Completados quase 11 anos de vigência da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96), pode-se dizer que a sociedade brasileira encontra-se definitivamente aberta para as instituições arbitrais. Se antes da referida Lei poucas eram as instituições arbitrais existentes no Brasil, atualmente o cenário é outro: não só existem várias entidades administradoras de procedimentos arbitrais no país que trabalham de forma séria e idônea, como também, infelizmente, vivemos um momento de proliferação de entidades despidas de seriedade.
Obstáculos jurídicos que existiam no passado – como a falta de obrigatoriedade da cláusula compromissória, necessidade de homologação da sentença arbitral pelo Poder Judiciário e ratificação pelo Brasil da Convenção de Nova York – foram superados, incentivando àqueles que acreditaram na arbitragem e foram os precursores da cultura arbitral no Brasil, e, conseqüentemente do desenvolvimento das instituições arbitrais, como dirigentes, árbitros e advogados dos usuários do instituto.
Ao retirar os obstáculos que dificultavam a utilização da arbitragem no Brasil, a Lei 9.307/96 possibilitou a ampliação do número de instituições arbitrais e dos casos por estas administrados. Dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima) apontam que, de 1999 a 2004, o número de casos soma 19.995 e o número de instituições saltou de 18 em 1997 para 79 em 2004.
Entretanto, a evolução do direito arbitral no Brasil e a consolidação das instituições arbitrais locais têm esbarrado em atividades de entidades e pessoas imbuídas de má-fé ou de total desconhecimento dos princípios éticos e jurídicos previstos na Lei de Arbitragem e que devem pautar o procedimento arbitral.
Desde 2001 a imprensa vem noticiando a existência de instituições irresponsáveis e inidôneas que comprometem de forma grave os trabalhos sérios e persistentes das instituições que há muito se empenham em disseminar a cultura da arbitragem no Brasil. Trata-se de instituições que, utilizando-se de nomenclaturas, siglas, emblemas, brasões da República, etc, buscam confundir o usuário do instituto da arbitragem, levando-os a crer que estão levando suas controvérsias a pseudos órgãos públicos regulados pela Lei de Arbitragem.
De fato, têm-se observado alguns absurdos no âmbito de certas instituições, como estabelecer competência territorial de “primeira, segunda e terceira instâncias”, “comarcas”, “tribunais de alçada arbitral”, “tribunal de justiça arbitral internacional”, “poder judiciário arbitral”, “supremo tribunal de justiça arbitral”, “corte internacional de arbitragem”, etc. Deve-se esclarecer que o termo “tribunal arbitral”, citado pelo legislador, refere-se tão somente ao colegiado de árbitros indicados pelas partes para solucionar determinada controvérsia, não podendo ser usado para designar uma instituição arbitral, cuja função é administrar o procedimento arbitral nos termos de seu próprio regulamento e da Lei de Arbitragem.
Este é um alerta que vale para toda a sociedade, para que as pessoas físicas ou jurídicas, ao optarem pela arbitragem, tomem alguns cuidados, tais como:
1) buscar conhecer a instituição que prestará o serviço, através de consultas e visitas pessoais, antes de nomeá-la na convenção de arbitragem (cláusula compromissória ou compromisso arbitral);
2) conhecer os profissionais que nela atuam, tanto na coordenação do procedimento quanto na administração da instituição;
3) buscar informações sobre a forma de seleção dos árbitros que compõe a Lista de Árbitros da entidade, se houver, bem como sobre a possibilidade de indicação de profissional que não integre a referida lista;
4) exigir currículo ou informações da vida profissional daqueles que estarão à frente do procedimento;
5) buscar conhecer as impressões das partes que utilizaram o serviço naquela instituição; e
6) exigir a entrega do regulamento de arbitragem da instituição e tomar conhecimento de seu conteúdo antes de elegê-la para administrar o procedimento.
Recomenda-se evitar o acesso a entidades que usam, em seus folhetos, folder ou papéis timbrados, símbolos que lembrem aqueles utilizados pelos órgãos do Poder Judiciário, bem como determinados termos que devem ser evitados, como juiz arbitral, juízo arbitral, tribunal arbitral, corte, profissão árbitro, posse solene de árbitro, carteirinha para árbitros, comarca, alçada. Enfim, tudo aquilo que gere a falsa idéia ao usuário de estar em um órgão público ligado ao Poder Judiciário. É preciso manter distância de instituições que se identifiquem ou se enquadrem em distintos graus de instância, determinados por jurisdições territoriais. Esta premissa está baseada no paradigma da Justiça estatal que não está em conformidade aos paradigmas da arbitragem.
Além disso, verifica-se que há instituições que se dizem administradoras de procedimentos arbitrais e apresentam números fabulosos de casos administrados e receita, mas que, na verdade, limitam-se a homologar acordos sob forma de sentenças arbitrais, simulando procedimentos que não obedecem aos trâmites legais. Muitas vezes, não há convenção de arbitragem que vincule as partes e nem mesmo nomeação de árbitros pelas mesmas, que são simplesmente chamadas pelo oponente, induzidas a fazerem acordos, intermediados por árbitros pré-determinados pela entidade administradora, e acabam por assinar um acordo que ganha a eficácia de título executivo judicial, impedindo que o direito volte a ser discutido na esfera judicial ou mesmo arbitral. Estas são as chamadas entidades “homologadoras de acordo”.
Em 2005, foi noticiada uma decisão da Secretaria de Relações do Trabalho, que, apropriadamente, determinou o arquivamento de um pedido de registro para uma entidade intitulada Sindicato Nacional dos Juízes Arbitrais do Brasil – SNDJA. A referida decisão publicada no Diário Oficial da União – seção 1, edição de 05.07.05, pág 74 assim prescreve: “ O Secretário de Relações do Trabalho, no uso de suas atribuições,…, resolve arquivar o pedido de registro do Sindicato Nacional dos Juízes Arbitrais do Brasil – SNDJA, processo 46000.01893/92, tendo em vista que o mesmo nos termos em que se encontra, não representa categoria profissional.”
A acertada decisão ora em tela consagra o entendimento dominante na doutrina e sustentado por arbitralistas e profissionais da área. A referida Secretaria bem deliberou sobre o pedido formulado, ao determinar o arquivamento do pedido, que não possui qualquer sustentação legal, pois, como é do conhecimento geral a atividade desempenhada pelo árbitro não constitui uma profissão, mas tão somente a função de coordenar o procedimento e decidir sobre uma determinada controvérsia a quem foi delegado poderes conferidos pelas partes nela envolvidas, por seus conhecimentos profissionais. Em outras palavras é uma situação transitória, apenas durante a tramitação do procedimento arbitral para o qual o árbitro foi designado a atuar.
Além disso, deve-se enfatizar que aquelas entidades que vendem “cursos de árbitros”, com entrega de título e carteirinha profissional, estão praticando verdadeira propaganda enganosa, ao prometer que o participante, uma vez concluído o curso adquirirá o status de “juiz arbitral”, profissão que nunca existiu e nunca existirá em nosso ordenamento jurídico.
Isso significa dizer que a função de árbitro é uma atividade momentânea e somente para atender ao caso concreto a que o árbitro foi chamado a decidir. Em outras palavras, nenhuma pessoa será arbitro se não for indicada pelas partes e concordar com sua indicação para atuar no caso concreto. Portanto, a premissa de não “ser árbitro”, mas “estar árbitro” é perfeitamente válida para a arbitragem.
O presente alerta é endereçado a toda a sociedade, a fim de que haja o esclarecimento necessário para combater à atuação de certas instituições, que, de forma incorreta e sem qualquer transparência, estão prestando um desserviço à sociedade brasileira. Há que se alertar também os advogados pela responsabilidade de indicarem a seus clientes instituições com pouca seriedade. E para os profissionais de outras áreas, muito cuidado ao receberem eventuais convites de instituições para integrarem listas de árbitros ou serem nomeados em solenidades públicas para receberem carteirinhas.
A atuação destas instituições tem gerado polêmica e afeta a credibilidade das instituições arbitrais no Brasil, colocando em risco o trabalho honesto e qualificado das entidades que se propõem a fazer certo a coisa certa.
Espera-se, contudo, que a seleção natural de mercado cuide da eliminação dessas entidades fraudulentas, mas, por outro lado, teme-se que a persistência de tais atitudes acabe por macular a imagem das instituições arbitrais brasileiras, de maneira genérica.
A parceira com o poder público será decisiva para pôr fim a estes desvios. Com efeito, a cooperação como o poder público é fundamental e deve não somente continuar a vir sob a forma de decisões que garantam a eficácia do procedimento arbitral como, felizmente, vem ocorrendo, mas, sobretudo ser intensificada com o exercício do controle e uso de seus poderes coercitivos tanto por parte dos Ministérios Públicos Estaduais e Federal quanto dos Tribunais de Justiça Estaduais, para que possam efetivamente punir e coibir as equivocadas e prejudiciais ações dessas instituições sem qualquer seriedade.
Enfim, este é o atual cenário das entidades arbitrais no Brasil: poucas entidades sérias, que nasceram com o propósito de atender à demanda do setor produtivo nacional nos termos propostos pela Lei de Arbitragem, lutam com grande dificuldade para se manter no mercado, em virtude dos escassos recursos de que dispõem e da falta de consolidação da cultura arbitral no Brasil; por outro lado, entidades fraudulentas vêm surgindo, constituindo-se em verdadeiras indústrias homologadoras de acordos, em desobediência aos princípios éticos que devem pautar o procedimento arbitral, causando a desconfiança do Poder Judiciário e o descrédito das entidades arbitrais como um todo.
Desta forma, cumpre aos futuros usuários da arbitragem, seus advogados e profissionais interessados em atuar como árbitros, saber distinguir as entidades sérias daquelas que, ao não observarem os princípios éticos e jurídicos preconizados na Lei de Arbitragem, são consideradas fraudulentas, não se deixando seduzir por falsas promessas de solução milagrosa a custos ínfimos e prazo recorde, de modo a inibir a atuação de instituições que só têm em mente o enriquecimento ilícito às custas da falta de conhecimento da sociedade.
Informações Sobre o Autor
Adolfo Braga Neto
Advogado, Mediador, Professor Universitário, Presidente do Conselho de Administração do IMAB, Consultor da ONU e do Banco Mundial