O absoluto, o relativo, e a penhora de salários e vencimentos

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O absoluto e o relativo se excluem mutuamente. Encontram-se, rigorosamente, em terrenos opostos. Diz-se absoluto o que não é relativo; o que não comporta restrições; o que não admite qualquer espécie de contingência.

Conquanto não se tenha notícia de controvérsia filosófico-jurídica acerca de tão elementares conceitos, há juízes do trabalho que aparentam enfrentar dificuldade em visualizar a distinção entre os mesmos.

Desde 21 de janeiro de 2007, vige o art. 649, inciso IV, do Código de Processo Civil, com redação dada pela Lei 11.382/2006, in verbis:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;

§ 3o  (vetado).”

Nada obstante o expresso comando legal, que não apenas dita serem impenhoráveis os salários, vencimentos, pensões, etc., mas sim, ABSOLUTAMENTE impenhoráveis, há juízes trabalhistas que seguem penhorando-os junto à fonte pagadora.

Há, até, registro de inusitada “solicitação de bloqueio” de percentual de vencimentos, veiculada por meio de simples ofício requisitório, modalidade de constrição sem previsão legal, configurando ato jurisdicional manifestamente abusivo. Ademais, afrontoso à garantia constitucional da não-retenção de salários (art. 7º, X, CF).

Não deixa de ser irônico observar, justamente, juízes laborais violando direito constitucional social de empregados celetistas e de servidores públicos.

Quanto à ressalva do parágrafo 2º do art. 649 do CPC (“O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia”), cabe sublinhar não se referir à penhora de percentual mensal de salário ou congênere, conquanto interpretações equivocadas tenham gerado decisões judiciais em tal sentido.

A penhora de salários diretamente na fonte pagadora jamais teve previsão no direito pátrio. Excepcionalmente, possível é a penhora de dinheiro com origem salarial, a exemplo das quantias rastreadas e bloqueadas via Bacen-Jud. Penhora em percentual definido pelo juiz à luz da razoabilidade, e desde que para pagamento de débitos originados de prestações alimentícias em atraso, que, à toda evidência, não se confundem com créditos trabalhistas, não raro compostos exclusivamente de verbas de natureza indenizatória.

Aliás, excepcionalíssima penhora para pagamento não de quaisquer prestações alimentícias em atraso, somente daquelas cuja atualidade lhes confira caráter alimentar, ou seja, que se destinem a assegurar as necessidades prementes do alimentando. É consabido que prestações alimentícias de há muito vencidas assumem feição indenizatória, entendimento que deu origem ao enunciado nº 309 da Súmula do STJ.

Não por outra razão, o Tribunal Superior do Trabalho deixou assente em decisão unânime de sua Seção de Dissídios Individuais, confirmando decisão regional, tendo como relator o Ministro Gelson dos Santos, que “a única exceção prevista é a penhora como garantia de prestação alimentícia, que, por se tratar de espécie, e não gênero, de crédito de natureza alimentícia, não pode ser interpretada de forma a englobar crédito trabalhista.” (ROMS – 125/2004-000-18-00, DJ 26/08/2005)

O que a lei prevê – estritamente em sede de execução de alimentos – é o desconto em folha de pagamento (não penhora, tampouco insólito bloqueio), de prestação alimentícia fixada judicialmente.

Nesse sentido dispõe o art. 734 do Código de Processo Civil:

“Quando o devedor for funcionário público, militar, diretor ou gerente de empresa, bem como empregado sujeito à legislação do trabalho, o juiz mandará descontar em folha de pagamento a importância da prestação alimentícia.”

Portanto, a única hipótese legal de vencimentos e congêneres sofrerem desconto (repise-se: não penhora, nem “bloqueio”), é para o fim de pagamento de prestação alimentícia fixada judicialmente, consoante expressa previsão legal insculpida no art. 734 do CPC. Nessa específica hipótese – em nenhuma outra – retira-se uma quantia da fonte de sustento de uma pessoa e dá-se à outra, que dela também depende para o seu sustento.

Deflui que o desconto em folha de pagamento não se presta à quitação de dívidas pretéritas, tenham elas caráter originário alimentar ou não. Destina-se ao cumprimento, forçado, de obrigação de dar, o que é absolutamente distinto. Visa assegurar, mensalmente, que os alimentos devidos sejam repassados ao alimentando.

Como, então, deve agir o juiz do trabalho instado pelo reclamante/exeqüente à “penhorar” salário, vencimento ou congênere? Colhe-se a resposta de notificação de despacho publicada no Diário de Justiça de 26/09/2005, TRT da 20ª Região, verbis: “Proc. 01324-2003-003-20-00-6 – [partes/advogados] – Tomar ciência de que foi indeferido o requerimento formulado por V. Sa. às fls. 55, no que tange ao bloqueio de vencimentos, visto que são impenhoráveis.”

Vale, em conclusão, transcrever a lapidar ementa do acórdão AP-00066-1992-004-18-00-4 (DJ 16/05/2006), emanado do TRT da 18ª Região: “AGRAVO DE PETIÇÃO. PENHORA. VENCIMENTOS. ILEGALIDADE. É ilegal o bloqueio de percentual incidente sobre vencimento, em face do que dispõe o inciso IV, art. 649, do CPC. A norma legal reza ser ‘absolutamente’ impenhorável o vencimento, e não ‘relativamente’. O advérbio absolutamente, utilizado no texto legal tem, qual assentado nos léxicos, a acepção de inteiro, integral, que não comporta restrição ou reserva. Afronta a lei e resvala para o arbítrio judicial entendimento que relativiza a impenhorabilidade de vencimentos.”

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Thomaz Thompson Flores Neto

 

Advogado

 


 

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