O abuso sexual infantojunevil: um estudo voltado à aplicação da Lei nº 13.431/2017

Child sexual abuse: a study concerning the application of Law 13.431/2017

Dias, Daniele Gonçalves[1];

Keitel, Ângela Simone Pires[2].

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RESUMO: O abuso sexual infantil é um crime devastador de grande preocupação na sociedade atual, ainda mais quando praticado no ambiente familiar. Diante disso, torna-se indispensável um cuidado maior com a vítima que sofre esse tipo de abuso. Com o objetivo de evitar a revitimização, causada pela repetitiva inquirição dos fatos, a Lei nº 13.431/2017 regulamentou o método da escuta especializada e do depoimento especial, para que a vítima ou testemunha de violência sexual sintam-se acolhidos e recebam tratamento humanizado. Sendo assim, o presente artigo pretende analisar se através da Lei nº 13.431/2017, a rede de proteção, tem conseguido garantir atendimento de maneira qualificada e humanizada para as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. A metodologia empregada foi a qualitativa bibliográfica através do uso de doutrinas, artigos científicos, analise da legislação e jurisprudência. Por fim, compreende-se que a nova legislação vem sendo aplicada no município e, é resultado do esforço e do trabalho coletivo da rede de proteção que buscam diariamente a defesa dos direitos de crianças e adolescentes.

Palavras- chave: Criança. Adolescente. Abuso sexual. Revitimização. Escuta especializada.

 

ABSTRACT: Child sexual abuse is a devastating crime of great concern in today’s society, especially when practiced in the family environment. In view of this, greater care for the victim who suffers this type of abuse is indispensable. In order to avoid revictimization caused by the repeated inquiry into the facts, Law No. 13.431 / 2017 regulated the method of specialized listening and special testimony, so that the victim or witness of sexual violence feels welcomed and receives humane treatment. Thus, this article intends to analyze whether through Law No. 13.431 / 2017, the protection network, has been able to guarantee qualified and humanized care for children and adolescents victims of sexual abuse. High Cross The methodology used was the qualitative bibliographic through the use of doctrines, scientific articles, analysis of legislation and jurisprudence. Finally, it is understood that the new legislation has been applied in the municipality and is the result of the effort and collective work of the safety net that seek daily to defend the rights of children and adolescents.

Keywords: Child and adolescent. Sexual abuse. Revitimization. Expert Listening

 

Sumário: Considerações Iniciais. 1. Apontamentos acerca da violência praticada contra crianças e adolescentes. 2. Considerações a respeito dos tipos de violência sexual perpetuadas contra crianças e adolescentes. 3. As alterações trazidas pela Lei nº 13.431/2017 como forma de evitar a retivitimização. Considerações finais. Referências.

 

 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma prática que ainda acontece em grande número em todo o Brasil, podendo ocorrer de duas formas: pelo abuso sexual ou pela exploração sexual. Ambos caracterizam-se pela violência sexual, de forma silenciosa e quando sofrida na infância, pode vir a causar uma série de traumas e grandes problemas no desenvolvimento da criança, a curto, médio e em longo prazo, afetando não só a vítima, mas também a família, e comunidade envolvente.

Esse tipo de violência atinge todas as classes sociais e pode ser considerado um problema global, pois tem características e especificidades inerentes às diferentes culturas e aspectos sociais, sendo assim, é importante obter melhorias na estruturação da rede de atenção e de proteção à infância e à adolescência como estratégia para diminuição desses índices.

Segundo divulgação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2014 houve 527 mil pessoas vítimas de violência sexual no Brasil, porém apenas 10% desses casos foram reportados à polícia. Do total, 70% são crianças e adolescentes; 70% dos estupros são cometidos por parentes, namorados, amigos ou conhecidos da vítima e 79% dos casos ocorrem na residência das crianças.

Nesse sentido, as inovações legislativas introduzidas pela Lei nº 13.431/2017, apresentam acréscimo às normas já existentes, instituindo novos instrumentos para atuação do Poder Público, nas várias esferas de governo e setores da administração na perspectiva de assegurar, sobretudo, uma melhoria no atendimento às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. Assim, tem-se como problemática da pesquisa a seguinte indagação: é possível afirmar que, com o advento da Lei nº 13.431/2017, a rede de proteção, tem conseguido realizar os atendimentos de maneira mais célere, qualificado e humanizado para as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual ?

Assim, a referida lei instituiu a técnica da escuta especializada e do depoimento especial, visando garantir a chamada revitimização, causada pelo fato da vítima ter que repetir inúmeras vezes a violência sofrida durante o atendimento, seja para instituições, serviços de saúde e assistência social, entre outros órgãos. Em alguns casos, o relato é repetido entre oito a dez vezes, sendo recorrente reviver o abuso sofrido gerando sofrimento, culpa e medo na vítima. Nessa linha a hipótese que norteia essa pesquisa tem como pressuposto que os mecanismos criados pela Lei nº 13.431 de 04 de abril de 2017 proporcionam atendimento adequado às vítimas. Dessa forma, com a realização da escuta especializada e o depoimento especial, poderá ser evitada a repetição reiterada dos fatos, o que proporciona à vítima uma melhor acolhida, bem como, ter um atendimento mais humanizado e, assim, amenizar os efeitos danosos da violência sofrida.

O objetivo geral deste artigo é verificar se a partir da Lei nº 13. 341 de 2017, as medidas propostas nos artigos 7° ao 12, os quais abrangem a escuta especializada e o depoimento especial, estão realmente sendo realizadas durante o atendimento das vítimas de abuso sexual.

Para tanto, inicialmente, será realizado apontamentos sobre os diferentes tipos de violência praticada contra a população infanto-juvenil vítimas, amparadas pela Lei nº 13. 431/2017, bem como, considerações a respeito dos tipos de violência sexual perpetuadas contra a população infantojuvenil, além dabordagem das alterações trazidas pela Lei 13.431/2017 como forma de evitar a revitimização. Por fim, far-se-á uma breve averiguação de como está sendo o processo de implementação a partir do que dispõe a Lei 13.431/2017, em meio aos atendimentos prestados às vítimas de violência sexual.

Deste modo, trata-se de pesquisa qualitativa de cunho bibliográfico, partindo de estudos em doutrinas, artigos científicos, meio eletrônico (internet) e análise de dados dos institutos de pesquisas relacionados a temática. O procedimento adotado foi o histórico e comparativo, visto que será feito um resgate acerca da violência, bem como comparação entre os índices de violência praticados antes e depois da entrada em vigor da Lei nº 13.431/2017. Por fim, a pesquisa tem como linha de pesquisa Constituição, Processo e Democracia, do Grupo de Pesquisa Jurídica (GPJur), tendo em vista o estudo da violação dos direitos garantidos a crianças e adolescente, assim como busca apontar as fragilidades e as lacunas presentes na legislação e nos órgãos de proteção, cujos dados apontam para baixos índices de denuncia desses crimes.

 

1 APONTAMENTOS ACERCA DA VIOLÊNCIA PRATICADA CONTRA CRIANÇAS  E ADOLESCENTES

Para toda criança ou adolescente está assegurado constitucionalmente o direito de proteção integral tanto pela família, quanto pelo Estado e pela sociedade, consoante dispõe o artigo 227[3], caput, da Constituição Federal de 1988. Tão importante o referido diploma que o Estatuto da Criança e do adolescente (ECA) reproduziu esse dever da mesma forma que o texto constitucional no seu art. 4º[4], caput.

Para Giddens (2012, p. 242) “uma família é um grupo de pessoas ligadas diretamente por conexões de parentescos, cujos membros adultos assumem responsabilidade por cuidar das crianças”, e contam também com especial proteção do Estado, conforme estabelece o artigo 226[5] da Constituição Federal.

No entanto, nem sempre foi assim, visto que a população infantojuvenil somente teve reconhecimento de sujeitos de direitos devendo ser tratados com prioridade a partir do advento da Constituição Federal de 1988. Neste sentido Ishida (2015, p.5) salienta que “na vigência do Código de Menores, não havia distinção entre criança e adolescente (havia apenas a denominação “menor”) e não havia obediência aos direitos fundamentais”. Ainda de acordo com Ishida (2015, p.5), “esse panorama inicialmente se modificou com a CF e posteriormente com o ECA”.

Nesta mesma linha, Ferreira e Azambuja (2011, p. 82) destacam:

O Estatuto assegura à criança e ao adolescente a condição de pessoa e de sujeito de direitos, retirando-os da condição de objeto que por muito tempo lhes foi imposta. Por outro lado, em nenhum momento o Estatuto desconsidera a diferença entre crianças e adultos. Ao contrário, em seu artigo 2o, o Estatuto distingue, inclusive, a criança do adolescente, considerando criança a pessoa até 12 anos incompletos, e adolescente aquela entre 12 e 18 anos.

Portanto, foi somente com o advento da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, ou seja, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o qual define em seus artigos 2º[6] e 3°[7] que, criança é a pessoa que possui até 12 anos de idade incompletos e o adolescente, entre doze e dezoito anos de idade, que foi garantido a proteção integral à criança e adolescente, ligando-os ao principio da prioridade absoluta. Neste contexto, Ishida (2015, p. 2):

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O Estatuto da Criança e do Adolescente perfilha a “doutrina da proteção integral”, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes (v. art. 3º). Foi anteriormente prevista no texto constitucional, no art. 227, instituindo a chamada prioridade absoluta. (grifo do autor).

Todavia, nem sempre a criança e adolescente desfrutam de afeto e proteção por parte de sua família e do Estado. Em ambientes familiares desestruturados, a violência pode vir a fazer parte da rotina, tornando a infância e adolescência uma fase de difícil enfrentamento.

Nesse sentido, é pertinente a colocação de Giddens (2012, p. 252) sobre a violência vivida diariamente no ambiente familiar, “esse lado da vida familiar desmente as alegres imagens de harmonia que costumam ser enfatizadas em comerciais de televisão e no restante da mídia popular. A violência doméstica e o abuso de crianças são dois dos aspectos mais perturbadores”.

Cabe ainda, segundo Giddens (2012, p. 276):

A vida familiar nem sempre é feliz e harmoniosa, ás vezes, existe abuso sexual e violência doméstica. A maior parte do abuso sexual de crianças e da violência doméstica é perpetrada por homens, e parece estar conectada com outros tipos de comportamento violento em que certos homens se envolvem.

Assim, a violência é algo complexo, para entendê-la é possível ligar uma série de definições antropológicas, sociológicas, entre outros.  Nesse sentido, aponta Ferreira e Azambuja (2011, p.17):

[…] a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta a violência como um dos maiores problemas de saúde pública do mundo, definindo-a como o uso intencional da força física ou do poder, real ou por ameaça, contra a própria pessoa, contra outra pessoa ou contra um grupo ou comunidade, que possa resultar ou tenha alta probabilidade de resultar em morte, lesão, dano psicológico, problemas de desenvolvimento ou privação de direitos.

Além disso, a violência, ainda mais quando praticada contra crianças e adolescentes, não se trata apenas de uma violação física, mas de uma violação de confiança e autoridade, onde a vítima poderá ter seu desenvolvimento tanto pessoal quanto social, comprometido, conforme demonstra Ferreira e Azambuja (2011, p. 26):

Além disso, o conceito de “violência” caracteriza ações e/ou omissões que podem cessar, impedir, deter ou retardar o desenvolvimento pleno dos seres humanos, sobretudo quando tais ações e/ou omissões forem praticadas contra crianças e adolescentes, que, por estarem em uma condição peculiar de desenvolvimento, precisam de cuidado e de proteção.

Assim, percebe-se que nem sempre a população infantojuvenil goza desta proteção integral, visto que quem deveria fazê-lo por vezes é negligente ou omisso, razão pela qual faz-se importante a colocação de Britto e Lamarão (1995, p. 26) sobre a violência, “[…] a violência tem raiz no “atraso” tecnológico, cultural, político, e até mesmo, numa suposta insuficiência genética, ou, ainda, na ausência de princípios morais”.

Corroborando com essa questão, importante destacar a pesquisa disponibilizada pela Childhood[8], com base em dados obtidos pelo Disque 100, no ano de 2016, onde foram registradas 76.171 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes, aproximadamente 5% a menos do que no ano anterior (80.437).  Apesar de menor o índice, o número de denúncias não corresponde ao número de casos de fato constatados, porém demonstra quão extenso é o problema, conforme demonstra a figura abaixo:

Captura de Tela 237

Portanto, conforme publicado no Portal Educação “Violência é um comportamento que causa dano a outra pessoa, ser vivo ou objeto. Invade a autonomia, integridade física ou psicológica e mesmo a vida de outro”.

Assim, Britto e Lamarão (1994, p.104) mencionam que há pelo menos duas categorias jurídicas que visam enquadrar as agressões físicas: a violência designada de “maus tratos” e aquela nomeada de “lesão corporal[9]”. A propósito os autores referidos mencionam que:

A primeira se caracteriza como tal quando a vítima se encontra “sob a autoridade, guarda ou vigilância do agressor”. A segunda, pelo fato de atingir a integridade corporal ou afetar a saúde da vítima.

Assim, atos de igual natureza podem ser enquadrados numa ou noutra infração, dependendo do vínculo existente entre agressor e vítima e da consequência da agressão sofrida. Contudo, o grande número de ocorrências de agressões contra crianças e adolescentes sem informação sobre a relação existente entre os envolvidos resulta na impossibilidade de caracterizar a natureza jurídica da violência praticada, provocando possivelmente o sub-registro de “maus tratos”.

Observa-se então que, qualquer que seja o tipo de violência praticada contra criança e adolescente, deixa sequelas a curto, médio e longo prazo, podendo comprometer o desenvolvimento saudável até mesmo na vida adulta.

Relativo a violência praticada contra a população infantojuvenil, há diferentes posicionamentos, um deles é que “a pratica desse tipo de violência, quando ocorrem no ambiente familiar esteja devidamente ligada à situações de miserabiliade, na qual essas famílias acabam tornando-se alvo de desigualdade em meio a sociedade” (FERREIRA; AZAMBUJA, 2011).

Seguindo ainda essa linha de raciocínio, a ideia de que a organização familiar é também um dos principais fatores que contribuem para que haja a pratica de violência contra as crianças e os adolescentes é notável, como acrescentam Williams e Habigzang (2014, p. 128):

[…] Temos que acrescentar a importância de estudarmos esse adolescente em uma organização familiar que possui de 3 a 4 salários mínimos mensais, para sua sobrevivência, e que vive em contextos de vulnerabilidade social e econômica e sem apoio do Estado no sentido de garantir a eficácia das políticas públicas básicas de saúde, educação, segurança e assistência social. Estamos ainda muito distantes de compreendermos como esse fenômeno se configura em nosso país, especialmente com relação às famílias de baixa renda, nossos sujeitos de intervenção.

Confirmando essa realidade a Childhood Brasil (2016), destacou que “o Brasil carece de dados sobre a violência sexual de crianças e adolescentes”, nesse sentido apontou também que:

Mas sabemos que existem fatores de vulnerabilidade que incidem diretamente sobre o problema, aumentando os casos de violação de direitos. Dentre os principais fatores estão pobreza, exclusão, desigualdade social, questões ligadas à raça, gênero e etnia. A falta de conhecimento sobre os direitos da infância e adolescência também contribui para o aumento das violações.

Destacou ainda que no ano de 2016 existiam 63 milhões de crianças e adolescentes no Brasil e, destes 46% das crianças e adolescentes eram menores de 14 anos que viviam em domicílios com renda per capta até meio salário mínimo, sendo que 132 mil  famílias tinham crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos responsáveis por renda (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍTICA (IBGE), 2010).

Percebe-se que esses elementos refletem diretamente na pratica da violência perpetrada contra crianças e adolescentes, visto que a falta de condições financeiras deixam essa população cada vez mais vulneráveis, contribuindo dessa forma para a prática da violência.

Sendo assim, afirma Williams (2014, p. 93):

O olhar para esse processo, para os familiares em relação a suas necessidades decorrentes da situação do abuso sexual infantil, reforça uma perspectiva de não culpabilização de tais indivíduos, de busca por um atendimento psicológico mais completo e efetivo. Tal atendimento deve envolver não apenas a criança, mas todo o ambiente familiar em que essa vive, de modo que tal ambiente seja preparado para a sua recuperação.

Portanto, a violência praticada contra crianças e adolescentes estão diretamente ligadas a vida familiar propriamente dita, pois é em meio a família que a vida dessas vítimas tem início, motivo pelo qual é imprescindível que desde a infância desfrutem de proteção integral através de sua família. Sendo assim, não se pode permitir que o ambiente familiar seja tão afetado pelas mudanças que ocorrem diariamente na sociedade a ponto de se tornar vulnerável a ocorrer a violência. Assim, na próxima seção serão abordadas as diferentes formas de violência praticadas contra a população infantojuvenil.

 

2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DOS TIPOS DE VIOLÊNCIA SEXUAL PERPETUADAS CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Inicialmente, como mencionado anteriormente, para se conceituar a violência sexual praticada contra crianças e adolescentes faz-se necessário destacar que a mesma pode ocorrer de duas formas, qual seja: pelo abuso sexual ou através da exploração sexual.

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A Childhood Brasil refere-se à violência sexual contra crianças e adolescentes como:

[…] uso de uma criança ou de um adolescente para a satisfação sexual de um adulto, ou alguém mais velho, em uma relação assimétrica de poder e dominação. Trata-se de um fenômeno complexo e multicausal, que pode acontecer com ou sem contato físico e que se divide em abuso sexual (não envolve intermediação financeira ou comercial) e exploração sexual (há troca de sexo por dinheiro ou favores). É especialmente danosa por interferir negativamente, introduzindo na vida da criança e do adolescente a vivência de uma sexualidade para a qual não estão prontos do ponto de vista físico e emocional. Traz consequências negativas no âmbito dos afetos e sensações, na autoimagem, nos relacionamentos, nas possibilidades de viver o prazer, no desenvolvimento da sexualidade, que é aspecto fundamental da saúde física e mental e da singularidade de cada indivíduo. Implica uma ultrapassagem de limites do que a criança e o adolescente podem viver, compreender e consentir, deturpando papéis familiares e sociais.

Dessa forma, conforme notícia disponibilizada no portal O Globo, durante o ano de 2018, o Disque 100, conhecido como Disque Direitos Humanos, recebeu um total de 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no país. Desse total, 13.418 denúncias se referiam a abuso, enquanto 3.675 telefonemas foram classificados como casos de exploração sexual.

Sendo assim, a exploração sexual, segundo Fonseca (2001, p. 146) “[…] É todo tipo de atividade onde alguém usa o corpo de uma criança ou de um adolescente para tirar vantagens de caráter sexual”.

No entanto, conforme demonstra Santos (2012, p. 30) “[…] existem diferentes maneiras pelas quais a sexualidade de uma criança pode ser invadida por um adulto,e isso contribui para que ela seja uma das formas mais subnotificadas de violência contra a criança”.

Assim, de acordo com a organização Childhood Brasil (2012) acerca do assunto “a violência mais praticada contra crianças até nove anos, depois da negligência e do abandono, abrangendo ainda, mais de uma forma a serem praticada, é entre elas o abuso sexual intrafamiliar e o abuso sexual extrafamiliar”.

Então, quando se trata de abuso sexual infantil, as duas maneiras em que elas se inserem, ocorre quando um adulto, não integrante do grupo familiar, desconhecido ou não da família, vêm a praticar atos sexuais contra a criança ou adolescente sem o consentimento do mesmo, caracterizando assim a chamada a violência sexual extrafamiliar. No que se refere ao abuso sexual intrafamiliar, o mesmo ocorre geralmente através de alguém que possui grau de parentesco, muito próximo à criança, tendo sobre ela autoridade e confiança.

Nesse contexto, Giddens (2012, p. 254) ressalta ainda que na visão da criança ou adolescente, sofrer abuso é motivo de envergonhar-se, razão pela qual a vítima cria uma imagem perturbadora de si mesmo, a qual pode causar consequências de longo prazo:

As crianças são seres sexuais, é claro, e muitas vezes fazem brincadeiras ou explorações sexuais leves entre si. Porém, a maioria das crianças submetidas as contato sexual com familiares adultos considera a experiência repugnante, vergonhosa ou perturbadora. Hoje em dia, existe uma quantidade considerável que indicam que o abuso sexual infantil pode ter consequências de longo prazo para aqueles que sofreram abuso.

Existem ainda, outras questões que afetam, conforme Williams (2014, p. 94) “vários aspectos que tornam difícil aos cuidadores lidarem adequadamente com a situação em que uma criança da família sofre abuso sexual, tornando-os mais propensos a desenvolverem problemas de saúde”.

Contribuindo nessa questão, o portal O Globo noticiou em maio do presente ano, que a Ouvidoria Nacional do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), apresentou dados na Câmara dos Deputados, revelando que quase 90% dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes são registrados no ambiente familiar.

Nesse sentido, segundo Gabel (1997, p. 64) é possível afirmar que:

O elo que une a criança e aquele que abusou dela é também fator determinante. Na maior parte dos casos, o incesto tem consequências mais graves, pois provoca na criança uma confusão em relação às imagens parentais: o pai deixa de desempenhar um papel protetor e representante da lei; a debilidade da mãe, omissa, torna-se evidente.

Contudo, com base numa pesquisa disponibilizada pela Childhood Brasil, com dados obtidos através do Disque 100, de 2011 até o ano de 2016, o abuso sexual praticado em meio ao grupo familiar, comparado à violência praticada na casa da vítima ou do suspeito, é muito similar.  Conforme se pode verifica nos dados abaixo:

Captura de Tela 235

As estatísticas existentes não refletem a realidade, uma vez que as denúncias são subnotificadas, em razão do preconceito, das atitudes das famílias, do “pacto do silêncio” e da dificuldade dos diferentes profissionais da saúde, da educação, da assistência social, da segurança pública e até mesmo do judiciário em lidar com a questão.Dessa maneira, nota-se que apesar de existir um considerável número de denúncias acerca desse tipo de abuso, esse número ainda é distante da realidade atual, visto que muitos dos casos não chegam à delegacia sequer ao poder judiciário, tornando difícil mensurar com mais precisão os números dessa violência. Nesse sentido, Williams e Habigzang, 2014, p. 126.

É necessário então, que seja garantido proteção integral às crianças e adolescentes, visto que por se tratar de população vulnerável precisam crescer e se desenvolverem de forma saudável.

Dessa forma, na próxima seção será tratado acerca das alterações advindas da Lei 13.431/2017, além de apontar como todo esse processo para sua implementação ocorreu e vem sendo conduzido.

 

3 AS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.431/2017 COMO FORMA DE EVITAR A REVITIMIZAÇÃO: UM ESTUDO NO MUNICÍPIO DE CRUZ ALTA ACERCA DO ATENDIMENTO PRESTADO ÀS VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Há casos de violência sexual infantil em que o Estado, mesmo com a legislação vigente atualmente é omisso, devido às políticas deficitárias, pelo fato de que na maioria das vezes os casos de abuso ocorrem no núcleo familiar, essas informações acabam não chegando ao domínio público, motivo pelo qual as vítimas sentem-se desprotegidas e desamparadas.

Assim, insta ressaltar que no ano de 2003, por iniciativa do Desembargador Dr. Daltoé Cezar[10], o qual atuava na época como Juiz de Direito, foi implantado o método de oitiva para crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência sexual, ou seja, o denominado “depoimento sem dano”, projeto piloto, que foi adotado pelo Estado do Rio Grande do Sul, sendo este pioneiro ao aplicar a sistemática.

Contudo, mesmo se tratando de um projeto piloto a sistemática do chamado Depoimento sem Dano passou a ser realizada, como se verifica através da decisão em sede de apelação no Tribunal de Justiça do Estado, onde o julgador reconheceu a técnica do depoimento especial, atualmente reconhecida por essa nomenclatura no ordenamento jurídico:

Ementa: APELAÇÃO-CRIME. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (3X). CONTINUIDADE. PADRASTO. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS DE IDADE. 1. PRELIMINARES. NULIDADE DO FEITO. INCOMPETÊNCIA DO JUIZADO DA INFÂNCIA E JUVENTUDE. INOCORRÊNCIA. Lei 9.896/93 que previu a possibilidade de ampliação da competência dos Juizados Regionais de Infância e da Juventude através de disposição legal expressa. Lei 12.913/08 que conferiu ao COMAG a possibilidade de, excepcionalmente, atribuir competências adicionais àqueles Juizados. Editais nº 04/2008 e 058/2008 do COMAG atribuindo ao JIJ a competência para julgamento dos crimes sexuais cometidos, tão somente, contra crianças e adolescentes. Incidente de Inconstitucionalidade nº 70042148494, apreciado pelo Colendo Órgão Especial deste TJ/RS que entendeu pela constitucionalidade da Lei 12.913/08. Matéria que, embora controvertida no âmbito do E. STJ, já foi analisada pela Suprema Corte, conferindo validade à competência do JIJ para julgar delito praticado contra criança e adolescente. Precedente. Nulidade inocorrente. Preliminar rejeitada. MEDIDA CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS. Faculta-se ao magistrado singular, inclusive de ofício, ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. Caso concreto em que presentes todos os requisitos, foi deferida a inquirição da vítima antes de iniciada a persecução penal, sem insurgência defensiva. Urgência que se evidenciava pela possibilidade de o transcurso do tempo prejudicar a memória da menor. Necessidade, adequação e proporcionalidade que decorrem da pouca idade da ofendida – 6 anos à época dos fatos -, devendo privilegiar-se o momento onde ainda íntegra sua lembrança, utilizando-se a sistemática do Depoimento sem Dano para prevenir prejuízos psicológicos. Não violação dos princípios do contraditório e ampla defesa, presentes o réu e sua advogada à audiência respectiva. Prejuízo não demonstrado. Prova idônea. Preliminar rechaçada. […] APELO IMPROVIDO. .(Apelação Crime, Nº 70059088534, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em: 09-03-2016).

Porém, foi somente na data de 04 de abril de 2017, que foi sancionada a Lei nº 13. 431[11], a qual regulamentou o novo sistema de garantia de direitos para a criança e ao adolescente vítima ou testemunha de violência, trazendo a regularização do Depoimento Especial[12], e da escuta especializada[13], definidos nos artigos 7º e 8º da referida lei.

Assim, os estados brasileiros com o advento da nova lei, tiveram um ano para se adequar a nova sistemática de inquirição. Nessa seara, Potter (2019, p. 31) afirma:

A lei contempla as recomendações baseadas em normativas internacionais e na prática de tomada de depoimentos especiais em distintos países procurando suprir a falta de legislação que proteja os direitos de crianças e adolescentes expostos ao sistema de justiça, seja como vítimas, seja como testemunhas de violência física, psicológica, sexual e institucional.

Assim, a legislação visa proporcionar às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual, uma maneira menos traumática de relatar o ato sofrido, evitando dessa maneira, a chamada revitimização, onde não se faz necessário que a vítima tenha que relembrar o acontecido, cada vez que vai relatar sobre. Nessa mesma linha a Childhood Brasil aponta:

A Lei 13.431 inova por estabelecer mecanismos e princípios de integração das políticas de atendimento e propõe a criação de Centros de Atendimento Integrados para crianças e adolescentes. Serão dois tipos de procedimento: escuta especializada, quando ocorre nos serviços de saúde e assistência social onde a criança será atendida; e depoimento especial, quando a criança então fala o que aconteceu, mas num ambiente acolhedor, por profissional capacitado no protocolo de entrevista.

Além disso, a implementação desse novo sistema de garantias visa aprimorar as legislações vigentes a fim de garantir os direitos à criança e ao adolescente expostos a violência aos diversos tipos de violência, seja ela sexual, física, psicológica ou institucional.

Nessa linha, Potter (2019, p. 28) destaca:

O que existe no modelo tradicional de oitiva é a formulação e reformulação constrangedora de perguntas e insinuações, normalmente utilizadas de forma imprópria, inadequada e infrutífera, levando a vítima a sofrer duas vezes o ato de violência (abuso sexual, que é a vitimização primária, e após, o abuso psicológico na esfera judicial, que é a vitimização secundária).

No entanto, a partir das alterações proposta pela lei, a escuta especializada e o depoimento especial, segundo Digiácomo (2018, p. 6) é de:

A ideia básica é erradicar, de uma vez por todas, o amadorismo no atendimento dessa complexa e difícil demanda, agilizando e tornando mais eficiente a atuação dos órgãos de repressão e proteção, buscando a responsabilização dos autores de violência na esfera criminal, sem causar danos colaterais às vítimas ou testemunhas. […] Para tanto, a Lei institui, basicamente, 02 (duas) formas igualmente válidas para coleta de prova junto a crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência no âmbito do inquérito policial ou processo judicial: a escuta especializada e o depoimento especial, a serem realizados por profissionais qualificados, em local adequado e respeitando o “tempo” e os desejos e opiniões da criança/adolescente (art. 5º), passando a escuta perante a autoridade policial ou judiciária a ser reconhecida como um direito daquela, e não uma obrigação.

Verifica-se, que o objetivo maior desses dois novos mecanismos é oportunizar as vítimas um atendimento humanizado e acolhedor evitando assim que ela reviva por diversas vezes o abuso sofrido, bem como uma forma de evitar a repetição reiterada dos fatos nos diversos atendimentos que porventura ela tenha que passar.

Sendo assim, é indispensável diferenciar os dois mecanismos regulamentados pela lei, ou seja, a escuta especializada não se trata de procedimento judicial, já o depoimento especial é utilizado judicialmente. Assim, de acordo com Potter (2019, p. 134): “A Lei 13.431/17 prevê expressamente duas modalidades de intervenção para a escuta de crianças e adolescentes: uma não judicial, que denomina de escuta especializada, e a outra judicial, o depoimento especial propriamente dito”.

Além disso, Potter (2019, p.134) ressalta “[…] escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção”. Assim, de acordo com o referido autor, quando se trata da escuta especializada:

[…] em espaço físico apropriado e acolhedor (artigo 10 da lei), e na presença de profissional capacitado, a escuta especializada tem o propósito de reunir elementos mínimos que indiquem a ocorrência do fato, sua dinâmica (ainda que não pormenorizada, mas o suficiente para que, de pronto, sejam feitos os encaminhamentos necessários à rede de atendimento) e – sempre que possível- sua autoria.

Com relação ao depoimento especial Potter (2019, p. 35) destaca que:

A metodologia do Depoimento Especial requer: a redução de vezes que a criança/adolescente testemunha; um espaço acolhedor e amigável; a existência de uma equipe multidisciplinar treinada em entrevista forense com crianças; a gravação da entrevista com objetivo de apensá-las ao processo[…]

Além disso, a respeito do depoimento especial, Digiácomo (2018, p.37) também ressalta:

Além de evitar a “revitimização”, a especialização dos profissionais e a sistemática previstas nesta Lei visam acabar, de uma vez por todas, com a desconfiança que ainda reina quando da oitiva de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, que muitas vezes são tratadas (de forma até mesmo ilegal/inconstitucional, por afronta ao disposto no art. 227, caput, parte final da CF e arts. 5º, 17 e 18, do ECA), como “seres inferiores” e/ou “indignos de crédito” quando chamados a relatar a violência sofrida ou testemunhada.

No entanto, vale mencionar também que há diferentes posicionamentos quanto à sua implementação, ou seja, posições contrárias a essa técnica. Um deles é de que apesar dessa técnica ter o intuito de proteger o relato das crianças e adolescentes vítimas, o depoimento pode ser considerado apenas como forma de obter maior número de incriminação e condenação para o poder judiciário, conforme o entendimento de Ferreira e Azambuja (2011, p. 83):

Entendemos que, com a metodologia de inquirição proposta, busca o Substitutivo, principalmente, a responsabilização do agressor, com o objetivo de não deixar impunes os crimes contra crianças e adolescentes nas situações em que não existam terceiros adultos como testemunhas, ou quando não haja indícios materiais revelados pela perícia médica. No entanto, é legítimo perguntar se os fins justificam os meios. Ou seja, para reparar um dano podemos causar outro?

Assim, de acordo com esse entendimento, deve ser evitada qualquer ação voltada à responsabilização do agressor levando em consideração unicamente o depoimento da vítima.

Contudo, há também a possibilidade de que o ouvinte que está diante da vítima faça uso de técnicas que a levem a sugerir um suposto abuso, ou fazer distorção em seu relato, dessa maneira trazendo falsas memórias. Diante disso, todo cuidado é pouco durante a o relato da vítima.  Nessa linha, é o que destacam Villela e Santos (2018, p. 36):

Assim, no contexto jurídico, o relato de crianças ou adolescentes assume grande importância, de modo que a forma de obtenção deste relato deve ser cercada de cuidados, obedecendo a critérios específicos, com uso de protocolos que garantam a proteção da vítima ou testemunha infantojuvenil, respeitando o ponto de vista ético, técnico e científico. A primeira preocupação é com o bem estar da criança e do adolescente e em seguida com a qualidade da prova testemunhal produzida. Portanto, a forma como um relato é obtido influencia determinantemente na sua validação enquanto prova.

Apesar de existir posicionamentos divergentes sobre essa questão o que não se pode deixar de destacar é que esse tipo de violência ocorre diariamente e cada vez mais em números alarmantes.

Assim, segundo publicação no site do Instituto Patrícia Galvão, o Disque 100, recebeu durante o ano de 2018, um total de 17.093 denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes no país, sendo 13.418 relacionadas a abuso sexual e 3.675 à exploração sexual; no recorte por gênero, meninas são a maioria das vítimas de exploração sexual (75,10%) e de abuso sexual (73,44%); e quase a totalidade dos abusos acontecem dentro de casa, sendo que 70% dos casos têm como autor o pai, o padrasto ou a mãe da criança.

De acordo, também, com o Portal O Dia, publicado no dia 23 de maio de 2019, “Familiares e pessoas próximas às vítimas são os principais agressores em casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Brasil”. Acrescentou ainda, “em 37% dos casos divulgados, os agressores eram padrastos, pais, mães, avós e outros parentes”. A pesquisa revelou também que “as meninas são as principais vítimas de violência sexual (76%) dos casos. Já os principais locais apontados como cenário do abuso são, pela ordem: casa da vítima (38%), casa do agressor (18%) […]”.

Dessa forma, esses dados reforçam a importância de serem implementados os mecanismos e princípios de integração das políticas de atendimento as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, visto a vulnerabilidade que esse grupo permanece exposto, principalmente, quando esses números apresentam que o maior percentual acontece dentro de casa, ou seja, por quem tem o dever de cuidado e proteção.

Por certo, de acordo com as informações, a legislação vem sendo aplicada, contudo é imprescindível que ao aplicar ambas as técnicas zelar pela proteção das crianças e adolescentes, visto serem pessoas em desenvolvimento, além de serem detentoras de direitos especiais.

 

 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da pesquisa realizada, foi possível compreender que as crianças e adolescentes fazem parte da maior população suscetível a situações de violência.

Então, a demanda de violência praticada contra crianças e adolescentes abrangem situações que tornam ainda mais difícil o seu enfrentamento, especialmente quando estes não desfrutam de uma boa estrutura familiar, razão pela qual o ambiente doméstico se torna alvo da prática de crimes.

Portanto, apesar da pouca idade das crianças e da dificuldade que possuem de trazer detalhes sobre a forma de violência a que teriam sido expostas em relatos verbais, através de relatórios e outros meios de provas que evidenciam o comportamento das crianças, trazem as consequências da violência no desenvolvimento psicológico e físico.

Ainda que o Estado esteja contribuindo com a nova legislação, trazendo inovações técnicas que possibilitem uma melhora no atendimento à população infantojuvenil que tenha sofrido qualquer tipo de violência, principalmente àquelas que sofreram abuso sexual proporcionando uma maior acolhida, o número de denúncias ainda é alarmante.

As diversas inquirições, pela vítima ou pela testemunha pode ser uma experiência traumatizante, ainda mais quando se trata de crimes sexuais que ocorrem durante a infância e adolescência. Sendo assim, a implementação do órgão de referência torna-se indispensável para a realização do disposto em lei, contudo, mesmo não havendo ainda a implementação do referido órgão o fato de já estarem sendo aplicadas as técnicas da escuta especializada e o depoimento especial oportuniza um atendimento mais humanizado e, assim, ameniza um pouco os efeitos danosos da violência sofrida.

Portanto, é imprescindível que os profissionais estejam capacitados para realizar tal atendimento. Caso contrário, o método que objetiva evitar a revitimização da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade pode colaborar para a nova vitimização.

Diante disso, já existe uma integração por parte da rede de proteção garantindo um melhor atendimento às vítimas e testemunhas crianças ou adolescentes, não apenas de crimes sexuais, mas que tenha sofrido qualquer espécie de violência. De igual forma o depoimento especial vem ocorrendo.

Todavia, percebe-se a importância da família, do Estado e da sociedade zelar e respeitar os princípios da prioridade absoluta e da proteção integral, previstos na Constituição Federal de 1988 e no ECA, bem como fiscalizar os procedimentos realizados pelo sistema de justiça.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Decreto- Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em: 02 out 2019.

 

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BRASIL. Lei n. 13.431, de 04 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13431.htm. Acesso em: 05 ago 2019.

 

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos. Disque 100. Balanço 2019-1. Disponível em: mdh.gov.br/disque/balanço-2017-1. Acesso em:

 

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CHILDHOOD BRASIL. Abuso Sexual é o Segundo Tipo de Violência mais Comum contra Crianças. Disponível em: < https://www.childhood.org.br/abuso-sexual-e-o-segundo-tipo-de-violencia-mais-comum-contra-criancas>. Acesso em: 02 set 2019.

 

BRITTO, Rosyan Campos de Caldas; LAMARÃO, Maria Luiza. Criança, Violência e Cidadania. Belém: UNAMA/FCBIA/ ASIPAG, 1994.

 

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GIL, Antônio Carlos. Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

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Disponível em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/dados-e-fontes/pesquisa/balanco-disque-100-comparativo-2018-e-2019/. Acesso em: 06 jun 2019.

 

ISHIDA, VÁLTER KENJI. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

 

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PARANÁ, Ministério Público. Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente e da Educação. Comentários à Lei nº 13. 431/2017. Murillo José Digiácomo e Eduardo Digiácomo. Curitiba: 2018.  Disponível em: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/caopca/lei_13431_comentada_jun2018.pdf. Acesso em: 05 out 2019.

 

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PORTAL O DIA. Familiares são os principais agressores em casos de violência sexual no Brasil. Disponível em: <https://www.portalodia.com/noticias/nacional/familiares-sao-os-principais-agressores-em-casos-de-violencia-sexual-no-brasil-365159.html> Acesso em: 06 jun 2019.

 

POTTER, Luciane; MIELE, Adriana. A escuta protegida de crianças e adolescentes: os desafios da implantação da lei nº 13.431/201 / 2017 / Luciane Potter, organizadora; Adriana Miele… [et al.]. – Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.

 

SANTOS, Cristine Andreotti. Enfrentamento da revitimização: a escuta de crianças vítimas de violência sexual. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2012.

 

RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Crime da 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, 09 de março de 2016.  Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/buscas/jurisprudencia/exibe_html.php. Acesso em: 02 out 2019.

 

WILLIAMS, Lúcia Cavalcanti de Albuquerque (org.); HABIGZANG, Luísa Fernanda. Crianças e adolescentes vítimas de violência: prevenção, avaliação e intervenção. Curitiba: Juruá, 2014.

 

WORLD HEALTH ORGANIZATION. (Organização Mundial da Saúde) Documentos e publicações da Organização Mundial da Saúde. 2003. Disponível em: https://www.who.int/violence_injury_prevention/violence/child/en. Acesso em: 02 maio 2019.

 

 

[1] Acadêmica do 10º semestre do Curso de Graduação em Direito da Universidade de Cruz Alta- RS. E-mail: [email protected]

[2] Orientadora do artigo. Mestre em Direito pela URI Santo Ângelo. Professora do Curso de Direito da Universidade de Cruz Alta. Pesquisa do Grupo de Pesquisa GPJur. E-mail: [email protected].

[3] Constituição Federal, Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[4] Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

[5] Constituição Federal, Art.226 A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[6]Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.

[7]Estatuto da Criança e do Adolescente, Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

[8] Criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia, a Childhood Brasil faz parte do World Childhood Foundation (Childhood), instituição que conta ainda com escritórios na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. A organização é certificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

[9] De acordo com o Código Penal Brasileiro, “maus tratos” (art. 136): “Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”; “lesão corporal” (artigo 129): “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”.

[10] Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 1982. Atuou como Advogado na iniciativa privada até o ano de 1987, quando assumiu o cargo de Pretor. Em 1988 assumiu o cargo de Juiz de Direito, tendo inicialmente sido designado como Juiz Substituto na 1ª Vara Criminal de Santa Maria. Classificou-se em primeira entrância na comarca de Rosário do Sul, tendo após sido promovido para a comarca de São Leopoldo, na qual permaneceu até ser promovido para a comarca de Porto Alegre. Nesta, atuou inicialmente no Projeto Justiça Instantânea, junto à extinta FEBEM, tendo após se classificado na Vara de Família do Foro Regional Tristeza. Em 1999 pediu sua reclassificação para o 2º Juizado regional da Infância e da Juventude de Porto Alegre, no qual permaneceu até ser promovido para o cargo de Desembargador. É especialista em Direitos da Infância e da Juventude pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. Criador do primeiro Cadastro Eletrônico para Adoções e Abrigagens no Brasil, ainda quando atuava na comarca de São Leopoldo, posteriormente implementou, já em Porto Alegre, o Projeto Depoimento Sem Dano, para inquirições judiciais de crianças e adolescentes vítimas de violência, o qual deu ensejo que o Conselho Nacional de Justiça editasse, em 2010, a Recomendação nº 33, orientando que todos os tribunais brasileiros adotassem a mesma metodologia, todavia, como o nome Depoimento Especial. Conferencista nacional e internacional sobre os Direitos da Infância e da Juventude, publicou, em 2007, a obra Depoimento Sem Dano, Uma Alternativa Para Inquirir Crianças e Adolescentes nos Processos Judiciais. Foi empossado Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em 30/7/2012.

[11]Lei 13.431/2017 Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

[12]Lei 13.431/2017, Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

[13]Lei 13.431/2017, Art. 7º Escuta especializada é o procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade.

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