é possível resolver pendências trabalhistas sem recorrer a um processo judicial. Isso se dá por meio do acordo trabalhista extrajudicial, uma ferramenta legal prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que permite que empregador e empregado resolvam conflitos diretamente, com auxílio de advogados, e submetam o ajuste à homologação de um juiz do trabalho. O objetivo desse acordo é dar segurança jurídica às partes, evitando litígios prolongados e custos elevados.
Com a Reforma Trabalhista de 2017, o acordo extrajudicial passou a ser expressamente regulamentado nos artigos 855-B a 855-E da CLT. Ele tem validade legal desde que cumpridos os requisitos formais e materiais previstos na legislação. Neste artigo, você vai entender como funciona o acordo extrajudicial trabalhista, quem pode fazê-lo, quais cuidados são necessários, o que pode ser incluído, como é o modelo ideal e quais são os efeitos jurídicos da homologação.
O que é um acordo trabalhista extrajudicial
O acordo extrajudicial trabalhista é um instrumento jurídico por meio do qual o trabalhador e o empregador, com a assistência de advogados distintos, resolvem uma demanda trabalhista ou acertam pendências da relação de trabalho de forma consensual, sem necessidade de processo judicial contencioso.
Após firmado, o acordo deve ser apresentado ao juiz do trabalho por petição conjunta das partes. O juiz, então, analisa o conteúdo do acordo, verificando se os direitos do trabalhador estão sendo respeitados. Se estiver tudo regular, o juiz homologa o acordo, que passa a ter força de título executivo judicial, com a mesma eficácia de uma sentença.
Finalidade do acordo extrajudicial
O principal objetivo do acordo extrajudicial é proporcionar uma solução rápida, eficaz e segura para conflitos trabalhistas. Além disso, ele permite que as partes:
Evitem o desgaste emocional e financeiro de um processo judicial
Reduzam custos com honorários, perícias e custas processuais
Recebam ou paguem valores acordados com previsibilidade
Mantenham ou restabeleçam uma boa relação profissional, em alguns casos
Esse tipo de acordo é especialmente útil em situações como:
Acertos rescisórios que ainda não foram pagos integralmente
Reconhecimento de vínculo de emprego após prestação informal de serviços
Pagamento de verbas que gerariam risco de condenação judicial
Pagamentos parcelados de forma regularizada
Ajustes após demissão consensual, com valores adicionais
Requisitos legais do acordo extrajudicial
A CLT estabelece alguns requisitos indispensáveis para a validade do acordo extrajudicial:
Petição conjunta
As partes devem apresentar uma petição conjunta à Vara do Trabalho, expondo os termos do acordo e pedindo sua homologação.
Advogados distintos
Cada parte deve estar representada por advogado diferente, sendo vedada a representação simultânea. Essa exigência visa proteger a independência e autonomia das partes na negociação.
Ausência de litígio prévio
O acordo extrajudicial só é possível antes da propositura de uma reclamação trabalhista. Se já existir processo judicial, o ajuste deve ser feito nos autos da ação como acordo judicial.
Homologação judicial
O acordo só terá validade legal após homologação por um juiz do trabalho. O juiz pode negar a homologação se entender que há renúncia indevida de direitos ou cláusulas abusivas.
Como elaborar um acordo extrajudicial válido
A elaboração do acordo deve ser feita com máxima clareza e segurança jurídica. Veja os principais elementos que devem constar no documento:
Identificação das partes
O acordo deve identificar o empregador (pessoa física ou jurídica) e o empregado com nome completo, CPF/CNPJ, endereço e demais dados relevantes.
Histórico da relação de trabalho
É recomendável descrever como se deu a relação de emprego: data de admissão, função exercida, jornada, local de trabalho e data de desligamento, se for o caso.
Discriminação das verbas
Todas as parcelas objeto do acordo devem estar detalhadas, com especificação do tipo (férias, horas extras, aviso-prévio, FGTS etc.), valor individual e valor total. Se o pagamento for parcelado, deve haver cronograma claro.
Forma de pagamento
Deve-se indicar se o pagamento será à vista, por transferência bancária, depósito em conta ou em parcelas, com datas e condições de quitação.
Cláusula de quitação
A cláusula de quitação pode ser parcial (abrangendo apenas os valores do acordo) ou total (encerrando toda e qualquer discussão decorrente da relação de trabalho). Deve estar expressamente mencionada e ser compatível com os valores pagos.
Multa por descumprimento
É recomendável inserir cláusula de multa em caso de inadimplemento, para garantir que a parte prejudicada possa exigir o cumprimento com maior eficácia.
Pedido de homologação
Ao final, a petição deve conter o pedido de homologação judicial do acordo, indicando que as partes agiram de forma voluntária, com pleno conhecimento de seus direitos.
Modelo de acordo extrajudicial trabalhista
A seguir, um modelo básico de acordo extrajudicial trabalhista para fins ilustrativos. É importante lembrar que cada caso exige adaptação específica:
MODELO SIMPLIFICADO
ACORDO EXTRAJUDICIAL TRABALHISTA
Pelo presente instrumento particular, as partes abaixo qualificadas:
EMPREGADOR: Empresa X LTDA, inscrita no CNPJ sob nº xx.xxx.xxx/0001-xx, com sede na Rua Tal, nº XX, Bairro, Cidade/UF, neste ato representada por seu sócio administrador Fulano de Tal, portador do CPF nº xxx.xxx.xxx-xx.
EMPREGADO: João da Silva, brasileiro, solteiro, auxiliar de produção, portador do CPF nº xxx.xxx.xxx-xx, residente na Rua Y, nº XX, Bairro, Cidade/UF.
Advogados:
Advogado do EMPREGADOR: Dr. Fulano, OAB/UF nº XXXX
Advogado do EMPREGADO: Dr. Beltrano, OAB/UF nº YYYY
Considerando que:
O empregado foi admitido em 01/01/2020 e desligado em 01/12/2023, exercendo a função de auxiliar de produção;
O empregado alega que não recebeu corretamente verbas referentes às horas extras e diferenças de FGTS;
As partes, de comum acordo, decidem resolver a presente demanda de forma amigável, nos seguintes termos:
CLÁUSULA PRIMEIRA – DO OBJETO
O presente acordo tem por objeto o pagamento de verbas de natureza trabalhista e indenizatória devidas ao EMPREGADO em razão da extinção do contrato de trabalho.
CLÁUSULA SEGUNDA – DAS VERBAS PAGAS
O EMPREGADOR pagará ao EMPREGADO, a título de composição final, o valor total de R$ 10.000,00 (dez mil reais), da seguinte forma:
a) R$ 5.000,00 em 10/01/2024, mediante depósito bancário na conta do EMPREGADO nº xxxx, Banco xxx, Agência xxx; b) R$ 5.000,00 em 10/02/2024, nas mesmas condições.
As verbas referem-se a horas extras, adicional noturno, diferenças de FGTS e indenização por descumprimento contratual.
CLÁUSULA TERCEIRA – DA QUITAÇÃO
O EMPREGADO declara, para os fins de direito, que dá plena e irrevogável quitação das parcelas acima especificadas, mantendo-se o direito de reclamar eventuais créditos não contemplados neste acordo.
CLÁUSULA QUARTA – DA MULTA POR INADIMPLEMENTO
Em caso de atraso ou inadimplemento de qualquer das parcelas, incidirá multa de 10% sobre o valor devido, acrescida de correção monetária e juros legais.
CLÁUSULA QUINTA – DA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
As partes requerem a homologação judicial do presente acordo, nos termos dos artigos 855-B a 855-E da CLT.
E por estarem de acordo, assinam a presente petição conjunta, instruída com as procurações dos respectivos advogados.
[Local e data]
EMPREGADOR
EMPREGADO
ADVOGADO DO EMPREGADOR
ADVOGADO DO EMPREGADO
Cuidados e boas práticas na elaboração do acordo
Para que o acordo seja homologado sem problemas, é essencial seguir boas práticas jurídicas, como:
Evitar cláusulas genéricas ou imprecisas
Garantir que os valores estejam corretos e compatíveis com a legislação
Anexar documentos que comprovem a relação de trabalho
Apresentar os dados bancários corretos
Verificar se o advogado do trabalhador é de sua livre escolha
Incluir cláusula que confirme que o acordo foi feito sem coação ou vício de vontade
Também é recomendável apresentar comprovantes de pagamento após o cumprimento das obrigações previstas no acordo.
Efeitos jurídicos do acordo homologado
Uma vez homologado pelo juiz, o acordo extrajudicial se torna um título executivo judicial, com os seguintes efeitos:
Possibilidade de execução direta em caso de descumprimento
Encerramento definitivo da controvérsia sobre as verbas quitadas
Presunção de legalidade e boa-fé na negociação
Impossibilidade de reabrir a discussão sobre os mesmos valores
No entanto, o trabalhador ainda poderá propor ação judicial para discutir verbas não abrangidas pelo acordo ou para questionar a validade do ajuste em caso de coação, fraude ou simulação.
Perguntas e respostas sobre acordo trabalhista extrajudicial
Preciso de advogado para fazer um acordo extrajudicial?
Sim. A lei exige que cada parte seja representada por advogado distinto, como forma de garantir a validade do acordo.
O juiz pode recusar a homologação do acordo?
Sim. O juiz deve analisar se os termos respeitam os direitos do trabalhador. Se houver cláusulas abusivas ou renúncia a direitos indisponíveis, a homologação pode ser negada.
Posso parcelar o valor do acordo?
Sim. O parcelamento é permitido, desde que conste de forma clara no acordo, com datas, valores e multa por inadimplência.
O acordo impede que eu processe a empresa no futuro?
Depende. Se o acordo tiver cláusula de quitação total, poderá impedir novas ações. Se for parcial, o trabalhador pode cobrar outras verbas não abrangidas pelo acordo.
O acordo precisa ser assinado em cartório?
Não é obrigatório. Basta que esteja assinado pelas partes e seus advogados. A homologação judicial é o que confere validade ao acordo.
Quanto tempo leva para o juiz homologar o acordo?
O prazo varia conforme a Vara do Trabalho. Em média, a análise ocorre em até 30 dias, salvo casos em que o juiz convoca audiência.
Conclusão
O acordo extrajudicial trabalhista é uma ferramenta eficaz para resolver conflitos de maneira célere, econômica e segura. Ele permite que empregador e empregado cheguem a um consenso sobre pendências da relação de trabalho sem a necessidade de enfrentar um processo judicial litigioso.
Para garantir sua validade, é essencial cumprir os requisitos legais: petição conjunta, advogados distintos, ausência de litígio prévio e homologação judicial. O acordo deve ser claro, objetivo e respeitar os direitos fundamentais do trabalhador.
Quando bem elaborado, o acordo extrajudicial representa uma excelente alternativa à via judicial tradicional, proporcionando tranquilidade para ambas as partes e fortalecendo a cultura da negociação no ambiente trabalhista. É um instrumento moderno que reflete maturidade nas relações laborais e que, se utilizado com responsabilidade, evita disputas e promove justiça de forma mais ágil e acessível.