MP 992/20 e o Compartilhamento de Alienação Fiduciária de Bem Imóvel

* Por Julio César Gallo Bautista Urena

O presidente Jair Bolsonaro editou a Medida Provisória nº 992, publicada em 16 de julho de 2020, que trata, dentre outros temas, sobre o compartilhamento de alienação fiduciária de bem imóvel como garantia para mais de um contrato de abertura de operações financeiras no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.

Com isso, a finalidade da MP 992 é de ampliar o acesso ao crédito de até 60 bilhões de reais, justamente pela permissão e possibilidade de que um imóvel já financiado possa ser usado com garantia em um novo empréstimo bancário, incluindo dispositivos na atual Lei nº 13.476/17, que também dispõe dos contratos de limite de crédito.

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Resumidamente, no financiamento imobiliário, o devedor obtém empréstimo do banco para adquirir o imóvel perante o incorporador, sendo que, ao mesmo tempo, o imóvel adquirido garante o pagamento do empréstimo realizado no banco.

Assim, o banco realiza o empréstimo ao comprador do imóvel, quitando seu saldo devedor junto da incorporadora e, no mesmo ato, constituindo a alienação fiduciária em garantia, que transmite a propriedade resolúvel do bem imóvel do adquirente (agora devedor do banco) em favor do Banco (agora credor) até a quitação do empréstimo.

Com o pagamento integral do empréstimo, o credor dará o termo de quitação para ser levado a registro no cartório de imóveis, extinguindo a alienação fiduciária em garantia e à consequente retomada da propriedade, agora plena do imóvel, ao devedor.

Até o advento da MP 992, a utilização do mesmo bem imóvel como garantia para uma nova operação de crédito dependia do desfazimento e refazimento da garantia original, com consequentes cancelamentos e novos registros imobiliários, sendo, na prática, somente admitia a constituição de uma única alienação fiduciária sobre o mesmo imóvel. Agora, pode o imóvel já financiado/garantido com alienação fiduciária ser utilizado como garantia em um novo empréstimo bancário, devendo ter a nova operação de crédito o equivalente aos valores já pagos no financiamento imobiliário originário, minimizando os riscos adicionais às instituições financeiras.

Embora as inclusões tenham sido feitas na legislação relativa aos contratos de limite de crédito, entendemos que os novos dispositivos não restringem sua aplicação a esses contratos, uma vez que a MP 992 indica que o compartilhamento pode ser feito para “novas e autônomas operações de crédito de qualquer natureza”, desde que tais operações estejam compreendidas no Sistema Financeiro Nacional.

Poderão ser beneficiadas pela MP 992 as pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito contratadas e garantidas por alienações fiduciárias de bem imóvel e que desejem celebrar novas operações de crédito no âmbito do Sistema Financeiro Nacional com os mesmos credores e utilizando do mesmo imóvel como garantia

O Conselho Monetário Nacional aprovou, no dia 21 de julho de 2020, a Resolução 4.837, que dispõe sobre as condições e os critérios para contratação de financiamento imobiliário pelas instituições financeiras, sendo, resumidamente: (i) os beneficiários poderão ser pessoas físicas e jurídicas que tenham operações de crédito garantidas por alienação fiduciária de bem imóvel com instituições financeiras; (ii) o novo financiamento deverá ser celebrado com o mesmo banco da operação de crédito original; (iii) a pessoa física somente poderá contratar nova operação de crédito em benefício próprio ou de sua entidade familiar; (iv) o valor total do novo financiamento deve ser menor ou igual ao saldo devedor do financiamento original, de modo que o valor nominal de todas as obrigações garantidas deve observar o limite aplicável à operação de crédito original; (v) a nova operação de crédito não poderá ter juros maiores que o financiamento original; (vi) o prazo dos novos contratos também não poderá ser superior ao tempo da operação original; e (vii) as despesas acessórias com registro do contrato perante o cartório de imóveis, imposto de transmissão de bem imóvel (ITBI), imposto sobre operação de crédito e relativas a títulos mobiliários, podem compor a nova operação de crédito.

O novo contrato deverá conter determinados elementos, a exemplo do que já acontecia para as operações originais de crédito regidas pela Lei n.º 9.514/97, dentre eles, o valor principal da nova operação, a taxa de juros e encargos incidentes, o prazo e as condições de reposição do crédito, a declaração a respeito da utilização em seu próprio benefício ou de sua entidade familiar, o prazo de carência para constituição em mora, a declaração no sentido de que o imóvel poderá ser utilizado livremente pelo devedor enquanto adimplente com as obrigações e os requisitos de que trata o art. 27 da Lei n.º 9.514/97.

É importante destacar que também deverá constar no contrato cláusula com previsão de que a falta de pagamento de quaisquer obrigações das operações de crédito garantidas pela mesma alienação fiduciária de imóvel, seja originária ou derivadas, permitirá que o credor dê por vencidas antecipadamente todas as obrigações garantidas no âmbito do compartilhamento da alienação fiduciária.

Ainda, o devedor não está obrigado a liquidar antecipadamente a nova operação de crédito, caso opte pela liquidação antecipada da operação originária ou vice-versa.

Outro ponto importante: quando o produto derivado da proposta do leilão não for suficiente para quitar a dívida, não se aplica a regra do artigo 27, §5º, da Lei 9.514/97, que prevê a quitação automática do débito, exceto quando a nova operação de crédito tiver por finalidade o financiamento imobiliário por pessoa física. Nos demais casos, o credor poderá exigir o saldo devedor remanescente, caso o crédito não seja integralmente satisfeito por força do leilão extrajudicial, o que já se diferencia do regime da Lei 9.514/97, em seu artigo 27, §5º.

A MP 992 com certeza amplia a oferta de crédito no mercado, diminuindo a exposição dos credores a riscos, tornando mais dinâmica a constituição de garantias em novos empréstimos e ainda deverá ser submetida ao Legislativo para poder ser convertida em lei.

Julio Cesar Urena* Julio César Gallo Bautista Urena é Pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim) e coordenador da área de Direito Imobiliário do escritório Natal & Manssur.

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