Conduzir um veículo sem um dos espelhos retrovisores é uma infração de trânsito de natureza grave, conforme estabelece o Artigo 230, inciso IX, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A penalidade para quem for flagrado nesta situação inclui uma multa no valor de R$ 195,23, o acréscimo de 5 pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e, crucialmente, a medida administrativa de retenção do veículo para regularização. Isso significa que, além do prejuízo financeiro e do impacto na pontuação da carteira, o condutor não poderá seguir viagem até que o problema seja sanado. É de suma importância destacar que os requisitos de obrigatoriedade dos espelhos retrovisores variam entre automóveis e motocicletas, sendo que para as motos, a ausência de qualquer um dos dois espelhos (direito ou esquerdo) configura a infração.
A Base Legal: O Que Diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB)?
Para compreender a fundo a penalidade, é preciso analisar a legislação que a fundamenta. A infração por falta de retrovisor não possui um artigo exclusivo para si, mas está enquadrada em uma regra mais ampla sobre equipamentos obrigatórios. O texto legal é o seguinte:
Art. 230. Conduzir o veículo: […] IX – sem equipamento obrigatório ou estando este ineficiente ou inoperante; Infração – grave; Penalidade – multa; Medida administrativa – retenção do veículo para regularização.
Vamos dissecar os termos-chave deste artigo para um entendimento completo:
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“Sem equipamento obrigatório”: O Código de Trânsito estabelece a infração, mas não lista todos os equipamentos obrigatórios. Essa lista é definida por resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), o órgão máximo normativo do Sistema Nacional de Trânsito. A Resolução CONTRAN nº 14/1998 (e suas atualizações posteriores) é a que especifica quais são esses equipamentos para os diversos tipos de veículos. Nela, os espelhos retrovisores, tanto internos quanto externos, são listados como itens mandatórios. Portanto, a ausência de um retrovisor exigido pela norma configura a infração.
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“Estando este ineficiente”: Este termo amplia o escopo da fiscalização. Não basta apenas ter o retrovisor; ele precisa ser funcional. Um espelho quebrado, trincado, manchado, ou com a imagem distorcida é considerado “ineficiente”. Ele não cumpre sua função de proporcionar uma visão clara e nítida, equiparando-se, para fins de fiscalização, à sua ausência. Se o agente de trânsito constatar que a trinca no espelho impede a correta visualização, a autuação é perfeitamente cabível.
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“Ou inoperante”: Um espelho retrovisor pode estar inteiro, mas “inoperante”. É o caso de um espelho solto, que não se fixa na posição ajustada pelo motorista, ou de um espelho elétrico cujo mecanismo de ajuste não funciona, impedindo o condutor de posicioná-lo corretamente. Novamente, um equipamento que não pode ser operado para cumprir sua função de segurança é considerado irregular.
Portanto, a lei é abrangente e visa garantir não apenas a presença física do equipamento, mas sua plena funcionalidade como instrumento de segurança.
A Importância Vital dos Retrovisores para a Segurança no Trânsito
Muitos condutores, especialmente após a quebra de um retrovisor, podem pensar: “É apenas um espelho, consigo dirigir olhando para os outros”. Essa mentalidade é perigosa e ignora a função crítica que cada um desses componentes desempenha na complexa tarefa de dirigir. Os espelhos retrovisores são, literalmente, os olhos do motorista para as áreas que sua visão periférica não alcança. Eles são a principal ferramenta para gerenciar os temidos pontos cegos.
Um ponto cego é uma área ao redor do veículo que não pode ser vista diretamente pelo condutor, nem através da visão frontal ou dos espelhos retrovisores. Embora os espelhos não eliminem completamente os pontos cegos (ainda é necessário virar a cabeça em algumas manobras), eles os reduzem drasticamente.
Vejamos a função de cada espelho:
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Retrovisor Interno (Central): Oferece a visão mais ampla e direta do que acontece atrás do veículo. É essencial para monitorar a distância do carro de trás, para perceber aproximações rápidas e para ter uma noção geral do fluxo do trânsito posterior antes de iniciar uma frenagem, por exemplo.
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Retrovisor Externo Esquerdo (Lado do Motorista): É o espelho mais utilizado para manobras dinâmicas. Ele é fundamental para iniciar uma ultrapassagem, para mudar de faixa para a esquerda e para monitorar a aproximação de veículos, especialmente motocicletas, que frequentemente trafegam nos corredores.
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Retrovisor Externo Direito (Lado do Passageiro): Frequentemente subestimado, este espelho é crucial para a segurança em vias de múltiplas pistas. Ele permite ao motorista verificar o ponto cego do lado direito antes de retornar de uma ultrapassagem, mudar de faixa para a direita ou ao entrar em uma via a partir do acostamento. Em cidades com tráfego intenso, ignorar este espelho é um convite a colisões laterais.
Dirigir sem um desses componentes é como dirigir com uma venda parcial. O motorista perde uma fonte vital de informação, aumentando exponencialmente a probabilidade de realizar uma manobra no momento errado, fechando outro veículo e causando um acidente que poderia ser facilmente evitado. A infração grave se justifica plenamente pelo alto risco que essa condição impõe a todos os usuários da via.
Diferenças Cruciais: Requisitos para Carros e Motocicletas
Um ponto que gera muita confusão e debates é sobre quais espelhos são, de fato, obrigatórios para cada tipo de veículo. A resolução do CONTRAN estabelece regras diferentes, e conhecê-las é fundamental.
Para Automóveis, Camionetas, Camionetes e Utilitários: A regra geral estabelece a obrigatoriedade dos seguintes espelhos:
- Um espelho retrovisor interno.
- Um espelho retrovisor externo, do lado esquerdo.
Contudo, há uma ressalva importantíssima: o espelho retrovisor externo do lado direito também se torna obrigatório quando o espelho interno não consegue proporcionar uma visão clara. Isso se aplica a veículos como furgões de carga sem vidro traseiro, caminhonetes com capota marítima ou qualquer carro que esteja transportando uma carga que obstrua completamente a visão pelo vidro de trás.
Além disso, a prática e as normas de fabricação evoluíram. Desde 1º de janeiro de 1999, todos os automóveis e utilitários novos fabricados no Brasil ou importados já devem sair de fábrica com o espelho retrovisor externo direito como item de série. Portanto, para a esmagadora maioria da frota circulante hoje, ambos os espelhos externos (direito e esquerdo) são considerados obrigatórios na prática. Tentar argumentar em uma abordagem que apenas o esquerdo é mandatório em um carro moderno é uma estratégia fadada ao fracasso.
Para Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas e Triciclos: Aqui reside uma das maiores fontes de mitos e multas. Muitos motociclistas acreditam que apenas o espelho do lado esquerdo é obrigatório. Isso é falso.
A legislação do CONTRAN é explícita ao exigir para esses veículos espelhos retrovisores de ambos os lados. A Resolução nº 912/2022 do CONTRAN, que consolidou as normas sobre o tema, mantém essa exigência. A justificativa é clara: o motociclista é um dos usuários mais vulneráveis do trânsito e está constantemente mudando de posição na faixa e trafegando entre os carros. A visão bilateral proporcionada pelos dois espelhos é indispensável para sua segurança, permitindo que ele tenha consciência do ambiente à sua volta em 360 graus.
Portanto, para motocicletas, a ausência do espelho esquerdo ou do espelho direito, ou de ambos, configura a infração grave prevista no Art. 230, IX. A prática de retirar um dos espelhos por estética ou por qualquer outro motivo é ilegal e perigosa.
As Consequências da Autuação: Multa, Pontos e Retenção
Quando um agente de trânsito flagra um veículo em desacordo com a norma dos retrovisores, ele aplicará as penalidades e medidas administrativas previstas no CTB.
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Infração Grave: No sistema brasileiro, as infrações são categorizadas como leves, médias, graves e gravíssimas. A infração grave representa um risco considerável à segurança, por isso sua punição é intermediária-alta.
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Multa de R$ 195,23: Este é o valor pecuniário associado à infração grave, conforme a tabela de valores vigente.
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5 Pontos na CNH: O condutor infrator receberá 5 pontos em seu prontuário. É importante lembrar que o acúmulo de pontos pode levar à suspensão do direito de dirigir. Conforme a regra atual, o limite é de 40, 30 ou 20 pontos, dependendo do número de infrações gravíssimas cometidas nos últimos 12 meses. Cinco pontos podem ser o suficiente para levar um motorista a atingir seu limite.
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Medida Administrativa de Retenção do Veículo: Esta é a consequência mais imediata e prática da abordagem. É fundamental entender a diferença entre “retenção” e “remoção”.
- Remoção é quando o veículo é guinchado para um pátio do DETRAN.
- Retenção, por sua vez, é quando o veículo fica impedido de prosseguir viagem no local da abordagem até que a irregularidade seja sanada.
No caso da falta de retrovisor, o agente irá reter o veículo. O condutor tem, então, duas possibilidades:
- Sanar a irregularidade no local: Se o condutor tiver um espelho reserva e as ferramentas para instalá-lo, ou se houver uma loja de autopeças muito próxima onde ele possa comprar e instalar o item rapidamente, o problema é resolvido ali mesmo. Após a regularização, o veículo é liberado e o condutor segue viagem, embora o auto de infração (a multa e os pontos) já tenha sido lavrado.
- Impossibilidade de sanar no local: Se não for possível consertar o problema de imediato, o agente de trânsito recolherá o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV-e) e entregará ao condutor um recibo, estabelecendo um prazo razoável (geralmente alguns dias) para que ele regularize a situação. O veículo é liberado para que o condutor possa levá-lo até um local onde o reparo possa ser feito. O motorista deve então, após instalar o retrovisor, apresentar o veículo novamente à autoridade de trânsito para reaver seu documento. Se ele não cumprir este prazo, o veículo pode então ser alvo de um bloqueio administrativo e, eventualmente, ser removido ao pátio.
Situações Específicas e Dúvidas Comuns
A aplicação da regra pode gerar dúvidas em situações particulares.
Retrovisor Quebrado ou Trincado dá Multa? Sim. Como visto na análise do Art. 230, IX, o equipamento não pode estar “ineficiente”. Um espelho trincado, especialmente se a rachadura for grande e prejudicar a formação de uma imagem clara, torna o equipamento ineficiente. A decisão final sobre a gravidade da avaria cabe ao agente de trânsito no momento da abordagem, mas a base legal para a autuação existe.
Posso usar retrovisores “esportivos” ou personalizados? Sim, a troca dos retrovisores originais por modelos personalizados é permitida, contanto que eles cumpram sua função. O retrovisor customizado deve proporcionar um campo de visão claro e adequado, similar ou superior ao do modelo original, e não pode apresentar riscos adicionais, como bordas cortantes ou pontiagudas que possam ferir um pedestre ou ciclista em caso de acidente. Para motocicletas, é comum a troca por modelos menores, mas o motociclista deve se certificar de que eles não são meramente estéticos e de que oferecem visibilidade real.
O novo retrovisor interno com tela de câmera de ré substitui o espelho? Essa tecnologia, que projeta a imagem de uma câmera traseira no lugar do espelho tradicional, está se tornando mais comum. Legalmente, a situação é complexa. A Resolução do CONTRAN ainda exige o “espelho retrovisor”. Em veículos onde um espelho convencional é funcional (ou seja, há um vidro traseiro), a câmera é vista como um complemento, não um substituto. O equipamento não seria considerado irregular se ambos os sistemas estiverem presentes. Contudo, em veículos como furgões de carga sem vidro traseiro, onde um espelho interno seria inútil, a tecnologia de câmera é aceita como a solução para fornecer a visão traseira.
Meu carro é muito antigo e saiu de fábrica sem o retrovisor direito. Posso ser multado? No direito, vigora o princípio do tempus regit actum (o tempo rege o ato). Um veículo deve atender às normas de segurança vigentes na época de sua fabricação. Portanto, se um carro fabricado nos anos 70, por exemplo, saiu de fábrica legalmente sem o retrovisor direito, ele não pode ser autuado pela ausência deste item específico. Contudo, o retrovisor interno e o externo esquerdo continuam sendo obrigatórios. Apesar da não obrigatoriedade legal, a instalação de um retrovisor do lado direito em um carro antigo é uma medida de segurança altamente recomendável e de baixo custo.
O Processo de Defesa: É Possível Recorrer da Multa?
Todo cidadão tem o direito de se defender de qualquer autuação de trânsito. O processo de recurso se dá em três etapas:
- Defesa Prévia: É o primeiro passo, onde se pode argumentar sobre erros formais no Auto de Infração de Trânsito (AIT), como erro na placa, marca ou modelo do veículo, local da infração incorreto, ou ausência de informações obrigatórias no auto.
- Recurso à JARI (Junta Administrativa de Recursos de Infrações): Se a Defesa Prévia for negada, o condutor pode recorrer à JARI. Aqui, pode-se discutir o mérito da infração. Para uma multa de retrovisor, os argumentos são difíceis. Seria preciso provar que o equipamento estava presente e funcional no momento da abordagem, talvez com fotos datadas ou testemunhas, ou argumentar que a avaliação do agente sobre a “ineficiência” de um espelho trincado foi excessivamente rigorosa e subjetiva.
- Recurso ao CETRAN (Conselho Estadual de Trânsito): Sendo a última instância administrativa, o CETRAN reavaliará todo o processo caso o recurso na JARI seja indeferido.
A chance de sucesso em um recurso de mérito para esta infração é geralmente baixa, a menos que haja um erro claro e comprovável por parte do agente de trânsito.
Perguntas e Respostas
Qual é a multa exata por andar sem retrovisor? A infração é grave. A multa é de R$ 195,23, com a aplicação de 5 pontos na CNH e a retenção do veículo para regularização.
Posso andar de moto só com o retrovisor do lado esquerdo? Não. É um mito comum. A legislação de trânsito exige que as motocicletas possuam espelhos retrovisores de ambos os lados (direito e esquerdo). A ausência de qualquer um deles configura a infração.
Meu carro será guinchado para o pátio por falta de retrovisor? Inicialmente, não. A medida administrativa é a retenção, que significa que o veículo fica parado no local da abordagem até que o problema seja resolvido. Ele só será removido (guinchado) se o condutor se recusar a regularizar a situação ou não cumprir o prazo dado pela autoridade para o conserto.
Um pequeno trinco no retrovisor já é motivo para multa? Depende. A lei fala em equipamento “ineficiente”. Se o trinco for pequeno e não comprometer a visibilidade do motorista, o agente pode usar o bom senso e apenas orientar o condutor. No entanto, se a rachadura for grande e claramente distorcer ou obstruir a visão, a autuação é legal e provável.
Como posso regularizar a situação se for parado em uma blitz? A forma ideal é resolver o problema no local, seja instalando um espelho reserva ou comprando um em uma loja próxima. Se isso não for possível, o agente recolherá seu documento e lhe dará um prazo para fazer o reparo e apresentar o veículo em um posto policial ou unidade do DETRAN para comprovar a regularização e reaver o documento.
Conclusão
A multa por conduzir um veículo sem retrovisor ou com este equipamento danificado está longe de ser uma mera formalidade burocrática ou uma “indústria da multa”. Ela reflete a seriedade com que a legislação trata um item de segurança absolutamente essencial. Os espelhos retrovisores são extensões da visão do condutor, ferramentas indispensáveis para a percepção do ambiente dinâmico e muitas vezes hostil do trânsito. A sua ausência ou ineficiência cria pontos cegos perigosos, aumentando drasticamente o risco de colisões, especialmente com veículos mais vulneráveis como bicicletas e motocicletas.
Manter os retrovisores em perfeito estado não é apenas uma obrigação legal para evitar uma multa grave de R$ 195,23 e 5 pontos na CNH. É um dos pilares da direção defensiva, um ato de responsabilidade e respeito pela própria vida e pela vida de todos os outros que compartilham a via. O custo de substituir um espelho danificado é infinitamente menor que o custo potencial de um acidente causado por uma visão deficiente. Portanto, antes de ligar o carro ou a moto, uma rápida checagem de três pontos – espelho interno, esquerdo e direito – deve ser um hábito tão automático quanto colocar o cinto de segurança.