O Art. 31 da Lei de Execução Penal e seu golpe na Constituição Federal

João Kleber Ferreira de Melo – Acadêmico de Direito na Faculdade AGES de Senhor do Bonfim/BA. ([email protected])

Orientador: Lucas Maia Carvalho Muniz – Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Baiana de Direito. Advogado Criminalista. Professor de Direito Penal na Faculdade AGES de Senhor do Bonfim/BA (02/2020 a 08/2020). ([email protected])

Resumo: A prisão é um mal necessário que o Estado impõe ao sujeito que comete um ato criminoso. Entretanto, os aprisionados possuem direitos mesmo estando encarcerados, neste sentido, têm-se que um dos direitos do preso é o trabalho, o qual permite não só ao preso ter dignidade e receber salário, como, também, abre a possibilidade para que o detento possa remir o tempo da pena. Não obstante, o atual artigo propõe-se a mostrar o equívoco cometido pelo Estado ao obrigar que o preso trabalhe, conforme a Lei de Execução Penal, o que vai de encontro ao que determina a Constituição Federal, uma vez que esta proíbe o trabalho forçado. Ademais, expressa-se que foram utilizados como método de pesquisa: coletas de dados através de legislações, jurisprudências, bem como obras literárias.

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Palavras-chave: Forçado; Obrigatório; Preso; Ressocialização; Trabalho.

 

Abstract: Prison is a necessary evil that the State imposes on the individual who commits a criminal act. However, prisoners have rights even when incarcerated, in this sense, one of the prisoners’ right is work which not only allows the prisoner to have dignity and receive a salary, but also opens the possibility for the inmate may redeem the time of the penalty. Nevertheless, the current article proposes to show the mistake made by the State in forcing the prisoner to work, according to the Criminal Execution Law, which goes against what is determined by the Federal Constitution, since it prohibts forced labor.

Keywords: Forced; Mandatory; Stuck; Resocialization; Work.

 

Sumário: Introdução; 1. As penas e sua evolução histórica. 2. Uma breve história do trabalho 3. Idade Moderna e sua relação com o trabalho do preso. 4. O trabalho e sua importância à ressocialização do detento. 5. A Constituição Federal e o trabalho forçado. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente trabalho visa mostrar a incompatibilidade existente entre o art. 31 da Lei de Execução Penal, o qual obriga que o preso trabalhe, e a Constituição Federal de 1988. Vale dizer que o trabalho é um direito do preso que permite a aquisição de um salário, bem como a possibilidade de diminuir o tempo de pena pelo instituto da remição. Portanto, o preso decidindo não trabalhar estará perdendo uma grande oportunidade. Além disso, o trabalho tem grande importância para que o Estado tenha a chance de conseguir ressocializar o apenado.

Entretanto, não retira do referido artigo de lei a incompatibilidade existente em seu bojo, uma vez que ao falar em obrigação do trabalho, o dispositivo fere frontalmente a Carta Magna, o que jamais pode acontecer, já que esta é a norma suprema do Estado.

É oportuno salientar que foram coletados dados em jurisprudências pátria, legislação internacional e nacional, doutrina, bem como revistas e jornais. Dessa forma, foram encontradas diversas manifestações e entendimentos sobre o tema, tendo, assim, opiniões contrárias e a favor do referido Art. 31 da Lei de Execução Penal.

 

  1. As penas e sua evolução histórica

As penas não têm um marco exato na história sobre a sua primeira aplicação, o que se sabe é que este instituto demonstra uma grande evolução histórica. Deste modo, encontramos como períodos marcantes deste desenvolvimento, a antiguidade, a idade média e a idade moderna, períodos esses que fizeram as penas terem os caráteres que hoje têm – privação da liberdade, restrição de direitos e multa. Sendo assim, é imprescindível fazer uma exposição de como cada período utilizou a pena para aplicá-la ao agente infrator.

Neste sentido, percebe-se que na antiguidade as penas eram, exclusivamente, corporais, ou seja, o corpo daquele agente que praticasse um ato ilícito sofreria as punições, consistentes, tais punições, em penas de morte, de mutilações, de enforcamentos, açoites, entre outras. Não obstante, é oportuno dizer que as prisões nesta época não tinham o caráter de privar a liberdade do infrator como forma de cumprimento de pena, tais prisões tinham, simplesmente, o objetivo de guardar a pessoa que cometeu algo considerado ilícito até a sua devida pena, que como falado anteriormente eram corporais (GRECO, 2020, p. 613).

Passo seguinte, exsurge a Idade Média, sendo que neste período a pena ainda tinha como uma das características a punição corporal, bem como custodiar o infrator até a sua devida condenação. Aqui se faz necessário dizer que o direito canônico foi extremamente dominante, ao passo que se tinha o “Juízo de Deus”, um tipo de julgamento que consistia em fazer com que os infratores fossem postos a determinadas provas, para que, por meio dessas provas, se constatasse sobre sua culpa ou inocência. Suponha-se a seguinte situação: Tício supostamente comete uma infração penal. Sendo assim, este seria designado, por exemplo, a lutar contra um leão. Se Tício não vencesse, significaria que este é culpado, uma vez que Deus o abandonou, caso contrário, teria, ele, vencido a batalha contra o felino (BITENCOURT, 2020, p. 601).

Não obstante, momento marcante na Idade Média, e que teve grande influência para as penas de hoje em dia, é o surgimento das prisões eclesiásticas, uma vez que estas tinham um caráter muito mais humano que as penas de outrora. Este tipo de prisão consistia em colocar os clérigos pecadores em uma sala totalmente fechada, porém, com certa claridade, para que os “irmãos”, por meio da leitura dos textos bíblicos, conseguissem a penitência por seus atos infracionais (BITENCOURT, 2020, p. 600).

De mais a mais, na Idade Moderna começa haver uma transformação das penas corporais em penas privativas de liberdade. Um fator importantíssimo para esta mudança foi o aumento da pobreza no continente europeu, ao passo que por conta desta carência, muitas pessoas se viram na necessidade de cometer atos delituosos para que pudessem sobreviver. Sendo assim, como eram demasiados os infratores, ficou escancarado que as penas corporais não estavam surtindo efeitos, principalmente a pena de morte, uma vez que a sociedade ao ver aquilo – uma pessoa morrer por um crime – ficava mais revoltada com o Estado do que amedrontada (BITENCOURT, 2020, p. 602).

Neste contexto, os Estados europeus, ao perceber tal ineficácia de seus sistemas punitivos, idealizaram uma nova pena: a privação da liberdade. Esta, por sua vez, no tempo em que foi “lançada” surtiu grande efeito, isto porque a sociedade de tal época – assim como nos dias atuais – tinha um apreço enorme pela liberdade, isto é, ao ver que aqueles que praticavam atos predeterminados como ilícitos terem a sua liberdade privada, automaticamente, sentia-se intimidada, e, por conseguinte, indisposta ao cometimento de crimes (ESTEFAM; GONÇALVES, 2020, p. 75).

Ressalta-se que, atualmente, tal tipo de pena não produz quase que nenhum efeito intimidativo à sociedade, haja vista que no Brasil, por exemplo, há uma superlotação de detentos nos presídios e mesmo assim a violência cresce ano a ano, mostrando que a prisão não surte, na prática, efeito preventivo, tal afirmação encontra azo no levantamento da G1 em parceria com Núcleo de Estudos da Violência Universidade de São Paulo e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, levantamento este que constatou, no Brasil, uma considerável queda no número de homicídios do ano de 2019, em relação ao ano de 2018. Entretanto, embora tenha diminuído em 22% os assassinatos, a violência ainda é alta, uma vez que, em 2019, o Brasil registrou 30.864 homicídios, o que revela uma enorme crise da segurança pública.

Não obstante, é imprescindível salientar que não só a ineficácia das penas corporais foi fator fundamental para o surgimento das penas privativas de liberdade. Há, também, o capitalismo como motivo importante à adesão da privação da liberdade, uma vez que se enxergava no detento a possibilidade de utilizar uma mão de obra barata em favor do Estado (BITENCOURT, 2020, p. 605).

Perpassar pela evolução histórica das penas é imprescindível à compreensão do direito penal atual.

 

  1. Uma breve história do trabalho

Antes de entrar definitivamente na problemática que fez exsurgir este texto, é importante realçar considerações sobre o histórico do trabalho, já que o foco principal do atual artigo é o trabalho do preso em sistemas prisionais.

Neste diapasão, encontramos em obras, principalmente do Direito do Trabalho, que o trabalho, na antiguidade era tido como tortura aos escravos, ao passo que a palavra trabalho se originou do termo latim tripalium que consistia em um instrumento formado por três estacas pontudas que serviam para torturar os escravos. Portanto, o trabalho que hoje, na “boca do povo” é caracterizado como algo que dignifica o ser humano, nem sempre foi assim (LEITE, 2021, p. 18).

Tanto era assim que Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Calvacante (2019, p. 59) expõem que “O trabalho, na Antiguidade (período que se estendeu desde a invenção da escrita – 4000 a. C. a 3500 a. C. – à queda do Império Romano do Ocidente – 476 d. C.) e início da Idade Média (século V), representava punição, submissão, em que os trabalhadores eram os povos vencidos nas batalhas, os quais eram escravizados. O trabalho não era dignificante para o homem. A escravidão era tida como coisa justa e necessária. Para ser culto, era necessário ser rico e ocioso. A escravidão, como um sistema social, apresenta os seres humanos divididos em duas classes: senhores e escravos. Para os escravos não se concede o reconhecimento da personalidade jurídica; equiparam-se às coisas, sendo objeto de uma relação jurídica (alienados como qualquer outro bem jurídico), não tendo direitos ou liberdades; são obrigados a trabalhar, sem qualquer tipo de garantia, não percebendo nenhum salário.”

Neste contexto, a título de complementação, se torna de todo necessário trazer em linhas os dizeres de Adriana Calvo (2020, p. 18) “A maioria dos autores concorda que a origem etimológica de “trabalho” advém de tortura – tripaliare, que significa torturar. A palavra tripalium significa uma máquina de três pontas utilizada para tortura. Logo, é pacífica esta concepção histórica do trabalho concebido como um castigo ou uma dor e até uma pena. Em grego, o termo “trabalho” tem a mesma raiz que a palavra latina poena (pena). Na Idade Antiga, o trabalho era “coisa” de escravos, os quais, no fundo, pagavam seu sustento com o “suor de seus rostos”. Portanto, o escravo sequer era sujeito de direitos, pois era considerado res (coisa).”.

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Ocorre, no entanto, que após um lapso de tempo a palavra tripalium deu espaço a um novo termo, o tripaliare, esse sim, designando toda e qualquer atividade humana. Ou seja, para se chegar à noção exata descrita pelo adágio popular acima citado, foi preciso que a tortura desse espaço a ideia de trabalho apenas como atividade (LEITE, 2021, p. 21).

Tanto é que o trabalho, nos dias atuais, é caracterizado pela Declaração Universal dos Direitos Humanos como um Direito Humano, conforme se extrai do art. 23 da mencionada Declaração:

“Artigo 23º

1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.

2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.

3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social.

4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.”

Outrossim, do ponto de vista do Direito Interno, a Constituição Federal reconhece o trabalho como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, nos termos do IV, do art. 1º, além, de trazer no seu art. 6º que o trabalho é um direito social fundamental, e no seu art. 7º um rol sobre os direitos dos trabalhadores.

O trabalho sempre estará presente na sociedade, aliás, não é outro o pensamento de Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, p. 18) quando diz que “O trabalho humano sempre existiu, desde os primórdios da civilização, e, certamente, continuará existindo enquanto houver vida humana neste mundo.”. Sim, o trabalho é fator importante para a vida humana. O trabalho gera riquezas. O trabalho é a melhor forma de se chegar a um país, realmente, justo. Com efeito, para que se chegue a essa justiça desejada, é preciso sempre disponibilizar a forma mais digna de trabalho às pessoas, e os presos não devem estar de fora desse pensamento. O trabalho forçado não deve ser alternativa de maneira alguma.

Vale trazer à colação, excelentes exposições do ilustre Carlos Henrique Bezerra de Leite (2021, p. 20), quando diz que: “Na sociedade contemporânea, o trabalho passa a ser um direito ao mesmo tempo humano e fundamental. É direito humano porque reconhecido solenemente nos documentos internacionais, desde o Tratado de Versalhes, de 1919. […] O direito ao trabalho, além de direito humano, é também direito fundamental, mormente em nosso sistema jurídico, porquanto positivado na Constituição Federal, sendo, portanto, tutelado pelo direito constitucional, ora como princípio (e valor) fundamental do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, II, III e IV); ora como direito social (CF, arts. 6º e 7º); ora como valor fundante da ordem econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observado, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego (CF, art. 170, VIII).”

Por fim, ainda escreve o autor que “É preciso esclarecer, desde logo, que não é qualquer trabalho que deve ser considerado um direito humano e fundamental, mas apenas o trabalho que realmente dignifique a pessoa humana. Fala-se, assim, em direito ao trabalho digno ou ao trabalho decente como valor fundante de um ordenamento jurídico, político, econômico e social.” (LEITE, 2021, p. 20). Isto é, o trabalho para se tornar realmente útil a sociedade, não pode jamais ser realizado em condições que maltrate o seu prestador, tanto fisicamente quanto psicologicamente.

 

  1. Idade Moderna e sua relação com o trabalho do preso

Sabe-se que as penas privativas de liberdade nem sempre existiram, houve, portanto, uma evolução histórica na pena para que se chegasse à ideia de privar a liberdade como forma de pena. Desse modo, é importante dizer que na antiguidade a privação da liberdade servia somente como prisão custódia do sujeito até a sua devida pena que era das mais desumanas possíveis, como a pena de morte, mutilações, enforcamentos, enfim, eram penas corporais.

Paralelamente, segundo Bitencourt (2017, p. 858), é na Idade Moderna que começam a surgir as penas privativas de liberdade, isso porque em razão da grande pobreza, a criminalidade cresceu bastante em todo continente europeu. Portanto, surgem nesse tempo as famosas casas de correção e as “workhouses”. Irá ser falado somente desta última, pois são elas, justamente, que têm íntima relação com a discussão proposta. As “workhouses”, eram casas de trabalho que serviam para aprisionar àqueles que cometessem delitos, e tinham como peculiaridade a ideia de utilizar a mão de obra do apenado como parte do cumprimento da pena.

Seria uma forma de dizer que o agente, cometeu delitos porque não trabalhava, e um meio de “conserta-lo” seria pelo trabalho. Não obstante, essas casas, têm ligação com o capitalismo da época, tendo, portanto, como objetivo, além de reprovar a conduta do agente, utilizar-se também o trabalho do preso em prol de instituições públicas e privadas. Eram, portanto, uma mão de obra barata (BITENCOURT, 2020, p. 605).

Percebe-se, portanto, que o Art.31 da Lei de Execução Penal – explanado no próximo capítulo – se relaciona com as “workhouses”, uma vez que a vontade do legislador é, data venia, fazer com que o autor de um delito, tenha, por meio do trabalho, uma lição.

 

  1. O trabalho e sua importância à ressocialização do detento

Fora dissertado, até o momento, acerca da evolução histórica das penas e a história do trabalho, bem como da relação existente entre o Art. 31 da Lei de Execução Penal e o período da Idade Moderna. De mais a mais, foquemos agora no trabalho do preso propriamente dito. Neste contexto, é importante trazer à colação o dispositivo infraconstitucional sobre o qual está centrado este trabalho. Assim é que, dispõe o art. 31 da Lei de Execução Penal:

“Art. 31. O condenado à pena privativa de liberdade está obrigado ao trabalho na medida de suas aptidões e capacidade.

Parágrafo único. Para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento.”

O referido dispositivo fala, expressamente, que o preso está obrigado a trabalhar. Entende-se, assim, que a intenção do legislador, ao falar em obrigação do trabalho é, justamente, aquela ideia alhures transcrita de que um dos motivos para o condenado cometer o crime fora a falta de trabalho, sendo, portanto, que o Estado ao obriga-lo a trabalhar, estaria fazendo um favor ao detento, para que este não retorne ao cometimento de práticas delituosas.

Desse modo, entende-se que o legislador, ao editar tal dispositivo, vê o trabalho como uma prevenção especial positiva, que segundo Rogério Greco (2020, p. 616) têm um caráter ressocializador, sendo, portanto, uma forma de fazer com que o condenado desista, a partir dessa pena (de trabalho), de praticar novos crimes assim que sair da penitenciaria.

Rogério Greco (2020, p. 658) ainda diz que “A experiência demonstra que nas penitenciárias onde os presos não exercem qualquer atividade laborativa o índice de tentativas de fuga é muito superior ao daquelas em que os detentos atuam de forma produtiva, aprendendo e trabalhando em determinado ofício. O trabalho do preso, sem dúvida alguma, é uma das formas mais visíveis de levar a efeito a ressocialização”.

O trabalho é um aspecto realmente importante na vida do ser humano, e, mesmo estando privado de sua liberdade, o labor mostrar caráter influenciador para que o detento, possa, um dia, conseguir se inserir novamente no seio da sociedade (MACHADO JÚNIOR, 2017).

Neste sentido, vale dizer que o trabalho é um direito do preso, nos termos do Art. 41, inc. II da Lei de Execução Penal. Portanto, o Estado não pode negar-lhe esse direito se o preso, assim, o quiser exercer. Como consequência deste direito, abre-se a possibilidade para que o preso, por meio do instituto da remição, possa, nos termos do Art. 126 da LEP (Lei de Execução Penal), diminuir uma quantidade do tempo de sua pena, ao trabalhar. Salienta-se que o detento que trabalhar por três dias terá um dia do cumprimento de sua pena descontado.

É importante ressaltar que somente os condenados em regimes fechado e semiaberto poderão remir a pena pelo labor, uma vez que o condenado em regime aberto já está “livre” na sociedade.

Frise-se que não só a Lei de Execução Penal garante o direito ao trabalho para o preso, à vista disso o Código Penal em seu Art. 38, diz que, in verbis:

“Art. 38. O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral.”

É imprescindível trazer à tona, ainda, as palavras de Rogério Greco (2020, p. 658-659), o qual, citando Júlio Fabbrini Mirabete, nos diz que “Além da importância psicológico-social que o trabalho traz ao preso, o condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena, nos termos do art. 126 da Lei de Execução Penal. Não caberá a aplicação do instituto da remição pelo trabalho aos condenados que cumprem sua pena em regime aberto, pois, conforme lição de Mirabete: “A remição é um direito dos condenados que estejam cumprindo a pena em regime fechado ou semiaberto, não se aplicando, assim, ao que se encontra em prisão albergue, já que a este incumbe submeter-se aos papéis sociais e às expectativas derivadas do regime, que lhe concede, a nível objetivo, a liberdade do trabalho contratual. Pela mesma razão, aliás, não se concede a remição ao liberado condicional. Também não tem direito à remição o submetido a pena de prestação de serviço à comunidade, pois o trabalho, nessa espécie de sanção, constitui, essencialmente, o cumprimento da pena.”

Neste sentido, o Art. 6º da Constituição Federal vem dizer que o trabalho é um direito social. Sendo, portanto, garantido a todo e qualquer cidadão brasileiro, tanto nato quanto naturalizado. Desse modo, compreende-se que se os presos não perdem os direitos que não são atingidos pela pena, não perdem também o seu direito ao trabalho.

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Sendo assim, entende-se ser favorável pela utilização do trabalho como uma forma de cumprimento de pena, pois vê-se um enorme valor nesse atributo. Vale mencionar, neste momento, o adágio popular “o trabalho dignifica o homem”. O trabalho serve para o preso como ensinamento, para que este ao sair da prisão tenha uma habilidade em certo trabalho, habilidade esta que o fará merecedor de uma vaga de emprego futuramente. Este também é o entendimento de Júnior (2017, p.7) que embora concorde com tal tese, acredita que atualmente os presídios brasileiros estão servindo muito mais como uma profissionalização do crime do que em um tipo de trabalho. Há de se concordar com o autor nesses dois pontos.

Não obstante, o trabalho sozinho não terá cunho de ressocializar o condenado, precisará, junto a isso, data venia, estudar. Compactuamos da ideia de que o condenado, com um curso profissionalizante e exercício de uma profissão conseguido dentro da penitenciaria, trará enormes benefícios àquele assim que for liberto. Ressalta-se que se o condenado tem a possibilidade remir a pena pelo trabalho, pelo estudo não é diferente. Portanto, juntando-se o trabalho e o estudo, além de ter enormes benefícios intelectualmente e dignamente, terá também a oportunidade de diminuir o tempo de cumprimento de sua pena.

Entretanto, o caráter ressocializador dificilmente acontecerá se a sociedade continuar a discriminar aqueles que cumpriram pena. A pena, conforme extraímos do Art. 58 do Código Penal, deve reprovar e prevenir o crime. Sendo assim, se o condenado já cumpriu a sua pena, necessariamente, para o nosso Código Penal, tem-se a ideia de que ele já pagou o que devia. Porém, aos olhos da sociedade não é isso que acontece. O indivíduo que já cumpriu alguma pena, é automaticamente discriminado. Para a sociedade, em sua maioria, não interessa o motivo que levou tais pessoas a serem condenados, o que importa é, tão somente, se esta pessoa foi condenada ou não (BÖHM, 2017).

Neste sentido, entende-se que mesmo após ter cumprido sua pena e, em tese, após o estudo e trabalho ter a lição de que não poderá mais cometer o crime, o condenado ao voltar a sociedade tem as portas, do mercado de trabalho, trancadas – visto que um ex-detento não é visto com bons olhos pela sociedade no mercado de trabalho (G1, 2019) – de tal forma, que não vê outra maneira a não ser praticar delitos para a sua sobrevivência, afinal, o ex-detento precisa alimentar a si e, muitas das vezes, a sua família, e se não tem como trabalhar para fazer isso, recorre, novamente, ao mundo do crime.

Por fim, relevante é o estudo Howard sobre várias prisões inglesas, para as quais o autor sugere uma série de requisitos que possibilitariam um cumprimento de pena mais digno, e, claro, o trabalho, está inserido nesses requisitos. O estudo de Howard é trazido por Rogério Greco (2020, p. 35):

“Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro intitulado The state of the prisons in England and Wales, fixou as bases para um cumprimento de pena que não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2) disciplina distinta para presos provisórios e condenados; 3) educação moral e religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando. 27 Howard identificou inúmeros problemas que, se melhorados, proporcionariam uma condição de vida mais digna aos presos que cumpriam pena naqueles estabelecimentos. Embora, resumidamente, sejam os pontos acima os indicados, genericamente, para o aperfeiçoamento das condições carcerárias mínimas, o filantropo inglês apontava que a resolução de simples problemas, como o de fornecimento de água constante; a necessidade de ventilação das celas, a fim de permitir a passagem de um ar limpo e respirável; o fornecimento de alimentação adequada; a utilização de uniformes que possibilitassem a identificação e a melhor apresentação dos detentos; o oferecimento de trabalho para que a mente permanecesse ocupada com algo útil, diminuindo, dessa forma, não somente a depressão e o desejo de fugir, mas o de eliminar a própria vida, com a prática de suicídio; a permanente visita de magistrados e de funcionários do governo que inspecionassem as prisões, ouvindo e solucionando os problemas relativos aos presos; enfim, medidas que, por mais incrível que se possa parecer, ainda carecem de aplicação nos dias de hoje. Na verdade, diante do que ocorre com inúmeras penitenciárias ao redor do mundo, parece que as anotações e sugestões feitas por John Howard são dirigidas a nós. Infelizmente, depois de mais de duzentos anos, as condições carcerárias ainda permanecem as mesmas”.

O Brasil está, data venia, atrasado em suas penitenciárias e os objetivos que com elas queiram atingir. O alto número de presos em uma mesma cela, as condições dessas penitenciárias, as condições em que os presos vivem, a falta de higiene em tais estabelecimentos (NUCCI, 2021, p. 367), enfim, as penitenciárias brasileiras são, na verdade, conforme o adágio popular, “amostra grátis do inferno”.

Diante do exposto, sobre a importância do trabalho como ponto importante para a ressocialização do detento, é importante tecer algumas considerações acerca do art. 31 da Lei de Execução Penal. Primeiramente, frisa-se que o mencionado artigo de lei é contrário à Constituição Federal de 1988. Desse modo, o art. 31 da LEP, que foi introduzido ao ordenamento jurídico pátrio, em 1984, portanto, momentos antes da Constituição Federal de 1988, não deve, data venia, ser recepcionado, isto é, deve entrar em desuso (OLIVEIRA, 2015).

Passo seguinte, entende-se que ao usar o verbo “obrigação”, utilizado no art. 31 da LEP, o legislador traz a ideia de impor o trabalho e essa imposição é vista, data venia, como uma forma ineficaz de fazer com que a pena tenha o caráter ressocializador, afinal, o ser humano é relutante a fazer o que lhe obrigam. Sendo assim, o preso deve ter a faculdade de escolher trabalhar ou não, haja vista que esse é um direito seu. Ressalta-se que se não escolher trabalhar, ele terá perdido alguns benefícios, como, por exemplo, a possibilidade de remir a pena.

Importante aspecto a se considerar é que, se o trabalho obrigatório é sinônimo de trabalho forçado, logicamente, ter-se-á uma das modalidades de trabalho escravo, conforme, o dizer dos já citados Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Calvacante (2019, p. 76,77) “A doutrina tem dito que o “trabalho escravo ou análogo à condição de escravo” é gênero e tem por modalidades o trabalho forçado e o trabalho degradante: “Em ambas as modalidades, o princípio da dignidade da pessoa humana é afrontado. Desse modo, ‘podemos definir trabalho em condições análogas à condição de escravo como o exercício do trabalho humano em que há restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador” (GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 3. ed., p. 176).”

 

  1. A Constituição Federal e o trabalho forçado

O art. 5º, XLVII, alínea “c” da Carta Maior, afirma que não haverá pena de trabalho forçado.

Percebe-se, claramente, que a Constituição Federal de 1988 vedou o trabalho forçado como pena. Desse modo, o art. 31 da LEP, conforme alhures mencionado, é contrário à Constituição da República, já que tal dispositivo infraconstitucional, faz menção expressa à obrigação do trabalho, o que dá azo ao seu desuso.

A Constituição é a Lei Maior, portanto, é hierarquicamente superior as demais leis. Sendo assim, não poderá, de maneira alguma ser “violentada”. Assim é que, segundo Hans Kelsen (tradução de Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno, 2021) “sendo hierarquicamente superior às leis, a constituição pode e deve prevalecer sobre as leis quando elas a violam. Em síntese, só é possível controlar a constitucionalidade das leis se a constituição é norma e, além disso, é norma superior à lei”.

Não obstante, existem diversas opiniões em contrário à inconstitucionalidade do supracitado artigo de lei, utilizando como base, por exemplo, a ideia de que o trabalho obrigatório a que se refere o art. 31 da LEP seria remuneratório e, por isso, se distinguiria do trabalho forçado mencionado na Constituição, uma vez que essa se refere à ideia de trabalho escravo. Neste sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“[…] Ainda, determina o art. 31 da Lei de Execução Penal a obrigatoriedade do trabalho ao apenado condenado à pena privativa de liberdade, na medida de suas aptidões e capacidades. – A pena de trabalho forçado, vedada constitucionalmente no art. 5º, inciso XLVIII, alínea ‘c’, da Constituição Federal, não se confunde com o dever de trabalho imposto ao apenado, consubstanciado no art. 39, inciso V, da Lei de Execução Penal, ante o disposto no art. 6º, 3, da Convenção Americana de Direitos Humanos. – Habeas Corpus não conhecido. (STJ, HC Nº 264.989 – SP (2013/0042756-9), Rel. Min. Ericson Maranho, 6ª T., 04/08/2015).”

Há de se descordar, data venia, do Superior Tribunal de Justiça, bem como de doutrinadores que consideram distintas as ideais atribuídas aos dois termos “obrigação” e “forçado”. Isto porque, conforme se verá adiante, os dois termos trazem a mesma ideia, isto é, de impor ao preso o trabalho, mesmo contra a sua vontade. Paralelamente, faz-se necessário dizer que a Convenção sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório da Organização Internacional do Trabalho – Convenção nº 29 – considera que o “trabalho forçado” e o “trabalho obrigatório” têm o mesmo propósito: fazer com que alguém trabalhe contra a sua vontade. Neste sentido, confira-se o que diz o Art. 2 da referida Convenção:

“Art. 2 – 1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade.”

Exsurge, neste contexto, outra importante Convenção da Organização Internacional do Trabalho, que mais uma vez foi ratificada pela República Federativa do Brasil, qual seja: a Convenção nº 105, a qual traz importantes enunciados sobre o papel dos membros da OIT para com o processo de “Abolição do Trabalho Forçado”. Neste diapasão, é merecido a transcrição do caput, do art. 1º, da supracitada Convenção:

“Art. 1 – Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma”.

Assim sendo, extrai-se, do presente dispositivo, a impossibilidade de “não recorrer sob forma alguma” ao trabalho obrigatório, impossibilidade que merece ser cumprida no que diz respeito ao art. 31 da LEP.

Vale dizer que existem importantes defensores da obrigatoriedade do trabalho do preso como, por exemplo, Guilherme de Souza Nucci (2012), para o qual, a obrigação do trabalho “funciona primordialmente como fator de recuperação, disciplina e aprendizado para a futura vida em liberdade. Não se cuida de trabalho forçado, o que é constitucionalmente vedado, mas de trabalho obrigatório. Se o preso recusar a atividade que lhe foi destinada, cometerá falta grave (art. 50, VI LEP)”. Ora, se a recusa da imposição da atividade é reprimida pela aplicação de falta grave, claramente, entende-se, data venia, ter essa atividade um caráter forçado porque, caso o detento não a cumpra, será punido. Se não fosse forçado, teria, obviamente, o direito a recusa sem nenhum tipo de represália.

Ainda, nesta toada, vale transcrever os dizeres do ilustre Rogério Greco (2020, p. 135-136), para o qual “Devemos interpretar com cuidado a limitação constitucional referente à pena de trabalhos forçados. A Lei de Execução Penal, em várias passagens, menciona a obrigatoriedade do trabalho do preso, como o art. 39, inciso V, que diz ser dever do condenado a execução do trabalho, das tarefas e das ordens recebidas, ou mesmo o art. 114, inciso I, que somente possibilita o ingresso no regime aberto ao condenado que estiver trabalhando ou comprovar a possibilidade de fazê-lo. O que a Constituição Federal quis proibir, na verdade, foi aquele trabalho que humilha o condenado pelas condições como é executado. Não poderá qualquer autoridade responsável pela execução penal determinar o espancamento dos condenados para forçá-los ao trabalho, ou mesmo suspender sua alimentação, visando, assim, a compeli-los a cumprir aquilo que lhes cabia fazer.”

Mesmo diante de tais posições favoráveis à obrigatoriedade do trabalho, entende-se ser, a obrigatoriedade do trabalho, o mesmo que o trabalho forçado, o qual, como já dito alhures, é expressamente proibido. Assim, percebe-se que o referido Art. 31 da Lei de Execução Penal se aproxima muito das ideias antes expostas sobre as penas na antiguidade, haja vista estar se forçando o preso a utilizar a sua mão de obra como forma de pena, portanto, uma pena corporal. É inadmissível, em pleno século XXI utilizar-se de penas cruéis. Se as penas privativas de liberdade não estão tendo efeitos no seu caráter preventivo, quem dirá as penas corporais. Devemos pensar, portanto, em uma maneira eficaz para que a violência não só no nosso contexto nacional como, também, internacional se torne algo minúsculo.

 

Conclusão

As penas perpassaram por várias fases na história, dentre as quais a fase das penas corporais. Tais fases vieram a resultar no que hoje são conhecidas como os meios mais aptos para repreender àqueles que cometem crimes, como, por exemplo, a pena privativa de liberdade, a qual, em tempos pretéritos, servia somente para custodiar o réu até sua devida pena, isto é, a pena corporal.

O trabalho, que antes era tido como tortura, torna-se algo digno à vida humana. Aliás, o trabalho, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos, é um direito humano. Desta forma, temos que o trabalho é ponto de suma importância na ressocialização do preso, uma vez que além de estar, em alguns casos, se inserindo na vida comunitária, estará, também, tendo o tempo de sua pena diminuído pelo instituto da remição da pena.

Contudo, o trabalho não deve ser imposto ao preso, visto que a Constituição Federal veda o trabalho forçado, bem como, é um direito do detento a opção pelo trabalho ou não, ainda mais sabendo que, ao trabalhar, enquanto estiver cumprindo pena, o preso poderá diminuir o tempo da sua pena.

Assim é que, percebe-se que o art. 31 da Lei de Execução Penal, ao falar sobre obrigatoriedade do preso ao trabalho, ofende a Constituição Federal – porque a Constituição proíbe o trabalho forçado -, e tendo em vista que tal dispositivo infraconstitucional é pretérito à Constituição, deverá, data venia, entrar em desuso.

 

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