamental em algumas matérias.

Historicamente nota-se que já vinha sendo feito algo em prol da integração dos países que compõem o Mercosul, levando-se em conta, o que foi aqui exposto, ou seja, apesar de algumas contradições, o objetivo maior sempre foi a integração, seja ela cultural, econômica ou social.

A ideia na concepção do bloco foi a melhor intencionada possível, visto a realidade de cada Estado-membro e a situação global, entretanto isso deve ser considerado apenas o começo de uma evolução infindável da região, só que para evoluir é preciso mudar, mesmo que essas mudanças tragam receios e abdicações, pois o resultado será positivo para todos que o integram.

 

1.1. Intergovernamentabilidade

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O instituto da Intergovernamentabilidade foi adotado pelo Tratado de Assunção e ratificado no Protocolo de Ouro Preto em seu artigo 2º, prevendo que “São órgãos com capacidade decisória, de natureza inter-governamental, o Conselho do Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul.” (Protocolo de Ouro Preto, 1996), isso quer dizer que, segundo Marcelino (2013) o instituto da intergovernabilidade: “[…] estabelece a não delegação de soberania dos Estados, ou seja, os Estados Partes ao assinar o Tratado adotam a intergovernabilidade, e assim devem se mostrar mais abertos para as normas do bloco, normas estas que são aceitas por todos os membros do bloco, conforme previsto no referido Tratado.”.

Ocorre que esse instituto dificulta a unificação das normas do bloco econômico e prejudica a efetividade do mesmo, pois a estrutura intergovernamental permite que os membros do bloco não sujeitem sua soberania a um ente supranacional. Para corroborar com esse entendimento Ainhoren (2011) diz que o referido artigo 2º criou as: “[…] estruturas de tipo intergovernamental onde estão representados os interesses de cada Estado, cujas decisões estão submetidas à regra da unanimidade dependendo de posterior ratificação pelos órgãos nacionais. Descartou-se a criação de órgãos supra-nacionais, acima dos Estados, que poderiam aplicar suas decisões, diretamente, sem transposição para o direito interno dos Estados-Partes e concedeu-se à obrigatoriedade das normas jurídicas do MERCOSUL um caráter precário e condicionado.”.

Essa opção de estrutura intergovernamental do MERCOSUL, adotada pelos dos Estados integrantes ao invés da estrutura de integração estrita com um poder supranacional, deve ser talvez, a maior distinção entre este bloco e a União Europeia.

Fica claro que o MERCOSUL se baseia nos preceitos do Direito Internacional Público – DIP, pois não há um árbitro central com a capacidade compulsória de impor as determinações que deverão ser abraçadas pelo bloco, restando: “[…] aos Estados buscar solução dos conflitos através dos meios diplomáticos (negociação direta, mediação, arbitragem), e, na hipótese da não-observância de uma norma livremente acordada, restará ao Estado infrator a responsabilização internacional perante os demais Estados, aos quais será lícita a aplicação de medidas restritivas ou de efeito equivalente ou, mesmo, a suspensão ou denúncia do Tratado. Essas são as características da intergovernabilidade, pela qual as decisões são tomadas segundo os interesses dos próprios Estados.” (GOMES, 2018).

A ausência da supranacionalidade, na atribuição da soberania aos Estados-parte, faz com que o MERCOSUL seja um bloco econômico deficiente na execução de seus objetivos e normas.

Ainda sobre como a escolha dos Estados pela Intergovernamentabilidade no MERCOSUL e em como isso afronta o processo de integração da região em que se encontram, diz Jorge Perez Otermin (p. 123): “Lo cierto es que el criterio que ha imperado, pero por cierto no unánimemente deseado, há sido y sigue siendo – incluso en el Protocolo de Ouro Preto – el negarle al proceso de integración el menor viso de supranacionalidad. Esta posición ha sido sostenida principalmente pro Brasil, argumentando en impedimentos de orden constitucional.”.

Por mais evoluído e avançado que se encontre o Mercado Comum do Sul, os integrantes do bloco ainda não conseguem colocar a norma internacional/regional acima da norma interna, atrasando, ou pelo menos freando, o processo de integração por completo, deixando de se aproximar daquilo que hoje vemos na União Europeia, ou seja, a supranacionalidade. “Com a Intergovernabilidade o bloco econômico não tem força coercitiva para impor suas normas e decisões, ficando a critério dos Estados Partes adotarem as referidas normas do bloco em seu ordenamento jurídico interno, para que assim, sejam cumpridos os acordos realizados entre os membros. Verifica-se que esse processo de integração das normas do bloco aos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Partes, dificulta a implementação dos objetivos e ações do MERCOSUL. Como consequência o bloco torna-se enfraquecido quando ao seu processo de desenvolvimento comercial.” (MERCELINO, 2013).

São compreensíveis as dificuldades e empecilhos que o bloco vem enfrentando em sua caminhada à integração e ao desenvolvimento regional, tendo em vista o pouco tempo de experiência, comparada a própria União Europeia que nascera décadas antes, mas é preciso sempre buscar o aperfeiçoamento visando os objetivos gerais do bloco e da sociedade regional, mesmo que sejam necessárias mudanças drásticas nas constituições nacionais.

No entanto, sabe-se que o Mercado Comum do Sul é: “[…] um bloco econômico em formação, que trouxe muitas conquistas para o desenvolvimento das relações comerciais internacionais dos países membros. O bloco ainda encontra alguns entraves quanto à efetivação de suas normas, por parte dos membros do bloco. A imperfeita execução dos objetivos do bloco faz com que os Estados Partes não queiram a criação de um órgão que se sobreponha aos seus governos, através da supranacionalidade. A adoção do caráter supranacional para o bloco fica fora de contexto, fazendo com que seja necessário para a efetivação de uma ordem supranacional, o aprofundamento dos processos de integração regional propostos pelo MERCOSUL. O Mercado Comum do Sul necessita da harmonização entre os países membros do bloco, devendo ocorrer à solução dos conflitos existentes entre as normas internas de cada país signatário, para que as normas do bloco econômico sejam cumpridas. Assim o Mercado Comum do Sul poderá caminhar para o desenvolvimento e atendimento dos objetivos estabelecidos pelo seu acordo de Constituição.”. (MARCELINO, 2013).

Após a exposição acerca da intergovernamentabilidade acima, fica cristalino que a adversidade do bloco em criar uma ordem jurídica supra-nacional no interior MERCOSUL vem da soberania nacional, que envolve a vontade e a prática dos governantes dos Estados-Partes integrantes deste bloco regional.

Ocorre que, com a nova realidade mundial, essa noção de soberania como elemento fundamental para o fortalecimento do Estado, já não se justifica. Ainda que se mantenha como uma ideia de insubmissão, independência e de poder supremo juridicamente organizado, deve-se levar em conta uma certa relatividade que lhe é imposta face às novas relações que se estabelecem no âmbito internacional.

Apesar da intergovernamentabilidade ter sua importância em alguns blocos por ser o instituto que melhor se adapta aquela região, ele está se tornando “ultrapassado” frente a velocidade da mudança que vem ocorrendo no direito internacional como um todo, ou seja, a globalização exige mais abertura dos Estados para o âmbito internacional, devendo os Estados atentarem-se a isso, caso queiram evoluir juntamente com o restante das nações.

1.2. Processo de Integração

A integração Regional pode ser descrita como uma modalidade de cooperação internacional, onde o conceito pode ser estabelecido de formas variadas, mas de modo geral, trata-se de um processo de coordenação de expectativas, ações e lealdades que permitem aos integrantes do bloco encararem dificuldades comuns de forma cooperada. “Tanto no nível regional como no nível mundial, a integração pode ser encarada ou no sentido de um laço de interdependência bastante alargado, no quadro de uma comunidade fortemente pluralista, ou de um laço muito estreito de interdependência, no quadro de uma comunidade que tende para a unificação.” (BRAILLARD, 1990, p.191).

Esse acordo de integração pode existir de maneiras institucionalizadas, somada a transferência de poder e competência decisória para atores criados, com o objetivo de desenvolver a integração. Para o cientista político alemão Kkarl Deutsch, um dos precursores da área, a integração regional seria “a consecução dentro de um território de um ‘sentido de comunidade’ e de instituições e práticas suficientemente fortes e generalizadas para assegurar, por um período ‘longo’ expectativas mútuas de ‘mudança pacífica’”. (DEUTSCH, 1957, p.5)

Da ótica do Direito Internacional, a integração regional é a expressão institucional do regionalismo, como a concentração das redes de interdependência entre Estados de um determinado espaço geográfico. No Direito Internacional Público – DIP, há o ramo especializado chamado de “Direito da Integração”, que comanda as instituições e os organismos, ou seja, os mecanismos de integração regional.

O Direito da Integração aplica-se prioritariamente aos processos de institucionalização intergovernamental, caso do MERCOSUL, contudo há também o “Direito Comunitário”, já este aplica-se aos casos de integração supragovernamental, fenômeno encontrado particularmente na União Europeia.

A natureza jurídica de Direito Comunitário e de Direito Internacional público é diversa. A diferença entre Direito da Integração e Direito Comunitário é cristalina, visto que esse último tem natureza, fonte, objetivo e características distintas do Direito Internacional. Nesse sentido, constata-se que, não suficiente as características serem diferentes por se tratar de um ordenamento jurídico próprio, o Direito Comunitário tem seu berço no Direito Internacional Público.

Ainda que a União Europeia possua uma união política imperfeita, é o processo de integração mais profundo existente. Como mencionado, o bloco europeu é administrado pelo Direito Comunitário, já que existem instituições que obtiveram a opção de criar normas de aplicação imediata aos Estados, concebendo assim o caso notável de supranacionalidade no direito internacional contemporâneo.

Alguns dos órgãos comunitários da União Europeia, como a Comissão Europeia, possuem capacidade de pleitear o cumprimento de determinações e regras aos Estados membros. Colocar prioridade dessas entidades sobre a vontade dos Estados nacionais é o que caracteriza a supranacionalidade, diferenciando de forma brusca o Direito Comunitário do Direito da Integração.

Ainda sobre a integração regional, esta pode ser classificada de acordo com uma tipologia que estabelece cinco etapas: 1) zona de livre comércio; 2) união aduaneira; 3) mercado comum; 4) união econômica e 5) união política. Cada uma delas possui características próprias e o avanço para uma etapa de maior profundidade de integração não resulta a perda das características da etapa anterior.

Nas etapas de evolução na integração do bloco, este não deixa de ser união aduaneira por ter avançado para o mercado comum, em verdade, o mecanismo integracionista que atinge à fase de mercado comum é também uma união aduaneira e uma zona de livre comércio. “Desta forma, temos como primeira etapa o estabelecimento de uma área de livre comércio, na qual as barreiras tarifárias e não tarifárias são gradativamente reduzidas até chegar a uma situação próxima do livre trânsito de mercadorias. A segunda etapa acrescenta à primeira uma política comercial comum entre os países membros, estabelecendo-se uma tarifa aduaneira comum o que possibilita a criação de uma união aduaneira. Na sequência, haveria um mercado comum caracterizado pela livre circulação dos fatores de produção, como bens, serviços, capitais e, principalmente, mão de obra. A quarta etapa seria a formação de uma união econômica que contaria, fundamentalmente, com o surgimento de uma política monetária comum e com um elevado grau de harmonização das políticas nacionais. Já a última etapa – mais hipotética do que real – consistiria na integração econômica total, com a unificação das políticas monetárias, fiscais, sociais, entre outras, e o estabelecimento de uma autoridade supranacional com capacidade de impor suas decisões às esferas administrativas e políticas inferiores.” (MARIANO, 2015)

A atual situação do MERCOSUL é uma “união aduaneira imperfeita”, pois apesar do bloco do cone sul apresentar características de uma união aduaneira, ela ainda é praticada de forma parcialmente uniformizada entre seus membros.

Conforme expressou o tratado que constituiu o MERCOSUL, a organização objetiva ser um mercado comum, o qual deve ser buscado a todo momento por seus membros.

A próxima etapa a ser perseguida pelos membros do MERCOSUL será o “mercado comum”, terceira fase do processo de integração, na qual, há a liberdade de circulação dos fatores de produção (livre circulação de bens, capitais e mão de obra), objetivo indispensável para o desenvolvimento regional, principalmente para os países latino-americanos.

Ainda que sejam necessárias algumas medidas de harmonização legislativa e administrativa, o MERCOSUL já tem diversas regras que ajudam nessa livre-circulação, entretanto, ainda de modo imperfeito e incompleto.

Para alcançar a União Europeia em relação a evolução dentro do processo de integração regional, o MERCOSUL teria que atingir a quarta fase, ou seja, a “união econômica e monetária”. Onde o bloco define-se por uma coordenação de políticas macroeconômicas, maiormente as políticas monetárias (exemplo da inclusão do euro como moeda única) e as políticas fiscais.

Já a quinta e última fase do processo de integração, a chamada “união política”, não há, atualmente, exemplos concretos nos moldes apresentados pela tipologia do Direito da Integração.

Sendo assim, são limitadas as possibilidades de vir a existir um direito comunitário no MERCOSUL, haja vista a noção tradicional de soberania e independência que contorna a vontade política dos governantes dos Estados partes, e ainda, mas não menos importante, as Constituições dos países integrantes do bloco, principalmente do Brasil e Uruguai.

A concepção de soberania sujeita a reformulações, e não mais como um dogma político intocável, tende a consolidar e aperfeiçoar os caminhos da integração econômica. Seguindo essa noção, os países da Comunidade Europeia conformaram o que se chamou de soberania compartilhada, onde os Estados-membros limitaram seus direitos soberanos em certas áreas e os transferiram para instituições comunitárias, sobre as quais não detêm controle direto.

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Com a Intergovernabilidade o bloco econômico não tem força coercitiva para impor suas normas e decisões, ficando a critério dos Estados Partes adotarem as referidas normas do bloco em seu ordenamento jurídico interno, para que assim, sejam cumpridos os acordos realizados entre os membros.

Por fim, é significativo atentar que os motivos que justificam um processo de integração são variados, como por exemplo, na União Europeia, as razões foram pacifistas, e no MERCOSUL altamente econômicas. Deste modo, cada região deve perseguir o seu “modelo ideal de integração”, sem imitar ou repetir ordenamentos utilizados em outros blocos econômicos. Todavia, o modelo da supranacionalidade e do Direito Comunitário praticado pelo bloco europeu é um ótimo espelho, que pode sim ser discutido e pesquisado pelos internacionalistas da américa latina.

 

  1. Supranacionalidade

Por ser o modelo escolhido pelo bloco mais avançado no processo de integração, a supranacionalidade é uma característica desejada por muitas nações e suas regiões, pois tem grande importância no “sucesso” alçando pela UE, ainda que para chegar nessa fase de comunitarismo não seja tão simples e rápido. “Um dos principais suportes do Direito Comunitário é o instituto da supranacionalidade, que contribuiu decisivamente para a consolidação dos objetivos da União Europeia, possibilitando o desenvolvimento de políticas comunitárias compatíveis com a legislação dos Estados-membros e uniformidade na tomada de decisões, com base no primado e na aplicabilidade direta das normas comunitárias.” (GOMES, 2018).

Preliminarmente, é correto afirmar que a supranacionalidade tomou o caminho oposto da tradição de que a economia e a política são governadas através de uma visão nacional, já que nas últimas décadas foi criado esse sistema organizacional, que abraça várias nações da mesma região, com a intenção de incluir o caráter supranacional.

2.1. Conceito

Basicamente, a supranacionalidade é a cessão parcial das atribuições estatais de cada país em detrimento de um órgão superior, ou seja, é criado uma superestrutura, onde as nações abrem mão, em parte, da soberania, para ativar um conjunto de alianças entre os estados membros, com o objetivo de desenvolver a região. É o que vem confirmar Pedroso (2007, 85 p.): “Para analisar o instituto da supranacionalidade, não há como deixar de abordar o significado do termo supranacional, o qual expressa um poder de mando que supera os poderes dos Estados, resultando na transferência de parcelas de soberania pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária. […] os aspectos políticos, embora conduzam mais à apreensão da estrutura existente e da sua orientação, acabam por exercer influência no modo e no ritmo da sua evolução, devendo, portanto, combinar diagnose e perspectiva.”.

O Tratado da Comunidade Europeia não categorizou o conceito de supranacionalidade, mas ganhou vida concomitantemente a criação da Comunidade Europeia do Carvão e Aço – CECA, através do Tratado de Paris em seu artigo 9º. Foi neste artigo que foi empregado pela primeira vez o termo “supranacionalidade” e identificou a existência de um poder superior ao das autoridades nacionais dos Estados-membros, o qual foi chamado de Alta Autoridade, com a capacidade de emanar decisões obrigatórias as nações do bloco. As características do sistema supranacional ficaram integradas da seguinte maneira: “La creación de organismos diferenciados de los estatales, a los cuales los proprios Estados y por voluntad soberana le transfieren diferentes cuotas de competencias y facultades que antes eran ejercidas en forma autônoma por cada país en particular y que ahora en virtud de tal transformación passan a ser desarolladas, algunas de ellas en forma exclusiva por las nuevas instituiciones y otras, en forma concurrente com los estados. […] estos entes supranacionales debe quedar representado el interés de la comunidad […]”. (PEROTTI, 1999, p. 127 e 128).

A supranacionalidade é um instituto peculiar e característico do direito comunitário, permitindo a eficaz aplicação e interpretação das suas normas. A sua definição foi sendo construída através do entendimento do direito procedido pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias – TJCE e pelos tribunais nacionais dos Estados-partes da EU, somado aos princípios da aplicabilidade, do direito direto, da primazia do direito comunitário e a uniformidade.

A legitimidade regional está diretamente ligada a supranacionalidade e ela somente tem coerência quando é instrumento das necessidades sociais, principalmente a de integração regional.

A preferência por direitos supranacionais e seus órgãos, não depende apenas das vontades dos Estados-membros, mas sim das possibilidades e metas sociais. Dito isso, deverá então a supranacionalidade ser alicerçada em um estudo e pesquisa profunda da sociedade e da economia, todavia jamais poderá ser balizada em modelos formais, pois teria como consequência a rejeição regional.

Ainda sobre as características da supranacionalidade, Pires (2014) destaca algumas que se sobressaem, quais sejam: “i) há instâncias de decisão independentes do poder estatal (sistema jurisdicional que tem a colaboração dos Tribunais internos dos Estados-membros, como fiscais da aplicação do ordenamento jurídico comunitário e viabilizadores do sistema de integração); ii) o modelo de resolução de conflitos tem por base a decisão majoritária, com a transferência de soberania à autoridade comum; iii) objetivos comuns aos membros interessados na formação da comunidade (por tratado), sobrepondo-se esses objetivos a qualquer outro interesse estatal individualmente considerado, sem abandonar a idéia de que os órgãos comunitários não são superiores aos Estados. As matérias ditadas pela comunidade, objeto da delegação de competências estatal é que são hierarquicamente superiores às normas nacionais sobre mesmo tema.”.

Nesse instituto, ainda que os Estados-membros deleguem poderes e competências constitucionais, eles os retêm originariamente, porém os transmitem temporariamente aos organismos supranacionais, e durante esse lapso temporal de transferência de poderes e competências, as nações se abnegam de legislar acerca das matérias correspondentes.

De forma oposta, é possível encontrar a transferência de poderes constitucionais de maneira definitiva, deixando os Estados sem o poder de praticá-los, porém isso ocorre particularmente na concepção de novos Estados.

A integração europeia, não dispensou o papel dos Estados, nem fez desaparecer o conceito de soberania. O motor da integração tem sido a ambivalência dialética entre integração versus soberania e interestadualidade. “A escolha pelo modelo de cooperação ou de integração, […] está diretamente relacionada com os objetivos a serem alcançados pelos países que pretendem se unir. O modelo de cooperação está voltado essencialmente às trocas comerciais e, em certos casos, à liberação de serviços, o que ocorre com limites, em razão da soberania dos Estados. De outro lado, a integração, ao tempo que engloba a cooperação, ultrapassa as fronteiras geográficas na busca de um interesse coletivo, permitindo o desenvolvimento de políticas comuns, que serão geridas pela organização em causa, através de órgãos que terão poderes supranacionais ou intergovernamentais. No modelo supranacional, os Estados delegam parte da sua soberania a órgãos criados pelos tratados, para que estes atuem apenas e tão somente com relação aos objetivos comuns. Ao delegarem seus poderes soberanos, os Estados aceitam se submeter à ordem jurídica supranacional em detrimento da ordem jurídica interna.” (MARQUES, 2014).

Para finalizar o estudo da supranacionalidade, conclui-se que: “[…] a ideia de soberania compartilhada, na qual se funda o instituto da supranacionalidade, constitui-se na resposta mais eficaz ao problema da soberania dos Estados que passam a integrar uma mesma comunidade internacional, em razão de terem que se submeter a um regramento jurídico comum. Os resultados que a União Europeia tem obtido indicam para o sucesso da adoção de tal instituto na busca do compartilhamento das soberanias.”. (SILVA; SILVA, 2003).

Fica compreendido então, que a supranacionalidade é uma ferramenta utilizada pelos Estados que desejam ajustar algumas adversidades regionais em conjunto, proporcionando a evolução da sociedade local, porém em contrapartida, precisam abrir mão de parte de suas soberanias em prol do bem maior.

2.2. Supranacionalidade na União Europeia

O caso mais avançado de integração regional é o procedido na União Europeia, neste bloco podemos observar características únicas no âmbito jurídico, político e institucional, mas a característica que mais se destacada é a supranacionalidade. Neste contexto, na maioria dos casos, o Direito de cada um dos Estados é submisso as normas do Direito Comunitário. Sendo assim, os órgãos de integração emitem certas normas que prevalecem até sobre as constituições nacionais.

É considerado uma forma de soberania compartilhada, esta que é usada na União Europeia, pois seu sistema mostra diversos graus de governança, podendo ser chamado também de governança multinível. Até os dias atuais esse procedimento abriu portas para a construção de um sistema político inerentemente institucionalizado e determinado por processos que se sobrepõem e se intercruzam entre diferentes Estados e níveis acima e abaixo do antigo locus da soberania estatal. Acrescentando informações acerca da supranacionalidade no bloco europeu, Machado (2011) entende que este bloco comunitário: “[…] pode ser considerado uma organização internacional supranacional, com personalidade jurídica própria. Não pode ser classificado como uma federação de Estados. No entanto, quanto ao seu caráter subjetivo (actorness), em razão de seu profundo desenvolvimento, poderia também ser elevada a uma categoria acima das organizações internacionais, com peculiaridades que a transformariam em uma instituição sui generis. O seu diferencial seria exatamente o compartilhamento da soberania, em que os Estados delegam parcelas de suas competências estatais internas para serem exercidas por instituições supranacionais, que são aptas a conduzir os interesses do bloco.”.

O sistema jurídico do Direito Comunitário europeu é descrito como sui generis pois não se confunde com o direito interno dos países, assim como não se confunde com o Direito Internacional Público, considerando-se que a aplicação de suas normas é regida por princípios próprios.

Para melhor esclarecer do que se trata o “Direito Comunitário” aqui abordado de forma repetitiva, é interessante constar que ele é composto pela supranacionalidade, adicionado à delegação de poderes soberanos e ao princípio do primado da uniformidade da interpretação da aplicabilidade e dos efeitos diretos das normas comunitárias. É também conhecido como ordenamento jurídico proveniente do Direito Internacional, porém em nível superior, independente das ordens jurídicas nacionais, capaz de sobrepor-se a elas.

Foi revolucionária a ideia do modelo europeu na esfera do Direito Internacional quanto a criação de órgãos com poderes independentes dos Estados-membros, com propósitos integracionistas e capazes de estabelecer normas tidas como obrigatórias a todos os participantes, destacando-se a preponderância das decisões comunitárias sobre o interesse individual dos integrantes do bloco. As normas emitidas pelos órgãos nascem dotadas de primazia e aplicabilidade direta, considerando a colaboração de um Tribunal de Justiça permanente, com a função de aplicar uniformemente as regras comunitárias. Pires (2014) comenta sobre o assunto, e destaca também pontos positivos e negativos do Direito Comunitário: “Não há na essência da União Europeia um posto político separado do povo. Ou um posto político que a separa de seus respectivos Estados-Membros e estes dos seus respectivos cidadãos. Existe um verdadeiro paradoxo, posto ser impossível que cada decisão tomada pela União Europeia seja vantajosa para os seus vinte e sete membros concomitantemente. Compartilham-se bônus e ônus. É dever do Estado o cumprimento e a aplicação do Direito Comunitário na ordem interna. Em consequência, as disposições comunitárias podem produzir efeitos jurídicos por si mesmas, criando direitos e obrigações sem necessidade de normas nacionais para sua aplicação, podendo os particulares fazer valer ante os poderes públicos nacionais os direitos que derivam das normas comunitárias, devendo estes assegurar e proteger os direitos individuais. A União Europeia, referência do Direito Comunitário, obviamente tem seus problemas, dentre eles: a falta de homogeneidade no grau de adesão de transferência de soberania; o elevado número de Estados-Membros (vinte e sete) e o grande número de subentidades (Banco Central Europeu, Banco Europeu de Investimentos, Polícia Europeia, Ofício de Luta Antifraude ao orçamento comunitário, Coordenação de órgãos judiciais nacionais para aperfeiçoamento da cooperação judicial).”.

Inevitável é a comparação do MERCOSUL com a União Europeia, haja vista o sucesso internacional deste último, e quando se fala da possibilidade da composição de uma ordem jurídica supranacional no bloco latino-americano, e ainda, sobre a necessidade de usar como espelho a experiencia da criação de um Tribunal de Justiça permanente, utilizado pelos países europeus e no ordenamento originário do Direito Comunitário europeu, é imprescindível um nível de maturidade, de inovação e de adaptação da norma superior em cada um dos Estados-membros do bloco do Cone Sul, para que os quatro países consigam, com a criatividade e flexibilidade, evoluir mais rapidamente no processo de integração.

Retornando aos objetivos criados na concepção da União Europeia, pode-se afirmar que nunca houve a intenção do bloco ser um ente federado, em verdade, as intenções eram ter sucesso e desenvolvimento no máximo de esferas possíveis, onde entra a supranacionalidade, que mostrou particularidades acima do esperado. “O foco primordial seria uma Europa unida e integrada dentro daquilo que desde o início os tratados se dispuseram, uma evolução de seus Estados-membros a partir do grau de comprometimento de cada um de seus integrantes. O fenômeno europeu tem particularidades próprias porque a construção do espaço ocupado pela União Europeia se efetivou pela via do tratado internacional, o que quer dizer que o consentimento dos Estados-membros foi fundamental: neste sentido, a formação da União Europeia mais se assemelha à norte-americana no exercício de uma força centrípeta. Por outro lado, levando em consideração que se formou o Direito Comunitário e os órgãos supranacionais europeus, muitas das decisões destes vinculam os Estados-membros, no exercício de uma força que sai do centro rumo às extremidades, fazendo isto com que a configuração europeia passe a se parecer com o momento em que se delineou a federação brasileira.”. (FURTADO, 2016).

Para alcançar os objetivos expressos no art. 2º do Tratado da Comunidade Europeia, que eram “o desenvolvimento harmonioso e equilibrado das atividades econômicas (…), um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão econômica e social e a solidariedade entre os Estados Membros”, foi fundamental extinguir ao máximo, toda e qualquer impedimento econômico e político entre os países membros. A CEEE tinha como propósito a coordenação pautada na livre circulação de bens, pessoas, serviços e capitais, fazendo uso de um estabelecimento de um mercado comum, somado a uma crescente aproximação político-econômica. Roberto e Costa (2013) fazem uma ressalva deste processo: “Importante ressaltar que todos os países membros continuam coordenando sua política interna, mas agora passam também a fazer parte de um quadro de coordenação de nível comunitário. Dessa forma, o Tratado de Amsterdã buscou resguardar ainda mais as condições relativas à legislação social. O acordo dos Quinze contemplou questões que até então diziam respeito apenas ao próprio país como exemplo tem-se a segurança social, demissões, proteção a saúde e segurança nos locais de trabalho.”.

Mesmo a União Europeia sendo referência do Direito Comunitário, claramente tem seus defeitos, alguns deles podem ser destacados, como: o elevado número de Estados-membros; o grande número de subentidades e a falta de homogeneidade no grau de adesão de transferência de soberania.

Falando sobre a soberania, esta era a realidade de tempos passados, sendo sua utilidade considerada primitiva frente a supranacionalidade. Porém, é válido refletir até que ponto poderá ser possível aceitar o conceito de supranacionalidade, com cessão da soberania estatal, seja com a subordinação da ordem estatal a uma ordem supranacional, seja verificando até que ponto a ordem interna aceitará a ordem supranacional. Ocorre que o integracionismo e a criação de organismos de integração supranacionais não diminuíram o poder soberano do Estado. Na verdade, o que mudou foi o prisma sobre o qual esse exercício de poder passou a ser analisado.

 

  1. Supranacionalidade no Mercosul

Por ser o bloco econômico em que o Brasil está inserido, o MERCOSUL e seu sucesso são imprescindíveis para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos brasileiros e de todos os cidadãos da américa latina. Para a continua evolução e desenvolvimento dos blocos é necessário um processo de integração que atraia resultados positivos para os Estados-membros, e caso a mudança de instituto seja de vital importância para o progresso do bloco, isso deve ser visto como prioridade, ainda que seja primordial alterações nas constituições e na soberania das nações. “Verifica-se que os Estados-membros Brasil e Uruguai, desde a assinatura do Tratado de Assunção (1991), não fizeram progressos no sentido de colocar, em patamares semelhantes aos Estados-membros da Argentina e Paraguai, seus ordenamentos jurídicos, no que diz respeito à adoção do instituto da supranacionalidade e o que demonstra as dificuldades que tal instituto apresente ao bloco do Cone Sul. […] a aceitação de uma ordem jurídica supranacional supõe, destarte, o abandono do conceito ultrapassado de soberania que, por muitos anos, esteve impregnado nos casos de conflito, sustentadas e manipuladas pela chamada doutrina de segurança nacional, que foi a causadora do atraso dos países latino-americanos, e contribuiu para o aumento da fome e da miséria, ao manter seus povos pobres e ignorantes, enquanto os países investiam em armamentos, precavendo-se de uma eventual guerra com os vizinhos, que sempre eram vistos como inimigos. […] a tendência atual é de a soberania existir como um conceito meramente formal, tendo em vista a internacionalização da vida econômica, social e cultural. Diante disso, alguns países latino-americanos assumiram posição de vanguarda, admitindo a supranacionalidade em suas Cartas Magnas, seguindo, assim, a tendência das constituições europeias, ao interpretar a nova ordem mundial, onde a primazia de um direito único e supranacional tem direcionado o caminho a ser seguido para a conformação de um mercado comum.”. (PEDROSO, 2007).

3.1. Alterações no modelo do bloco

O grande impasse desta alteração diz respeito ao quanto a adoção de estruturas supranacionais no MERCOSUL ajudaria no desenvolvimento do processo de integração da região latino-americana. Para tanto, o exemplo europeu demonstra grande valia para o entendimento do tema no âmbito do MERCOSUL, porém, evidentemente que está afastada a possibilidade da simples cópia do modelo, das estruturas e das categorias europeias para o MERCOSUL, tendo em vista a história de cada bloco. “Embora, as metas dos dois blocos sejam diferentes, muitos estudiosos afirmam que o fator supranacional seria benéfico para a melhoria e o desenvolvimento do MERCOSUL. É possível notar a ausência de supranacionalidade no MERCOSUL através da análise do Tratado de Assunção e do Protocolo de Ouro Preto. Segundo o artigo 38 do Protocolo de Ouro Preto, as decisões do MERCOSUL devem ser tomadas por consenso dos países membros e devem ser incorporadas à ordem jurídica interna para serem efetivadas. O artigo 2 do mesmo protocolo também ressalta o caráter intergovernamental do bloco. […] Nota-se também no MERCOSUL, a ausência do Direito Comunitário entre os países. Observando-se a adoção das ordens jurídicas nacionais em detrimento do Direito comum aos países, sendo que as decisões tomadas pelos órgãos MERCOSULinos possuem caráter recomendatório e são adotadas pelos países de acordo com seus interesses.”. (SILVA; PINTO, 2016).

Vale destacar que relutância dos Estados-membro do MERCOSUL em relação a supranacionalidade vem baseada nas perspectivas e expectativas que eles possuem para o bloco. Pois os dois maiores países, Brasil e Argentina, são favoráveis à manutenção do modelo do bloco intergovernamental, porque são também favoráveis a um consenso entre as economias dos países e não as políticas adotadas por eles. Porém, esse modelo consensual pode afetar o desenvolvimento do bloco, até porque a oposição de um dos membros é suficiente para impedir que uma decisão seja acatada pelos outros membros.

Nesse sentido, ficou observado a divisão de opinião entre os países do MERCOSUL quanto a qual instituto de integração poderia ser aplicado ao bloco, sendo os dois maiores países aceitando a regra do consenso e os dois menores renunciando a sua posição em torno de instituições com caráter supranacional. Siqueira (2006) completa com outros motivos pelos quais, principalmente o Brasil, reluta em alterar o modelo do bloco: “A capacidade de exercer pesada influência política talvez seja o ponto que mais amedronte aqueles que são contrários à formação dos blocos econômicos, pois tira de cena o tradicional jogo político praticado há centenas de anos e a herança colonial, no caso do Mercosul, deixada no relacionamento sócio-político por Portugal e Espanha nos Estados-membros.”.

Ainda que a questão da supranacionalidade tenha entrado em pauta pelo governo brasileiro: “[…] em 1993, quando o Itamaraty realizou um debate com importantes juristas especializados em integração com a finalidade de se discutir a questão da supranacionalidade no Mercosul. O objetivo final era preparar a posição brasileira nas reuniões intergovernamentais ante os assuntos institucionais que aconteceriam em junho de 1993.” (SIQUEIRA, 2006).

Deste modo, até os tempos atuais, todo o sistema de solução de controvérsias do MERCOSUL é submetido ao controle das autoridades do Poder Executivo. Os negociadores brasileiros argumentam que seria precipitada a criação de um tribunal com características supranacionais anterior a um aperfeiçoamento do bloco do cone sul. Entretanto, todos consentem que o bloco deverá abraçar níveis mais elevados de independência jurídica.

Em contrapartida, é interessante mencionar as questões tradicionais e históricas dos países latino-americanos, como o agravamento do nacionalismo e o exagero da soberania nacional. Dito isso, acreditasse que a ideia que esses países têm em relação a soberania, deva ser uma das grandes barreiras na escolha do tipo de integração e um fator determinante na origem e nos efeitos de uma ordem jurídica comunitária.

Todavia, a experiência de integração constante no MERCOSUL apresenta que as alterações acumuladas pelo Conselho do Mercado Comum expõem o início de uma estrada propensa a adicionar elementos comunitários muito próximos daqueles vistos no bloco europeu. As especificidades da região demonstram que o modelo inicialmente escolhido não se mostrou suficiente para alavancar o desenvolvimento do MERCOSUL, sendo de maior importância o continuo estudo e avaliação de seus órgãos para que a dinâmica do processo não resulte em malefícios a própria integração.

Retomando a ideia da necessidade de alterações nas Constituições dos países-membros do MERCOSUL para que se possa refletir acerca do instituto supranacional aplicado a este bloco, Pedroso (2007) diz que: “[…] ao se analisar as Constituições dos Estados-membros do Mercosul no que tange à soberania, destaca-se que apenas as Constituições do Paraguai e da Argentina reconhecem em suas Leis Fundamentais, a possibilidade de transferência de soberanias, vale dizer, a aceitação de um conceito de soberania compartilhada. Nesse sentido os Estados-membros deverão se empenhar na paridade das suas Constituições, dando condições de abertura à formação do sistema jurídico do Mercosul, através da adoção do princípio supranacional. Em outras palavras, a experiência da Comunidade Europeia mostra o papel fundamental desempenhado pelo TJCE, revelando a supranacionalidade como verdadeira identidade comunitária.”.

Complementando, ainda antes de se pensar no amparo do Direito Comunitário, é de extrema importância que se firme a união aduaneira, e, posteriormente, do mercado comum, revigorando as estruturas institucionais do bloco econômico para, em ema segunda fase, alterar o ordenamento jurídico do MERCOSUL, com o acolhimento dos princípios do Direito Comunitário. “Conclui-se, portanto, que o Brasil não amadureceu suficientemente a ideia da efetivação do processo de integração, na medida em que se recusa a adotar a supranacionalidade, processo este tendente a possibilitar que as demais etapas do processo de integração sejam concluídas com sucesso, sem o qual dificilmente se alcançará o êxito buscado nas relações comunitárias entre os Estados-membros.”. (SILVA; SILVA, 2003)

Se a busca de formação de um bloco regional tem como suporte a ideia de que a integração pode levar a minora os problemas socioeconômicos dos países envolvidos e a desenvolver suas potencialidades e fortalecer o Continente Sul-americano no cenário mundial, mister se faz que se modifiquem as formas de atuar, realizando as devidas reformas constitucionais, buscando, por um lado, ampliar as áreas que comportam iniciativas integracionistas, e por outro, possibilitando a criação de um direito comunitário e de órgãos com poder supranacional que atribua ao MERCOSUL um verdadeiro status de comunidade, com todas as instituições que lhe são inerentes.

3.2. Condições de aplicabilidade

A possibilidade de aplicação deste processo de integração está diretamente condicionada aos tratados e principalmente aos textos das Cartas Magnas de cada Estado-membro, no que se referem ao contexto da soberania.

Dando atenção a Constituição pátria, percebe-se em seu histórico que a carta de 1988 dá ênfase a soberania nacional, sendo este o grande obstáculo para a supranacionalidade. Porém o conceito de soberania está defasado frente a globalização, tanto que hoje se fala em soberania relativa, a qual é mais compatível com a supremacia de Direito Internacional e ao estabelecimento de uma ordem jurídica dessa natureza no cenário político mundial. Nogueira (2006) analisa a constituição brasileira e a soberania: “Acredita-se que para ocorrer a aceitação da supranacionalidade por parte de nossa Constituição, necessário se faz uma avaliação da política interna, possibilitando uma flexibilização do conceito de soberania, em consequência, ocorra a mudança da teoria dualística arraigada na Carta Magna. Observa- se, contudo, que a Constituição brasileira não pode ficar a mercê concepções ultrapassadas, que clamam por uma soberania absoluta, em meio às revoluções e às inovações, ocasionadas pelos processos de globalização e mundialização, pois na medida em que continuar com conceito ultrapassado há a possibilidade de subjugar-se aos interesses de potências que podem aproveitar da fragilidade. Verifica-se que a Constituição brasileira não vislumbrou que na medida em que o Estado suprime parte do seu poder de independência soberana, cresce a sua posição estratégica em relação à comunidade internacional e que não haverá perda, mas delegações ao seu exercício, visando ao benefício comum.”.

Porém o mesmo autor salienta que as mudanças necessárias na Constituição devem ser feitas de forma inteligente, visando um futuro promissor do país e do bloco: “Ressalte-se que a revisão na legislação constitucional não deve ser feita aleatoriamente ou, simplesmente, para atender as necessidades momentâneas de simples intercâmbios comerciais, mas sim de maneira a adaptá-la ao um sistema supranacional, desprendido de qualquer interesse político, trazendo em seu bojo forte dose de maturidade e de racionalidade, pois esquivar-se de um processo de organização supranacional hoje é voltar-se contra si próprio esquecendo-se que, por natureza, irreversível, o mundo é uma grande aldeia global.”. (NOGUEIRA, 2006).

Caso o Brasil venha a limitar sua soberania em favor da supranacionalidade isso não quer dizer que excluirá sua natureza absoluta. Até porque é o próprio país que por sua vontade e interesse limita sua soberania em casos específicos. Sendo assim, é possível atestar que houve uma flexibilização ou relativização do seu conceito desde a sua adoção pelos filósofos e pelos juristas. Ainda assim, é fácil perceber que os Estados têm receio de compartilhar sua soberania, ou seja, de transferir competências, por entenderem que podem perde-la total ou parcialmente, se assim o fizerem, mesmo que esse seja o caminho contrário do cenário internacional atual.

Diferente do Brasil, alguns países do bloco cone sul já preceituam em suas Constituições a possibilidade da supranacionalidade, exemplo de Paraguai e Argentina, mencionados anteriormente, estes foram positivamente influenciados pelo bloco europeu, indicando assim uma forte tendência do sentido de se reconhecer e aceitar, na prática, a submissão de conflitos de interesses a órgãos externos, com jurisdição comum aos Estados-membros integrantes do bloco. “A Constituição do Paraguai, promulgada em 20 de Junho de 1.992, em seu artigo 9º preceitua que “A República do Paraguai, em condições de igualdade com outros Estados, admite uma ordem jurídica supranacional que garanta a vigência dos direitos humanos, da paz, da justiça, da cooperação e do desenvolvimento político, econômico, social e cultural.” A Constituição da Argentina encarta preceito similar no inciso 24 do Artigo 75, ao estabelecer que “Corresponde ao congresso: aprovar tratados de integração que deleguem competências e jurisdição a organizações supraestatais em condições de reciprocidade e igualdade, e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos. As normas ditadas em sua consequência têm hierarquia superior às leis.” Além de consagrar a supranacionalidade, o Constituinte Argentino elegeu o regramento jurídico supranacional a hierarquia superior a das leis internas, demonstrando o interesse em vivenciar o sucesso do processo de integração iniciado no passado. A Constituição vigente no Uruguai foi promulgada em Fevereiro de 1.967, época em que o instituto da supranacionalidade ainda estava tendo definidos os seus contornos pelo Velho Mundo (sendo que ainda hoje se trata de instituto pouco conhecido), razão pela qual somente em 1.994, de forma bastante tímida, inseriu um novo inciso em seu artigo 6º, prevendo que “A República procurará a integração social e econômica dos Estados Latino-Americanos, especialmente no que se refere a defesa comum de seus produtos e matérias primas. Assim mesmo, propenderá a efetiva complementação de seus serviços públicos.”. (SILVA; SILVA, 2003).

Enquanto que a Constituição Brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, não previu a possibilidade de submissão do Estado a decisões oriundas de órgão externo. Prescreve o parágrafo único do Artigo 4º que “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”. Assim, o legislador constituinte foi em sentido contrário às tendências mundiais no que tange à supranacionalidade, pois o artigo 5º, XXXV expressa que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, preservando assim a inafastabilidade da jurisdição interna no tocante às decisões originárias de entes externos.

Além das alterações nas constituições mencionadas anteriormente, os Estados precisariam na fase final do desenvolvimento do MERCOSUL, consolidar um Direito Comunitário e estabelecer assim um Tribunal de Justiça, ou seja, a criação de um tribunal supranacional ao Mercado Comum do Sul. Seria exigido também, que houvesse um fortalecimento institucional do bloco, como requisito a concepção dessa Corte Permanente de Justiça.

Ocorre que, inicialmente já há uma dificuldade para a criação do chamado Tribunal do Mercosul, pois o Tratado de Assunção não previu a criação de órgãos supranacionais, mas apenas a constituição de um mercado comum, através da livre circulação de bens serviços e fatores produtivos. Por conseguinte, torna-se impreterivelmente necessária a criação de um órgão judicial, para acompanhar e promover o crescimento do mercado interno e o aprimoramento da ordem jurídica do Mercosul.

3.3. Vantagens e desvantagens

Se faz necessário tal destacamento de vantagens e desvantagens tendo em vista que o estudo da supranacionalidade se dá apenas com base no exemplo europeu, tornando restrita suas consequências a aquele continente, sem o conhecimento de como seria sua funcionalidade em outra região, com aspectos, necessidades, cultura e carga histórica completamente diferentes.

Iniciando então com as desvantagens, já que não é garantido o sucesso do instituto da supranacionalidade no MERCOSUL só porque o mesmo gerou gratos resultados em outras circunstâncias. Gomes (2018) destaca os primeiros pontos, que em seu entendimento são desvantagens da supranacionalidade: “b.1) Para a adoção do instituto, o desenvolvimento dos Estados deve ser harmônico, em seus aspectos sociais, econômicos, culturais; b.2) adotado o instituto da delegação de competências, o Estado submete-se aos interesses do bloco econômico, não podendo exercê-las, mesmo que temporariamente; b.3) impõem a necessidade de instituições permanentes, com funcionários próprios, o que muitas vezes torna dispendioso o processo; b.4) cada processo de integração deve criar seu próprio modelo, segundo suas características geográficas, econômicas, culturais. Vide o exemplo da Comunidade Andina, que “transplantou” para o seu ordenamento jurídico o Direito Comunitário e a supranacionalidade, e está desde há muito tempo estagnada.”.

Outro ponto negativo da implementação do instituto estudado, seria sobre as identidades dos indivíduos e como poderiam perder sua construção cultural e histórica, sendo que o Estado influencia nessas relações de seus cidadãos como um coletivo distinto. Nesse prisma, Furtado (2016) disserta sobre o assunto: “A crítica a que se referem é que não existiriam mais franceses, espanhóis ou mesmo ingleses, e sim que haveria somente europeus. Esta visão do bloco europeu se refere à questão da nação e do nacionalismo, em que cada povo seria caracterizado como uma nação com território, cultura e história próprios.”.

O autor ainda enaltece mais uma desvantagem, esse referente a transferência de competência dos Estados aos órgãos supranacionais: “A discussão a respeito da delegação de parcelas de competência soberana para órgãos supranacionais acaba por remeter ao debate acerca da divisibilidade da soberania. Na delegação de poderes específicos a órgãos supranacionais em uma associação de Estados, não haveria, portanto, e por conclusão, alienação de parcelas de soberania, mas delegação de poderes.”. (FURTADO, 2016).

Como visto anteriormente, ainda que hajam desvantagens na aplicação da supranacionalidade essas são poucas se comparadas aos benefícios alcançados com o instituto juntamente com o Direito Comunitário, no que se refere a integração das nações e ao desenvolvimento regional. “Ademais, vale lembrar que no contexto do processo progressivo mundial, não há como prestigiar, como o Brasil vem fazendo, o método diplomático, pois irá chegar a um ponto que não mais vai conseguir resolver pendências que envolvam os Países vizinhos, como também causará insegurança jurídica junto aos Estados que compõem o Cone Sul.”. (NOGUEIRA, 2006).

Agora as vantagens, benefícios e possíveis resultados econômicos que podem ser atingidos pelos membros do bloco após a implementação do instituto da supranacionalidade: “a.1) Possibilita uma maior integração do bloco econômico, devido à presença de órgãos com competência própria que adotam suas decisões no interesse da integração, independentemente dos interesses particulares dos Estados; a.2) possibilita o aprofundamento da integração, pois, com a adoção por parte dos Estados de uma política única comunitária, os conflitos podem ser resolvidos de forma mais fácil, sempre em prol do bloco econômico; a.3) prestigia a sociedade civil, reconhecendo os direitos do cidadão como sujeito ativo e passivo das normas comunitárias, o que possibilita a sua participação efetiva no processo de integração; a.4) finalmente torna possível um verdadeiro ordenamento jurídico comunitário, com uniformidade na interpretação e aplicação das normas comunitárias tanto por tribunal comunitário quanto pelos tribunais nacionais.”. (GOMES, 2018).

Alcançar o Mercado Comum, que é objetivo inicial do MERCOSUL, através da supranacionalidade pode ser considerada uma grande vantagem para o bloco, além de suplantar suas dificuldades e adquirir a consolidação plena de suas etapas, superando conflitos e divergências, os quais não poderão ser resolvidos através dos atuais mecanismos existentes, como da diplomacia e da arbitragem, é o que vem destacar Silva e Pinto (2016), afirmando que há uma “[…] forte tendência na futura adoção do sistema supranacional por blocos como o MERCOSUL. Para a concretização do mercado comum que o MERCOSUL almeja parece indispensável a supranacionalidade do bloco, pois, de acordo com o mesmo autor a estrutura intergovernamental mostra-se frágil diante o enfrentamento de crises econômicas ou políticas.”.

E ainda, a ordem jurídica supranacional estabelecerá o necessário amparo à solidez da integração, através das instituições dotadas de mecanismo de supranacionalidade, especialmente pela aplicação de sanções, caso necessário.

Da mesma maneira, a presença de uma Corte de Justiça no MERCOSUL resultará em uma diminuição de críticas, pois será mais fácil conceber uma associação que aspira construir um mercado comum, com um órgão com faculdades de exercer um controle efetivo para proteger os interesses do bloco e revisar a legalidade das decisões aprovadas pelos órgãos comunitários.

Após esses apontamentos vantajosos da aplicação do instituto supranacional no bloco latino-americano, somados a todo o estudo demonstrado neste artigo em cima da experiencia europeia com o mesmo organismo, parece ser o melhor caminho a ser tomado, ou será, de uma forma ou de outra, já que a globalização não espera, apenas avança, independente de quem a aceite ou não, e apesar do MERCOSUL ter dado sinais de evolução rumo ao comunitarismo, ainda está longe do ideal esperançado por seus cidadãos.

 

Conclusão

Ficou evidente com a pesquisa que o MERCOSUL apesar de demonstrar vários aspectos positivos em sua estrutura ainda precisa se consolidar como bloco, esclarecer os objetivos dos Estados-membros e buscar evoluir seu processo de integração, já que a globalização bate à sua porta e o relacionamento internacional não espera por aqueles que não visam o comunitarismo.

Contudo, o exemplo apresentado pela União Europeia traz a esperança aos demais blocos de que há saída para as crises econômicas e para as rixas entre países da mesma região, com a implementação do instituto da supranacionalidade.

O sistema institucional do bloco europeu, é sem dúvida, um dos fatores que proporcionaram o seu sucesso, atribuindo as Comunidades com a marca da independência dos seus Estados-partes, tendo como alvo os objetivos complexos da integração, atuando através de um novo e importante direito, o chamado Direito Comunitário.

A comparação entre os blocos e o uso do modelo europeu é inevitável, haja vista a UE ser o bloco mais avançado no processo de integração regional, obtendo os maiores sucessos no setor econômico. Ainda que há diferenças nos objetivos iniciais de cada bloco e nas circunstâncias de suas criações, a reflexão da aplicação de um modelo similar no bloco do cone sul é válida, se a intenção for o desenvolvimento regional.

É sabido que cada processo de integração deve criar o seu próprio modelo, observando suas características geográficas, econômicas e culturais, podendo-se, a partir da experiência europeia, promover as devidas adaptações.

É claro que não basta a vontade das nações da mesma região em simplesmente alterar o processo de integração, é preciso num primeiro momento, verificar as necessidades sociais e refletir sobre os resultados dessa possível mudança, para que depois, possa se pensar na viabilidade da ideia de integração utilizada no continente europeu, através de alterações nos textos das Cartas Magnas dos membros do bloco do cone sul.

Acontece que as Constituições nacionais dos países latino-americanos pouco expressam a respeito da supranacionalidade, dificultando assim o desenvolvimento desse ideal integracionista, o mesmo ocorre nos Tratados aos quais fazem parte. Isso porque, o conceito de soberania ainda está muito enraizado no sistema jurídico, e principalmente político dessa região, negando-se a acompanhar a tendência internacional que caminha, ou já trilha, na estrada da soberania compartilhada. A noção de soberania, emergida como elemento fundamental para o fortalecimento do Estado Moderno, não se justifica mais frente à nova realidade mundial. Embora permaneça como uma ideia de insubmissão, independência e de poder supremo juridicamente organizado, deve-se levar em conta uma certa relatividade que lhe é imposta face às novas relações que se estabelecem no âmbito internacional.

A globalização da economia e a criação dos blocos regionais, fundamentalmente a formação da Comunidade Europeia, impuseram uma nova lógica no que concerne às relações internacionais e, como consequência, solaparam as tradicionais pretensões dos Estados quanto ao poder ilimitado e absoluto contido na velha noção de soberania. É esta nova visão que relativiza a soberania, que força os Estados-Partes da Comunidade Europeia a acatar e aceitar as normas emanadas de um poder supranacional, consubstanciado no Direito Comunitário Europeu.

Conclui-se que, no presente momento, não há indícios de formação de uma ordem jurídica com caráter supranacional que leve à completa integração dos Estados integrantes do MERCOSUL. As possibilidades de vir a existir um direito comunitário do MERCOSUL estão limitadas, por um lado pelas Constituições dos Estados-Partes (principalmente do Brasil e Uruguai) e por outro, pela noção tradicional de soberania e independência que envolve a vontade política dos governantes dos países que o integram. Parece ser conveniente aos países que as decisões sejam tomadas por consenso e que as competências não sejam delegadas a determinados órgãos.

O caráter intergovernamental adotado pelo MERCOSUL traz sérias consequências ao bloco, muitas vezes impedindo que seu objetivo principal seja alcançado: a consolidação de um mercado comum entre seus países-membros.

A criação de instituições supranacionais é imprescindível para o sucesso de processos integrativos de objetivos ambiciosos, conforme o demonstrado pelos êxitos da experiência europeia e, principalmente, pelas dificuldades que a natureza intergovernamental do MERCOSUL gera para o bloco, impedindo que o MERCOSUL atinja os objetivos com os quais os próprios Estados se comprometeram.

Então, se a integração regional de um bloco pode levar a minorar os problemas socioeconômicos dos países envolvidos e a desenvolver suas potencialidades e fortalecer o Continente sul-americano no cenário mundial, é necessário que se alterem as formas de atuar, procedendo as devidas reformas constitucionais, procurando, por um lado, ampliar as áreas que comportam iniciativas integracionistas, e por outro lado, possibilitando a criação de um direito comunitário e de órgãos com poder supranacional que atribua ao MERCOSUL um verdadeiro status de comunidade, com todas as instituições que lhe são inerentes.

 

Referências:

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