STJ toma emblemática decisão sobre recuperação judicial de agricultor rural

Quarta Turma entende que débitos e créditos anteriores ao registro de uma empresa do setor na Junta Comercial devem entrar no pedido da RJ

A recuperação judicial do produtor rural tem sido objeto de inúmeras decisões controversas por todo o país e finalmente, houve um posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito deste tema. No ano de 2018 o agronegócio representou cerca de 30% (trinta por cento) do PIB do Brasil, de modo que, atribuir segurança jurídica quanto à possibilidade ou não da recuperação judicial para os agentes desse ramo de negócio é sem sombra de dúvida tema de suma importância para a economia nacional.

Em meados de agosto do ano de 2015, o produtor rural José Pupin e sua esposa, Vera Pupin, um dos maiores produtores de soja e milho do Estado do Mato Grosso, ingressaram com seu pedido de recuperação judicial. Para tal, o casal se inscreveu na Junta Comercial na qualidade de empresários individuais. “Apresentamos ao judiciário a tese no sentido de que todo o período de atividades anterior à inscrição na junta comercial serviria ao preenchimento dos requisitos legais necessários ao pedido de recuperação judicial, especialmente o prazo mínimo de dois anos de exercício de atividade empresarial previsto no art. 48 da Lei 11.101/05”, explica Camila Somadossi, advogada responsável pelo caso e sócia do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.

Na ocasião os credores se insurgiram alegando apenas que seriam necessários dois anos de inscrição na junta comercial previamente ao pedido de recuperação judicial, posicionamento que foi acatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, que entendeu que o registro na junta comercial teria natureza constitutiva, ou seja, inauguraria a fase empresarial do produtor rural, de modo que não seria possível aproveitar o anterior período de atividade para preenchimento do prazo exigido pela Lei.

Inúmeros foram os pedidos que seguiram esta a tese de José e Vera Pupin por todo o país, tendo a jurisprudência caminhado, predominantemente, no sentido de que não seriam necessários dois anos de inscrição na junta comercial para que o produtor rural pudesse fazer seu pedido de recuperação judicial, desde que fosse possível comprovar igual período de exercício de atividades, pois o registro teria natureza declaratória de condição de empresário anteriormente já apresentada pelos produtores rurais.

“O tempo passou e dois anos após da inscrição de José e Vera Pupin na Junta Comercial, apresentamos novo pedido de recuperação judicial, porém, desta vez, os credores encontraram um novo motivo para se opor ao regular processamento do caso”, diz a advogada.

De um lado, afirmam os credores que seus créditos constituídos anteriormente ao registro do produtor rural na junta comercial não devem se submeter ao processo de recuperação judicial, já que o produtor rural, em tese, só teria aptidão para o pedido de recuperação judicial a partir da inscrição no registro de empresas e desta forma, somente os créditos constituídos após a inscrição na junta comercial deveriam ser afetados pelo plano de recuperação judicial.

Por outro lado, a advogada de José e Vera Pupin afirma que a pretensão dos credores não possui qualquer fundamento legal, uma vez que é facultado por lei o registro do produtor rural na junta comercial a qualquer tempo, hipótese em que caso em que ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro, além de haver previsão legal expressa no sentido é assegurado ao produtor rural tratamento favorecido, diferenciado e simplificado, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.

A discussão, não para por aí, já que ambos são empresários individuais, ou seja, não detém legalmente personalidade jurídica. Assim, não faria sentido diferenciar as dívidas contraídas antes ou depois de serem empresários individuais, já que, tecnicamente, o empresário individual continua exercendo em nome próprio a atividade empresarial e não tem qualquer distinção ou limitação patrimonial, ou seja, as dívidas da atividade comercial são também de responsabilidade da pessoa que a desenvolve, bem como o patrimônio da pessoa que exerce a atividade produtiva integralmente por qualquer passivo, independentemente da origem.

Travou-se então uma longa discussão que está chega ao fim com o julgamento do Recurso Especial nº 1800031/MT, desenvolvido e apresentado pela Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados, cujo julgamento encerrou-se com os votos favoráveis dos Ministros Raul Araújo, Luis Felipe Salomão e Antonio Carlos Ferreira.

“Cinco anos após iniciarmos essa discussão em diversos Tribunais brasileiros, o julgamento do recurso em questão coloca fim à discussão quanto à natureza do registro do produtor rural na junta comercial, o que, na prática, elimina qualquer discussão sobre a necessidade dois anos no mínimo de inscrição na junta comercial para admissão do pedido de recuperação judicial”, esclarece Camila.

Além disso, cai por terra qualquer dúvida quanto à submissão à recuperação judicial de créditos constituídos anteriormente registro do produtor rural na junta comercial.

“É uma grande vitória, especialmente pela relevância do agronegócio para a economia do país, uma vez que esta decisão elimina a insegurança jurídica que pairava, viabilizando a recuperação judicial para os produtores rurais em dificuldades financeiras”, comemora a advogada.

O Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados representa ainda diversos outros produtores rurais que serão beneficiados pelo julgamento em questão, dentre eles os baianos Grupo Ilmo da Cunha, Grupo Stracci e Jacobsen, bem como o Grupo Pinesso do Estado de Mato Grosso do Sul, um dos poucos cases da área que não enfrentou esta discussão.   

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