Resumo: A partir do nascimento de um navio se faz necessário o seu registro para que o Estado de bandeira passe a ter jurisdição sobre ele garantindo a segurança de todos os envolvidos. As bandeiras de conveniências entram, nesse contexto, como práticas adotadas a fim de burlar leis que impeçam a prática do comércio marítimo internacional devido a burocracias que os Estados Pavilhão possam impor. Atento a esses acontecimentos, o Brasil flexibilizou a sua legislação de registro de navios como meio de impedir a prática das bandeiras de conveniência somando esforços com a OIT e ITF na instituição de normas internacionais para regulamentar os direitos e deveres dos trabalhados dessas embarcações.
Palavras-chaves: Navios; registro; bandeiras de conveniência, OIT; ITF.
Abstract: After a birth of a vessel, its registry is necessary so the State Flag is able to apply its jurisdiction over the vessel ensuring safety for all of those involved. Flags of Convenience is a practice adopted in order to chouse the laws that prevent the practice of international maritime trade due the bureaucracy that are imposed by the Pavilion States. Being aware of these developments, Brazil has relaxed its rules for vessels registry in order to prevent the practice of flags of convenience by joining forces with the ILO and ITF establishing international standards to regulate the rights and duties for the vessels labors.
Keywords: Vessels; registry; flags of convenience; ILO; ITF.
Sumário: Introdução. 1. As Bandeiras de Conveniência. 1.2. Os Registros dos Navios. 2. O Brasil e as Bandeiras de Conveniência. 2.1. REB. 3. Os Tripulantes. 4. OIT e a Normatização das Relações Marítimas. 5. Recomendação No. 186 (MLC). 5.1. ITF. 6. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O mercado voraz e a necessidade de atender vários clientes nos quatro cantos do globo tornaram o modal marítimo uma importante ferramenta pela capacidade de transportar grandes quantidades de mercadorias. Dessa forma, inúmeras são as empresas que atendem esse mercado de contratos milionários, mas são poucas aquelas que possuem a preocupação com as conseqüências de seus atos já que o objetivo é o lucro imediato.
As bandeiras de conveniência nascem como forma de burlar regras que possam burocratizar o transporte garantindo a agilidade que os armadores e proprietários das embarcações necessitam quando se trata de comércio exterior. Atrelada a essa questão estão às condições subumanas que os tripulantes são expostos já que não há regras que previnam que maus tratos sejam evitados e a eles sejam garantidos direitos e deveres como qualquer outro trabalhador.
Atento a esses acontecimentos, a legislação brasileira procurou normatizar leis que incentivassem a adoção da bandeira nacional, pois além do país possuir uma das maiores costas do mundo, o portal de exportação nacional ocorre principalmente pela via marítima.
Apoiada pela OIT e a ITF, o Brasil buscou regulamentar a relação dos tripulantes marítimos a fim de garantir-lhes direitos humanitários de trabalho.
1. AS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA
Ao iniciar os estudos sobre Bandeiras de Conveniência o que se observa são as conseqüências negativas que seu exercício pode gerar não só no campo econômico como também os seu impactos ambientais. Vários são os casos emblemáticos envolvendo embarcações com bandeiras de conveniência como o recente caso do navio “Prestige[1]”, bandeira de Bahamas, que ao atravessar à costa da Galiza deparou-se com uma tormenta levando-o a romper um dos tanques que transportava um total de 77.000 toneladas de petróleo. Após partir ao meio, cerca de 47.000 ton. de resíduos procedentes do petroleiro foram derramados acarretando prejuízos em escalas ambientais e econômicas.
Assim como para as questões ambientais, a preocupação sobre as bandeiras de conveniência devem ser dada, em especial, quando se investiga a situação dos tripulantes desses navios. Alguns países são considerados redutos de sua prática com destaque para: Bahamas, Bermudas, Camboja, Chipre, Costa Rica, Filipinas, Guiné Equatorial, Honduras, Ilhas Cayman, Ilhas Cook, Panamá – país o qual os norte-americanos registravam seus navios durante a II Grande Guerra – e até Estados sem litoral[2] como o caso da Bolívia compõem esse rol.
As bandeiras de conveniência nasceram como meio de burlar burocracias que impediam os objetivos comerciais das empresas ou nações contratantes e é nesse cenário que se encontram as legislações trabalhistas. Identifica-se um navio de bandeira de conveniência quando se arvora bandeira diferente do país de sua propriedade[3]. Toda a inexistência de vínculo entre Estado de registro e navio colabora para o aumento de índices de acidentes da marinha mercante mundial[4].
Juridicamente falando, os Navios são uma coisa, um objeto de direito e propriedade e, como tal, caracteriza-se por sua individualidade, identidade e nacionalidade[5]. O navio na órbita legal será um objeto de direito e não um sujeito de direito. Quando os classificamos como objeto valerá dizer que são bens jurídicos com natureza patrimonial e, consequentemente, suscetíveis a exploração econômica. Não obstante, o registro de navios possui grande relevância uma vez que interesses econômicos e prerrogativas essenciais dos Estados estarão em xeque.
1.2 OS REGISTROS DOS NAVIOS
O registro e identificação de um navio não é algo tão simples quanto se possa parecer e a CNUDM III (Convenção das Nações Unidas Sobre Direito do Mar), especificamente em seu artigo 91, expressa a obrigatoriedade das embarcações possuirem vínculo com um único Estado Pavilhão que o submeterá à jurisdição exclusiva do Estado de Registro. Convém, nesse momento, informar que navio só será classificado como tal após o término de sua construção. Nas palavras da Doutrinadora Marítima Eliane M. Octaviano esse entendimento é destacado:
“Não se considera navio a construção não finalizada. Juridicamente, navio só é assim considerado depois da construção finalizada e devidamente equipado para o exercício da atividade de transporte marítimo, fluvial ou lacustre[6]”.
O registro será um passo definitivo entre a relação navio e Estado, pois toda a jurisdição quanto à fiscalização, regulamentação e normatização do que ocorrer com o mesmo em sua rota terá correspondência direta com o Estado Pavilhão. O próprio artigo 94, 6 da CNUDM III ressalva essa questão:
“Todo o Estado que tenha motivos sérios para acreditar que a jurisdição e o controle apropriados sobre um navio não foram exercidos pode comunicar os fatos ao Estado de bandeira. Ao receber tal comunicação, o Estado de bandeira investigará o assunto e, se for o caso, deve tomar todas as medidas necessárias para corrigir tal situação.”
2. O BRASIL E AS BANDEIRAS DE CONVENIÊNCIA
No Brasil, para que um navio tenha direito de arvorar sua bandeira é necessário que seu registro ocorra em órgãos competentes. O ato de registro não será apenas uma atividade puramente cartorial[7] sendo o Tribunal Marítimo órgão competente quando a embarcação tiver mais que 100 TAB (Tonelagem de Arqueação Bruta) e à Capitania dos Portos e demais órgãos subordinados quando for abaixo de 100 TAB. No caso de embarcações adquiridas no estrangeiro competirá à autoridade consular expedir documento provisório até que a embarcação possa ser devidamente registrada.
Entre os requisitos necessários para validar o registro da embarcação serão a residência e domicilio no Brasil ou, no caso de entidade pública, que a mesma esteja sujeita às leis brasileiras[8] (Lei n. 7.652/88, art. 6.).
2.1. REB (Registro Especial Brasileiro)
Ocorre que o Brasil, atento às tendências internacionais quanto à necessidade de urgência nos trâmites burocráticos do registro, preenchimento de requisitos para a validação e visando resguardar seus interesses nas questões econômicas, elaborou uma espécie de registro especial que possui por objetivo expandir o seu poderio econômico no que se refere ao comércio internacional pelo modal marítimo. Nesse instante, faz-se nascer o REB (Registro Especial Brasileiro) instituído em 1997 pela lei 9.432/97 e regulamentado pelo Decreto n. 2.256/97. A partir desse ato, o país colabora para o combate às bandeiras de conveniência e instiga ainda mais a competição comercial internacional, pois um país detentor de uma das maiores extensões costeiras do mundo não poderia ficar atrás nessa corrida capitalista.
No capítulo VII[9], do REB, foram definidos às vantagens quanto à utilização dessa espécie de registro a fim de estimular ainda mais o interesse da adoção da bandeira brasileira em embarcações.
Incentivados por essas novas regras, no ano 2010, ocorre o lançamento do primeiro navio porta-contêineres construído 100% no Brasil. Denominado de Jacarandá e construído pelo Estaleiro Ilha S.A. (Eisa), com verbas do Fundo da Marinha Mercante (FMM), a pedido da empresa de logística Log-In[10], esse foi o grande passo para demonstrar quanto uma legislação mais atenta aos acontecimentos globais pode colaborar para o desenvolvimento e reconhecimento do país no cenário internacional.
Não apenas no setor houve comemorações, o REB também trouxe benefícios aos armadores e tripulantes das embarcações com bandeira nacional, pois possibilitou a contratação dos marítimos sobre a proteção da própria legislação trabalhista nacional (CLT) garantindo-lhes condições humanitárias.
3. OS TRIPULANTES
A tripulação é o conjunto de pessoas empregadas a serviço do navio e embarcadas mediante contrato[11]. Eles são as figuras marítimas centrais que integram a estrutura dos navios tornando-se uma torre de babel de pessoas com diversas nacionalidades, línguas e culturas. Esses trabalhadores chegam a passar horas em ambientes fechados, expostos a doenças e risco de contagio proveniente de mercadorias contaminadas.
Nos navios com bandeiras de conveniência a imprudência e negligência na organização de contêineres são os principais responsáveis pelos impactos desastrosos dentro dos navios e ao meio ambiente externo. São situações como essas que faz com que a OIT – órgão de competência da ONU para os assuntos de trabalho- busque regulamentações especiais para esses trabalhadores.
4. OIT E A NORMATIZAÇÃO DAS RELAÇÕES MARÍTIMAS
A OIT, desde a sua origem, preocupou-se com a questão da segurança dos marítimos no exercício de suas funções e, através de Convenções e Regulamentações, procurou positivar leis que garantissem os direitos básicos dos mesmos. A própria OIT em sua Convenção nº 138[12] revisou as prerrogativas quanto ao tratamento dos tripulantes de embarcações limitando a idade de admissão ao trabalho marítimo.
De acordo com o seu art. 10º “Esta Convenção revê, nos termos estabelecidos neste Artigo, a Convenção sobre a Idade Mínima (Indústria), de 1919; a Convenção sobre a Idade Mínima (Trabalho Marítimo), de 1920; a Convenção sobre a Idade Mínima (Agricultura), de 1921; a Convenção sobre a Idade Mínima (Estivadores e Foguistas), de 1921; a Convenção sobre a Idade Mínima (Emprego não Industrial), de 1932; a Convenção (revista) sobre a Idade Mínima (Trabalho Marítimo), de 1936; a Convenção (revista) sobre a Idade Mínima (Indústria), de 1937; a Convenção (revista) sobre a Idade Mínima (Emprego não Industrial), de 1937; a Convenção sobre a Idade Mínima (Pescadores), de 1959, e a Convenção sobre a Idade Mínima (Trabalho Subterrâneo), de 1965”.
São inúmeras as Convenções e Recomendações adotadas até hoje que versam sobre matérias relativas à formação e acesso, às condições gerais, segurança saúde e bem-estar, segurança social, certificados de aptidão e inspeção do trabalho na órbita marítima.
Mais recentemente, em Fevereiro de 2006, a OIT aprovou uma Convenção nº 178 relativa à Inspeção das Condições de Vida e de Trabalho dos Trabalhadores Marítimos a partir de decisão conjunta com representantes internacionais dos marítimos, proprietários de navios e apoio de governos. O objetivo dessa convenção foi permitir aos países o direito de fiscalizar navios de outros países desde que signatários da Convenção cabendo sancioná-los em caso de descumprimento das cláusulas do acordo.
Com a Convenção nº 178, a batalha para a proteção dos tripulantes dos navios com bandeiras de conveniência ganhou mais um aliado. O Brasil tornou-se signatário da Convenção em 10 de fevereiro de 2009, ao promulgá-la a partir do decreto nº 6.766 juntamente com a Recomendação n.º 185 estabeleceram-se parâmetros mínimos para a organização do serviço de inspeção do trabalho marítimo colaborando para a garantia de direitos aos marítimos.
Em seu artigo 1, da Convenção, ficou definido que:
“Reservadas as disposições contrárias que figurem neste artigo, esta Convenção se aplica a todo navio utilizado para navegação marítima, de propriedade pública ou privada, que esteja registrado no território de um país Membro para o qual a Convenção esteja em vigor e que esteja destinado a fins comerciais para o transporte de mercadorias ou de passageiros ou que seja utilizado para qualquer outro fim comercial.”
5. RECOMENDAÇÃO No. 186 (MLC)
Também em 2006 a comunidade marítima se alegrou com a aprovação de mais uma Convenção pela OIT que unifica todos os padrões necessários para garantir condições mínimas aos marítimos. A “Declaração de Direitos” ou Convenção sobre o Trabalho Marítimo (MLC) na Recomendação 186 trouxe como pontos principais:
a) Garantias decentes de trabalho a bordo e condições de vida devendo ser assinada por ambos os marítimos e armador, ou um representante do armador;
b) Um salário mensal, pago em plena conformidade com o acordo de trabalho ou qualquer outro contrato de trabalho coletivo aplicável. Sendo 14 horas limite de trabalho no período de 24 horas e 72 horas no período de sete dias;
c) Os proprietários devem pagar as despesas de repatriamento dos marítimos em caso de doença, acidente, naufrágio de insolvência, a venda do navio, etc.;
d) Os requisitos específicos da infra-estrutura de alojamento e áreas de lazer e, especificamente, um tamanho mínimo das cabines e um sistema de aquecimento, ventilação e satisfatórias de saneamento, iluminação e infra-estrutura médica;
e) Acesso rápido aos cuidados médicos a bordo e nos portos;
f) Medidas para assegurar o cumprimento e a implementação do acordo incluem um sistema de certificação das normas laborais. O Estado de bandeira deve emitir “Certificado de Trabalho Marítimo” do navio e de uma “Declaração de Conformidade do Trabalho Marítimo”, que deve estar a bordo, à disposição de qualquer inspeção pelo Estado do Porto.
De acordo com o artigo[13] que tratou sobre a aprovação da nova Convenção, o diretor-geral da OIT, Juan Somavia, descreveu o acordo como “um avanço histórico para o mundo do trabalho.” Dierk Lindemann, Associação de Armadores, disse que o documento irá “preencher as lacunas das normas internacionais sobre as condições de trabalho. As considerações são o trabalho de base.” A Libéria[14] foi um dos primeiros países a ratificar a Convenção e é um dos países que figuram a lista negra das bandeiras de conveniência.
5.1 ITF
Com todo esse apoio aos tripulantes, a ITF (sigla em Inglês para Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte) adquiriu mais força na luta a fim de sindicalizar os tripulantes que são submetidos ao regime das bandeiras de conveniência. Sabe-se que essa situação foge do controle de qualquer organização de reconhecimento no campo internacional, pois o que está em jogo são os interesses das grandes corporações e os empregos desses tripulantes, que se submetem a trabalhos escravos apenas para terem o que se alimentar e fugir da realidade sofrida dos países de origem, ficando à mercê de outra realidade, na maioria dos casos, muito pior.
6. CONCLUSÃO
O transporte marítimo sempre foi um dos modais mais eficazes para o desenvolvimento comercial internacional e para que seu processo ocorra da melhor forma é importante que seus tripulantes possuam condições mínimas para a realização de seus trabalhos. Com o advento das bandeiras de conveniência os Estados perderam controle sobre embarcações de posse de nacionais, mas que ficam subordinados a jurisdições de outros países que patrocinam as práticas ilícitas de seus atos. Não só riscos ambientais, mas também de direitos dos tripulantes não são considerados quando se adota bandeira de conveniência para o registro de um navio. O lucro e imediatismo são a bússola dos armadores desses navios.
Atento a essas práticas, o Brasil procurou flexibilizar as suas leis quanto ao registro permitindo regras mais atrativas beneficiando-se da colaboração de normas positivadas pela OIT fiscalizadas pelo grupo sindical formado pela ITF. O antigo cenário marcado pelos drásticos acontecimentos originados de embarcações com bandeiras de conveniência está dando lugar a países mais responsáveis e com políticas mais humanitárias aos seus tripulantes.
Embora todo o esforço a fim de regulamentar a relação tripartite formada entre armadores e/ou proprietário, Estados de bandeira e tripulantes, o momento possibilita aos legisladores repensarem suas estratégias, pois enquanto for vantajoso na esfera comercial o controle da prática das bandeiras de conveniência não passará de negociações sem possibilidade de aplicação prática.
Termos utilizados
1 – Para efeitos da presente Convenção:
a) «Estado sem litoral» significa um Estado que não tenha costa marítima;
Informações Sobre o Autor
José Carlos de Carvalho Filho
Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Católica de Santos – UNISANTOS. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual Paulista – UNESP